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Paralisia bilateral do hipoglosso na evolução de otite externa necrotizante

RELATO DE CASO

Paralisia bilateral do hipoglosso na evolução de otite externa necrotizante

Adriano Santana FonsecaI; Nilvano Alves de AndradeII; Miguel Leal Andrade NetoIII; Vyrna Medeiros de Moura SantosIV

IEspecialista em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo HC/UNICAMP., Professor assistente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Salvador - Hospital Santa Izabel. Chefe da Clínica de Otorrino do Hospital Naval de Salvador. Disfagologista e Cirurgião de Cabeça e Pescoço do NOEV/Hospital da Bahia

IIMestre em Cirurgia pela UFBA e Doutor em Otorrinolaringologia pela USP., Coordenador da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel e chefe do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia

IIIMédico-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia., Médico-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia

IVMédica-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Unidade de Otorrinolaringologia Hospital Santa Izabel Praça Almeida Couto 500 Nazaré Salvador BA 40050-410

Palavras-chave: otite externa, otite necrotizante, paralisia do hipoglosso.

INTRODUÇÃO

A otite externa necrotizante é uma infecção potencialmente letal que começa no conduto auditivo externo e pode estender-se à base do crânio. Ocorre em diabéticos idosos e está associada à elevada morbi-mortalidade.1 O agente causal principal é a Pseudomonas aeruginosa, em 96 a 98% dos casos2.

A infecção se estende da junção ósteo-cartilaginosa ao osso temporal através das fissuras de Santorini. A infecção pode progredir à base do crânio e afetar os nervos facial, glossofaríngeo, vago e acessório. Eventualmente afeta o nervo hipoglosso, abducente e trigêmeo.3

Sintomas como otalgia, cefaléia, hipoacusia, otorréia, em pacientes diabéticos ou imunossuprimidos, são significativos. A investigação laboratorial revela elevação da VHS, com leucograma normal ou discretamente elevado. A clínica mostra sinais de ulceração em assoalho de CAE. A TC demonstra destruição óssea e a RMN objetiva a localização e extensão da infecção, da invasão intracraniana e comprometimento dos pares cranianos. A cintilografia com tecnécio e gálio tem sido utilizada para avaliação do critério de cura. A cintilografia com tecnécio é útil para diagnóstico de osteíte, sendo positiva em casos de osteomielite aguda ou crônica, ou trauma. Apresenta uma baixa especificidade e pode permanecer positiva por um ano2. Já a cintilografia com gálio-67 é utilizada para seguimento e aferição da resposta terapêutica, uma vez que o gálio tem grande afinidade por leucócitos e proteínas da fase aguda.2

Para o tratamento adequado é necessária cultura, porém não se espera o resultado para o tratamento inicial. Dois antibióticos empíricos são utilizados: aminoglicosídeo, associado à ciprofloxacina ou a ceftazidima. O cefepime, cefoperazona, imipenem e aztreonam podem ser alternativas. A duração do tratamento é de 4-6 semanas.1 A diminuição ou cessação da otalgia é um importante parâmetro de controle. A maioria dos pacientes pode ser tratada clinicamente e a cirurgia tem indicações controversas, entre elas: dor progressiva, neuropatia craniana e persistência de granulação no CAE. A mastoidectomia pode ser empregada, porém não impede extensão para a base do crânio, em alguns casos.3

RELATO DO CASO

AAB, 71 anos, masculino, procedente de Salvador, portador de hipertensão e Diabetes, se apresentou em agosto de 2004 com história de 2 meses de otalgia à direita. Havia feito uso de antibióticos (cefalexina, moxifloxacino e gatifloxacino) sem melhora do quadro, passando a evoluir com dor lancinante. Ao exame apresentava sinais de otite média com espessamento do CAE, sem ulceração. A TC (junho de 2004) evidenciava obliteração da orelha média e mastóide à direita. A avaliação audiométrica revelava hipoacusia mista.

Com a hipótese de mastoidite o paciente foi tratado com ciprofloxacino por 21 dias e evoluiu com remissão dos sintomas.

Em outubro de 2004 retornou com recidiva da otalgia e nova TC evidenciou ruptura da cortical externa da mastóide.

O paciente foi submetido à mastoidectomia com estudo anatômico revelando inflamação crônica inespecífica, e cultura positiva para Pseudomonas. Iniciado tratamento com ciprofloxacino 1500 mg/dia, 6 semanas.

Compensação do diabetes, controle da dor, e epitelização da cavidade radical foi o resultado do tratamento. Por isso não solicitamos cintilografia para controle inicial.

Após 4 meses retorna referindo cefaléia e paralisia da língua (Figura 1). Internado, realizou nova TC revelando captação de contraste do ápice petroso até a retrofaringe, e obliteração da cavidade radical. A cintilografia com tecnécio foi inconclusiva.


Biópsia e cultura da mucosa da cavidade mastóidea direita e da retrofaringe via endoscópica nasal revelou processo inflamatório inespecífico na cultura Pseudomonas.

O paciente permaneceu internado com cefepime e amicacina 8 semanas. Obteve alta, assintomático, com TC sem captação anormal de contraste e com diabetes controlado.

Após 10 semanas voltou a apresentar cefaléia, piora da disfagia e otorréia contralateral com hipoacusia. Nova TC revelou mastoidite bilateral e massa retrofaríngea se estendendo até orofaringe.

Hemoculturas e cultura da secreção na orelha esquerda revelaram Pseudomonas e biópsia da musculatura da orofaringe, processo inflamatório crônico inespecífico. Paciente permaneceu internado por 1 semana e obteve alta com cateter central para uso ambulatorial de 4g de cefepime dia, 6 meses. Paciente realizou tratamento e está em acompanhamento há 10 meses, assintomático com sinais de reinervação da língua.

DISCUSSÃO

A otite externa necrotizante, descrita pela primeira vez por Chandler, em 1968, é uma infecção agressiva da orelha externa que acomete a pele, cartilagem e o osso temporal.

A antibioticoterapia venosa é o tratamento, desde que não haja osteomielite, situação que indica cirúrgia.1-3

A evolução da OEN para musculatura cervical e para mastóide contralateral é rara.3 Evolução benigna após a progressão para osteomielite de base de crânio também constitui uma raridade estatística, visto que a taxa de mortalidade é de 60-80% nestes casos.3

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Benecke JA Jr. Management of osteomyelitis of the skull base. Laryngoscope 1989;99(12):1220-23.

2. Boringa JB, Hoekstra OS, Roos JW, Bertelsmann FW. Multiple cranial nerve palsy after otitis externa: a case report. Clin Neurol Neurosurg 1995;97:332-5.

3. Rubin J, Yu VL. Malignant external otitis: insights into pathogenesis, clinical manifestations and therapy. Am J Med 1998;85:391-8.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 17 de dezembro de 2005. cod. 1652.

Artigo aceito em 20 de julho de 2006.

Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

  • Endereço para correspondência:
    Unidade de Otorrinolaringologia
    Hospital Santa Izabel
    Praça Almeida Couto 500 Nazaré
    Salvador BA 40050-410
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007
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