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Reconhecimento de padrão temporal e escuta dicótica em descendentes de japoneses, falantes e não-falantes da língua japonesa

Resumos

A exposição de um indivíduo a duas línguas diferentes poderia trazer benefícios ao desenvolvimento auditivo. OBJETIVO: Analisar o comportamento auditivo em testes de reconhecimento de padrões temporais (Teste de Padrão de Freqüência e de Duração) e de escuta dicótica de dissílabos familiares (Teste Dicótico de Dígitos) e não-familiares (Teste Dicótico de Dissílabos Alternados/ SSW em português) em descendentes de japoneses, que moram no Brasil, falantes ou não da língua japonesa, comparando-os ao desempenho de brasileiros não-descendentes de orientais e que não possuem contato com o idioma japonês. MÉTODO: 60 sujeitos, com idade entre 17 e 40 anos, escolaridade superior ao terceiro ano do Ensino Médio, reunidos em três grupos: GJJ, descendentes de japoneses falantes do português Brasileiro e do Japonês; GJP, descendentes de japoneses falantes do português e não-falantes do Japonês; GBP, não-descendentes de orientais falantes do português. Foram submetidos a um questionário e aos testes de processamento temporal quanto à freqüência (TPF) e duração (TPD), teste dicótico de dígitos (TDD) e SSW. RESULTADOS: GJJ e GJP apresentaram melhor desempenho no TPF em relação ao TPD e tiveram no TPF média de acertos maior do que o grupo GBP. O grupo GJJ, no teste SSW apresentou média de acertos significantemente superior ao GJP e ao GBP. CONCLUSÃO: A experienciação auditiva fornecida pelo bilingüismo (idioma japonês e português brasileiro) facilitou o desempenho no SSW.

grupos étnicos; multilingüismo; percepção auditiva; testes auditivos


The aim of this study was to analyze the auditory behavior in Pitch(PPS) and Duration(DPS)Pattern Sequence tests and in the Dichotic Listening (Dichotic Digits Test/DDT) of familiar and unfamiliar words (Staggered Spondaic Words/SSW) in Japanese descendants that speak Japanese and Japanese descendants that do not speak Japanese, and to compare these findings with a group of non-Japanese descendants who have no contact with the Japanese language. METHOD: 60 High School graduates aged 17 to 40 years were evaluated. Subjects were divided into three groups: GJJ, Japanese descendants that speak Brazilian Portuguese and Japanese; GJP, Japanese descendants that speak Portuguese and do not speak Japanese; GBP non-oriental descendants that speak Brazilian Portuguese. All subjects filled in a questionnaire about their languages and musical abilities. Their ability in pattern-recognition tests was assessed by the PPS and DPS tests, their ability to recognize familiar words was tested by DDT and their ability to recognize unfamiliar words was tested by SSW. Results. GJJ and GJP showed higher performances than the group of Brazilians (GBP) in the PPS. RESULTS: show a statistically significant difference among the groups with a higher mean for the SSW results in GJJ compred to GJP and GBP. CONCLUSION:The results of SSW test seem to be influenced by bilingualism.

ethnic groups; multilingualism; auditory perception; hearing tests


ARTIGO ORIGINAL

Reconhecimento de padrão temporal e escuta dicótica em descendentes de japoneses, falantes e não-falantes da língua japonesa

Raquel Mari OnodaI; Liliane Desgualdo PereiraII; Arnaldo GuilhermeIII

IMestranda do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNFESP-EPM)

IIDoutora em Distúrbios da Comunicação Humana, Chefe do Departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP-EPM

IIIDoutor em Otorrinolaringologia, Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Oriçanga 351 Mirandópolis 04052-030 São Paulo SP

RESUMO

A exposição de um indivíduo a duas línguas diferentes poderia trazer benefícios ao desenvolvimento auditivo.

OBJETIVO: Analisar o comportamento auditivo em testes de reconhecimento de padrões temporais (Teste de Padrão de Freqüência e de Duração) e de escuta dicótica de dissílabos familiares (Teste Dicótico de Dígitos) e não-familiares (Teste Dicótico de Dissílabos Alternados/ SSW em português) em descendentes de japoneses, que moram no Brasil, falantes ou não da língua japonesa, comparando-os ao desempenho de brasileiros não-descendentes de orientais e que não possuem contato com o idioma japonês.

