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Frequência e distribuição de Helicobacter spp. na mucosa gástrica de cães

Frequency and distribution of Helicobacter spp. in gastric mucosa of dogs

Resumos

A associação das helicobacterias com doença gástrica em humanos e em alguns animais domésticos e selvagens sugere a participação dessas na patogênese da gastrite em cães. Neste artigo procurou-se verificar a presença de Helicobacter spp. na mucosa gástrica de cães e avaliar sua associação com os achados macro e microscópicos, considerando a idade. Coletaram-se amostras das regiões cárdica, fúndica, do corpo e pilórica dos estômagos de 60 cães para a realização de exame histopatológico, utilizando-se as colorações pela hematoxilina-eosina (HE) e carbolfucsina (CF). Tais exames revelaram Helicobacter spp. em 96,7% dos animais, sendo observados infiltrados inflamatórios, predominantemente mononucleares (100%), hiperplasia de nódulos linfoides (98,3%), erosões/ulcerações (6,7%), hemorragia (5%) e hiperemia (95%) em amostras coradas por HE. Não houve correlação da infecção por helicobacter spp. com a idade do animal e da idade com alterações inflamatórias na presença da bactéria. As amostras das regiões do corpo e pilórica apresentaram maior presença de bactérias a histopatologia (CF) (ambos 95%), em seguida vindo as regiões fúndica (91,7%) e cárdica (56,7%). Houve correlação do número de Helicobacter spp. com o de células inflamatórias e nódulos linfoides nessas regiões, sugerindo que as bactérias encontradas na mucosa gástrica dos cães poderiam ser responsáveis pelas alterações que caracterizam a gastrite.

cão; gastrite; helicobacterias


The association of the helicobacter bacteria with gastric diseases in human beings and in some domestic pets and wild animals suggests these bacteria as a possible factor in the pathogenesis of gastritis in pet dogs. In this study we investigate the presence of Helicobacter spp. in the gastric mucosa of dogs and evaluate its association with some macro and microscopic findings, considering the age of the animals. Samples from cardia, fundus, body, and pylorus regions were collected from the stomach of 60 dogs for histopathologic examination, using hematoxilin-eosina (HE) and carbol-fucsina (CF) staining. The examinations detected Helicobacter spp. in 96.7% of the animals, revealing inflammatory infiltrate, predominantly mononuclear (100%), lymphoid nodules hyperplasia (98.3%), erosions/ulcerations (6.7%), hemorrhage (5%) and hyperemia (95%) in the samples stained with HE. There was no correlation between Helicobacter spp. infection and age of the animal, as well as between inflammatory changes and age in the presence of bacteria. Samples of the body and pylorus region showed increased presence of bacteria in the histopathologic examination (both 95%), followed by the fundus (91.7%) and the cardia (56.7%) regions. There was correlation between the number of Helicobacter spp. and both the number of inflammatory cells and lymphoid nodules in those regions, which suggest that the bacteria found in the gastric mucosa of dogs may be responsible for the alterations that characterize the gastritis.

dogs; gastritis; Helicobacter spp


CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA ANIMAL

Frequência e distribuição de Helicobacter spp. na mucosa gástrica de cães

Frequency and distribution of Helicobacter spp. in gastric mucosa of dogs

Fernanda de Toledo VieiraI; João Carlos Pereira da SilvaII; Marlene Izabel Vargas ViloriaII; Marcel de Toledo VieiraIII; Carlos Eduardo Real PereiraIV

IMédica Veterinária, Mestre. Departamento de Veterinária, Centro Universitário Vila Velha (UVV), Campus Nossa Senhora da Penha, Rua Mercúrio, s/n, Boa Vista II, 29102-830 Vila Velha, Espírito Santo, Brasil. fetvieira@uvv.br

IIMédico Veterinário, Doutor. Departamento de Veterinária, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Avenida Peter Henry Rolfs, s/n, 36571-000, Viçosa, Minas Gerais, Brasil. jcpsilva@ufv.br ; bebel@ufv.br

IIIEconomista, Doutor. Departamento de Estatística, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bairro Martelos, s/n, 36036-330 Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. mdtvieira@gmail.com

