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Circunstâncias e conseqüências de quedas em idosos com vestibulopatia crônica

Resumos

OBJETIVO: Investigar as circunstâncias e conseqüências de quedas em idosos com vestibulopatia crônica e relacioná-las com o número de quedas (uma/ duas e mais quedas). MÉTODO: Estudo transversal descritivo analítico com 64 pacientes com idade igual ou superior a 65 anos, com história de quedas e diagnóstico de disfunção vestibular crônica. Foram realizadas a análises descritivas e teste Qui-Quadrado, <0,05. RESULTADOS: A amostra apresentou maioria feminina (76,6%) e média etária de 73,62±5,69 anos. O exame vestibular evidenciou vestibulopatia periférica (81,5%) e as hipóteses diagnósticas prevalentes foram vertigem posicional paroxística benigna (43,8%) e labirintopatia metabólica (42,2%). Quedas recorrentes foram verificadas em 35 idosos (53,1%). Em relação à última queda, 39,1% sofreram a queda fora do domicílio, 51,6% das quedas ocorreram no período da manhã, 51,6% delas por mecanismo de propulsão, 53,1% durante a deambulação, 25,0% causadas por tontura e 23,4% por tropeço. A restrição das atividades foi significativamente maior nos pacientes que sofreram duas e mais quedas, quando comparados aos que sofreram uma queda (p=0,031). Foi encontrada associação significativa entre número de ocorrência de quedas e as causas da queda (p<0,001). A causa de queda por escorregamento é maior em idosos que referiram uma queda (p=0,026) e a causa de quedas por tontura teve maior ocorrência em idosos que referiram duas e mais quedas (p=0,001). CONCLUSÕES: O medo de queda e a tendência a quedas são referidos pela maioria dos idosos com vestibulopatia crônica. A queda é mais freqüente pela manhã, fora do domicílio e durante a deambulação. A direção propulsiva é referida pela metade dos idosos e as causas mais comuns das quedas são vertigem e tropeço. O número de quedas está associado à restrição das atividades após a última queda e às causas da queda (escorregamento e tontura).

doença vestibular; idoso; quedas, tontura


AIM: To investigate the circumstances and consequences of falls in the chronically dizzy elderly and to correlate them with the number of falls (one/two and more). METHOD: Transversal descriptive analytic study with 64 patients aged 65 or over, with history of falls and diagnostic of chronic vestibular dysfunction. We performed a descriptive analysis and Qui-Square test (<0.05). RESULTS: The sample was constituted by a female majority (76.6%) with a mean age of 73.62±5.69 years. The vestibular examination showed peripheral vestibulopathy in 81.5% of the cases and the most prevalent diagnostic hypothesis were benign paroxysmal positional vertigo (43.8%) and metabolic inner ear disease (42.2%). Recurrent falls were seen in 35 elderly (53.1%). In relation to the last fall, 39.1% of the patients had fallen in their homes, 51.6% of them occurred during the morning, 51.6% with some propulsion mechanism, 53.1% when walking, 25.0% caused by dizziness and 23.4% by stumbling. Activity restriction was significantly greater in patients that have already had two and more falls, when compared with those who had fallen only once (p=0.031). We found a significant association between the number of falls and their causes (p<0.001). Falls that have happened by slipping were more frequent in the elderly that reported one fall (p=0.0265) and falls that had happened because of dizziness were more frequent in the elderly that complained of two or more falls (p=0.0012). CONCLUSION: Fear and tendency to fall are referred by the majority of chronically dizzy elderly. Fall are more frequent in the morning, in the home and during walking. The propulsion direction is mentioned by half of the elderly and the most common cause for falls are dizziness and stumbling. The number of falls is significantly associated with activity restrictions after the last fall and with the causes for falling (slipping and dizziness).

vestibular disease; elderly; falls; dizziness


ARTIGO ORIGINAL

Circunstâncias e conseqüências de quedas em idosos com vestibulopatia crônica

Fernando Freitas GanançaI; Juliana Maria GazzolaII; Mayra Cristina ArataniIII; Monica Rodrigues PerraciniIV; Maurício Malavasi GanançaV

IMédico Otorrinolaringologista, Doutor em Medicina pela UNIFESP - EPM. Professor Afiliado da Disciplina de Otoneurologia da UNIFESP - EPM. Professor do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação Neuromotora da UNIBAN

