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Sobre as palestras científicas com crivo de bancas avaliadoras

EDITORIAL

Sobre as palestras científicas com crivo de bancas avaliadoras

Há tempos a comunidade científica tem se mostrado até certo ponto ressabiada com o que se fala e escreve nos meios acadêmicos. Parece que uma onda cética emerge em decorrência da democratização e conseqüente desmistificação dos meios de divulgação, dentre eles, os periódicos científicos.

Hoje é fala corrente a possibilidade de haver parcialidade, pouco rigor investigativo e até a falta de veracidade em muitas revistas de visibilidade mundial.

O conflito de interesse, com colegas tendo participação em trabalhos cujo resultado, positivo ou não, favorece alguma coorporação em que o pesquisador esteja empregado ou tenha algum vínculo ou favorecimento, a necessidade de produção científica gerada pelo sistema acadêmico, onde quem publica mais recebe mais, fazendo com que haja uma prole de "trabalhos clones" a partir de uma única pesquisa e o aparecimento de veículos "porta-vozes" apócrifos de empresas comerciais, que publicam artigos com interesse um pouco além do científico têm trazido uma enorme fragilização da confiabilidade no que se lê.

De certa forma, este tipo de incredulidade pode ser bastante salutar visto que retira um pouco do dogmatismo existente na palavra escrita e, aquela antiga sensação, de que o que está escrito tem que ser verdade, sobretudo se vier de uma publicação indexada em banco de dados internacional, começa a sofrer grandes modificações. Esta condição excepcional de mudança revela, como tudo na vida, dois lados a serem considerados, o primeiro é o favorecimento e alargamento das ações da crítica científico-literária, visto que seria impensável a possibilidade de qualquer profissional ter a capacidade de ler, absorver, criticar e ponderar sobre cada uma das mais de 8000 publicações médicas veiculadas a cada ano.

O surgimento de profissionais cujo discernimento científico, habilitação em pesquisa e poder analítico se agregassem com o intuito de analisar e emitir pareceres abalisados sobre os principais veículos e suas publicações parece que começa a tomar forma. Da mesma maneira, a valorização dos índices de aceitação de um periódico, através de fatores de impacto e citação, vai mostrando "quem é quem" na disputa selvagem por um lugar ao sol no universo editorial científico médico.

É lógico que, apesar dos avanços, haja impropriedades, como as inadequações amostrais dos principais índices usados como o ISI, visto que pouquíssimas publicações são indexadas no JCR de onde o fator é extraído e, portanto, apresentando um viés amostral.

De todo o modo, o lado feliz dentro do pessimismo cético seria, a médio prazo, o da valorização da qualidade em detrimento da quantidade. O lado negro da situação seria a negação paulatina dos meios de divulgação com a redução de sua credibilidade. Provavelmente os dois lados tenderão a uma aproximação, o que de certo modo já vem ocorrendo, com a seleção natural de revistas, restando as mais procuradas, provavelmente por apresentarem maior valor científico (pelo menos do ponto de vista de quem as lê) e o surgimento de periódicos especializados no campear de artigos com impacto nas diversas áreas do saber. Isto agregado aos diversos institutos especializados na produção de revisões sistemáticas da literatura leva a uma receita onde podemos vir a renovar a credibilidade dos periódicos científicos e, ao mesmo tempo, favorecer a pesquisa de peso e rigor.

Mas vale lembrar que não são todos os profissionais que têm tempo ou disposição, e talvez mesmo habilitação para coletar informações úteis em artigos científicos. Nós sabemos que muitas destas informações se encontram "escondidas" em métodos e artimanhas estatísticas que nem sempre estão ao alcance de todos ou podem passar desapercebidas em uma leitura desatenta. Para este quinhão de "excluídos" devido ao tempo, desatenção ou formação há de se conceber um substituto seguro.

Hoje consideramos ser este o papel dos professores de escolas médicas e palestrantes de congressos de especialidade. Temos observado que hoje em dia raramente assistimos aulas onde o conferencista não apresente alguma referência bibliográfica quando este profere conceitos controversos ou novidades. Esta é uma medida salutar e favorece a disseminação do conhecimento de maneira mais crítica. Entretanto espera-se que o uso das referências seja feito de maneira criteriosa e abalisada, e além disso, que todos o façam, padronizando as palestras e modificando a nossa cultura de conhecimento informal, onde os conceitos são expresso e defendidos, sem se explicitar de onde veio e como foram formados e validados. É neste ponto que o Congresso Triológico de Otorrinolaringologia pode começar a ser uma marco.