IVMédico Veterinário. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, 31270-901 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. carlos.pereira@ufv.br

RESUMO

A associação das helicobacterias com doença gástrica em humanos e em alguns animais domésticos e selvagens sugere a participação dessas na patogênese da gastrite em cães. Neste artigo procurou-se verificar a presença de Helicobacter spp. na mucosa gástrica de cães e avaliar sua associação com os achados macro e microscópicos, considerando a idade. Coletaram-se amostras das regiões cárdica, fúndica, do corpo e pilórica dos estômagos de 60 cães para a realização de exame histopatológico, utilizando-se as colorações pela hematoxilina-eosina (HE) e carbolfucsina (CF). Tais exames revelaram Helicobacter spp. em 96,7% dos animais, sendo observados infiltrados inflamatórios, predominantemente mononucleares (100%), hiperplasia de nódulos linfoides (98,3%), erosões/ulcerações (6,7%), hemorragia (5%) e hiperemia (95%) em amostras coradas por HE. Não houve correlação da infecção por helicobacter spp. com a idade do animal e da idade com alterações inflamatórias na presença da bactéria. As amostras das regiões do corpo e pilórica apresentaram maior presença de bactérias a histopatologia (CF) (ambos 95%), em seguida vindo as regiões fúndica (91,7%) e cárdica (56,7%). Houve correlação do número de Helicobacter spp. com o de células inflamatórias e nódulos linfoides nessas regiões, sugerindo que as bactérias encontradas na mucosa gástrica dos cães poderiam ser responsáveis pelas alterações que caracterizam a gastrite.

Palavras-chave: cão, gastrite, helicobacterias.

ABSTRACT

The association of the helicobacter bacteria with gastric diseases in human beings and in some domestic pets and wild animals suggests these bacteria as a possible factor in the pathogenesis of gastritis in pet dogs. In this study we investigate the presence of Helicobacter spp. in the gastric mucosa of dogs and evaluate its association with some macro and microscopic findings, considering the age of the animals. Samples from cardia, fundus, body, and pylorus regions were collected from the stomach of 60 dogs for histopathologic examination, using hematoxilin-eosina (HE) and carbol-fucsina (CF) staining. The examinations detected Helicobacter spp. in 96.7% of the animals, revealing inflammatory infiltrate, predominantly mononuclear (100%), lymphoid nodules hyperplasia (98.3%), erosions/ulcerations (6.7%), hemorrhage (5%) and hyperemia (95%) in the samples stained with HE. There was no correlation between Helicobacter spp. infection and age of the animal, as well as between inflammatory changes and age in the presence of bacteria. Samples of the body and pylorus region showed increased presence of bacteria in the histopathologic examination (both 95%), followed by the fundus (91.7%) and the cardia (56.7%) regions. There was correlation between the number of Helicobacter spp. and both the number of inflammatory cells and lymphoid nodules in those regions, which suggest that the bacteria found in the gastric mucosa of dogs may be responsible for the alterations that characterize the gastritis.

Key words: dogs, gastritis, Helicobacter spp.

INTRODUÇÃO

As doenças gástricas são diagnosticadas com relativa frequência em pequenos animais. A associação entre a infecção por Helicobacter e a doença gástrica em humanos (Israel & Peek , 2001; Nogueira et al., 2001) e em alguns animais domésticos e selvagens sugere que as bactérias desse gênero podem estar presentes na patogênese da gastrite em cães (Simpson et al., 2000; Nambiar et al., 2005).

A presença de bactérias espiraladas no estômago de animais foi originalmente descrita há mais de 100 anos. Desde então esses microrganismos, denominados organismos semelhantes ao Helicobacter, têm sido regularmente associados a exames gástricos e às vezes a lesões histopatológicas (Hermanns et al., 1995).

