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Variabilidade genética de Eugenia uniflora L. em remanescentes florestais em diferentes estádios sucessionais

Genetic variability of Eugenia uniflora L. in forest remnants at different successional stages

Resumos

A compreensão da diversidade genética fornece elementos básicos sobre a dinâmica e funcionamento de populações, auxiliando na conservação e uso sustentável das espécies. Supõe-se que populações sucessionais precoces poderiam ser geneticamente mais diferenciadas do que populações sucessionais mais tardias. Visando testar esta hipótese, o presente trabalho teve como objetivo analisar a variabilidade genética de populações de Eugenia uniflora L. em manchas florestais em diferentes estádios sucessionais. Foram selecionadas duas áreas em diferentes estádios de sucessão, sendo a primeira em estádio inicial e a segunda em estádio avançado. A área de estudo apresenta um remanescente florestal em transição de Floresta Ombrófila Mista e Floresta Estacional Semidecídua. Por meio da técnica de RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) e análise multivariada, a diversidade gênica esperada e a porcentagem de loci polimórficos foram estimadas, além da similaridade genética entre as populações de cada mancha florestal e a diversidade de cada área por meio do índice de diversidade de Simpson. Os resultados indicaram 79% de loci polimórficos para a área em estádio avançado e 70% para a área em estádio inicial de sucessão. A similaridade genética entre pares de indivíduos variou entre 0,55 e 0,86 na área em estádio inicial de sucessão e entre 0,45 e 0,78 para a área em estádio avançado. Não houve diferenças significativas entre a diversidade das duas áreas (P = 89). Um escalonamento multidimensional não-métrico indicou menor distância genética entre os indivíduos da área em estádio inicial. Da mesma forma, uma análise de similaridade - ANOSIM indicou separação entre os indivíduos das duas áreas.

áreas degradadas; fragmentação florestal; RAPD


Knowledge on genetic diversity provides basic information about population dynamics and functioning aiming both to conservation and sustainable use of species. It is assumed that early successional populations could genetically be more differentiated than those in late sucessional stages. To test this hypothesis, the genetic variability of Eugenia uniflora L. populations at different successional stages was investigated. Two areas at different successional stages were selected; one at early successional stage, showing several pioneer trees, and another at late successional stage. The area in study (27º54'S and 52º13'W) is covered by a remnant forest in transition from Mixed Rain Forest to Seasonal Semideciduous Forest. RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) and multivariate analysis were used to evaluate the expected genetic diversity and percentage of polymorphism as well as genetic similarity within and between areas and the genetic diversity by the Simpson diversity index. Results indicated 79% of polymorphic loci for the area at late successional stage and 70% for the area at early successional stage. Pairwise genetic similarity varied from 0.55 to 0.86 in the area at early successional stage and from 0.45 to 0.78 in the area at late successional stage. No differences were found for diversity between the areas (P = 0.89). A non-metric multidimensional scaling showed lower genetic distances among individuals from the area at early successional stage. Similarly, the analysis of similarities - ANOSIM -indicated a split between individuals of both areas.

disturbed areas; forest fragmentation; RAPD


MELHORAMENTO VEGETAL

Variabilidade genética de Eugenia uniflora L. em remanescentes florestais em diferentes estádios sucessionais1 1 Este trabalho é parte da dissertação de mestrado do primeiro autor.

