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Ásia Oriental e Sudeste Asiático: modelos para a América Latina?

Resumos

O artigo analisa a crescente influência dos modelos econômicos asiáticos - da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático - na América Latina bem como sua possível aplicabilidade neste continente. A parte isso, mostra, também, algumas das prováveis retrições à adoção direta de tais modelos e algumas das principais abordagens a respeito do assunto.

Desenvolvimento asiático; Desenvolvimento latino-americano; Modelos


The article analyses the growing influence of Asian economic models - from East and Southeast Asia - on Latin America as well as the possibility of their application on the later continente. Apart from that, it also shows some of the probable restrictions to the direct adoption of such models and some of the main approaches refering to the subject.

Asian development; Latin-American development; Models


ROTAS DE INTERESSE

Ásia Oriental e Sudeste Asiático – modelos para a América Latina?

Victor Sukup

Economista e politólogo, professor das Universidades Nacionais de Buenos Aires, La Plata y Tandil

RESUMO

O artigo analisa a crescente influência dos modelos econômicos asiáticos – da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático – na América Latina bem como sua possível aplicabilidade neste continente. A parte isso, mostra, também, algumas das prováveis retrições à adoção direta de tais modelos e algumas das principais abordagens a respeito do assunto.

Palavras-chave: Desenvolvimento asiático. Desenvolvimento latino-americano. Modelos.

ABSTRACT

The article analyses the growing influence of Asian economic models – from East and Southeast Asia – on Latin America as well as the possibility of their application on the later continente. Apart from that, it also shows some of the probable restrictions to the direct adoption of such models and some of the main approaches refering to the subject.

Key-words: Asian development. Latin-American development. Models.

Mais de um futurólogo anuncia um "século asiático". Outros analistas salientam, ao contrário, as múltiplas tensões e dificuldades desta parte do mundo. A crise dos países da ASEAN, desde meados de 1997, e a recessão já bastante longa do Japão pareciam confirmar estas visões mais prudentes.

Estrelas da modernidade de amanhã ou apenas cometas fugazes no céu do desenvolvimento; paradigmas de liberalismo econômico ou de forte intervencionismo do Estado no desenvolvimento; abertura comercial ou protecionismo disfarçado; autoritarismo político ou democracias sui generis; paraísos da "flexibilidade laboral" ou modelos de progresso industrial com progresso social: eis as perguntas principais sobre os países da Ásia oriental e do sudeste asiático; exigem elementos de resposta diferenciados que ultrapassem ao mesmo tempo a denúncia cega e a admiração acrítica. A China e também a Índia (v. Sukup, 1997), vistas às vezes como possíveis "super-tigres" do futuro, mereceriam uma reflexão à parte.

Na América Latina, tão voltada, tradicionalmente, para a Europa e para os Estados Unidos, as experiências da Ásia recebem uma atenção crescente devido às razões seguintes:

– o peso cada vez maior (como mercado, fonte financeira e de tecnologia) da Ásia Oriental e, em menor medida, do Sudeste Asiático;

– o excepcional dinamismo econômico e industrial desses países nas últimas décadas;

– as lições, positivas e negativas, dessas experiências.

Mas essas lições têm alguns pontos não muito claros:

– Qual é o alcance verdadeiro dos êxitos mencionados, e quais são as suas causas reais?

– A que preço conseguiram-se estes êxitos?

– Quais são as causas das dificuldades atuais?

– Podem ser imitados os – ou alguns dos – aspectos positivos, sem os lados negativos, ou vêm necessariamente combinados?

– E, até que ponto poderiam ser imitados esses modelos, ou parte dos mesmos, num contexto sócio-cultural e histórico-estrutural bem diferente como o latino-americano?

A China e a Índia são quase uma incógnita para Ocidente, apesar das longas relações existentes. Representam, em conjunto, mais de 35% da população mundial, quer dizer mais de dez vezes a do conjunto do Japão e dos quatro "tigres": já por isso seria difícil que elas imitassem realmente aqueles países. Quanto a eles, e os da ASEAN, aparecem, às vezes, não só como competidores perigosos senão como verdadeiros casos de "Doctor Jekyll e Mister Hyde". Na realidade, não são, sem dúvida, nem paraísos nem infernos, e convém tirar as lições reais de todas essas experiências, utilíssimas para uma reflexão global sobre o desenvolvimento.

1. O contexto internacional e histórico

O contexto internacional desta região, após 1945, é marcado pela Revolução na China e pela aliança do Japão com os Estados Unidos. Para o Japão, seu papel de máquina econômica auxiliar, na Guerra da Coréia etc., foi um fator essencial do seu dinamismo. A ajuda militar e econômica exterior contribuiu para criar as "condições da decolagem" em Taiwan e na Coréia do Sul, apoiados como barreira de contenção contra o "perigo vermelho", bases militares e logo cada vez mais como vitrinas do capitalismo exitoso. Para os Estados Unidos, era crucial – quando o "campo socialista" passou a abarcar um terço da humanidade – contar com o Japão e os futuros "tigres" como parceiros ativos do "mundo livre".