IIFisioterapeuta. Especialista em Gerontologia pela UNIFESP - EPM. Mestre em Ciências pelo Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM

IIIFisioterapeuta. Especialista em Gerontologia pela UNIFESP - EPM

IVFisioterapeuta. Doutora em Ciências da Reabilitação pela UNIFESP - EPM. Professora Coordenadora do Mestrado em Fisioterapia da UNICID

VProfessor Titular de Otorrinolaringologia da UNIFESP - EPM. Pesquisador Sênior do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Ciências da Reabilitação Neuromotora da UNIBAN. Responsável pela Área de Equilibriometria do Setor de Otorrinolaringologia do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury - São Paulo (SP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Fernando F. Ganança Rua dos Otonis 700 Piso Superior Vila Clementino 04025-002 São Paulo SP Tel. (0xx11) 5575 2552 E-mail: otoneuro@unifesp.epm.br.

RESUMO

OBJETIVO: Investigar as circunstâncias e conseqüências de quedas em idosos com vestibulopatia crônica e relacioná-las com o número de quedas (uma/ duas e mais quedas).

MÉTODO: Estudo transversal descritivo analítico com 64 pacientes com idade igual ou superior a 65 anos, com história de quedas e diagnóstico de disfunção vestibular crônica. Foram realizadas a análises descritivas e teste Qui-Quadrado, <0,05.

RESULTADOS: A amostra apresentou maioria feminina (76,6%) e média etária de 73,62±5,69 anos. O exame vestibular evidenciou vestibulopatia periférica (81,5%) e as hipóteses diagnósticas prevalentes foram vertigem posicional paroxística benigna (43,8%) e labirintopatia metabólica (42,2%). Quedas recorrentes foram verificadas em 35 idosos (53,1%). Em relação à última queda, 39,1% sofreram a queda fora do domicílio, 51,6% das quedas ocorreram no período da manhã, 51,6% delas por mecanismo de propulsão, 53,1% durante a deambulação, 25,0% causadas por tontura e 23,4% por tropeço. A restrição das atividades foi significativamente maior nos pacientes que sofreram duas e mais quedas, quando comparados aos que sofreram uma queda (p=0,031). Foi encontrada associação significativa entre número de ocorrência de quedas e as causas da queda (p<0,001). A causa de queda por escorregamento é maior em idosos que referiram uma queda (p=0,026) e a causa de quedas por tontura teve maior ocorrência em idosos que referiram duas e mais quedas (p=0,001).

CONCLUSÕES: O medo de queda e a tendência a quedas são referidos pela maioria dos idosos com vestibulopatia crônica. A queda é mais freqüente pela manhã, fora do domicílio e durante a deambulação. A direção propulsiva é referida pela metade dos idosos e as causas mais comuns das quedas são vertigem e tropeço. O número de quedas está associado à restrição das atividades após a última queda e às causas da queda (escorregamento e tontura).

Palavras-chave: doença vestibular, idoso, quedas, tontura.

INTRODUÇÃO

Tontura é a sensação de perturbação do equilíbrio corporal. Pode ser definida como uma percepção errônea, uma ilusão ou alucinação de movimento, uma sensação de desorientação espacial do tipo rotatório (vertigem) ou não rotatório (instabilidade, desequilíbrio, flutuação, oscilação, oscilopsia). Não é rara a ocorrência de tonturas de diversos tipos (rotatórios e não-rotatórios) num mesmo indivíduo. Ambos os tipos podem ser ou não por distúrbio vestibular, que pode ser comprovado por meio de exame otoneurológico1. As tonturas são decorrentes de desordens funcionais primárias ou secundárias do sistema vestibular em aproximadamente 85% dos casos2.

Os distúrbios do equilíbrio em idosos têm como principal complicação a queda. A queda é definida como um evento não-intencional que tem como resultado a mudança de posição do indivíduo para um nível inferior em relação a sua posição inicial, sem que tenha havido um fator intrínseco determinante, como um acidente vascular cerebral ou síncope, ou um acidente inevitável3,4.