Genetic variability of Eugenia uniflora L. in forest remnants at different successional stages

Roberto Valmorbida AguiarI; Rogério Luis CansianII; Gabriela Busnello KubiakIII; Laura Benetti SlavieroIII; Thomaz Alex TomazoniIV; Jean Carlos BudkeV; Altemir José MossiVI

IBiólogo, Mestre. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Sertão, Rodovia RS 135, Km 25, Distrito Engenheiro Luiz Englert, 99170-000, Sertão, Rio Grande do Sul, Brasil. roberto.aguiar@sertao.ifrs.edu.br

IIEngenheiro-Agrônomo, Doutor. Departamento de Ciências Agrárias, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Erechim, Avenida 7 de setembro, 1621, 99700-000, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil. cansian@uricer.edu.br (autor para correspondência)

IIIBióloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Erechim, Avenida 7 de setembro, 1621, 99700-000, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil. gabrielakubiak@yahoo.com.br; laurabslaviero@yahoo.com.br

IVBiólogo. Florestal Alto Uruguai, Rua Gentil João Miorando, 332, 99700-000, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil. thomaz@auflorestal.com.br

VBiólogo, Doutor. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Erechim, Avenida 7 de setembro, 1621, 99700-000, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil. jean@uricer.edu.br

VIEngenheiro-Agrônomo, Doutor. Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim, Avenida Dom João Hoffmann, 313, 99700-000, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil. amossiuffs@gmail.com

RESUMO

A compreensão da diversidade genética fornece elementos básicos sobre a dinâmica e funcionamento de populações, auxiliando na conservação e uso sustentável das espécies. Supõe-se que populações sucessionais precoces poderiam ser geneticamente mais diferenciadas do que populações sucessionais mais tardias. Visando testar esta hipótese, o presente trabalho teve como objetivo analisar a variabilidade genética de populações de Eugenia uniflora L. em manchas florestais em diferentes estádios sucessionais. Foram selecionadas duas áreas em diferentes estádios de sucessão, sendo a primeira em estádio inicial e a segunda em estádio avançado. A área de estudo apresenta um remanescente florestal em transição de Floresta Ombrófila Mista e Floresta Estacional Semidecídua. Por meio da técnica de RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) e análise multivariada, a diversidade gênica esperada e a porcentagem de loci polimórficos foram estimadas, além da similaridade genética entre as populações de cada mancha florestal e a diversidade de cada área por meio do índice de diversidade de Simpson. Os resultados indicaram 79% de loci polimórficos para a área em estádio avançado e 70% para a área em estádio inicial de sucessão. A similaridade genética entre pares de indivíduos variou entre 0,55 e 0,86 na área em estádio inicial de sucessão e entre 0,45 e 0,78 para a área em estádio avançado. Não houve diferenças significativas entre a diversidade das duas áreas (P = 89). Um escalonamento multidimensional não-métrico indicou menor distância genética entre os indivíduos da área em estádio inicial. Da mesma forma, uma análise de similaridade - ANOSIM indicou separação entre os indivíduos das duas áreas.

Palavras-chave: áreas degradadas, fragmentação florestal, RAPD.

ABSTRACT

Knowledge on genetic diversity provides basic information about population dynamics and functioning aiming both to conservation and sustainable use of species. It is assumed that early successional populations could genetically be more differentiated than those in late sucessional stages. To test this hypothesis, the genetic variability of Eugenia uniflora L. populations at different successional stages was investigated. Two areas at different successional stages were selected; one at early successional stage, showing several pioneer trees, and another at late successional stage. The area in study (27º54'S and 52º13'W) is covered by a remnant forest in transition from Mixed Rain Forest to Seasonal Semideciduous Forest. RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) and multivariate analysis were used to evaluate the expected genetic diversity and percentage of polymorphism as well as genetic similarity within and between areas and the genetic diversity by the Simpson diversity index. Results indicated 79% of polymorphic loci for the area at late successional stage and 70% for the area at early successional stage. Pairwise genetic similarity varied from 0.55 to 0.86 in the area at early successional stage and from 0.45 to 0.78 in the area at late successional stage. No differences were found for diversity between the areas (P = 0.89). A non-metric multidimensional scaling showed lower genetic distances among individuals from the area at early successional stage. Similarly, the analysis of similarities - ANOSIM -indicated a split between individuals of both areas.

Key words: disturbed areas, forest fragmentation, RAPD.