Por outro lado, todos esses países estão ligados a um contexto cultural e geopolítico regional com seu centro histórico na China. Sua inserção internacional atual tem pontos fortes e fracos, estes últimos marcados pelos diversos elementos de tensão na região mesma, assim como sua forte dependência energética e conflitos vários com o mundo ocidental e com a China.

Em apenas 20 anos, entre 1970 e 1990, a participação da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático no comércio mundial cresceu de quase 10% para 20% e, sem dúvida, cresceu ainda mais nas exportações (tab. 1). Os êxitos do Japão e dos "tigres" são, com certeza, impressionantes (v/ tabelas do anexo):

– O Japão tornou-se a superpotência financeira e tecnológica da terra, posicionando-se no topo em microeletrônica, robótica e telecomunicações; chegou a ter os dez primeiros bancos do mundo;

– A Coréia do Sul, o maior dos "tigres", aumentou sua participação na exportação de produtos manufaturados dos países periféricos de 1 para 18% entre 1965 e 1988 e entrou na OCDE em 1996;

– Taiwan, igualmente, transformou-se, nessas décadas, de país pobre em pequena potência industrial, com uma renda per capita de mais de 10.000 dólares, ainda maior do que a da Coréia;

– Cingapura passou de porto pobre e abandonado a pequeno empório industrial e de serviços, reconhecido oficialmente como "país desenvolvido" pela OCDE em 1995, com uma renda per capita de mais de 20.000 dólares; algo semelhante se passou com Hong Kong, grande centro financeiro do Extremo Oriente.

A região Ásia-Pacífico constitui hoje um vasto agrupamento, a Asian Pacific Economic Cooperation (APEC), que tem como objetivo teórico, para o ano 2020, o livre comércio desta área de quase 20 Estados do Pacífico. Entre 1980 e 1992, os até então membros da APEC (ainda sem o México e sem o Chile) – que concentra aproximadamente a metade da produção mundial – aumentaram seu comércio recíproco em 250% e o comércio exterior restante em 150%, com o que a percentagem do primeiro no total passou de pouco menos da metade a quase dois terços (Bekinschtein e Mairal: 32). Segundo o Relatório Anual de 1994 do Banco Asiático de Desenvolvimento, os intercâmbios da Ásia com os países da APEC (asiáticos e outros) aumentaram de 60,1 para 70,7% do total entre 1980 e 1991.

Contrariamente a uma visão simplificada, existe talvez menos um "terceiro bloco" dominado pelo Japão do que um "super-bloco" asiático-americano em formação. Para os "tigres", a América do Norte seguia constituindo, entre 1970 e 1990, o principal mercado, com algo em torno de um terço das suas exportações, contra pouco mais de uma décima parte para o Japão e substancialmente mais para Europa Ocidental, o resto da Ásia e o resto do mundo: em 1990, as percentagens eram de 30, 11, 17, 29 e 13% respectivamente. Para os "ASEAN-4" (Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas), o Japão, sim, era o mercado principal, com mais de 30% nos anos 70 e 80, mas só 24% em 1990, contra 28% para o resto da Ásia e 21% para a América do Norte. Para esta, a Ásia Oriental/Sudeste Asiático passou, entre 1970 e 1990, de 14 a 23% das suas exportações, enquanto a parte da Comunidade Européia (de 12) diminuiu de 25 a 21% (Young: 130-1). Para o Japão, a importância dessa região aumentou também, para mais de um terço de seu comércio exterior total, com 39% das suas exportações e 33% das suas importações em 1994, contra 34 e 27% para os Estados Unidos e 17% em ambos lados para a Europa (Kreft: 72). Existem, pois, laços comerciais, financeiros e tecnológicos muito estreitos entre o Japão e os outros países da região, especialmente desde 1985, quando a forte valorização do iene levou os empresários japoneses a buscar localizações mais baratas para transferir as partes de suas indústrias intensivas em trabalho que perdiam competitividade internacional. A perda de dinamismo japonês, nos últimos anos, não favoreceu, sem dúvida, a intensifição destes laços...

2. O Japão – êxitos e falências de um modelo único

O desenvolvimento contemporâneo do Japão é, certamente, um dos fenômenos mais significativos do nosso tempo. Começou há uns 130 anos e se tornou realmente sensacional após 1945.

Numerosos autores, desde Herman Kahn a Paul Kennedy e Lester Thurow, analisaram o fenômeno japonês, geralmente com ênfase compreensível nos aspectos macroeconômicos e psico-culturais: relação simbiótica governo-setor privado, coesão nacional, sentido de superioridade japonês etc. Alguns autores, como Benjamin Coriat, analisaram mais a gestão das empresas, onde se destacam o forte sentimento de "comunidade" do pessoal com a empresa e uma marcada "lealdade" mútua. Menos se analisa, em geral, os aspectos conflitivos destas relações, o papel das organizações operárias e as tendências ao inconformismo e às crises geradas por esse sistema. Estas, porém, apareceram com muita força nos últimos anos: crise financeira, voto de protesto por atores cômicos, setas assassinas etc. (Sukup, 1996b), tudo isso confluindo numa crise grave.