MÉTODO: 60 sujeitos, com idade entre 17 e 40 anos, escolaridade superior ao terceiro ano do Ensino Médio, reunidos em três grupos: GJJ, descendentes de japoneses falantes do português Brasileiro e do Japonês; GJP, descendentes de japoneses falantes do português e não-falantes do Japonês; GBP, não-descendentes de orientais falantes do português. Foram submetidos a um questionário e aos testes de processamento temporal quanto à freqüência (TPF) e duração (TPD), teste dicótico de dígitos (TDD) e SSW.

RESULTADOS: GJJ e GJP apresentaram melhor desempenho no TPF em relação ao TPD e tiveram no TPF média de acertos maior do que o grupo GBP. O grupo GJJ, no teste SSW apresentou média de acertos significantemente superior ao GJP e ao GBP.

CONCLUSÃO: A experienciação auditiva fornecida pelo bilingüismo (idioma japonês e português brasileiro) facilitou o desempenho no SSW.

Palavras-chave: grupos étnicos, multilingüismo, percepção auditiva, testes auditivos.

INTRODUÇÃO

O aprendizado de uma língua é normalmente realizado através da audição. É ouvindo e falando que conhecemos uma língua, a qual nos possibilita comunicar idéias, sentimentos e desejos em nosso meio ambiente.

Acredita-se que a vivência de um mesmo indivíduo exposto a duas línguas diferentes pode trazer benefícios ao desenvolvimento auditivo.

O que fazemos com o que ouvimos é denominado de Processamento Auditivo¹, sendo este a construção cognitiva feita com base no sinal auditivo, tornando a informação funcionalmente útil. O processamento auditivo envolve não somente a percepção dos sons, mas em maior grau de importância, envolve nossa capacidade de identificação, localização, atenção, análise, memorização e recuperação da informação auditiva. Ademais, está ainda relacionado à maneira pela qual aplicamos nosso conhecimento prévio com vistas a um melhor entendimento da mensagem, e como a informação auditiva é integrada e associada aos estímulos visuais e a outros sensoriais.

Em um contexto de exposição a duas línguas diferentes, por exemplo, japonês e português brasileiro, temos duas situações: a primeira em que a presença de maior contexto lingüístico aumenta a velocidade e a efetividade do processamento da informação, e uma segunda situação, na qual há informações conflitantes em dois conceitos lingüísticos diferentes, acarretando uma perturbação do processamento. Sendo assim, surge uma questão: será que um indivíduo exposto a duas línguas de origens diferentes teria um fator facilitador ao processamento da informação auditiva, mesmo sabendo que o sinal lingüístico dispõe de várias pistas, tais como: pistas sintáticas, semânticas, morfológicas e léxicas, além das pistas acústicas (freqüência, intensidade e duração dos sons) para entender a mensagem?

Estudos mostraram a relação do aprendizado de uma língua não-nativa com diferenças anatômicas e funcionais do Córtex Cerebral em indivíduos bilíngües2-5.

A estrutura da língua japonesa é diferente do português brasileiro6. A ordem sintática no idioma japonês é constituída por: sujeito(S), objeto (O) e verbo (V), enquanto no português a ordem sintática é SVO. As sílabas no japonês são, em sua maioria, constituídas de uma vogal (V) ou de uma consoante e uma vogal (CV). Além dessas, existem outras sílabas que, embora não possuam a mesma estrutura das sílabas V e CV, são equivalentes a estas quanto ao espaço temporal que ocupam dentro de um enunciado. O símbolo de acento no japonês caracteriza-se primordialmente pela altura do tom (grave X agudo), diferentemente do português, cujo acento é predominantemente marcado pela intensidade (forte X fraco).

Uma vez que há diferenças na estrutura, no sistema fonético, na escrita e nos aspectos supra-segmentais (freqüência, duração, ritmo e prosódia) da língua japonesa quando comparada ao português brasileiro, o objetivo deste estudo é analisar o comportamento de indivíduos que moram no Brasil, descendentes de japoneses, falantes ou não da língua japonesa, em testes de reconhecimento de padrões temporais (teste de padrão de freqüência e de duração) e de escuta dicótica de dissílabos (Teste Dicótico de Dígitos e teste Dicótico de Dissílabos alternados/ SSW em português), estabelecendo comparações ao desempenho de um grupo de brasileiros não-descendentes de orientais e que não possuem contato com a língua japonesa.