INTRODUÇÃO

A conservação dos recursos genéticos tem-se tornado cada vez mais premente, por causa da perda de populações e de sua diversidade genética, especialmente pela forte pressão antrópica, que vem ocasionando a fragmentação dos ecossistemas florestais. A preocupação com a conservação de remanescentes florestais tem colocado em discussão a restauração e manejo de áreas degradadas, investigando quais são as melhores estratégias para evitar essas perdas (Tabarelli et al., 1999).

A fragmentação de um habitat pode precipitar o declínio e a extinção de suas populações pelo isolamento, em maior ou menor grau, dependendo da distribuição espacial dos fragmentos e do poder de dispersão das espécies. Como consequências da fragmentação, observa-se o decréscimo do potencial de dispersão das espécies, que diminui o processo de colonização de outras áreas, a redução do número de espécies e a diminuição da variabilidade genética, por endocruzamento (Schneider, 2003).

O processo de regeneração natural promove a continuidade da comunidade em determinado local, que depende, principalmente, da polinização e dispersão das sementes, que devem apresentar viabilidade e encontrar condições adequadas à germinação. A sobrevivência e o desenvolvimento dos indivíduos da regeneração dependem de fatores fenológicos, genéticos e ambientais, que podem interferir na estrutura da comunidade e populações, favorecendo diferentes espécies ao longo do tempo (Medeiros et al., 2007). Por isso, é importante entender o processo de regeneração, do ponto de vista genético, para estabelecer estratégias de conservação.

O sucesso de qualquer estratégia de conservação vai depender da manutenção da variabilidade genética e, para tanto, é necessário conhecê-la. Os avanços nas técnicas de biologia molecular abriram novas perspectivas para os estudos populacionais, pois as espécies podem ser analisadas na escala do DNA. Dentro desse contexto, os marcadores RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) apresentam baixo custo inicial e operacional e podem ser utilizados para qualquer espécie, independentemente de conhecimento prévio de seu genoma, sendo mais simples e apropriados para a rápida análise da estrutura e diversidade genética em populações naturais (Ferreira & Grattapaglia, 1998; Zucchi et al., 2005; Oliveira et al., 2008).

Durante um processo sucessional, algumas espécies podem permanecer na comunidade, mesmo depois de mudanças temporais em sua composição (Pluess & Stöcklin, 2004; Goulart et al., 2005; Litrico et al., 2005). Essas espécies fornecem um modelo interessante para estudar as mudanças ecológicas e genéticas que ocorrem durante a sucessão. Diversos estudos encontraram diferenças fenotípicas entre as populações colonizantes e as populações que persistem em estádios mais avançados da sucessão (Freitas et al., 2008).

Prevê-se que a diversidade genética será mais baixa em populações persistentes do que em populações colonizantes porque determinados genótipos vão sendo eliminados pela seleção, durante a sucessão, ou por causa dos mecanismos ocasionais, como o efeito fundador (Hartnett et al., 1987).

Myrtaceae, no Brasil, é representada por aproximadamente 1.000 espécies, dentre as quais se destacam os gêneros Eugenia, Myrcia e Calyptranthes (Landrum & Kawasaki, 1997). No Rio Grande do Sul, Myrtaceae aparece na fisionomia e na estrutura das formações florestais, tanto em Floresta Estacional (Jarenkow & Waechter, 2001; Budke et al., 2004), como na Floresta Ombrófila Densa (Scudeller et al., 2001). Ao longo da Floresta Ombrófila Mista, Jarenkow e Budke (2009) compilaram a ocorrência de aproximadamente 100 espécies, com destaque para os gêneros Eugenia L. e Myrcia DC. ex Guill., reconhecendo-se o Domínio Atlântico como um dos centros de dispersão desta família.