Os organismos semelhantes ao Helicobacter são bactérias espirais gram-negativas, flageladas, microaerófilas (Hermanns et al., 1995), oxidase, catalase e urease positivas (Montgomery et al., 1998). São capazes de atravessar a camada de muco que recobre o estômago, atingindo a superfície epitelial e as criptas gástricas, onde encontram um microambiente alcalino, sendo protegido da acidez gástrica pelo muco sobrejacente (Castro et al., 1993; Israel & Peek, 2001). Dentre os fatores associados à colonização e aos danos gástricos estão a urease, que, segundo Euguchi e Moss (2002), está associada à apoptose; os lipopolissacarídeos; as citocinas vacuolizadoras Vac A; a mucinase; a lipase; a hemolisina; as proteínas de membrana; e o fator de virulência Cag A (Torres & Backert, 2008). Em humanos, é relatado o mimetismo molecular no qual o H. pylori apresenta epítopos bacterianos similares à estrutura do epitélio gástrico do hospedeiro, induzindo-o a desenvolver uma resposta autoimune contra a mucosa gástrica (Vandenplas & Badriul, 1999). Sabe-se ainda que a emissão de vesículas membranosas externas possibilita um mecanismo adicional de patogenicidade, pois sua interação com as células epiteliais da mucosa gástrica resulta em apoptose, tanto helicobacterias Vac positivas quanto em Vac negativas (Avala et al., 2006).

Cães e gatos têm demonstrado serem infectados por várias espécies de Helicobacter, como H. felis, H. heilmannii (Happonen et al., 1996a), H. bizzozeronii, H. bitis (Simpson & Burrows, 1997), H. salomonis e H.rappini (Jalava et al., 1998), sendo o H. bizzozeronii a espécie mais prevalente em estudo de biópsias gástricas de cães (Bulck et al., 2005). Embora estejam comumente associadas ao estômago, algumas espécies como H. canis podem colonizar também o intestino e o fígado (Simpson & Burrows,1997). A prevalência da infecção por Helicobacter spp. em cães tem variado de 82% a 100% (Hermanns et al., 1995; Simpson & Burrows, 1997; Moutinho et al., 2007; Ali Shabestari et al., 2008). Em razão dessa alta prevalência, sugere-se que essas bactérias não apresentem potencial patogênico para os animais domésticos. Contudo, em humanos a prevalência do H. pylori é superior a 90% e, embora apenas 10% a 15% dos indivíduos desenvolvam sinais clínicos, a bactéria é comprovadamente patogênica (Simpson et al., 2000). O desenvolvimento dos sinais clínicos está relacionado a diferenças na expressão de produtos da bactéria, variações na resposta do hospedeiro ou interações específicas entre o hospedeiro e o microrganismo (Israel & Peek, 2001).

O presente trabalho teve por objetivos verificar a presença de Helicobacter spp. em cães e sua distribuição nas regiões gástricas, analisar os achados macro e microscópicos e determinar a correlação entre a presença da bactéria e as alterações da mucosa gástrica e dessas com a idade dos animais.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram examinados 60 estômagos de cães (sendo 29 fêmeas e 31 machos) de diferentes raças e idades, necropsiados no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa. Desses, 55 animais não possuíam histórico clínico, enquanto os demais vieram a óbito por patologias não relacionadas ao estômago.

Os estômagos foram abertos por meio de incisão ao longo da curvatura maior e cuidadosamente manuseados para retirada do conteúdo. Foram coletados fragmentos das regiões cárdica, fúndica, corpo e pilórica de cada animal, os quais foram destinados ao estudo histopatológico. Nas regiões fúndica e do corpo foram coletados dois fragmentos para a realização do exame histopatológico, devido à grande extensão dessas regiões, visando à obtenção de uma amostra mais representativa.

Por meio do exame macroscópico consideraram-se os aspectos referentes à natureza do conteúdo, espessura da parede, coloração da mucosa, presença de depressões (úlceras e erosões) e, ou, nodulações e presença de parasitas. Os fragmentos da mucosa gástrica coletados foram processados, utilizando-se os métodos de rotina para histologia, e corados segundo as técnicas de Hematoxilina–Eosina (HE) e Carbol-Fucsina (CF) (Luna, 1968).