MATERIAL E MÉTODO

Após análise e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/ Hospital São Paulo sob o número 1318/03, iniciamos a coleta de nossa amostra.

A amostra foi composta por 60 sujeitos que moram no Brasil, de ambos os sexos, com idade entre 17 e 40 anos, escolaridade igual ou superior ao terceiro ano do Ensino Médio, sem queixas fonoaudiológicas. Foram excluídos os indivíduos que relataram dificuldade importante de audição e os indivíduos mestiços descendentes de pais orientais e ocidentais. Dividimos esta amostra em três grupos, o primeiro composto por descendentes de japoneses falantes do português brasileiro e da língua japonesa, o qual nomeamos de GJJ; o segundo grupo, descendentes de Japoneses falantes do português brasileiro e não-falantes da língua japonesa, nomeado de GJP; e o terceiro grupo, composto por brasileiros, não-descendentes de orientais, falantes do português brasileiro e não-falantes da língua japonesa, nomeados de GBP.

Todos os sujeitos foram submetidos aos testes: Teste Dicótico de Dígitos (TDD), Teste Dicótico de Dissílabos Alternados/ SSW (Staggered Spondaic Word) em português, Teste de Padrão de Freqüência (TPF), Teste Padrão de Duração (TPD).

O TDD e o SSW são testes dicóticos, ou seja, apresentam a ocorrência da apresentação simultânea de dois estímulos diferentes de fala em orelhas opostas. Utilizamos a versão gravada em CD que acompanha a obra "Processamento Auditivo Central: Manual de Avaliação" de Pereira e Schochat (1997)7.

O TPF e o TPD são testes de processamento temporal, pois solicitam ao ouvinte habilidades de reconhecimento de padrões temporais seqüenciais e ordenação temporal de estímulos não-verbais. Guardam como função a avaliação de tais habilidades. O reconhecimento dos contornos acústicos possibilita extrair e utilizar aspectos prosódicos da fala, como ritmo, acentuação e entoação. As respostas solicitadas procuravam a reprodução do estímulo pelo indivíduo, imitando (humming) e/ou nomeando. Utilizamos a abreviação N para nomeação e H para humming.

Os testes foram realizados em ambiente silencioso e apresentados aos indivíduos através de um fone modelo HP195 da Philips, acoplado a um CD player. A intensidade de 70 dB foi medida através do decibelímetro modelo SL-4001 da marca Lutron e o tempo de realização dos testes foi de aproximadamente 45 minutos. Por fim, as respostas de cada indivíduo foram anotadas em protocolos referentes a cada teste.

Os indivíduos estudados no trabalho, descendentes de japoneses e brasileiros, foram caracterizados por meio de um questionário, quanto à identificação (sexo, idade, escolaridade, geração ou grau de descendência); idiomas (tipo, fluência e nível de conhecimento); instrumento musical (tipo e nível de conhecimento). Tais dados permitiram um conhecimento prévio de habilidades lingüísticas e de treino musical dos participantes.

Neste trabalho, a análise dos resultados foi baseada nos acertos por cada item do teste; por grupo de indivíduos descendentes de japoneses falantes do japonês (GJJ), descendentes de japoneses não-falantes do japonês (GJP) e de brasileiros (GBP). Ainda foi indicado o teste de Reconhecimento de Padrão Temporal no qual o indivíduo mostrou mais facilidade para realizar, segundo sua própria declaração.

Foram ainda utilizados dois testes paramétricos, ANOVA e Igualdade de Duas Proporções. Além destes, para complementar as análises descritivas, utilizou-se o Intervalo de Confiança.

Estabeleceu-se um nível de significância de 0,05 ou 5%. Os valores considerados estatisticamente significantes foram marcados com um asterisco (*), e o sinal # para mostrar as tendências à significância.

RESULTADOS

Apresentamos nos Gráficos I a V a distribuição de indivíduos segundo: o gênero (masculino e feminino); a presença ou não de formação completa em nível superior; a presença ou não de habilidade com instrumentos musicais; grau de descendência japonesa, quando necessária; e a declaração de maior facilidade, entre o TPF e o TPD, por grupo de estudo, GJJ ou descendentes de japoneses falantes do português brasileiro e da língua japonesa, GJP ou descendentes de japoneses falantes do português brasileiro e não-falantes da língua japonesa, GBP ou brasileiros, não-descendentes de orientais, falantes do português brasileiro e não-falantes da língua japonesa.




