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O Barão do Rio Branco e a inserção internacional do Brasil

EDITORIAL

O Barão do Rio Branco e a inserção internacional do Brasil

Antônio Carlos Lessa

Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e editor da Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI) (alessa@unb.br)

Em 2012 é lembrado o centenário da morte de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que por uma década dirigiu o Itamaraty, imprimindo-lhe rumo que marcou a política externa do Brasil pelo meio século que se seguiu. As justíssimas homenagens de 2012 procuram pôr em relevo a grande obra diplomática de Rio Branco, e o situam como um dos grandes perfis da história brasileira. De fato, os seus muitos feitos – dentre os quais o papel decisivo que desempenhou na conclusão da negociação de todos os dossiês de limites – marcaram definitivamente a trajetória internacional do Brasil ao longo do século 20, e o eternizaram como o patrono da diplomacia brasileira.

Há grande e excelente literatura sobre Paranhos e sobre a política externa que lhe coube formular e implementar, que realça três grandes temas, de certo modo, impossíveis de serem separados em qualquer tentativa de explicação sobre o Barão e sobre a importância que assumiu para a história das relações internacionais do Brasil. A Revista Brasileira de Política Internacional, inclusive, tem sido um veículo privilegiado desse debate.1 1 Ver, por exemplo: ALMEIDA, Paulo R. de. O legado do Barão: Rio Branco e a moderna diplomacia brasileira. Rev. bras. polít. int., v. 39, n° 2, 1996, p. 125–135; BATH, Sérgio. O sesquicentenário do nascimento do Barão do Rio Branco. Rev. bras. polít. int., v. 37, n° 2, 1994, p. 117–119; BUENO, Clodoaldo. A competição alemã no Brasil no início do Século XX: o incidente da Panther. Rev. bras. polít. int., v. 38, n° 1, 1995, p. 64–74; CONDURU, G. F. O subsistema americano, Rio Branco e o ABC. Rev. bras. polít. int., v. 41, n° 2, 1998, p. 59–82; DORATIOTO, F. F. M. A política platina do Barão do Rio Branco. Rev. bras. polít. int., v. 43, 2000, p. 130–149; PEIXOTO, Renato Amado. "Depois aconteça o que acontecer": por uma rediscussão do Caso Panther e da política externa de Rio Branco. Rev. bras. polít. int., v. 54, n° 1. 2011,p. 44–66; PEREIRA, P. J. DOS R. A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em Washigton (1905–1910). Rev. bras. polít. int., v. 48, n° 2, 2005, p. 111–128; VILALVA, Mario. O Barão do Rio Branco: seu tempo, sua obra e seu legado. Rev. bras. polít. int., v. 38, n° 1, 1995, p. 117–124.

O primeiro grande tema é o homem. Dono de personalidade controversa, Paranhos era filho de um dos mais importantes líderes do Império, o Visconde do Rio Branco, com quem inclusive trabalhou, secretariando em importante missão ao Prata. Muitos historiadores justamente chamam a atenção para o quanto a influência do pai foi decisiva na formação da visão de mundo do jovem Paranhos, firmando-lhe as noções fundamentais de poder, prestígio e realismo político que depois instruíram a sua gestão à frente da diplomacia brasileira. De certo modo, Paranhos assistiu, na antessala de sua casa, tendo seu pai como ator principal ou como articulador de fundo, a formulação e a implementação das bases da inserção internacional do Brasil na fase madura do Império. Na mesma vertente, Paranhos foi um homem inspirado por grande curiosidade intelectual, demonstrada em interesses diversos – mais especialmente, pela dedicação com afinco à história do Brasil. Do mesmo modo, se dedicou com intensidade quando jovem aos prazeres mundanos, com uma trajetória de vida que, pelos padrões sociais da época, poderiam ser considerados verdadeiramente escandalosos.

O segundo tema inspirador da larga historiografia sobre Rio Branco é a carreira de diplomata. Há aqui visões excelentes sobre a formação do servidor do Estado, que se depreende especialmente da sua comunicação epistolar, na qual se mostrou um observador atento das transformações da política mundial do seu tempo. Da passagem discreta como cônsul do Brasil em Liverpool, ao despontar como especialista bem-sucedido nas causas de limites, o que realmente sobressai é o agigantamento diante da opinião pública brasileira, que o trouxe de volta ao Brasil como Ministro de Estado das Relações Exteriores. A gestão Rio Branco à frente do Itamaraty é de fato um divisor de águas, tanto do ponto de vista administrativo, no que toca à modernização de procedimentos da Secretaria de Estado, quanto político. A consolidação dos limites – com a conclusão das negociações com todos os vizinhos de então –, a engenharia política para a América do Sul, a rivalidade com a Argentina e o comando inspirado pela noção fundamental de prestígio, entre outros marcos, compõem um alentado compêndio da história do Brasil, no qual Rio Branco desponta como um traço de união, ligando as tradições da inserção internacional do Império ao modus operandi titubeante da República nascente.

Curiosamente, o grande diplomata da fase inicial da República era um monarquista ardoroso, admirador incondicional da figura do Imperador deposto, o que conforma, inclusive, o perfil do bom diplomata, que serve ao Estado, e não aos governos de plantão e aos regimes que se alternam. Rio Branco, pois, nessa dimensão, emprestou lastro e estabilidade às relações exteriores do Brasil republicano, sanando o déficit de poder que caracterizou o comando das relações exteriores desde o advento do novo regime, emprestando-lhe um sentido de oportunidade em leituras essencialmente pragmáticas dos interesses do Brasil.