A posição do Japão moderno é duplamente propícia à esquizofrenia política: sendo (ou tendo sido até há pouco) o único país altamente industrializado de matriz cultural não européia, é um país do "Norte" no meio do "Sul" e do "Ocidente" no "Oriente". Seu êxito parece explicar-se por quatro fatores principais:

1) Independência e isolamento: o país evitou a colonização européia, por sua pobreza em recursos naturais e sua situação geográfica remota que lhe valeram o desinteresse das potências coloniais, contrariamente à China e à Índia, cheias de recursos exploráveis e com mercados importantes; isolou-se completamente durante 220 anos, deixando um só ponto de contato com o mundo exterior, perto de Nagasaki simbolicamente, o que provavelmente lhe salvou (Morishima: 79) de uma sorte comparável à de Portugal ou da Índia. Um outro fator é sua aptidão para "copiar e melhorar" os avanços técnicos ocidentais. Como relata um autor japonês, poucos anos depois de ter comprado alguns fuzis aos primeiros portugueses desembarcados no Japão, seus habitantes já tinham adquirido a capacidade de reconstruir estes artefatos, que não conheciam anteriormente, e já não tinham interesse na sua compra (Kikuchi: 20-21). Essa prática de "engenharia reversa" seguiria sendo um dos pontos fortes do Japão contemporâneo ...

2) Coesão nacional, consenso e empresa: existe uma forte coesão nacional e social que privilegia o consenso sobre o conflito, salientando a cooperação e o "espírito de equipe". Os operários sentem-se parte de um grupo mais do que de uma classe social e "as empresas japonesas não se desprendem facilmente de seus trabalhadores, porque os consideram como parte de seu patrimônio intelectual com tecnologia e know-how próprios." (Kikuchi: 141).

Um outro ponto essencial, nesse contexto, é resumido assim: "Devido ao emprego vitalício, à participação nos lucros e ao salário determinado pela antigüidade, os sindicatos não se opuseram à rápida introdução de tecnologia que economiza mão-de-obra, e as empresas não se mostraram reticentes a investir grandes somas na formação do pessoal. Dado o compromisso permanente dos administradores e assalariados com a empresa, a lealdade e a motivação para o trabalho diligente e responsável eram extremamente altas. Devido a um elevado grau de participação nas decisões após amplas consultas, os trabalhadores chegaram a ser socialmente conscientes, bem informados e alertas." (Oshima: 24).

Segundo um empresário japonês, seus colegas "vencerão os seus rivais europeus porque eles estão intimamente convencidos de que as organizações rentáveis, competitivas, são aquelas nas quais estão por um lado – e acima – os que pensam, e pelo outro – abaixo – os que executam." (citado em Coriat: 13). E "os novos dirigentes jovens (do pós-guerra, após a purga dos anteriores) sentiam muito maior afinidade com os trabalhadores que com o proprietário da empresa." (Morishima: 207).

3) A educação: sem dúvida, a educação, no sentido mais amplo, foi e é um dos elementos cruciais do êxito japonês. Segundo uma especialista do tema, "com uma das populações mais alfabetizadas do mundo, com uma das forças laborais mais competentes, no meio de uma transformação produtiva e tecnológica de grande alcance e com uma das taxas de desemprego mais baixas do mundo industrializado, o Japão parece estar preparando-se para se tornar uma das maiores potências mundiais da história." (Fonseca: 315).

4) O papel crucial do Estado: o contexto cultural confuciano, com sua ênfase no consenso e na autoridade, relaciona-se, também, estreitamente com a ação orientadora multiforme do Estado, em particular através do célebre Ministério da Indústria e do Comércio Exterior (MITI). Essa ação orientadora do Estado, com ou sem um setor público importante, sempre foi essencial. Com a "restauração Meiji" (1868), o Estado criou empresas industriais, enviou milhares de estudantes ao Ocidente, trouxe professores, engenheiros e técnicos estrangeiros para ensinar os japoneses, criou um sistema educativo avançado e Forças Armadas poderosas e promulgou uma Constituição moderna. Mais tarde, privatizaram-se as fábricas e substituíram-se os especialistas estrangeiros por japoneses. Mas o papel do Estado continua muito importante até hoje, como orientador global do desenvolvimento tecnológico-econômico.

Entre os instrumentos da política industrial estão as medidas protecionistas, subvenções e taxas preferenciais etc. a favor dos ramos eleitos por seu potencial de crescimento e seus efeitos dinamizadores. O Estado fomentou a poupança, o investimento e uma importante concentração do capital sem permitir excessivos abusos monopolistas. A abertura de mercados exteriores, do norte-americano em particular, permitindo o crescimento acelerado dos anos 50 e 60, foi aqui um outro fator crucial.

É verdade que o Japão cresceu, em parte importante, devido aos seus esforços e êxitos exportadores. Mas chama a atenção o fato de que o mercado interior foi proporcionalmente ainda mais importante: entre 1960 e 1993, o comércio exterior como percentagem do PIB diminuiu, sobretudo no lado das importações, enquanto aumentou na Europa (devido, é certo, ao comércio intracomunitário) e nos Estados Unidos (tab. 2). Em todo caso, obteve os seus êxitos com uma política que contradisse frontalmente a sabedoria ocidental convencional baseada nas "vantagens comparativas" de Ricardo, ao fechar a sua economia aos investimentos estrangeiros, ao praticar o protecionismo e ao especializar-se em atividades de alta tecnologia sendo ainda um país pobre. Cometeu assim uma verdadeira heresia tripla, salienta com razão um grande especialista latino-americano (Fajnzylber: 199).