Prosseguimos apresentando o estudo comparativo das variáveis gênero (masculino e feminino), presença ou não de habilidade com instrumentos musicais e presença ou não na formação completa em nível superior entre os grupos GJJ, GJP e GBP, mostrando os p-valores na Tabela 1.

Nas Tabelas 2, 3 e 4 apresentamos as medidas descritivas dos acertos obtidos nos testes comportamentais para cada um dos grupos, GJJ, GJP e GBP, ressaltando que para esses cálculos, foram construídos intervalos com 95% de confiança estatística.

Na Tabela 5 mostramos os valores do teste estatístico realizado para comparar os acertos por orelha, orelha direita (OD) e orelha esquerda (OE), nos procedimentos dicóticos (TDD e SSW), escuta direcionada direita (EDD) e esquerda (EDE) no TDD, por tipo de resposta, humming (H) e nomeação (N), e médias de acertos nos procedimentos de reconhecimento de padrão temporal (TPF e TPD).

Na Tabela 6 mostramos os valores do teste estatístico realizado para comparar os acertos nos diferentes procedimentos de escuta dicótica, independentemente do lado da orelha; e reconhecimento de padrões, independentemente do tipo de resposta, entre os grupos GJJ, GJP e GBP.

DISCUSSÃO

Crianças bilíngües têm capacidade de responder utilizando cada um dos idiomas, de acordo com a língua do falante/ interlocutor. Este fato pode ser resultado de uma competência metalingüística obtida, muitas vezes, precocemente8.

Há vários mecanismos que podem ser utilizados para o processamento da linguagem. O Teste SSW é considerado um teste de processamento auditivo com grande demanda da competência lingüística9.

Estudos da literatura internacional apontam para uma forte relação do aprendizado das características de línguas distintas com mudanças anatômicas, morfológicas e comportamentais do cérebro2-5,10.

A distância estabelecida entre os fonemas no português (em termos de acústica) são maiores do que a da língua inglesa, que tem uma fonética mais complexa que o português. Assim, pode-se pensar que a fonética da língua portuguesa treina melhor a resolução de duração do que a de freqüência11. Não encontramos trabalhos científicos que comparam a língua japonesa e o português brasileiro em relação à percepção acústica dos sons da fala.

Os padrões tonais são reconhecidos como música ou melodia, já que são compostos por tons de diferentes freqüências e duração em ordens temporais diversas. Além disso, estes dependem de vários processos auditivos centrais, incluindo o reconhecimento do todo, transferência inter-hemisférica, nomeação lingüística, seqüencialização dos elementos lingüísticos e memória12.

A música e a linguagem determinam índices fisiológicos do processamento semântico, sendo o significado da palavra o elemento principal, tanto da linguagem como da música13.

Indivíduos com inabilidade de reconhecimento de padrões temporais têm dificuldade para extrair e utilizar os aspectos prosódicos da fala, tais como ritmo, acentuação e entoação, estes que permitem ao ouvinte identificar a palavra-chave dentro de uma sentença e interpretar ênfases e ironias. Por isso, tais indivíduos podem ser incapazes de discriminar diferenças sutis no significado, apenas pela mudança da acentuação ou da entoação14.

Iniciamos a discussão, propriamente dita, do estudo com a análise das características de cada grupo.

Para as características de gênero, formação em nível superior e habilidades com instrumentos musicais, não houve diferença estatisticamente significante no GJJ, assim como para o GJP (Gráficos I, II, III), o que mostra homogeneidade quanto às variáveis dentro desses grupos.

Em relação à geração da descendência de japoneses, verificamos que o GJJ foi composto, em sua maioria, por descendentes da 2ª e 3ª gerações, e no grupo GJP 95% das pessoas pertenciam à terceira geração, sendo os dados estatisticamente significantes (Gráfico IV). O quadro nos permite afirmar que, tanto no GJJ quanto no GJP, há influência da cultura japonesa, uma vez que a maioria dos indivíduos pertencentes a esses grupos são filhos ou netos de imigrantes japoneses.

Quanto à declaração do teste de maior facilidade, entre o TPF ou TPD, verificamos que o TPF é realmente o exame considerado mais fácil por 80% dos indivíduos, tanto do grupo GJJ quanto do grupo GJP (Gráfico V).