Em estudo realizado na região metropolitana de São Paulo, Perracini e Ramos5 observaram a prevalência de quedas em cerca de 30,0% e de quedas recorrentes em 11% da população composta por idosos da comunidade. Apesar da maioria das quedas, 30,0 a 50,0%, não requererem atenção médica por resultarem em lesões insignificantes, 10,0 a 15,0% das quedas resultam em lesões graves sendo a mais comum a fratura de quadril (1,0 a 2,0%). Aproximadamente 25% das quedas ocorridas na comunidade resultam imediatamente em limitação das atividades devido a algum prejuízo físico ou ao medo de cair4.

Em estudo de incidência de quedas em indivíduos com hipofunção vestibular verificou-se que os indivíduos com déficit vestibular bilateral caíram mais que os pacientes com comprometimento unilateral, 51,1% e 30,0%, respectivamente. Dos pacientes com déficit vestibular unilateral, aqueles maiores de 75 anos tiveram incidência maior de quedas em relação aos pacientes com menos de 65 anos. Entretanto, dos pacientes com déficit vestibular bilateral, a incidência de quedas de idosos com 75 anos e mais foi menor em relação aos pacientes com menos de 74 anos, provavelmente por aumento da demanda atencional e diminuição das atividades, com menor exposição aos riscos ambientais. Nenhuma diferença na incidência de quedas foi encontrada entre pacientes com disfunção vestibular unilateral e indivíduos da comunidade com 65 anos de mais. Houve um número significativamente maior de quedas em pacientes com disfunção vestibular bilateral entre 65 a 74 anos quando comparados aos idosos da comunidade da mesma faixa etária6.

As quedas freqüentemente ocorrem como um somatório de fatores de risco intrínsecos e extrínsecos, sendo difícil restringir um evento de queda a um único fator de risco ou a um agente causal. Os fatores intrínsecos relacionados a quedas em idosos são imobilidade e incapacidade funcional para realizar as atividades de vida diária, diminuição de força muscular de membros inferiores, déficit de equilíbrio, queixa de tontura, uso de medicações psicotrópicas, déficits cognitivo, visual e/ou auditivo, hipotensão postural, distúrbios da marcha e doenças crônicas. Os fatores extrínsecos são os riscos ambientais (má iluminação, piso escorregadio e outros), comportamentos de risco (subir em cadeiras) e também estão relacionados com a tarefa desempenhada no momento7. Quando as demandas sobre o controle postural são maiores que a capacidade do indivíduo, ocorre uma queda8.

Não foram encontrados na literatura científica nacional e internacional estudos sobre as circunstâncias e conseqüências de quedas em idosos com vestibulopatia crônica. A identificação destas características pode direcionar estratégias de prevenção específicas para reduzir a ocorrência de quedas e suas complicações.

Os objetivos deste estudo são investigar as circunstancias e conseqüências de quedas em idosos com vestibulopatia crônica e relacioná-las com o número de quedas (uma/ duas e mais quedas).

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal descritivo analítico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM), protocolo número 01214/05. Trata-se de parte de um estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 03/10119-3.

A amostra foi constituída por pacientes provenientes do Ambulatório de Otoneurologia da UNIFESP - EPM, com 65 anos e mais, dos gêneros masculino ou feminino, com vestibulopatia crônica, caracterizada pela queixa de tontura e/ou desequilíbrio e/ou atordoamento e/ou outras sensações inespecíficas de tontura há pelo menos três meses. A avaliação não foi realizada durante a crise vertiginosa.

Foram excluídos do estudo os idosos que apresentaram acuidades visual e auditiva gravemente diminuídas e absolutamente incapacitantes às atividades de vida diária, mesmo com uso de lentes corretivas e/ou aparelhos de amplificação sonora; que tinham amputações de membros inferiores e de membros superiores; e os impossibilitados de deambular independentemente e com locomoção exclusivamente por cadeira de rodas.

Os idosos foram inicialmente submetidos à avaliação clínica otoneurológica, que incluiu anamnese e exame físico otorrinolaringológico, audiometria, imitanciometria e exame vestibular, realizado por intermédio da vectoelectronistagmografia, de acordo com os critérios descritos na literatura9,10.

Os pacientes foram questionados quanto à ocorrência de quedas em relação ao último ano da data da avaliação.

Foram pesquisados o local, o período, a iluminação do ambiente, a direção da queda, as causas da queda, a tarefa desenvolvida no momento da queda e se houve restrição das atividades cotidianas após a queda. Para os casos recorrentes, ou seja, duas e mais quedas, o paciente foi questionado em relação ao último evento. Ainda, o paciente foi questionado sobre ocorrência de tendência a quedas e se apresentava medo de queda.