O Japão moderno tem muitos pontos em comum com os países do "capitalismo renano" (Albert), característico da Alemanha, da Holanda etc., que é, sem dúvida, bastante mais eficiente economicamente e muito mais suportável socialmente do que o de tipo neo-liberal. As desigualdades sociais são claramente menores que nos Estados Unidos, e tem bem menos policiais e advogados. O nível de poupança é muito mais alto, tanto pelas tradições de frugalidade como pelas fraquezas – ao contrário do caso "Renano" – do "Estado de bem-estar", certamente compensadas, em parte, pelos laços familiares mais fortes que incluem um forte predomínio masculino na sociedade.

Como salienta um autor japonês, os trabalhadores são explorados triplamente fora da empresa, se se leva em conta o papel da mulher, notoriamente discriminada e "apoio" do marido estressado, as baixas taxas pagas pela poupança e o altíssimo custo das casas (Ikeda) – há, agora, créditos imobiliários de 90 anos! -, o que em conjunto equivale a uma importante poupança compulsória. O custo da vida, bem mais elevado que no resto do mundo, relativiza, obviamente, em boa medida, os altos índices de renda per capita.

Vemos, assim, distintos aspectos de "Doutor Jekyll e Mr. Hyde" do sistema japonês: eficiência notória e competição feroz, sentimento de "comunidade" e solidariedade, mas com perda de personalidade; bem-estar material mas apartamentos minúsculos e trânsito monstruoso; "dependência ao trabalho" com importantes vantagens salariais e outras, mas implicando uma sorte de escravidão dourada, com poucas férias e bem interiorizadas ... Obviamente, os conflitos de classe e outros continuam existindo sob a superfície calma ...

Na sua reflexão prospectiva sobre o século XXI, Paul Kennedy encontra no Japão algumas fraquezas, como o envelhecimento da população, sua vulnerabilidade estratégica num entorno geográfico tenso e sua forte dependência de importações energéticas e outras. Mas constata que, aqui também, procuram-se e encontram-se respostas como a robótica (cerca de três quartas partes dos robôs do mundo estão no Japão), a biotecnologia (que pode reduzir a dependência de alimentos importados) e os avanços na produção com maior eficiência energética.

Não há qualquer dúvida de que é muito o que podem aprender do Japão outros países, mas é evidente que seus êxitos se deram num contexto mundial favorável e em condições internas muito específicas, não sempre dignas de imitação e difíceis de repetir em outros momentos e outras regiões. Nos últimos anos,, o país mostrou várias grandes fraquezas que motivaram títulos como "Um colosso de finanças de barro" e "Le Japon en panne" (Le Monde diplomatique, outubro de 1993 e julho de 1995), em importantes periódicos.

No último destes editoriais lemos o seguinte: "A idade de ouro terminou. O mito da excelência também. Há algo de podre no arquipélago de Nippon. Vários dos pilares nos quais se sustentou seu êxito extraordinário foram corroídos seriamente. Todo o edifício ameaça ruir. Uma situação alarmante pois, o que sucederá nos próximos tempos na superpotência Japão terá repercussões em toda a economia mundial ..."

Kenzaburo Oe, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, salientou por sua parte em uma entrevista à revista alemã Stern (22-6-95) o isolamento cultural do Japão: "... os japoneses são seres esquizofrênicos. Não pertencemos realmente a parte nenhuma. Na Ásia também estamos muito isolados, nos campos cultural, artístico, político, social. Às vezes, pensamos ter fugido da Ásia e chegado a ser membros da civilização européia, mas obviamente não é assim. Não pertencemos realmente nem à Europa nem à Ásia ..."

3. "Tigres" e "gansos voadores"

Os "Novos Países Industriais" (NPIs) asiáticos se assemelham em vários pontos ao Japão e se diferenciam claramente de outros países periféricos: contexto cultural confuciano, territórios exíguos e sem recursos naturais, situação geopolítica em uma zona "quente" da guerra fria e ainda tensa, reformas agrárias e educativas radicais que quebraram o poder latifundiário e aumentaram fortemente o nível cultural geral, desigualdades de renda menores e outros indicadores sociais relativamente – e em parte muito – positivos, tudo isso apesar de sistemas políticos autoritários de direita e, o que inclui também a Coréia e o Japão, de uma fragilidade financeira que pode surpreender, no confronto com políticas fiscais relativamente austeras(Bustelo: 73 ss.; Sukup, 1996a: 33 ss.).

O Estado pode ali ter alguns ressaibos do "modo de produção asiático" (Marx) e do "despotismo oriental" (Wittfogel), mas representa, também, um "projeto nacional" com um consenso importante e relativamente pouca oposição política articulada. Tem amplo apoio, na medida em que é percebido como orientado para o progresso nacional e para o bem-estar geral. Pode-se encontrar alguma semelhança parcial com certos regimes latino-americanos do passado, como os de Vargas e de Perón, ou ainda dos López paraguaios do século XIX.

