Acessibilidade / Reportar erro

Ocorrência de carbamato de etila em cachaças de alambique e em aguardentes industriais

Occurrence of ethyl carbamate in Brazilian small-batch cachaça and industrial sugar cane spirits

Resumos

Este trabalho teve como objetivo verificar a ocorrência de carbamato de etila, o grau alcoólico e a acidez volátil em cachaças e aguardentes de cana. As amostras foram obtidas de fabricantes de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Ceará, de sistema de produção em destilador de cobre ou coluna de aço inoxidável, e de estabelecimentos registrados ou não. As análises de acidez volátil e de grau alcoólico foram realizadas conforme metodologia descrita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Os teores de carbamato de etila foram determinados pelo método de padronização externa, em sistema de cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (CG/EM), utilizando-se o modo MSI (Monitoramento Seletivo de Íons) para a quantificação. Os valores obtidos para o grau alcoólico variaram de 32,4 a 49,2 ºGL, sendo o teor médio de 40, 4 ºGL. Observou-se que 17 (22,7%) das bebidas apresentaram o grau alcoólico abaixo de 38 ºGL, que representa o valor mínimo imposto pela legislação vigente. Somente uma cachaça apresentou o grau alcoólico acima de 48 ºGL, limite máximo para esta bebida. Dentre as bebidas analisadas, 24 (32%) apresentaram acidez volátil acima do limite máximo. Os valores obtidos das 75 bebidas para o carbamato de etila variaram de 20 a 948 µg/L, apresentando um teor médio de 378, 25 µg/L. Somente 10 das 75 bebidas apresentaram teores de carbamato de etila abaixo de 150 µg/L, que é o limite máximo permitido pela Instrução Normativa nº 13 de 21 de junho de 2005.

acidez; bebida destilada; grau alcoólico


The objective of this work was to verify the occurrence of ethyl carbamate and to determine volatile acidity and alcoholic degree values in cachaça and in industria l sugar cane spirits. Samples were supplied by formal and informal, registered or not registered producers from São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo and Ceará, which use copper still or cotinuous stainless still columns. Analyses of volatile acidity and alcoholic degree values were carried out according to the methodology described by Agriculture, Livestock and Food Ministry. Contents of ethyl carbamate were determined by external standardization method in gas chromatography coupled with mass spectrometry (GC/MS) in selected ion monitoring (SIM) mode for the quantification. Alcoholic degree values ranged from 32.4 to 49.2 ºGL, with a mean value of 40.4 ºGL. Seventeen out of 75 samples presented alcoholic degree values below 38 ºGL, which is the minimum value required by the current legislation in Brazil. Only one cachaça sample presented alcoholic degree value above 48 ºGL, the maximum legal limit for this beverage. Twenty-four (32%) out of 75 samples presented volatile acidity levels above the maximum legal limit. Values of ethyl carbamate for the 75 samples ranged from 20 to 948 µg/L, with a mean value of 378.25 µg/L. Only 10 of the 75 beverages presented ethyl carbamate values below 150 µg/L, which is the maximum limit to be allowed by Brazilian Normative Strunction no.13, June 21st, 2005.

acidity; spirit; alcoholic degree


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS FOOD SCIENCE AND TECHNOLOGY

Ocorrência de carbamato de etila em cachaças de alambique e em aguardentes industriais

Occurrence of ethyl carbamate in Brazilian small-batch cachaça and industrial sugar cane spirits

Viviane Gomes LelisI; José Benício Paes ChavesII; Mariana Borges de Lima DutraIII; Rodrigo Siqueira ReisIV; Julia Bottaro LessaV

IEngenheira de Alimentos, Mestre. Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde, Avenida Maria de Paula Santana, 3815, 36570-000, Viçosa, Minas Gerais, Brasil. viviane_lelis@yahoo.com.br

IIEngenheiro -Agrônomo, Doutor. Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Campus Viçosa, Avenida Peter Henry Rolfs, s/n, 36570-000, Viçosa, Minas Gerais, Brasil. jbchaves@ufv.br