Eugenia uniflora L. (Pitangueira) é uma Myrtaceae frutífera com grande potencial econômico, que se distribui de forma ampla, desde o Brasil Central até o Uruguai. As suas características ecológicas (zoocórica, secundária inicial, dioica), atreladas ao seu potencial extrativista e de uso sustentável, justificam a necessidade de estratégias de conservação das comunidades onde ela ocorre. Além disto, os resultados obtidos também poderão ser utilizados para espécies com características ecológicas (dispersão, fecundação, distribuição) semelhantes.

Margis et al. (2002) estudaram, com marcadores AFLP (Amplified Fragment Length Polymorphism), a diversidade genética em Eugenia uniflora em três populações próximas, a uma distância de menos de 24 km uma da outra, com diferentes graus de impacto humano. A diversidade genética dentro e entre populações variou de 61 a 96%, dependendo da combinação de "primers" utilizados. A análise intra e interpopulacional da diversidade genética mostrou que mais de 88% da variação residiu na população, no entanto, foi possível separar as três populações estudadas. Salgueiro et al. (2004), também utilizando marcadores AFLP em cinco populações de E. uniflora, obtiveram resultados semelhantes, assim como Ferreira-Ramos et al. (2008), usando marcadores moleculares do tipo microssatélites, em três populações de E. uniflora, em fragmentos de Floresta Semidecídua no Estado de São Paulo.

Estudando a variabilidade genética em dez populações de Eugenia dysenterica DC. (cagaita), com marcadores RAPD, Zucchi et al. (2005) constataram 27% de variabilidade genética entre populações e 73% dentro de populações, com forte correlação entre as distâncias geográficas e genéticas. Os autores sugerem que essas populações estão se diferenciando por um processo estocástico, havendo fluxo restrito dependente da distribuição geográfica. A divergência genética em Eugenia dysenterica, analisada por isoenzimas, mostrou padrões espaciais de agrupamentos de populações locais, indicando que uma distância de cerca de 120 km entre as populações é suficiente para a conservação da diversidade genética entre as amostras (Telles et al., 2003).

Franceschinelli et al. (2007), analisando a diversidade genética de populações de diferentes tamanhos em Myrciaria floribunda com marcadores isoenzimáticos, observaram que nos fragmentos florestais de tamanho pequeno ocorrem valores baixos de heterozigose, em comparação com os de fragmentos maiores, com tendência à menor diversidade genética em fragmentos pequenos e isolados.

Geralmente, espécies sucessionais precoces exibem maior divergência genética do que espécies sucessionais tardias (Nybom & Bartish, 2000; Nybom, 2004). De maneira similar, pode-se supor que na comparação dentro de uma mesma espécie, as populações sucessionais precoces poderiam ser geneticamente mais diferenciadas do que populações sucessionais mais tardias (Freitas et al., 2008). Entretanto, existem poucos trabalhos na literatura que abordem esta hipótese. Por esta razão, o presente trabalho investigou e comparou a variabilidade genética de populações de Eugenia uniflora L., em uma área em estádio inicial de sucessão, com indivíduos de fragmento próximo em estádio de sucessão avançada.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O material foi coletado em um remanescente florestal localizado no município de Gaurama, próximo à divisa com o município de Três Arroios (Figura 1), Rio Grande do Sul, entre as coordenadas geográficas - 27º32'45'' S e 27º33'00''S e - 52º07'55''O e 52º07'40''O, com altitudes variando entre 580 e 730 m. O fragmento apresenta área de aproximadamente 462 ha, um dos maiores da região, e é constituído por um mosaico de trechos em diferentes estádios de sucessão, formado principalmente por floresta secundária. A vegetação do local é caracterizada por apresentar uma transição das formações de Floresta Ombrófila Mista e Floresta Estacional Semidecídua (IBGE, 1992). Foram escolhidas duas áreas para realizar as coletas, sendo a primeira caracterizada como regeneração, constituída principalmente por espécies pioneiras, e uma segunda área em estádio avançado de sucessão, constituída por espécies dependentes de luz e tolerantes à sombra. A distância entre as duas populações é de aproximadamente 200 m.