Na coloração HE, as lâminas foram avaliadas e detalhadamente descritas com ênfase nas alterações inflamatórias. Foram avaliados cinco campos microscópicos de cada fragmento e retirada a média. Avaliou-se tanto a presença de infiltrado inflamatório quanto a presença e as características dos nódulos linfoides na mucosa. A mucosa gástrica foi considerada normal quando possuía padrão histológico característico, sem evidência de infiltrados de linfócitos, plasmócitos, neutrófilos ou eosinófilos, sendo o grau de gastrite mensurado por meio da densidade dessas células, de acordo com Neiger et al. (1998) (Tabela 1).

Para as regiões do corpo e piloro, o grau de gastrite foi mensurado tomando por base a intensidade da infiltração de linfócitos e plasmócitos na lâmina própria de acordo com o que foi realizado por Day et al. (2008) (Tabela 2)

As lâminas coradas pela CF foram avaliadas visando à identificação, à localização e ao número de bactérias espiraladas do gênero Helicobacter em cada uma das regiões gástricas.

Os resultados da histologia foram analisados por animal e por amostra de cada região gástrica. Para avaliar a relação entre duas variáveis qualitativas foi utilizado o teste exato de Fisher ou, em alguns casos, o teste de quiquadradro como aproximação. Para analisar a relação entre o número de nódulos linfoides e outras variáveis com mais de duas categorias foi utilizado o teste de Kruskall-Wallis. Para determinar as diferenças entre as regiões do estômago (comparando-as duas a duas), utilizou-se o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. Foi ainda usada a correlação de Spearman para analisar as correlações entre todas as variáveis. Em todos os casos o nível de significância usado foi de 5%. O pacote estatístico computacional SPSS para Windows Versão 11.0 foi adotado como ferramenta neste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados encontrados neste trabalho estão de acordo com a literatura consultada, que reportou alta prevalência de helicobactérias na mucosa gástrica de cães (Hwang et al., 2002; Bulck et al., 2005; Wiinberg et al., 2005; Moutinho et al., 2007; Ali Shabestari et al., 2008), porém a inexistência de histórico clínico dos animais não permitiu confrontar estes resultados com os obtidos por autores que afirmaram que a ocorrência de organismos semelhantes ao Helicobacter tem sido prevalente tanto em cães clinicamente sadios (Moutinho et al., 2007) quanto naqueles com sintomas gastrointestinais (Happonen et al., 1996; Hwang et al., 2002).

A histopatologia (CF) revelou presença das bactérias em 96,7% dos animais examinados distribuídas pelo lúmen das glândulas gástricas, nas fossetas gástricas e no muco acima do epitélio de todas as regiões analisadas (Figura 1), o que também foi reportado em outros estudos (Jalava et al., 1998; Moutinho et al., 2007). Não foi observada a presença de bactérias localizadas no interior de vacúolos no citoplasma de células parietais como já relatado (Hermanns et al., 1995). As helicobactérias foram facilmente visualizadas, as quais apresentavam coloração arroxeada, tendo sido quantificadas de acordo com as regiões gástricas. As amostras das regiões do corpo e pilórica tiveram maior presença de bactérias (ambas 95%), seguidas das regiões fúndica (91,7%) e cárdica (56,7%). Esses resultados diferem parcialmente daqueles obtidos por outros pesquisadores, que verificaram maior concentração dessas bactérias nas regiões fúndica (Happonen et al., 1996; Hwang et al., 2002) e do corpo (Happonen et al., 1996) e região do corpo e fundo gástrico, seguida da região pilórica (Moutinho et al., 2007). O maior número de bactérias nas regiões do corpo e pilórica estava associado ao maior número de células inflamatórias (Figura 2) e nódulos linfoides nessas regiões, estando de acordo com os resultados obtidos em outros estudos (Happonen et al., 1996), o que sugere que as bactérias encontradas na mucosa gástrica dos cães poderiam ser responsáveis por essas alterações.



Concordando com o já estabelecido por outros autores (Yamasaki et al., 1998), no presente trabalho não foi observada a existência de associação entre o grau de infecção por helicobactérias e a faixa etária dos animais (p = 0,49). Similarmente ao observado em outro trabalho (Geyer et al., 1993), não houve correlação entre alterações inflamatórias na presença da bactéria com a idade dos animais avaliados.