Para as análises estatísticas, foram realizadas as análises descritivas dos dados. Para a análise inferencional, a variável "número de ocorrência de quedas" foi comparada com as variáveis local, período, iluminação do ambiente, direção da queda, causas da queda, tarefa desenvolvida no momento da queda e se houve restrição das atividades cotidianas após a queda e calculadas por meio do teste Qui-Quadrado (c2). Para a identificação de associações entre variáveis das tabelas de contingência em que 25,0% das caselas apresentaram ocorrências menores do que cinco, foi utilizado o teste Exato de Fisher. Na análise de associações entre as freqüências de uma amostra com duas categorias utilizou-se o teste Qui-Quadrado ou de Aderência, seguido pela correção de Yates. O nível de significância para os testes estatísticos foi fixado em 5% (a < 0,05).

As análises foram realizadas pelo programa computacional SPSS 10.0 for Windows11.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi constituída por 64 idosos com diagnóstico médico de síndrome vestibular crônica em acompanhamento ambulatorial, com média etária de 73,62 anos e desvio-padrão (DP) de 5,69, sendo a idade máxima de 89 anos. Quinze (23,4%) foram do gênero masculino e 49 (76,6%) do feminino.

O número médio de doenças por indivíduo foi de 3,98 e DP de 1,77, com o máximo de oito doenças associadas. As doenças mais prevalentes foram do aparelho circulatório (78,1%), dos sistemas osteomuscular e tecido conjuntivo (67,2%) e endócrinas nutricionais e metabólicas (54,7%). O número médio de uso de medicamentos pelos pacientes foi de 4,08 medicamentos e DP de 2,38, sendo o uso máximo de dez medicamentos.

O resultado do exame vestibular foi 81,5% de Síndrome Periférica, 11,1% sem anormalidades e 7,4% de Síndrome Vestibular Central. As afecções vestibulares mais freqüentes foram vertigem posicional paroxística benigna (43,8%) e labirintopatia metabólica (42,2%).

Sete indivíduos (10,9%) utilizavam dispositivo de auxílio para deambulação.

Dos 64 idosos avaliados, 34 (53,1%) relataram episódios recorrentes do evento. O medo de quedas e a tendência a quedas foram referidos pela maioria dos pacientes, 73,4% e 82,8%, respectivamente.

O período de ocorrência da queda mais freqüente foi de manhã (51,6%), seguido por à tarde (34,4%), à noite (12,5%) e de madrugada (1,6%).

A direção da queda referida pelos idosos foi propulsão em 51,6% dos pacientes, retropulsão em 15,6%, lateral direita em 15,6%, lateral esquerda em 12,5% e 4,7% não souberam responder.

O local em que as quedas ocorreram encontra-se descrito na Tabela 1. Das quedas ocorridas no ambiente interno do domicílio, 38,1% foram no banheiro. Na grande maioria das quedas, o ambiente estava bem iluminado (85,9%).

As tarefas mais freqüentes realizadas no momento da queda foram deambulação (53,1%), descer/ subir escadas (10,9%), transferência postural (9,4%) e tomar banho (6,3%).

Entre as causas das quedas, a vertigem foi a mais comum (25,0%), seguida por tropeço (23,4%), escorregamento (20,3%), síncope/ escurecimento da visão (10,8%) e outras (20,5%). Dentre as "outras" causas estão a atenção diminuída no momento (7,9%), o falseamento de joelhos (7,9%) e o obstáculo súbito (4,7%).

Quatorze idosos (21,9%) referiram restrição das atividades cotidianas após a última queda.

Foi encontrada associação significativa entre número de ocorrência de quedas e restrição das atividades após a última queda (p=0,031). A restrição das atividades foi significativamente maior (78,6%) nos idosos vestibulopatas que sofreram duas e mais quedas, quando comparados aos que sofreram uma queda (21,4%).

Foi encontrada associação significante entre número de ocorrência de quedas e as causas da queda (p < 0,001). Dentre as causas de quedas, foi encontrada diferença estatística significante entre número de quedas e escorregamento (p=0,026), sendo maior a ocorrência do escorregamento em idosos que referiram uma queda. As causas de quedas por tontura ou vertigem tiveram maior ocorrência em idosos que referiram duas e mais quedas no período estudado, com diferença estatisticamente significante (p=0,001), como mostra a Tabela 2.