Elementos centrais da política econômica coreana são a abertura seletiva, os controles de preços e a manipulação das taxas de juro em favor das indústrias prioritárias e intervenções múltiplas para protegê-las da competição exterior e da penetração de capitais estrangeiros em seus setores. Estimulou-se, fortemente, a poupança e a educação. Taiwan, além de políticas semelhantes, embora com maiores investimentos estrangeiros, edificou um importante setor de empresas públicas, em particular nos ramos estratégicos como a indústria pesada e mecânica e a petroquímica (Luedde-Neurath, Wade, Bekerman et al.).

No marco de um comércio mundial em rápida expansão durante os anos 60 e 70, criaram-se assim, a partir de 1960 aproximadamente, indústrias muito dinâmicas mediante uma forte simbiose de ação estatal e empresa privada (muito concentrada na Coréia, bem mais desconcentrada em Taiwan); deu-se ênfase na competitividade industrial internacional sem se descuidar do mercado nacional. O coeficiente de exportações disparou, desde um nível baixíssimo para 41 e 55% em 1988 nos dois países (tab. 7), mas a abertura às importações sempre foi seletiva e mais lenta.

Mais do que economias puramente exportadoras, cresceram, assim, umas que são, ao mesmo tempo, seletivamente exportadoras e seletivamente substituidoras de importações, que combinam os incentivos do mercado interno com os dos mercados mundiais; a inexistência de produtos primários exportáveis em quantidade significativa obrigou a buscar um desenvolvimento industrial auto-sustentável do ponto de vista da balança de pagamentos, quer dizer, que não gerasse mais importações que exportações nem fortes transferências negativas de capital.

As boas-vindas ao capital estrangeiro foram amplas em Cingapura, bem menores em Taiwan e muito restritas na Coréia, e sempre muito seletivas. Os êxitos dos NPIs explicam-se, sem dúvida, principalmente pela orientação macroeconômica pelo Estado combinada com um setor privado dinâmico, com altas taxas de poupança interna e outros fatores específicos, como a afluência maciça e prolongada de capitais e mão-de-obra desde a China – e desde as prósperas comunidades chinesas do Sudeste asiático – até Hong Kong e, em menor medida, a Taiwan.

Os sistemas políticos são autoritários – muito menos hoje, após um processo de liberalização importante – e, por seu próprio condicionamento geopolítico, ferreamente anticomunistas, embora – pelo menos em alguns aspectos – bem menos associais do que caberia supor. Os dados comparativos mostram uma distribuição muito mais igualitária da renda nacional que na América Latina, maiores níveis de expectativa de vida e de outros índices sociais. As reformas agrárias que eliminaram o poder latifundiário e a ampla autonomia dos governos frente aos grupos econômicos – apesar das notórias estreitas vinculações no caso coreano – sem dúvida, explicam conjuntamente com a necessidade de oferecer um "exemplo" atrativo frente ao inimigo externo e justificar assim a própria existência de país separado, esse fato a primeira vista surpreendente. Há outros aspectos, muito negativos, como a elevada taxa de acidentes de trabalho na Coréia, uma das maiores do mundo, e um meio ambiente terrivelmente deteriorado. Por outro lado, o desenvolvimento industrial, criando amplos setores médios instruídos, favorece, com o fim da guerra fria, a liberalização política recente e possibilita correções de rumo.

Historicamente, é de grande importância a estreita vinculação dos "quatro tigres" com o Japão: Taiwan e Coréia foram colônias do Império do Sol Nascente durante meio século, Cingapura e Hong Kong ocupados entre 1942 e 1945. Segundo a análise interessante de um especialista filipino, confirmada por numerosos outros trabalhos, essa vinculação, apesar de suas características opressoras e exploradoras, parece ter trazido, em uma perspectiva de longo prazo, certas vantagens à Coréia e à Taiwan, ao desenvolver dinamicamente as infra-estruturas tanto no setor agrícola como nas indústrias, não só nas extrativas (Aseniero). Deve ter influído nisso a vontade japonesa da época de dar alguma credibilidade ao seu famoso lema da "área de co-prosperidade asiática" como alternativa desejável ao colonialismo europeu, assim como uma diferenciação entre colônias próximas, com algum povoamento japonês, e outras destinadas ao saque brutal.

O problema crucial da dependência tecnológica se reproduz hoje a um nível superior, com um grande déficit crônico da balança comercial desses países com o Japão. Mas isso faz parte da problemática existencial dos "tigres" – e de muitos outros -, que se encontram um pouco como o presunto do sanduíche entre os países industriais maduros e os países de muito menor nível salarial, o que já gera fortes investimentos coreanos e taiwaneses no exterior para aproveitar a mão de obra mais barata destes países e manter, assim, a competitividade. A crise recente da Coréia, com a "flexibilização laboral", imposta de contrabando pelo governo, é testemunha eloqüente disso: os "gansos voadores" – aquela formação metafórica de um ganso líder (Japão) seguido dos "NPIs" e dos outros países da região – sempre correm o risco de perder posições – como os países da ASEAN com suas recentes desvalorizações forçadas e até de cair por cansaço (sobre vários destes países, v. Bekerman et al. e Etienne e Revel-Mouroz)...