Alterações macroscópicas na mucosa gástrica foram observadas em 38,3% dos cães, como hiperemia (30%), hemorragias petequiais (5%) e erosões/úlceras (6,7%), tendo alguns animais apresentado mais de uma dessas alterações. Daqueles cães que exibiram mucosa hiperêmica, 88,9% apresentaram colonização por Helicobacter spp. As helicobactérias produzem uma substância denominada mucinase que quebra a barreira mucosa, propiciando o aumento da retrodifusão de íons de hidrogênio (Castro et al., 1993), além de serem capazes de romper o fluxo mucoso na região onde se instalam e de aumentar a secreção de ácido gástrico (Kumar et al., 2008), o que poderia, pelo menos em parte, explicar a hiperemia. Como essas bactérias são sensíveis às alterações de pH, migrariam para outras regiões gástricas onde a camada de muco estaria íntegra, justificando a distribuição esparsa da bactéria em todas as regiões gástricas examinadas, além de explicar a presença ocasional dessa bactéria no epitélio gástrico normal.

Dos três animais que apresentaram hemorragias petequiais na mucosa, dois (66,7%) apresentavam colonização pela bactéria, ao passo que todos os quatro que exibiram presença de ulceração na mucosa tinham infecção por Helicobacter spp. Sabe-se que diferentes tipos de fosfolipases e proteases produzidas pelas helicobactérias alteram as propriedades hidrofóbicas da mucosa e do muco gástricos por meio da clivagem de complexos glicoproteína–lipídio no muco, além de poderem gerar substâncias ulcerogênicas (Vandenplas & Badriul, 1999; Kumar et al., 2008). Além disto, a mucinase produzida por essas bactérias reduz a viscosidade do muco protetor da mucosa, propiciando o aumento da retrodifusão de íons hidrogênicos, abrindo caminho para que fatores agressivos do lúmen, especialmente ácido e pepsina, comprometam a integridade da mucosa gástrica (Castro et al., 1993). Em humanos, sabe-se que o H. pylori é capaz de romper o fluxo mucoso na região onde se instala, interferindo na produção de muco (Aebischer et al., 2000). Esses fatos poderiam sugerir neste trabalho a participação das helicobactérias na patogênese da úlcera gástrica, seja pela quebra dos mecanismos de proteção gástrica como pela indução da hipergastrinemia, como observado em humanos infectados por H. pylori e furões infectados por H. mustelae (Perkins et al., 1996). Por outro lado, a ausência de ulceração nos demais animais colonizados poderia estar associada ao fato de alguns determinantes de patogenicidade serem expressos por apenas algumas linhagens de helicobactérias, como já relatado em humanos infectados por H. pylori (Nogueira et al., 2001; Hardin & Wrigth , 2002; Zambon et al., 2003).

As alterações microscópicas mais frequentemente observadas em cortes corados pela HE foram: infiltrados de células inflamatórias predominantemente mononucleares (linfócitos e plasmócitos) em todos os cães; moderada quantidade de eosinófilos na região do corpo de um animal; hiperplasia de nódulos linfoides em 59 animais (98,3%); e hiperemia em 57 animais (95%) (Figura 3), estando essas de acordo com as alterações citadas na literatura (Yamasaki et al., 1998; Neiger & Simpson, 2000; Banerjee et al., 2000; Wiinberg et al., 2005). A urease, enzima produzida pelas helicobactérias, estimula a liberação de mediadores inflamatórios, como as interleucinas e o fator de necrose tumoral-alfa (Vandenplas & Badriul, 1999), sendo este um dos responsáveis pelo processo inflamatório que acompanha a infecção em grande parte dos casos. Além disso, diversas proteínas das helicobactérias são imunogênicas, sendo responsáveis pelo desenvolvimento da resposta imune com mobilização de linfócitos T e os linfócitos B, que se agregam para formar os nódulos linfoides (Kumar et al., 2008).


