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Guerra do Paraguai: como construímos o conflito

INFORMAÇÃO

RESENHAS

Pio Penna Filho

MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai : como construímos o conflito. São Paulo: Contexto; Cuiabá: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso, 1998, 174 p.

Em Guerra do Paraguai: como construímos o conflito, Alfredo Menezes, professor titular de História da América da Universidade Federal de Mato Grosso, promove uma significativa contribuição para a historiografia brasileira com relação a Guerra do Paraguai.

Estudioso do tema há vários anos, o autor traz à discussão sobre a Guerra do Paraguai uma contribuição valiosa ao estudar o contexto regional, em uma abordagem pouco usual na literatura brasileira disponível, dado que chama a atenção para a intrincada conjuntura política dos países envolvidos no conflito nos anos anteriores à guerra. Sua análise parte, portanto, da averiguação das motivações regionais que desembocaram na tragédia platina do século passado.

A conjuntura política interna dos países da bacia platina e suas vinculações exteriores são abordadas com vistas a elucidar as causas regionais que motivaram os desentendimentos. Desta forma, as disputas entre Blancos e Colorados no Uruguai, entre Federalistas e Unitários na Argentina, as aspirações e reivindicações dos gaúchos brasileiros com relação às férteis terras uruguaias e as históricas divergências entre eles e o governo central no Brasil, as aspirações internacionais do Paraguai sob seu forte regime centralizado e o caráter de Solano Lopez conformam um quadro complexo no qual a diplomacia acabou falhando e cedendo lugar ao conflito armado.

Como destaca o autor, em uma época em que ter nascido na Argentina ou no Uruguai não parecia fazer tanta diferença quanto comungar idéias identificáveis nas duas margens do Rio da Prata, a política interna destas nações findava por extrapolar as fronteiras nacionais e se encontrava, no plano regional, envolvendo princípios e interesses específicos que se entrelaçavam em determinados contextos políticos. As afinidades entre Blancos e Federalistas e entre Colorados e Unitários, colocavam lado a lado duas correntes de pensamento que iriam desempenhar papel de destaque nos rumos políticos de toda a região.

A Argentina, principalmente após a década de 1850, significou um sério ponto de atrito na perspectiva internacional do regime paraguaio. Rivalidades antigas, como a idéia da reconstrução do vice-reinado do Prata tendo a Argentina à frente e a presença de exilados paraguaios em Buenos Aires, atacando abertamente o regime ditatorial de Solano Lopez, associados às contundentes críticas publicadas nos jornais portenhos, exaltavam os pontos de atrito entre os dois países. As interferências argentinas na política interna uruguaia, sobretudo durante o governo do presidente Mitre, também irritaram Solano Lopez e, em grande medida, contribuíram para as desconfianças com relação aos interesses argentinos na região.

A política brasileira com relação ao Uruguai e sua conexão com os partidos políticos deste terá sua cota de participação nas definições do contexto platino e contribuirá para a decisão belicosa de Solano Lopez. Enfatizando a grande importância do Uruguai no quadro regional, o autor destaca que a decisão brasileira de interferir na política interna uruguaia, favorecendo os Colorados e atendendo aos anseios da Província do Rio Grande do Sul, irá entrar em rota de colisão direta com os interesses paraguaios tais quais definidos por Solano Lopez. A aliança entre Lopez e os Blancos uruguaios previa maior aproximação entre as duas nações e visava, além da promoção comercial, um tratado defensivo e ofensivo entre os dois países. Lopez levará em conta as interferências brasileiras no Uruguai e este tratado quando decidiu partir para a guerra.

O quadro interno paraguaio é analisado no segundo capítulo do livro. Neste, há interessantes considerações sobre o Paraguai, Solano Lopez e a Inglaterra. O Paraguai é apresentado como um país com história muito peculiar no contexto latino-americano, dado seu isolamento desde a independência e um forte regime político centralizado, que dirigia meticulosamente os fatores econômicos, chegando a momentos, por exemplo, em que a participação do Estado alcançou cinqüenta e dois por cento no setor de exportações.

Ainda no campo econômico, o autor tece considerações sobre o pretenso desenvolvimento industrial paraguaio que teria sido promovido até o início da guerra. A tese de que o Paraguai estava no caminho de um modelo de industrialização avançado é contestada, haja vista que, como demonstra Menezes, o perfil da industrialização paraguaia surgida nos dez anos anteriores à guerra não era efetivamente dirigido para a ampliação da produção industrial voltada para a exportação, mas sim direcionada para uma indústria antes de mais nada preocupada com a defesa do Estado paraguaio, além de limitada e muito aquém do que pretendem alguns autores que escreveram sobre o Paraguai no século XIX. Neste sentido, e dentro do contexto de revisão historiográfica sobre a realidade paraguaia durante o século XIX, o quadro que se apresenta é o de um país ainda em um estágio muito incipiente no desenvolvimento industrial, que carecia de matérias-primas, capacidade tecnológica e mão-de-obra especializada.

Uma questão bastante polêmica, envolvendo os estudos sobre a guerra do Paraguai, diz respeito à participação inglesa no conflito. Na perspectiva de vários autores latino-americanos, como León Pomer (A Guerra do Paraguai: a grande tragédia rioplatense e Paraguai: nossa guerra contra esse soldado), Julio José Chiavenatto (Genocídio americano: a Guerra do Paraguai) e Eduardo Galeano (As veias abertas da América Latina), as motivações da guerra devem ser buscadas fora do contexto regional. Com efeito, estes autores atribuem à Inglaterra o papel de responsável pelo conflito, considerando que esta tinha a intenção de destruir o Paraguai porque este estava alcançando um patamar de desenvolvimento industrial ameaçador aos interesses ingleses na região. Postando-se ao lado de autores que discordam desta tese, como Moniz Bandeira (O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata, da colonização ao Império ), Fernando Doratioto (A guerra do Paraguai e as relações entre o Império do Brasil e a República do Paraguai, 1822-1889) e Josefina Pla (Británicos en el Paraguay, 1850-1870), Menezes, ao pesquisar a documentação diplomática britânica, não encontrou comprovação para as especulações acerca do envolvimento da Inglaterra como fomentadora da guerra do Paraguai.

Com um estudo histórico de cunho político, mas que também considera os aspectos econômicos, embasado em ampla bibliografia e na consulta a documentos diplomáticos ingleses, o autor apresenta sua contribuição para o entendimento de um dos capítulos mais instigantes da História da América Latina no século XIX. Reabrindo a discussão sobre muitas questões polêmicas, como até que ponto a Inglaterra teria influenciado nos rumos dos acontecimentos e desmistificando a visão de um Paraguai industrialmente desenvolvido. Enfim, trata-se de uma obra de leitura obrigatória para aqueles que se interessam em compreender um dos acontecimentos mais importantes da História dos países da Bacia do Prata.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 1998
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