Para o grupo GBP houve uma diferença estatisticamente significante entre as características de gênero (Gráfico I) e a presença de habilidade com instrumentos musicais (Gráfico III).

Para a formação em nível superior, existe uma tendência à diferença, pois o p-valor está muito próximo do limite aceitável (Gráfico II), provavelmente devido ao fato de que a maioria dos sujeitos deste grupo ainda cursa o ensino superior.

Quanto à escolha do teste mais fácil entre o TPF e o TPD, verificamos que, embora TPD seja o mais recorrente proporcionalmente, não é possível dizer que ele seja diferente da proporção de TPF. No entanto, há uma tendência à diferença (Gráfico V). Assim, constata-se que no grupo GBP há maior número de mulheres do que homens, dos quais poucos têm formação completa em nível superior e presença de habilidades com instrumentos musicais.

Comparando as variáveis entre os grupos, quanto ao gênero e formação completa em nível superior há uma distribuição proporcional em cada um deles (Tabela 1), indicando que os referentes a este estudo estavam equiparados em relação às variáveis. Porém, quanto à habilidade em tocar instrumentos musicais, a maioria dos sujeitos dos grupos GJJ e GJP toca algum instrumento e no GBP não (Tabela 1), sendo este um grupo que possui uma diferença proporcionalmente significativa para com os demais, tanto em usar quanto em não usar instrumento.

A seguir analisamos os dados referentes ao número de acertos para cada teste em cada grupo (Tabelas 2, 3 e 4). Observou-se que a variação no número de acertos nos testes dicóticos (TDD e SSW), para todos os grupos, foi muito baixa, demonstrando que houve um desempenho semelhante entre todos os indivíduos. Entretanto, quanto aos testes de processamento temporal (TPF e TPD) houve uma variação maior, o que significa diferença de desempenhos dentro de cada grupo.

No TDD foram comparados os números de acertos entre a Orelha Direita e a Orelha Esquerda, e entre a Escuta Direcionada à Direita (EDD) e Escuta Direcionada à Esquerda (EDE), no SSW fizemos a comparação entre OD e OE, e nos testes TPF e TPD comparamos os acertos em relação ao tipo de respostas (humming e nomeação). Em nenhum grupo houve diferença estatisticamente significante quanto às variáveis. Comparou-se ainda, as médias de acertos dos testes TPF e TPD para cada grupo (Tabela 5), resultando na observação de que há uma diferença estatisticamente significante para os grupos GJJ e GJP. Tal fato mostra que descendentes de japoneses, tanto falantes da língua japonesa, quanto falantes somente do português, apresentaram desempenho superior em ordenação temporal de um padrão de freqüência, em relação à ordenação temporal de um padrão de duração de som.

No TPF existe uma diferença entre os valores médios de acertos, estatisticamente significante entre os grupos, sendo o GBP o grupo que se diferencia dos demais.

Comparando as médias de acertos no TDD, não houve diferença significante entre os grupos estudados (Tabela 6). Este fato sugere que o TDD não sofre influência dos conhecimentos lingüísticos e musicais dos indivíduos. Os valores médios estão acima dos relatados em alguns estudos nos quais encontram acertos entre 90 e 97,8%20-22.

No primeiro estudo brasileiro com crianças, adolescentes e adultos, utilizando o TDD (mesma versão usada neste trabalho), a vantagem da OD foi observada em crianças e adolescentes, mas não em adultos21. Em outro estudo brasileiro em adultos e idosos, utilizando o mesmo teste, a autora refere vantagem da OD23. Os nossos achados no TDD mostraram que não houve vantagem da orelha direita.

Analisando os resultados do SSW, há uma diferença estatisticamente significante para a média de acertos entre os grupos (Tabela 6). O grupo GJJ causou a diferença, apresentando uma média de acertos maior do que a dos outros grupos (Tabela 2). Este dado indica que descendentes de japoneses falantes da língua japonesa apresentaram um desempenho superior na habilidade auditiva de figura-fundo. Mais trabalhos deverão ser realizados para esclarecermos esse achado.

No TPF, verificou-se diferença significante entre os acertos obtidos pelos grupos (Tabela 6). O grupo diferenciador foi o GBP (80,2% na nomeação e 80,8% no humming), pois apresentou uma média significantemente menor do que a dos outros (Tabela 4). O grupo com maior média é o GJJ (91,3% na nomeação e 94,8% no humming), porém, não é estatisticamente diferente do GJP (93% na nomeação e 92,7 no humming). Este dado indicou que descendentes de japoneses falantes ou não da língua japonesa apresentaram uma média de acertos significantemente maior do que brasileiros em ordenação temporal de um padrão de freqüência de som.