Em temas como as relações com os Estados Unidos, por exemplo, que constitui eixo central das análises sobre a política exterior da República nascente, Rio Branco sepultou as leituras românticas que instruíram as relações com o grande vizinho do Norte, e as converteu na engrenagem central da estratégia de inserção internacional que o Brasil buscou desenvolver em seu tempo, e pelas décadas seguintes. Concluiu-se sob a sua gestão a migração do Brasil para o sistema de poder dos Estados Unidos, com o arremate pragmático da transição que começa a se observar logo nos primeiros momentos da República.

A estratégia internacional pensada por Rio Branco, entretanto, não tinha um componente modernizador. A sua ação foi de molde a conformar as grandes amizades internacionais do Brasil, especialmente a de reforçar os vínculos do setor agroexportador com os grandes mercados consumidores de produtos primários, essencialmente os do café. É política que, portanto, se compõe com os comandos e os interesses da política externa da República nascente, à qual se agrega uma certa noção de prestígio e de poder derivado do próprio alinhamento com os Estados Unidos. Mas não se percebem, em seu cálculo político, ações que apontem para uma concepção muito diferente das possibilidades econômicas do País, ou de um eventual potencial de modernização tocado por industrialização, de que seria o melhor exemplo o extraordinário ritmo de desenvolvimento que se observava justamente nos Estados Unidos já há algumas décadas.

O terceiro grande tema foi motivo de menor atenção na literatura, mas é, certamente, o de maior impacto para as relações exteriores do Brasil ao longo de todo o século 20: é o legado do Barão, que alguns analistas sugerem constituir um modelo de inserção internacional de formas incertas, mas que se assenta em um grande pilar, o lugar central assumido pelas relações brasileiro-norte-americanas. Sob essa perspectiva, o Brasil estaria irremediavelmente inserido em um novo sistema hegemônico, o que foi confirmado nas décadas que se seguiram, pelo menos até o advento de um comando universalista para a inserção internacional do País, que se configura na década de 1960. Ao cabo, o problema fundamental, como legado pelo Barão, é o da intensidade das relações com os Estados Unidos: a partir de então, o Brasil estaria inarredavelmente alinhado à visão de mundo da grande potência hemisférica, e a questão central, sob esse aspecto, seria a de encontrar equilíbrio entre o comando do alinhamento automático e o do alinhamento pragmático.

Diz-se que Rio Branco morreu ainda investido como ministro de Estado, mas demissionário, bastante irritado com os desmandos da República. Delirou em seu leito de morte, imprecando contra o regime. Poder-se-ia imaginar que, em seu delírio, amaldiçoou os seus sucessores: "os brasileiros não compreenderão esse mecanismo, de sutil equilíbrio, e o Brasil para sempre oscilará entre o alinhamento pragmático e o alinhamento automático". Se isso realmente passou pela mente delirante do chanceler moribundo, não se sabe. O que é fato é que realmente os brasileiros tiveram grande dificuldade de encontrar tal equilíbrio, que se impôs somente com o envelhecimento do modelo de inserção internacional americanista, e com a necessidade de realizar interesses mais complexos, que não cabiam nas margens estreitas daquele modo de se conceber a política externa e os vínculos preferenciais do Brasil com os Estados Unidos.

Rio Branco, a sua gestão e o seu legado ainda podem ser objeto de grandes interpretações, interpretações originais, calcadas em pesquisa histórica de ponta, moderna, metodologicamente amparada pelas inovações que se tem observado na disciplina ao longo dos últimos anos. Do mesmo modo que é responsabilidade dos programas de pós-graduação incentivar a pesquisa de alto nível sobre a inserção internacional do Brasil, é missão dos grandes veículos científicos acolher e publicar os seus melhores e mais impactantes resultados. É o que temos feito na Revista Brasileira de Política Internacional desde as suas origens. Estamos certos de que o equilíbrio entre diferentes abordagens metodológicas, tradições epistemológicas e disciplinas compõe o grande diferencial da nossa Revista, que gostamos de realçar e de valorizar. Cremos que a nossa Revista é vetor fundamentalmente importante do debate historiográfico sobre política exterior do Brasil em geral, como se vê, por exemplo, nos trabalhos que temos publicados sobre o Barão e a sua grande obra diplomática.

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    Ver, por exemplo: ALMEIDA, Paulo R. de. O legado do Barão: Rio Branco e a moderna diplomacia brasileira.
    Rev. bras. polít. int., v. 39, n° 2, 1996, p. 125–135; BATH, Sérgio. O sesquicentenário do nascimento do Barão do Rio Branco.
    Rev. bras. polít. int., v. 37, n° 2, 1994, p. 117–119; BUENO, Clodoaldo. A competição alemã no Brasil no início do Século XX: o incidente da Panther.
    Rev. bras. polít. int., v. 38, n° 1, 1995, p. 64–74; CONDURU, G. F. O subsistema americano, Rio Branco e o ABC.
    Rev. bras. polít. int., v. 41, n° 2, 1998, p. 59–82; DORATIOTO, F. F. M. A política platina do Barão do Rio Branco.
    Rev. bras. polít. int., v. 43, 2000, p. 130–149; PEIXOTO, Renato Amado. "Depois aconteça o que acontecer": por uma rediscussão do Caso Panther e da política externa de Rio Branco.
    Rev. bras. polít. int., v. 54, n° 1. 2011,p. 44–66; PEREIRA, P. J. DOS R. A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em Washigton (1905–1910).
    Rev. bras. polít. int., v. 48, n° 2, 2005, p. 111–128; VILALVA, Mario. O Barão do Rio Branco: seu tempo, sua obra e seu legado.
    Rev. bras. polít. int., v. 38, n° 1, 1995, p. 117–124.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012
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