Eugenia uniflora L. foi selecionada por ser uma espécie com número suficiente de indivíduos para análise genética, em ambas as áreas de estudo, por apresentar estratégias ecológicas (dispersão e fecundação) que permitem a extrapolação dos resultados para outras espécies e por ser de grande interesse comercial. Foram selecionados ao acaso 30 indivíduos em cada área, que estavam a uma distância entre eles superior a 10 m. As folhas coletadas foram mantidas em nitrogênio líquido até o laboratório.

Procedimento experimental

A extração do DNA total seguiu o protocolo descrito por Silva (2010). Na reação de amplificação, foi utilizada a reação descrita por Williams et al. (1990), com algumas modificações. A reação consiste de: tampão de reação (50 mM Tris-HCl pH 9,0; 50 mM KCl), dNTPs (200 mM de cada), 0,2 mM de primer, 3 mM de MgCl2, 0,25 mM de Triton-X-100, 1,5 U de Taq DNA polimerase (Gibco BRL) e aproximadamente 40 ng de DNA, em um volume total de 25 µl.

Foram utilizados os kits OPA, OPB, OPD, OPF, OPH e OPW, da Operon Technologies, com 20 primers cada um, visando a identificar os que apresentam os melhores resultados em Eugenia uniflora, avaliando-se a quantidade de bandas produzidas, a intensidade destas, a sua reprodutibilidade e o polimorfismo gerado.

A amplificação foi realizada em termociclador MJ Research INC. O processo de amplificação foi baseado na seguinte sequência: 3 min a 92 ºC, 40 ciclos de 1 min a 92 ºC, 1 min a 35 ºC e 2 min a 72 ºC. Após, 3 min a 72 ºC e resfriamento a 4 ºC até a retirada das amostras.

A separação eletroforética foi realizada em gel de agarose 1,4% em tampão TBE 1X (0,089 M Trisma, 0,089 M Ácido bórico e 0,008 M EDTA) em cuba de eletroforese horizontal. A corrida foi efetuada com voltagem constante de 90Volts. Como marcador de peso molecular, foi utilizado DNA Ladder 100 bp da Gibco BRL. A visualização dos fragmentos foi realizada com brometo de etídio e a observação feita sob luz ultravioleta. Os géis foram fotografados pelo sistema fotográfico digital GEL-PRO, sendo que os fragmentos amplificados foram compilados em uma matriz de presença (1) e ausência (0).

Para cada área, foi calculada a percentagem de bandas polimórficas, considerando-se um loco polimórfico aquele cuja frequência alélica foi diferente de 100%. A diversidade genética para cada indivíduo amostrado foi obtida por meio do índice de diversidade de Simpson, o qual avalia a probabilidade de dois indivíduos amostrados apresentarem diferentes genótipos. Posteriormente, foi obtida a média de diversidade de Simpson para cada área amostrada, as quais foram comparadas por meio de autorreamostagem bootstrap (10.000 interações), no programa Multiv 2.3.2 (Pillar, 2006). Para avaliar a hipótese inicial de que a área em estádio inicial de regeneração apresentava menor diversidade genética, inicialmente foi obtida uma matriz de similaridade com todos os indivíduos amostrados (unidades amostrais), utilizando-se o coeficiente de Jaccard como medida de similaridade. Posteriormente, foi aplicada análise de escalonamento multidimensional não métrico (NMDS), em que a maior dispersão das unidades foi identificada como havendo maior dissimilaridade genética. Esta técnica possui a vantagem de manter a distância proporcional inicial entre unidades amostrais, ou seja, se a distância original entre os individuos i . j corresponde à quinta maior distância entre qualquer par de indivíduos, então estes indivíduos serão alocados de forma que sua distância euclidiana permaneça na quinta posição. Por fim, uma análise entre matrizes de similaridade - ANOSIM foi aplicada para verificar se existe separação genética entre as áreas em estádio inicial e avançado de sucessão. A análise de escalonamento multidimensional não métrico e análise entre matrizes de similaridade foram conduzidas no programa PAST 1.94.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Levando-se em consideração os 60 indivíduos estudados, foi identificado um total de 111 loci, sendo que, destes, 92 (83%) mostraram-se polimórficos. Nos 30 representantes de cada área, considerados para fins de análise, foram considerados 101 loci, para os indivíduos coletados na área em estádio avançado de sucessão, e 103, para os indivíduos coletados na área em regeneração (Tabela 1).