Comparando as médias obtidas no TPD entre os grupos estudados, não foi encontrada diferença estatisticamente significante nestes dados (Tabela 6), indicando que não houve influência de conhecimentos lingüísticos diferentes e nem das habilidades com instrumentos musicais na capacidade auditiva de ordenação temporal de um padrão de duração de som.

A seguir os resultados foram confrontados com os estudos da literatura científica especializada, realizados com indivíduos audiologicamente normais e sem alterações neurológicas. Ressalte-se que na literatura especializada nacional não foram encontrados trabalhos que relacionaram testes de processamento auditivo com a língua japonesa.

Em nosso estudo verificou-se que no teste TDD e no TPD não houve diferença significante entre as médias dos grupos estudados, fato que sugere um aproveitamento dos testes para triagem na avaliação do Processamento Auditivo, principalmente em indivíduos estrangeiros e/ou bilíngües e em indivíduos com habilidades musicais, uma vez que não houve influência da língua japonesa e nem das habilidades com instrumentos musicais no desempenho dos grupos.

Em um estudo realizado em brasileiros, adultos, o desempenho no TPD foi melhor do que no TPF. Os sujeitos relataram que o conceito de longo e curto e o parâmetro tempo, no que diz respeito à duração, foram mais fáceis de serem percebidos. Diante dos achados, a autora afirma que a característica acústica do português brasileiro provavelmente facilite o desempenho no reconhecimento deste padrão de duração estudado15.

Neste presente estudo percebeu-se que o desempenho no TPD foi semelhante ao desempenho no TPF, para o grupo de brasileiros. No entanto foi inferior no grupo de descendentes de japoneses. Assim, acreditamos que as características auditivas de cada língua possam interferir em testes comportamentais auditivos do Processamento Auditivo, mesmo aqueles com estímulos não-verbais.

No teste SSW em português observou-se um desempenho significantemente melhor na média de acertos do grupo GJJ em relação aos outros grupos. Os resultados foram semelhantes aos valores encontrados na literatura científica, a qual aponta valores médios de erros igual ou menores do que dois24,25.

Assim, é possível hipotetizar que a estruturação e as características da língua japonesa, assim como influências culturais, podem influenciar nas habilidades auditivas de figura-fundo para palavras dissilábicas de baixa previsibilidade em tarefa dicótica. Não encontramos na literatura científica trabalhos que relacionaram o desempenho de indivíduos bilíngües de japonês e do português brasileiro nos testes de processamento auditivo. Há trabalhos na literatura internacional que procederam o estudo do aprendizado e/ou a exposição de um indivíduo a duas línguas caracteristicamente distintas, com mudanças anatômicas, morfológicas e comportamentais do cérebro2-5,10. Isto pode estar correlacionado com o fato de que descendentes de japoneses, falantes do português brasileiro e da língua japonesa, apresentaram um desempenho significantemente melhor do que os outros grupos.

No teste TPF os grupos GJJ e GJP apresentaram desempenho estatisticamente melhor em relação ao GBP. Podemos atribuir este fato à própria influência da língua japonesa, pois o acento dessa língua se caracteriza primordialmente pela altura do tom (grave x agudo) diferentemente do português cujo acento é marcado, predominantemente, pela intensidade (forte x fraco)6. Além disso, famílias descendentes de japoneses da segunda e terceira gerações, ainda utilizam alguns vocábulos em japonês no cotidiano, mesmo não sendo fluentes e não conhecendo as características lingüísticas da língua japonesa.

Outra questão discutida foi em relação à presença significante da habilidade com instrumentos musicais nos grupos GJJ e GJP em relação ao GBP. Alguns estudos sugerem que padrões de duração são processados diferentemente dos padrões de freqüência e intensidade16,17. Diferenças no processamento auditivo nos testes de padrões de freqüência entre músicos e não-músicos podem ser decorrentes do treino musical. Ademais, estes últimos dependem mais de regiões cerebrais importantes para a discriminação de padrões de freqüência enquanto músicos usam regiões especializadas em memórias de curto prazo para ter um desempenho melhor em tarefas de memória de freqüências18. A capacidade de discriminação de freqüência é influenciada por fenômenos específicos da educação instrumental19.

