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500 anos de Periferia: uma contribuição ao estudo da política internacional

INFORMAÇÃO

RESENHAS

Jamil Cezar Chade

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. 500 anos de Periferia – Uma contribuição ao estudo da política internacional. Porto Alegre: Ed. da Universidade, 1999, 166 p.

Colônia e metrópole, terceiro mundo e primeiro mundo, países subdesenvolvidos e desenvolvidos, Sul e Norte. A estrutura moderna da comunidade internacional de Estados foi sempre caracterizada por ser hierárquica, ainda que o topo dessa estrutura fosse ocupado, ao longo dos últimos séculos, por potências com características distintas, mas com uma semelhança essencial: o poder de organizar o mundo de acordo com seus interesses. Resgatando o debate quanto aos aspectos que condicionam o sistema internacional, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em sua obra 500 Anos de Periferia – Uma contribuição ao estudo da política internacional, analisa a condição periférica do Brasil no atual sistema internacional, apontando os caminhos para a superação dessa realidade que já dura 500 anos.

De fato, o objetivo de Guimarães é desenvolver uma interpretação pragmática dos fenômenos que orientam as relações internacionais e como esses movimentos impactam nos grandes Estados periféricos, nem sempre beneficiados pelo processo de globalização. Entre as características desses Estados, o autor destaca a fragilidade político-econômica e a estreita vinculação com um único centro como razões para que seja realizada uma análise do sistema internacional a partir do ponto de vista periférico. A idéia é de que a marginalização desses países será crescente se não enfrentarem os desafios da nova ordem, como a concentração de poder econômico, político e militar.

O autor, antes de mais nada, define os grandes Estados periféricos como "países não-desenvolvidos, de grande população e território, não-inóspito, razoavelmente passível de exploração econômica e onde se constituíram estruturas industriais e mercados internos significativos". Embora reconheça as enormes diferenças entre China, Brasil, Argentina, Indonésia, Índia e México, Guimarães destaca que todos possuem significativas desigualdades internas e são impactados por idéias, costumes e políticas geradas no centro.

Enfim, os grande Estados periféricos atuam em torno de uma estrutura hegemônica de poder político e econômico. Estrutura essa que é resultado de longo processo histórico que tem como objetivo sua própria perpetuação. Ele alerta que analistas de relações internacionais apontam a estrutura do cenário internacional atual como uma composição de uma unipolaridade militar dos Estados Unidos, de uma multipolaridade econômica competitiva e de um condomínio político exercido pelo Conselho de Segurança. Para o autor, a idéia de estrutura hegemônica é mais completa que a de Estado hegemônico. De fato, o conceito confere uma dimensão mais ampla à análise, permitindo que novos atores e movimentos sejam incluídos no debate.

O autor reconhece, entretanto, que o mundo presencia a vitória ideológica, política e econômica de um pensamento que age em quase todos os territórios do planeta. No centro da estrutura hegemônica, Guimarães coloca os Estados Unidos, classificando-os como único país com interesses políticos, econômicos e militares em todos as regiões do mundo e o grande responsável pela criação da atual estrutura. Ele destaca, entre as estratégias de perpetuação da ordem, a expansão de organizações internacionais como instrumentos de legitimação de uma política do centro, a cooptação de novos atores para refletir uma nova realidade de poder e a difusão de ideologias aparentemente neutras.

Paralelamente a uma aparente democratização dos âmbitos internacionais de decisão, o processo de fortalecimento político e econômico fora da estrutura hegemônica é visto com desconfiança pelo centro. No caso da relação entre os Estados Unidos e a América do Sul, ficou evidente que as acusações contra o Mercosul pelos americanos – que alegavam que o bloco criaria barreiras tarifárias na região contrárias às regras da OMC –, tinham como objetivo manter as preferências comerciais que já dispunham na região.

A formação dos blocos econômicos é apontada como um dos fenômenos mais importantes no cenário internacional para os grandes países periféricos, mas o autor adverte que a Alca é uma estratégia norte-americana de amplo alcance, com objetivos comerciais, mas também políticos e militares. O Brasil, por sua vez, é o único país que pode competir política e economicamente com os norte-americanos na América do Sul. Por essa razão, a iniciativa da Alca deve ser vista como um projeto que colocará frente à frente Washington e Brasília. Uma vez estabelecido o bloco hemisférico, Guimarães adverte que pode haver uma queda significativa do comércio intra-Mercosul, já que empresas canadenses e americanas teriam os mesmos benefícios que as empresas do Cone Sul no acesso aos mercados.

A saída para essa situação seria, segundo o diplomata, tanto o fortalecimento do Mercosul como sua ampliação geográfica, transformado-o de uma união aduaneira em uma comunidade econômica que atingisse toda a América do Sul. Ele adverte que, caso isso não venha a ocorrer, o Mercosul corre o risco de desaparecer como um instrumento de política comercial, com conseqüências como o aumento dos desequilíbrios internos e da vulnerabilidade. Além do fortalecimento do Mercosul, destaca que, entre os fatores que poderão beneficiar os Estados periféricos no cenário internacional, está o Conselho de Segurança da ONU, uma vez ampliado e representativo da nova realidade mundial, dando voz e poder de decisão a Estados que representariam grande parte do planeta.

Enfim, os desafios para que o Brasil supere 500 anos de periferia não são poucos, mas o país, apesar de sua índole pacífica, não pode deixar de afirmar seus interesses. Caso contrário, como diz o próprio autor, estaria condenado à condição de Estado de segunda classe. A saída para uma condição mais favorável será, sem dúvida, o reforço do multilateralismo e ações claras diante dos acontecimentos internacionais, possibilitando que uma política externa autônoma possa ser elaborada. As relações com regiões como América do Sul, Ásia e África devem ganhar novo dinamismo e, entre as potências, uma relação de barganha deve ser estabelecida, evitando a dependência com qualquer um dos países centrais. A luta por construir um mundo multipolar poderá, ainda, ampliar as possibilidades para o Brasil ter alianças que reduzam os efeitos da concentração de poder no sistema internacional.

Mais do que nunca, a atuação multilateral do Brasil será determinante para uma melhor inserção do país no cenário internacional. Poucos foram os momentos da história da política externa brasileira em que uma ação multilateral foi tão necessária quanto nestes últimos momentos do século XX. Guimarães, porém, não parece dar alternativa à ideologia da ordem, mas somente à sua estrutura, pois isso envolveria um novo paradigma de análise das relações internacionais e instrumentos de que não dispomos. O certo é que a obra é uma contribuição importante para reverter o fato de que a predominância momentânea de um pensamento não pode significar o atrofiamento de opções e da imaginação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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