Não foram encontradas associações significativas entre a variável número de ocorrência de quedas e as variáveis local, período, iluminação do ambiente e direção da queda.

DISCUSSÃO

A população do presente estudo caracterizou-se por uma média etária relativamente alta (73,62 anos) concordando com outros autores no que diz respeito ao avanço da idade ser um possível fator de perda da função vestibular, determinando em múltiplos sintomas otoneurológicos associados, tais como, vertigem e outras tonturas, desequilíbrio, perda auditiva, zumbido, entre outros12,13.

As mulheres foram prevalentes em 76,6% dessa amostra, concordando com os achados da literatura. A tontura é mais freqüente na mulher, na proporção de 2:114 e elas também parecem cair mais5,15.

Diversas doenças podem causar tontura em idosos, mas as etiologias metabólicas e vasculares são as principais responsáveis pelo acometimento, seja por lesão primária ou secundária do sistema vestibular16,17. Os achados deste estudo corroboram com essa inferência, visto ter sido observado 78,1% da amostra com alguma doença no aparelho circulatório e 54,7% no sistema endócrino nutricional e metabólico.

Em relação aos dados clínicos otoneurológicos, a população estudada assemelhou-se aos achados da literatura18,19, em relação ao predomínio de distúrbio vestibular periférico, como, também em relação às afecções vestibulares mais freqüentes. Segundo Ganança et al.2, a VPPB é a vestibulopatia mais comum em idosos, principalmente do sexo feminino.

A amostra do presente estudo diferiu dos achados populacionais de idosos no que se refere à ocorrência de quedas recorrentes. Quedas recorrentes ocorreram em 29,2% no presente estudo, diferindo do estudo realizado na região metropolitana de São Paulo com idosos da comunidade, em que se obteve prevalência de 11,0%5. Para Herdman et al.6, a tontura de origem vestibular pode ser um fator desencadeante de quedas e quedas recorrentes, pois as disfunções vestibulares limitam o controle postural predispondo à instabilidade e ao desalinhamento corporal.

No presente estudo, 21,9% dos indivíduos apresentaram restrição das atividades de vida diária após a última queda, o que concorda com Nevitt4 que verificou lesões graves ou limitações das atividades em 25,0% dos indivíduos da comunidade que apresentaram quedas, devido a algum prejuízo físico ou ao medo de cair.

As quedas apresentadas pelos pacientes vestibulopatas do atual estudo ocorreram principalmente fora do domicílio, em lugar conhecido (36,1%). Berg et al.20 estudaram quedas em idosos independentes que viviam na comunidade e verificaram que estas ocorreram mais no domicílio, em ambiente externo (35,0%). Para os idosos com disfunção vestibular crônica, as tarefas parecem se tornar mais difíceis de serem realizadas, à medida que o ambiente exige maior controle postural21. Fora do domicílio, a estabilização do campo visual, os movimentos de cabeça e tronco e, sobretudo o equilíbrio dinâmico para enfrentar qualquer obstáculo que eventualmente possa aparecer, são potencialmente mais exigidos22.

As quedas dos pacientes vestibulopatas do presente estudo ocorreram preferencialmente no período da manhã (51,6%), contrariando o estudo de Jekins et al.12 em que 52,0% das quedas aconteceram no período da tarde. Este fato pode estar relacionado à diminuição ou abolição dos sintomas e/ou sinais vestibulares, mediada por exposição repetitiva aos estímulos sensoriais que pode ocorrer no decorrer do dia20.

Em relação à direção da queda, metade da amostra referiu queda para frente (propulsão). A dificuldade dos idosos vestibulopatas em utilizar a estratégia reativa de quadril, na tentativa de controlar o centro de gravidade na busca da base de sustentação, em uma perturbação mais forte e rápida, poderia explicar grande parte das quedas com esta direção23-25. Nesta estratégia, a linha do olhar se desloca com a posição da cabeça, o que poderia tornar mais difícil a estabilização do campo visual para o idoso com alteração vestibular.