4. O Sudeste asiático, a ASEAN e Cingapura

Os países da ASEAN (Association of South East Asian Nations, criada em 1967) – às vezes chamados de "tigres de segunda geração" ou "tigres-bebês" etc. – são dos mais heterogêneos que existem em um espaço geográfico relativamente pequeno: convivem, nesse espaço, muito diversas tradições, culturas, línguas, religiões e estruturas econômicas e sociais, assim como diferentes níveis de desenvolvimento. Em território, população e recursos naturais, superam amplamente os "quatro tigres", entre os quais só Cingapura, embora de população maioritariamente chinesa, se encontra nessa região. Com rendas per capita superiores a 2.000 $ (Tailândia) e a 3.000 $ (Malásia) e cerca de 1.000 $ nas Filipinas e, na Indonésia, superam a maioria dos países da Ásia, sem falar do Vietnã, da Birmânia (Myanmar) e do Laos, os mais recentes membros da ASEAN, ou do Camboja, ainda excluído do grupo. Mas estão ainda longe dos NPIs, e sua política industrial é, em geral, bem mais liberal e aberta aos investimentos estrangeiros, entre os quais àqueles dos próprios NPIs. A crise recente desses países sem dúvida tem a ver com estes fatores.

Os sistemas políticos também são muito diversos. Malásia conseguiu combinar muito bem uma política de fomento industrial e uma distribuição da renda mais igualitária entre seus principais grupos étnicos, malaios e chineses. O governo, autoritário sem excesso é estável, em contraste com o da Tailândia, freqüentemente objeto de mudanças forçadas pelos militares. Um outro caso muito interessante é o de Cingapura. Seria este o exemplo das vantagens de uma combinação entre liberalismo econômico e despotismo esclarecido?

Na realidade, também em Cingapura o Estado, bastante autoritário, tem um papel fundamental na orientação dos investimentos para os setores considerados prioritários e desejáveis e na construção de infra-estruturas físicas e sociais muito eficientes. Não seriam possíveis os índices sócio-econômicos assombrosos, entre os melhores do mundo, sem boas escolas e hospitais. O aeroporto e a rede de estradas são considerados entre os melhores do mundo, a estrada de ferro não é abandonada. O uso do carro particular não é fomentado mas obstaculizado com diferentes medidas e não há, aqui, nada dos engarrafamentos infernais de Bangkok, Manila ou Jakarta. Desestimular a compra de carros com certeza também contribui para aumentar a taxa de poupança, recorde mundial incrível de até 48% do PIB em anos recentes.

A população de Cingapura é bastante homogênea, com mais de 75% de chineses. Há uma estreita associação entre essa cidade-Estado e os territórios adjacentes da Malásia e da Indonésia, em um "triângulo de crescimento" centrado na pequena ilha de 600 km2, o que também foi, sem dúvida, essencial no seu dinamismo. Em 1997, porém, Cingapura também foi atingida pela crise dos vizinhos, como também o foi Hong Kong.

Os problemas do meio ambiente são numerosos e agudos nos NPIs em geral, sobretudo os relativos à poluição do ar nas grandes cidades e ao desmatamento alarmante. Em fins de 1996, um artigo do Wall Street Journal denunciou a irrupção de grandes empresas madereiras de origem asiática oriental/do Sudeste Asiático na Amazônia, buscando bosques a explorar que já vão desaparecendo em seus próprios países, aproveitando a urgente necessidade de divisas de certos países que "não têm nem a capacidade técnica nem a vontade política" de opor-se a práticas muitas vezes depredadoras, referindo-se em particular ao Suriname e à Guiana. O Banco Mundial, que salienta a abertura e a educação como fatores cruciais dos êxitos dos "tigres", reconhece também que as perdas e a degradação do meio ambiente na Ásia Oriental "superaram as de qualquer outra região do mundo" (Thomas e Wang, p. 13).

Esse problema é quase geral entre os NPIs, mas também entre os "candidatos a tigre" incluindo a China e a Índia: as grandes cidades tornam-se monstruosas, os rios degeneram em cloacas, o ar se torna irrespirável, os bosques desaparecem. Esta complexa realidade implica, está claro, críticas mais fundamentais à sociedade industrial moderna e à "economia de mercado" em particular, além das que merecem estes modelos específicos.

5. América Latina – Ásia oriental: algumas opiniões

A opinião liberal dominante, como a de Béla Balassa, salienta a abertura externa e as "políticas orientadas para o mercado" como explicação fundamental dos êxitos asiáticos. De fato, essa interpretação é muito parcial, quando não completamente errada. O próprio Banco Mundial reconhece, em publicações recentes, o papel crucial do Estado nesses países, sem por isso deixar as suas prédicas anti-estatais em outras regiões do mundo.