Os loci amplificados apresentaram entre 50 e 2200 bp. O número médio de loci por primer foi de 10,1, sendo de 9,2 para a área em estádio avançado de sucessão e 9,4 para a área de regeneração. O polimorfismo encontrado nas populações estudadas foi de 80 (79%) loci, para a área em estádio avançado de sucessão, e 72 (70%), para a área em regeneração.

O número de loci utilizados para análise foi superior ao dos utilizados por Trindade e Chaves (2005) e Zucchi et al. (2005), em populações de Eugenia dysenterica com marcadores RAPD, os quais utilizaram 42 e 74 loci, respectivamente, mas com número médio de loci por primer semelhante. Os mesmos autores obtiveram 83% e 73% de loci polimórficos, demonstrando um polimorfismo semelhante, com outra espécie do mesmo gênero.

O índice de diversidade de Simpson variou de 0,56 a 0,68, para a área em estádio inicial, e de 0,57 a 0,68, para a área em estádio avançado de sucessão, não havendo diferenças significativas entre áreas (P = 0,89) (Tabela 2).

Por outro lado, o coeficiente de similaridade de Jaccard variou de 0,55 a 0,86, entre as plantas da área em regeneração, e de 0,45 a 0,78, para os indivíduos da área em estádio avançado de sucessão (Tabela 2). Da mesma forma, a NMDS revelou maior similaridade genética entre os indivíduos da área em regeneração (Figura 2), com maior dispersão multidimensional dos indivíduos para a área em estádio avançado (stress: 0,3241). A ANOSIM (R = 0,58; P < 0,001) demonstrou haver maior dissimilaridade genética entre os indivíduos das duas áreas do que entre os indivíduos de cada uma delas, ou seja, a maior distância está entre as áreas coletadas.


Sebbenn e Ettori (2001) relataram que a redução das populações naturais tem levado a uma perda de genes adaptados a ambientes específicos de ocorrência das espécies arbóreas e que a redução contínua no tamanho das populações as submete a perdas de variabilidade genética por deriva genética. Por consequência, esperavase que a variabilidade fosse maior na população em estádio avançado de sucessão, ou seja, mais antiga, quando comparada com a da área em regeneração. Os resultados do presente estudo corroboram essa premissa.

Conforme descrito por Hamrick (2004) e observado para populações de Eugenia uniflora, em restinga no sudeste do Brasil (Margis et al., 2002), espécies arbóreas tendem a apresentar menor variação entre populações, especialmente aquelas com reprodução cruzada e dispersas pelo vento ou animais. Da mesma forma, os autores discutem que a perda de variabilidade genética poderia ser verificada, utilizando-se a estrutura regenerante presente naquelas áreas.

Por outro lado, a elevada dissimilaridade encontrada na ANOSIM também indica a separação genética entre as duas áreas, ou seja, embora existam indivíduos em regeneração, oriundos das áreas mais bem conservadas, esta contribuição é feita por alguns poucos indivíduos adultos.