A transformação dos convites para palestras em uma espécie de avaliação para temas livres pode ajudar a dar este viés eminentemente científico e rigoroso às apresentações. Um sistema com esta característica, além de assegurar um maior cuidado na preparação das apresentações, pode vir a uniformizá-las em seu formato e exigências mínimas, afora poder ser a porta de entrada na vida acadêmica de muitos jovens promissores que às vezes acabam tendo sua iniciação postergada devido ao seu distanciamento das esferas de decisão dos congressos, por estarem fora das grandes escolas ou centros de formação.

Nos últimos três Congressos Brasileiros e Triológicos, paulatinamente aperfeiçoamos o formato de análise dos temas livres de maneira a sistematizá-lo e adequá-lo a uma política de credenciamento científico. Hoje temos implementado um sistema de avalição baseado na plataforma da Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, que utiliza o sistema online e os revisores de nosso periódico, assim como favorecemos as premissas científicas básicas para o processo de investigação que são eleitas por nossa revista. Isto de certa forma profissionalizou o trâmite dos trabalhos e viabilizou que a avaliação fosse realizada com três pareceristas de forma duplo-cega para cada tema enviado.

O grau de rigidez ainda não é o mesmo da revista, uma vez que os objetivos são diferentes, mas caminha para isto, pelo menos no tocante às apresentações orais que, no Congresso Triológico, tendem a ocupar cada vez mais a grade nobre dos eventos. Atualmente o processo de avaliação tem quatro fases: na primeira os trabalhos são avaliados quanto ao formato, sendo obrigatório que todos estejam adequados aos requisitos de submissão à RBORL. Os trabalhos devem ser completos, com os resultados, discussão e conclusão devidamente explicitados e um resumo estruturado deve ser apresentado. Uma vez atingida a adequação, o trabalho é avaliado quanto ao seu conteúdo e se contiver uma pergunta científica será julgado para a apresentação oral e concorrerá a prêmio. Caso seja um trabalho de levantamento de série de casos ou relato de caso raro será encaminhado para apresentação em forma de poster. Definida a forma de apresentação caso seja aprovado, o trabalho é avaliado quanto a área temática em que está incluso para que os pareceristas com habilitação na especialidade seja alocado. Em princípio, todo trabalho recebe três pareceres, duplo-cego, onde o tema deve ser avaliado quanto ao impacto que pode oferecer à especialidade, adequação metodológica, clareza dos resultados, adequação da discussão e consistência das conclusões. Além da nota os trabalhos devem ser ou não aprovados para a apresentação no Congresso. A média das notas definirá se o trabalho está entre os 10 melhores de sua área e irá concorrer aos prêmios de "Melhor Trabalho Científico - MTC", se o trabalho será apresentado oralmente na grade do Congresso, se será apresentado como poster ou se será recusado. Finalmente, no decorrer do Congresso, todos os trabalhos apresentados, em qualquer formato, serão julgados por uma banca in loco, e os prêmios de MTC, melhor trabalho de pesquisador jovem e melhor poster serão comunicados.

Para que esta tarefa seja levada a efeito, é necessário um batalhão de revisores habilitados e com experiência na crítica científica, sendo, por isso, convocados a partir do corpo editorial da Revista Brasileira de Otorrinolaringologia e junto aqueles colegas que já passaram por um processo de habilitação científica na pós-graduação, tendo, no mínimo, título de Mestre e sendo, em sua maioria, Doutores. Deste modo, consideramos que atingimos um excelente padrão de julgamento que, no decorrer do processo vai sendo lapidado, uma vez que há reuniões preparatórias para determinar o nível de exigência e o trâmite processual dos julgamentos no local do evento.

No processo atual, foram convocados cerca de 100 pareceristas para as duas primeiras fases e serão utilizados outros 100 para o julgamento no Congresso.

Foram cerca de 400 trabalhos submetidos e aprovados, diversos com altíssimo padrão científico, o que só engrandece a qualidade de nosso evento. Quem ganha é a especialidade, quem ganha é o especialista.

Com isso termino agradecendo fortemente a todos os pareceristas, revisores e membros da banca que participam do processo de seleção prévia, avaliação in loco e discussão dos temas livres em apresentação oral e poster de nosso Congresso Triológico, dizendo que já são, e com certeza serão cada vez mais os grandes responsáveis pela seriedade e qualidade de nossos eventos científicos.

Saudações

Henrique Olival Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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