IIIEngenheira de Alimentos, Doutora. Departamento de Engenharia de Alimentso, Instituto Federal do Sul de Minas Gerais, Campus Inconfidentes, Praça Tiradentes, 416, 37576, Inconfidentes, Minas Gerais, Brasil. mariana.dutra@ifsuldeminas.edu.br (autora para correspondência)

IVEngenheiro de Alimentos. Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Campus Viçosa, Avenida Peter Henry Rolfs, s/n, 36570-000, Viçosa, Minas Gerais, Brasil. rodrigo.siqueirareis@sydney.edu.au

VEngenheira de Alimentos. Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Campus Viçosa, Avenida Peter Henry Rolfs, s/n, 36570-000, Viçosa, Minas Gerais, Brasil. juliablessa@yahoo.com.br

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo verificar a ocorrência de carbamato de etila, o grau alcoólico e a acidez volátil em cachaças e aguardentes de cana. As amostras foram obtidas de fabricantes de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Ceará, de sistema de produção em destilador de cobre ou coluna de aço inoxidável, e de estabelecimentos registrados ou não. As análises de acidez volátil e de grau alcoólico foram realizadas conforme metodologia descrita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Os teores de carbamato de etila foram determinados pelo método de padronização externa, em sistema de cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (CG/EM), utilizando-se o modo MSI (Monitoramento Seletivo de Íons) para a quantificação. Os valores obtidos para o grau alcoólico variaram de 32,4 a 49,2 oGL, sendo o teor médio de 40, 4 oGL. Observou-se que 17 (22,7%) das bebidas apresentaram o grau alcoólico abaixo de 38 oGL, que representa o valor mínimo imposto pela legislação vigente. Somente uma cachaça apresentou o grau alcoólico acima de 48 oGL, limite máximo para esta bebida. Dentre as bebidas analisadas, 24 (32%) apresentaram acidez volátil acima do limite máximo. Os valores obtidos das 75 bebidas para o carbamato de etila variaram de 20 a 948 µg/L, apresentando um teor médio de 378, 25 µg/L. Somente 10 das 75 bebidas apresentaram teores de carbamato de etila abaixo de 150 µg/L, que é o limite máximo permitido pela Instrução Normativa no 13 de 21 de junho de 2005.

Palavras-chave: acidez, bebida destilada, grau alcoólico.

ABSTRACT

The objective of this work was to verify the occurrence of ethyl carbamate and to determine volatile acidity and alcoholic degree values in cachaça and in industria l sugar cane spirits. Samples were supplied by formal and informal, registered or not registered producers from São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo and Ceará, which use copper still or cotinuous stainless still columns. Analyses of volatile acidity and alcoholic degree values were carried out according to the methodology described by Agriculture, Livestock and Food Ministry. Contents of ethyl carbamate were determined by external standardization method in gas chromatography coupled with mass spectrometry (GC/MS) in selected ion monitoring (SIM) mode for the quantification. Alcoholic degree values ranged from 32.4 to 49.2 ºGL, with a mean value of 40.4 ºGL. Seventeen out of 75 samples presented alcoholic degree values below 38 ºGL, which is the minimum value required by the current legislation in Brazil. Only one cachaça sample presented alcoholic degree value above 48 ºGL, the maximum legal limit for this beverage. Twenty-four (32%) out of 75 samples presented volatile acidity levels above the maximum legal limit. Values of ethyl carbamate for the 75 samples ranged from 20 to 948 µg/L, with a mean value of 378.25 µg/L. Only 10 of the 75 beverages presented ethyl carbamate values below 150 µg/L, which is the maximum limit to be allowed by Brazilian Normative Strunction no.13, June 21st, 2005.

Key words: acidity, spirit, alcoholic degree.

INTRODUÇÃO

A aguardente de cana brasileira é uma das bebidas alcoólicas fermento-destiladas mais produzidas no mundo (Nóbrega, 2003). É um produto de importância econômica crescente, de grande aceitação no mercado nacional, justificando, desta forma, a necessidade de se conhecer a composição físico-química desse tipo de bebida (Pereira et al., 2003).