Neste estudo, aplicamos os estímulos do TPF e do TPD binauralmente, ou seja, o mesmo estímulo foi apresentado simultaneamente nas duas orelhas, tendo em vista que estudos verificaram que não há diferença no desempenho da orelha esquerda e da orelha direita tanto para os Testes Padrão de Freqüência (TPF) quanto para o Teste Padrão de Duração (TPD)11,15,26,27. Além disso, na tarefa de seqüencialização temporal exigida nos testes tonais de padrões auditivos, há o envolvimento de ambos os hemisférios cerebrais, cada um com uma função diferente, porém trabalhando em conjunto, independente da orelha estimulada. As estruturas envolvidas em testes tonais de padrões auditivos seriam cada um dos hemisférios e a estrutura responsável pela conexão entre os hemisférios, o corpo caloso. O Hemisfério Direito seria ativado pelo reconhecimento global do padrão (gestalt) e o Esquerdo em ordenar a seqüência de estímulos e nomear o que foi ouvido28.

Quanto ao tipo de resposta (humming X nomeação), não foi observada diferença significante em nenhum dos grupos estudados tanto para o TPF quanto para o TPD, assim como em um estudo realizado recentemente29.

Para o TPF encontramos valores médios de aproximadamente 81% para resposta humming ou nomeação para os indivíduos do grupo GBP. Este valor está cerca de 10% menor do que os valores médios de acertos dos indivíduos do GJJ e GJP. As diferenças foram estatisticamente significantes.

Para o TPD, encontramos médias de acertos semelhantes: 85,7% para o GJJ, 82,9% para o GJP e 82,8% para o GBP. Comparando nossos dados com os achados da literatura especializada, a média de todos os grupos, tanto para o TPF como para o TPD, foram acima das médias e dos cortes de referência propostos em alguns estudos da literatura11,15,26.

Quanto à comparação do desempenho dos grupos entre o TPF e o TPD, os grupos GJJ e GJP apresentaram médias de acertos significantemente maiores no TPF em relação ao TPD, concordando com estudos internacionais12 e discordando de trabalhos nacionais11,15,27,29. Para explicar esta diferença entre o desempenho no TPF e no TPD quando comparados com a literatura internacional, levantaram a hipótese de que talvez a fonética da língua portuguesa treine melhor a resolução de duração do que a de freqüência, haja vista que a distância estabelecida entre os fonemas no português (em termos de acústica) são maiores do que a da língua inglesa, que possui uma fonética mais complexa que o português. Outra hipótese sugerida é o fato de que crianças e adolescentes moradores do Brasil não têm o hábito de aprender música, nem esta é uma disciplina obrigatória nas escolas brasileiras, o que não é verdade para a população americana e para os grupos GJJ e GJP do nosso estudo, em que a maioria apresenta alguma habilidade com instrumentos musicais. Sendo assim, o reconhecimento de padrão de freqüência e de duração de tons puros pode ser influenciado pela vivência musical.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos julgamos válido concluir, para o grupo estudado, que:

- Descendentes de japoneses falantes e não-falantes da língua japonesa apresentaram média de acertos maior do que o grupo de brasileiros no TPF e um desempenho melhor no TPF em relação ao TPD. No TPD não houve diferença entre as médias de acertos dos grupos estudados. Sendo assim, parece que a experienciação auditiva fornecida pela habilidade com instrumentos musicais e/ou pela experienciação à língua japonesa facilitou o reconhecimento de padrão de freqüência sonora estudado.

- A escuta dicótica de dissílabos de baixa previsibilidade, que é o teste SSW em português, sofre influência positiva de desempenho devido ao bilingüismo, pois descendentes de japoneses falantes da língua japonesa apresentaram uma média de acertos significantemente superior no teste SSW. A escuta dicótica de dissílabos, de alta previsibilidade, que é o TDD em português, parece não sofrer influência do bilingüismo (japonês e português brasileiro), uma vez que não houve diferença significante nas médias de acertos entre os grupos estudados.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 28 de setembro de 2005. cod. 1462.

Artigo aceito em 02 de julho de 2006.

Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina UNIFESP/EPM.

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  • Endereço para correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      02 Jul 2006
    • Recebido
      28 Set 2005
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