Entre as causas das quedas nos indivíduos do presente estudo, a vertigem foi a mais comum (25,0%), seguida por tropeço (23,4%) e escorregamento (20,3%). Tropeço e escorregamento também foram verificados por Berg et al.20 com idosos da comunidade, em 34,0% e 25,0%, respectivamente. A maior prevalência da vertigem, como causa de queda, provavelmente se deve à vestibulopatia que os idosos do atual estudo apresentaram.

Notou-se, no presente estudo, que as tarefas mais freqüentemente desenvolvidas no momento da queda foram deambulação, descer/ subir escadas, atividades que envolveram transferência postural e tomar banho. Cohen22 observou que levantar da cadeira foi difícil para 94,0% dos pacientes vestibulopatas com idade entre 35 e 82 anos, caminhar no plano ou em superfície irregular para 81,0% e tomar banho e subir escada para 75,0% destes. Estas tarefas são constituídas por atividades que requerem um bom funcionamento dos sistemas envolvidos com o equilíbrio corporal, e na presença de disfunção destes sistemas, tais atividades se tornam desafiadoras, podendo comprometer o controle postural e propiciar as quedas21,26.

As quedas estão fortemente associadas ao declínio da função física, que acompanha o processo de envelhecimento do indivíduo, e que é representado, no âmbito funcional, pela diminuição ou perda da habilidade de desempenhar ou cumprir as demandas da vida diária, diante dos desafios ambientais5.

A restrição das atividades foi significativamente maior nos idosos vestibulopatas que sofreram duas e mais quedas, quando comparados aos que sofreram uma queda. As atividades restritas, ao menos temporariamente, podem ser decorrentes de traumas, medo de cair, ordem médica e/ou doenças coexistentes4,27. As atividades motoras funcionais, relacionadas à movimentação cefálica e ao controle do equilíbrio, podem desencadear tonturas em pacientes com vestibulopatias, aumentando ainda mais a restrição das atividades.

No atual estudo, verificou-se que o escorregamento foi o motivo de queda com maior ocorrência em idosos que referiram uma queda, enquanto que a tontura ou vertigem apresentaram maior ocorrência em idosos que referiram duas e mais quedas no período estudado. Tais achados sugerem que os idosos vestibulopatas com maior suscetibilidade ao desequilíbrio corporal apresentam, na maioria das vezes, quedas motivadas pelo distúrbio vestibular e, também, ressaltam a importância da prevenção de quedas relacionadas aos fatores extrínsecos, tais como riscos ambientais, que podem provocar escorregamento.

De acordo com evidências encontradas na literatura, Perracini7 cita diversas intervenções recomendadas para tratamento de fatores de risco de quedas em idosos da população geral, tais como: 1) programa de fortalecimento muscular de quadríceps e dorsiflexores de tornozelo; 2) treino de equilíbrio em relação à integração das informações sensoriais, controle dos limites de estabilidade, controle da rotação de tronco e eficácia das estratégias motoras; 3) adequação e/ou prescrição de dispositivo de auxílio à marcha; 4) adequação de lentes corretivas; 5) prescrição e uso adequado de aparelho de amplificação sonora; 6) uso adequado de medicação psicotrópica; 7) modificação ambiental e adaptações necessárias por terapeuta ocupacional; e 8) manejo farmacológico específico e fisioterapêutico das doenças crônico-degenerativas.

A identificação de fatores de risco para quedas que possam ser modificados por meio de intervenções específicas é essencial, tanto na prevenção de futuros episódios, como no manejo do processo de Reabilitação. Destaca-se, portanto, a necessidade de realização de novos estudos que possam contribuir para a melhor identificação dos fatores de risco para quedas em idosos vestibulopatas.

CONCLUSÕES

O medo de queda e a tendência a quedas são referidos pela maioria dos idosos com vestibulopatia crônica. A queda é mais freqüente pela manhã, fora do domicílio e durante a deambulação. A direção propulsiva é referida pela metade dos idosos e as causas mais comuns das quedas são vertigem e tropeço. O número de quedas está associado à restrição das atividades após a última queda e às causas da queda (escorregamento e tontura).

Fapesp. Protocolo número 03/10119-3

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 26 de janeiro de 2005.

Artigo aceito em 5 de abril de 2006.

Disciplina de Otoneurologia da UNIFESP - EPM / Setor de Reabilitação Vestibular.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      05 Abr 2006
    • Recebido
      26 Jan 2005
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