Freitas et al. (2008), estudando a diversidade genética de Eremanthus erythropappus com marcadores RAPD,não encontraram indicação de que as populações de habitats sucessionais médios mostrassem mais baixa variação genética do que populações dos estádios sucessionais adiantados. A percentagem de fragmentos polimórficos (82,8 e 84,8%) e os índices de Shannon (0,442 e 0,455) foram similares. Segundo os autores, estes resultados sugerem que se um aumento na intensidade de seleção ocorreu durante a sucessão, não conduziu a uma diminuição na diversidade genética, ou que o efeito da seleção foi balanceado por outros fatores, como o fluxo gênico. Resultados semelhantes foram obtidos por Goulart et al. (2005), diferentemente dos resultados encontrados no presente trabalho.

Kageyama et al. (2003), analisando a diversidade genética em espécies arbóreas em diferentes estádios sucessionais, não observaram padrões claros na distribuição da diversidade genética, entre e dentro das populações, para as espécies nos diferentes estádios sucessionais. Concluíram que a estrutura genética dessas espécies estava associada a padrões reprodutivos e demográficos dentro das populações, em que espécies com maiores taxas de cruzamento, distribuição agregada e alta densidade populacional apresentavam menor divergência entre populações.

Salgueiro et al. (2004) analisaram a variabilidade genética em populações de Eugenia uniflora com marcadores AFLP e constataram alta variabilidade intraespecífica, assim como estudos realizados por Ferreira-Ramos et al. (2008), utilizando marcadores moleculares microssatélites, mostraram elevada diversidade genética dentro das populações. Em Eugenia dysenterica (Telles et al., 2003; Trindade & Chaves, 2005; Zucchi et al., 2005) e Myrciaria floribunda (Franceschinelli et al., 2007), também foi observada maior variabilidade genética dentro das populações, havendo uma moderada variação genética entre elas.

De acordo com Kanowski & Boshier (1997), um dos processos críticos durante a fragmentação é a perda de diversidade genética, por formação de gargalos genéticos. Para populações de Cedrela odorata L. e Tabebuia serratifolia Nichols, observadas em áreas naturais e pastagens na Amazonia, o recrutamento de áreas antropizadas necessitará de contínuo aporte gênico durante sucessivas gerações para restabelecer ou manter os níveis de diversidade genética observados em floresta primária (Martins et al., 2008). Para Eugenia uniflora, embora não analisados parâmetros de codominância genética, os resultados derivados da análise com marcadores RAPD demonstraram que o processo de fragmentação gerou uma mudança nas frequências alélicas, quando analisados indivíduos em regeneração, em uma área com floresta removida anteriormente, evidenciadas pelo afastamento dos indivíduos das duas áreas, quando analisadas suas matrizes de similaridade. Conforme Schneider (2003), a distribuição da variabilidade genética natural é influenciada por fatores como modo de reprodução das espécies, sistema de cruzamento, tamanho efetivo da população, distribuição geográfica e fluxo gênico. Assim, a ampliação no número de coletas e a utilização de técnicas que permitam a identificação de codominância serão úteis para a detecção dos padrões relacionados com a regeneração em áreas fragmentadas, sobretudo para a avaliação da viabilidade de populações de Eugenia uniflora a longo prazo.

CONCLUSÃO

Observou-se maior variabilidade genética na população em estádio mais avançado de sucessão e divergência genética entre as populações em estádio inicial e avançado de sucessão. Estes resultados permitiram concluir que a regeneração na área em estádio inicial ocorre pela reposição de sementes de poucas matrizes remanescentes próximas a esta área. O que reforça a importância dos fragmentos próximos na sustentabilidade desta espécie e rejeita a hipótese inicial de que populações sucessionais precoces poderiam ser geneticamente mais diferenciadas do que populações mais tardias em fragmentos florestais em diferentes estádios sucessionais.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da URI, Campus de Erechim, FAPERGS, CNPq e CAPES, pelo apoio financeiro.

Recebido para publicação em 12/06/2012 e aprovado em 08/02/2013

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  • 1
    Este trabalho é parte da dissertação de mestrado do primeiro autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Jun 2012
    • Aceito
      08 Fev 2013
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