Os nódulos linfoides foram observados em pelo menos uma região do estômago de todos os animais examinados, estando bem delimitados ou se estendendo por toda a espessura da mucosa. As amostras das regiões fúndicas do corpo e da pilórica apresentaram mais nódulos linfoides que a região cárdica. Nas regiões fúndica e do corpo houve correlação entre o número de nódulos linfoides e o de células inflamatórias e destes com o número de bactérias, concordando com vários autores que relataram a hiperplasia de nódulos linfoides como resultado da resposta local à presença do Helicobacter (Banerjee et al., 2000; Kumar et al., 2008), estando relacionados principalmente com a infecção crônica (Stolte & Eidt, 1989). Esses resultados sugerem a ocorrência de resposta imune direcionada contra o organismo. Da mesma forma, Radim et al. (1990) observaram grande número de nódulos linfoides ao longo da mucosa gástrica de cães infectados experimentalmente com H. felis.

O predomínio de infiltrados de células inflamatórias mononucleares coincide com resultados observados em outros estudos (Simpson et al., 2000; Wiinberg et al., 2005; Moutinho et al., 2007). A inflamação observada em vários estudos foi leve, porém a forma de classificação dos graus de gastrite varia de um estudo para outro, devido à ausência de critérios estabelecidos para a avaliação de gastrite em cães até a última década. Contudo, para maior caracterização das alterações inflamatórias gastrointestinais, Day et al. (2008) estabeleceram um padrão histopatológico para diagnóstico de inflamação gastrointestinal em cães e gatos a partir de amostras de biópsia. No presente trabalho, os infiltrados de células inflamatórias eram difusos, com média entre 11 e 50 células por campo de 400 X, em todas as regiões na maioria dos cães; o que, de acordo com Neiger et al. (1998), seria classificado como gastrite leve a moderada. Observou-se gastrite leve a moderada na região cárdica de 85% dos cães, nas regiões fúndica e pilórica de 91,7% e na região do corpo de 95%, estando este resultado similar ao obtido por pesquisadores que relataram, na maioria dos casos, a presença da bactéria em cães associada ao baixo grau de inflamação (Geyer et al., 1993). Baseado no padrão histopatológico estabelecido por Day et al. (2008), as mucosas gástricas examinadas neste trabalho apresentaram gastrite leve na região do corpo de 65% e do piloro de 48,3% dos animais analisados e gastrite moderada em 3,3% dos animais tanto na região do corpo quanto do piloro.

Em todas as regiões do estômago a ausência de bactérias estava relacionada com a ausência de células inflamatórias. Nas regiões cárdica e fúndica o número de bactérias e o de células inflamatórias estava estatisticamente correlacionado (Figura 2), discordando de um trabalho em que não houve correlação entre esses dados em cães (Hermanns et al., 1995).

Ficou claro que as alterações histopatológicas no cão observadas neste trabalho são menos graves do que aquelas verificadas em humanos infectados pelo H. pylori como gastrite superficial crônica, gastrite atrófica, metaplasia intestinal e neoplasias como adenocarcinomas e linfomas associados ao tecido linfoide (Hardin & Wrigth, 2002). Como o Helicobacter pylori, Helicobacter mustelae e Helicobacter heilmannii estão associados com ulcerogênese no homem, em furões e em suínos, respectivamente, a relação dessas bactérias com úlceras em cães deve ser considerada até que estudos mais conclusivos sejam desenvolvidos (Otto et al., 1994; Yeomans & Kolt, 1996).

CONCLUSÕES

Observou-se elevada prevalência de helicobactérias em cães, estando essas distribuídas em todas as regiões examinadas e associadas à gastrite, que variou de leve a moderada. Neste estudo houve correlação entre o grau de inflamação e o número de helicobactérias, sugerindo que as bactérias encontradas na mucosa gástrica dos cães podem ser responsáveis por essas alterações. Não foi observada correlação entre o grau de colonização e a faixa etária dos indivíduos examinados.

O alto percentual de cães infectados por Helicobacter spp. e a variação na patogenicidade entre as espécies indicam a necessidade de estudos mais profundos para identificar espécies mais patogênicas e seus mecanismos de patogenicidade em cães.

Recebido para publicação em 15/03/2010 e aprovado em 30/12/2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2010
  • Aceito
    30 Dez 2011
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