Um especialista inglês, com maior coerência, relativiza a importância dos fatores culturais e da forte ajuda inicial norte-americana à Coréia do Sul e a Taiwan, e também a "orientação para o exterior" ou a suposta ausência de protecionismo: na realidade, mostra o especialista, só em indústrias muito competitivas a nível mundial estes países já tinham, nos anos 60, uma proteção efetiva baixa, enquanto, em outras, a proteção era comparável à da América Latina: "...as políticas dos países da Ásia Oriental têm sido seletivas e oferecido incentivos consideráveis para as exportações de certas indústrias, ao mesmo tempo que têm dado uma boa dose de proteção a outras. Ademais, têm sido flexíveis para mudar os setores receptores da proteção e assim obrigar as indústrias estabelecidas a competir no âmbito internacional." (Jenkins: 1125). Também refuta, com razão, outros "mitos" sobre aqueles países, como a abertura aos capitais estrangeiros, a escassa interferência do Estado na economia e os "livres mercados" de trabalho, de crédito etc.

Para o autor de um estimulante estudo comparativo sobre Taiwan e Brasil existem três aspectos chave na experiência asiática:

– a interação do desenvolvimento agrícola e industrial;

– a passagem da industrialização primária à secundária via substituição de importações (indústrias pesadas e de bens de capital) com um viés exportador para obter divisas e não permitir a permanência de indústrias pouco competitivas: a proteção teve, em Taiwan, um caráter de "incubadora", salienta, e não, como na América Latina, onde foi de "invernadeiro";

– uma política industrial coerente e polifacetária, combinando a conquista de mercados internacionais com o apoio ao mercado interno e, também, capitais nacionais com estrangeiros (Bustelo).

Um bom resumo das diferenças é apresentado por dois especialistas ingleses, editores de um excelente livro sobre o tema:

"As políticas de mercados dirigidos de Taiwan e da Coréia do Sul são muito diferentes do que chamaríamos a típica estratégia latino-americana de industrialização por substituição de importações. Esta última baseou-se na crença de que o controle das importações combinado com um apoio não seletivo ao investimento industrial seria suficiente para realizar uma industrialização substancial e operou em um contexto social caraterizado por desigualdades de renda e diferenças de classe muito maiores que em Taiwan e na Coréia do Sul. O resultado foi que os controles de importações não essenciais, estabelecidos para poupar divisas, levaram, na ausência de mecanismos de redistribuição da renda e de uma orientação dos investimentos, ao rápido crescimento de uma indústria de bens de consumo suntuário, freiando ao mesmo tempo a produção de bens essenciais. A ausência de incentivos seletivos, para promover a integração vertical para os setores básicos, e de bens de capital tem mantido num nível superficial a substituição de importações (exceto no Brasil e, em menor medida, no México); o fácil acesso aos créditos exteriores, combinado com uma taxa de câmbio supervalorizada, deu aos empresários nacionais um incentivo para usar equipamentos importados intensivos em capital. Por trás de um protecionismo pesado e não seletivo, o custo das capacidades produtivas excessivas podia ser transferido aos consumidores. Promoveu-se exportações de bens manufaturados mediante subsídios seletivos. O Brasil, em particular, conseguiu desenvolver setores básicos em maior medida e tratou de fomentar a exportação de bens de capital sem ter antes consolidado sua produção para o mercado interno, muito ao contrário do que fizeram na Ásia oriental. A falta de preocupação pela questão de quem controla a produção, estrangeiros ou nacionais, resultou no fato de que muitos setores lucrativos do mercado doméstico caíram em mãos das empresas multinacionais. A falta de preocupação em limitar o crescimento do capital financeiro (empresas desse setor são tratadas da mesma maneira que as que se dedicam à indústria) permitiu que uma parte substancial dos recursos de investimento se orientassem para os negócios financeiros e para a especulação em lugar de irem para a produção industrial; quer dizer, foram destinados a fazer dinheiro, não coisas.

"O nosso principal argumento é que enquanto a análise liberal supõe que os governos da América Latina intervieram excessivamente nos mercados e que é por essa razão que seus países tiveram um desempenho menor que os da Ásia oriental, o fato é que a intervenção estatal nestes últimos tem sido ao mesmo tempo mais forte e mais seletiva que nos primeiros, e não só nas fronteiras nacionais como, também, em setores chave da indústria nacional. O objetivo central dessa intervenção foi construir poderes produtivos nacionais, reduzir as vulnerabilidades nacionais e, até certo ponto, minimizar os custos socialmente desintegradores do ajuste pelo mercado." (White e Wade: 9-10).

Existe um só ponto confuso nesta enumeração, o da orientação para o mercado interno respectivamente para a exportação. Pareceria que os países asiáticos se basearam essencialmente no primeiro, o que, sem dúvida, seria um exagero. É certo que por exemplo a indústria siderúrgica foi estabelecida, no início, para assegurar a base de insumos nacionais, mas também foi uma nova fonte de divisas, e que a indústria automotora coreana ocupou primeiro o mercado interno – ainda hoje quase não há outros carros não-coreanos no país – antes de lançar-se na conquista dos mercados internacionais. Mas um dos pontos cruciais dos modelos asiáticos é certamente o freio ao consumo suntuário, muito ao contrário do que carateriza, tanto hoje como ontem, a América Latina. Assim, a Coréia do Sul durante anos considerava com razão que havia outras prioridades além de determinados consumos- contrariando abertamente as regras do liberalismo econômico. Muito diferente foi a posição do Chile:

"Uma expressão diáfana do contraste entre a vocação industrial predominante na Coréia e a hegemonia que a vocação mercantil exerce no caso chileno encontra-se no setor eletrônico e, em particular, no caso dos televisores a cores. (...) o governo coreano tinha disposto a proibição do consumo interno da produção nacional, que se destinava exclusivamente para a exportação. A consideração básica que inspira esta medida era evitar que se afetasse o processo de poupança interna das famílias da Coréia, fator importante no rápido crescimento liderado pelo setor industrial. No entanto, no Chile, paralisava-se a indústria eletrônica e abriam-se as portas à importação maciça de televisores, entre os quais os provenientes da Coréia representavam uma proporção não desprezível. No caso chileno, a justificativa oficial era a prioridade de permitir o acesso aos bens modernos de consumo ao conjunto da população, não obstante o fato de que uma proporção elevada da mesma estava desempregada. A importação maciça de produtos do setor eletrônico representava, no curto prazo, uma oportunidade atrativa para o setor mercantil que lidera este modelo, em cuja visão estratégica as perspetivas de crescimento e desenvolvimento da criatividade nacional parecem desempenhar um papel estritamente marginal." (Fajnzylber: 200-201)

Há uma semelhança significativa com Cingapura e suas medidas contra o carro particular e em benefício do transporte público. Quanto mais se copiam os modelos de consumo dos países ricos, mais, obviamente, deve concentrar-se a renda: ao optar como o fez Cingapura, apesar do seu autoritarismo político, melhorou seguramente a qualidade de vida do povo; o carro particular como eixo do desenvolvimento industrial, em todos os governos brasileiros desde Kubitschek até Cardoso, contribui, quisessem ou não, para levar na direção oposta. Entre os "candidatos a tigre" predomina a segunda opção, como o testemunham os infernais engarrafamentos de Bangkok, Manila y Jakarta, manifestações bem perversas do "progresso" e de fato já graves obstáculos ao mesmo.

Uma das melhores reflexões comparativas encontra-se no trabalho já citado: a parte os fatores, de importância crucial, vinculados ao contexto regional e mundial, Fajnzylber salienta os seguintes, cuja mera enumeração ressalta por contraste as falhas e os erros das políticas latino-americanas:

"...a vocação industrializadora do Estado que se expressava através da subordinação da esfera financeira ao objetivo do crescimento industrial, a definição de prioridades setoriais e de políticas econômicas integrais de apoio aos ramos selecionados, a diáfana articulação com um setor empresarial dotado de vontade e vocação industrializadora, a passividade laboral e a fragilidade das organizações sindicais (que se explicaria tanto por fatores político-repressivos como pela elevada densidade da população com baixa produtividade nas condições iniciais) e o desenho e utilização lúcidos de uma política maciça de capacitação da mão de obra ..." (Fajnzylber: 109). Ademais, a relativa abstenção consumista mencionada acima pelo mesmo autor é ligada à existência de um "projeto nacional" mais ou menos coerente e ao contexto cultural marcado, em particular, pelo confucionismo.

Um antigo chanceler brasileiro sintetiza a maior diferença assim: "enquanto na América Latina o desenvolvimento baseou-se no binômio mercado interno-poupança externa, nos países da Ásia verificou-se o contrário: indústrias voltadas para os mercados estrangeiros e taxas de poupança internas muito elevadas. Para esses países isso teve a dupla vantagem de preservá-los das crises financeiras e de forçá-los a manter e até mesmo a aumentar o nível de competitividade de sua produção. (...)

"As mudanças estruturais em curso na América Latina, que contribuíram para o desmantelamento do modelo de substituição de importações, por mais importantes que sejam, não poderão assegurar, por si sós, uma inserção dinâmica da região na economia mundial. Isso exige, entre outros, investimentos em ciência e tecnologia e em educação, e um perfil mais adequado de distribuição da renda. O velho protecionismo deve ser substituído não por uma atitude absenteísta por parte dos poderes públicos, mas por políticas mais flexíveis dirigidas à correção dos desequilíbrios estruturais da economia e da sociedade (Amorim e Saint-Clair Pimentel: 184-5).

Para a CEPAL, o êxito exportador e industrial asiático está ligado à capacidade de "elevar de forma sustentada a qualificação da força de trabalho e (de) fortalecer a base empresarial interna, incluídas as diversas possibilidades e modalidades de vinculação com as fontes de investimento estrangeiro." (CEPAL: 77)

E o Secretário Permanente do SELA destaca com razão que "não existe – além da propaganda – nenhum país industrializado ocidental no qual o Estado não seja uma instituição poderosa e onde os mercados sejam plenamente competitivos. De igual maneira, na prática, nenhum dos países desenvolvidos tem levado a cabo reformas da sua política econômica a partir de esquemas tão rígidos como os que se tratam de impor por todos os meios na Rússia e na Europa Oriental, na América Latina e em outras áreas em desenvolvimento." (Moneta, 1994: 163). Só resta lembrar, como conclusão geral, que estes esquemas neo-liberais estão quase nas antípodas das políticas seguidas pelo Japão e pelos "tigres"...

Bibliografia

Novembro de 1997

Tabelas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1997

Histórico

  • Recebido
    Nov 1997
  • Aceito
    Nov 1997
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