A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais consumida pelos brasileiros. Estima-se o consumo de 70 milhões de doses diárias, representando, em média, aproximadamente 6 L (habitante . ano-1). Por ano, é estimada uma produção de 1,6 bilhão de litros, sendo 90% de aguardente de cana industrial e 10% de cachaça de alambique (Lima et al., 2006).

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, aguardente de cana é a bebida com graduação alcoólica de 38% vol (trinta e oito por cento em volume) a 54% vol (cinquenta e quatro por cento em volume), a 20 ºC (vinte graus Celsius), obtida do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar, ou pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até 6g/L (seis gramas por litro), expressos em sacarose. Cachaça é a denominação típica e exclusiva da Aguardente de Cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% vol (trinta e oito por cento em volume) a 48% vol (quarenta e oito por cento em volume) a 20ºC (vinte graus Celsius), obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar, com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até 6g/L (seis gramas por litro), expressos em sacarose (Brasil, 2005).

A qualidade da cachaça e da aguardente de cana no Brasil é regulamentada pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), por meio da Instrução Normativa no 13, de 29 de junho de 2005, que aprova o "Regulamento Técnico para Fixação dos Padrões de Identidade e Qualidade (PIQ) para Aguardente de Cana e para Cachaça" (Brasil, 2005).

No decorrer de todo o processo de fabricação da bebida, são originados diversos compostos secundários, dentre eles aldeídos, alcoóis, ácidos e ésteres importantes para a determinação da qualidade do produto final (Nagato et al., 2001). Além destes compostos, algumas substâncias tóxicas, como o carbamato de etila e o cobre, também podem comprometer a segurança do produto (Labanca, 2004).

O carbamato de etila é encontrado em vinhos, derivados de vinho, saquê, cerveja, licores, bebidas destiladas, como aguardentes de frutas, aguardente de cana, uísques, em quantidades que vão desde menores do que 5 até 1.000 mg/L e, ocasionalmente, excedem 1.000 mg/L, em alguns tipos de bebidas destiladas. Por se tratar de um composto carcinogênico, faz-se necessário o conhecimento dos níveis de sua ocorrência, pois sua presença em concentrações elevadas constitui barreira para exportação, além dos problemas relacionados com a saúde pública (Baffa Júnior et al., 2007; Barcelos et al., 2007). Em 29 de junho de 2005, por meio da Instrução Normativa Nº 13, o carbamato de etila passou a ter seu limite definido em quantidade não superior a 150 μg/L, na aguardente de cana e na cachaça de alambique (Brasil, 2005).

De maneira natural, em bebidas destiladas, a formação do carbamato de etila pode ocorrer antes, durante e após a etapa de destilação, pela reação do etanol com alguns compostos nitrogenados. De acordo com Nagato et al. (2003), o produto fermentado e aquecido, como no processamento de bebidas destiladas, tem o seu nível de carbamato de etila aumentado ainda mais. Esta formação é dependente da concentração dos reagentes, temperatura, pH, luz e tempo de armazenamento.

Uma das propriedades da qualidade da cachaça e da aguardente de cana é a acidez. Segundo Silva et al. (2003), a acidez da aguardente de cana pode variar dentro de uma ampla faixa, dependendo do controle do processo e dos ambientes de moagem e de fermentação, relacionados com diversos fatores, como estirpe da levedura predominante no pé-de-cuba, pureza da fermentação, tempo e temperatura de fermentação e o manejo do vinho. A acidez volátil em aguardentes de cana, expressa em miligramas de ácido acético por cem mililitros de álcool anidro, tem o valor máximo permitido de 150 (Brasil, 1986).

A demanda por bebidas destiladas de melhor qualidade e segurança para o usuário é crescente. O Brasil, sendo um dos maiores produtores e consumidores de bebidas alcoólicas destiladas do mundo, evidencia a importância do conhecimento dos níveis de ocorrência de uma substância potencialmente carcinogênica, como o carbamato de etila, assim como o conhecimento da acidez e do grau alcoólico da bebida.

O objetivo deste trabalho foi verificar a qualidade de cachaças e aguardentes de cana dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Ceará, em relação ao teor de carbamato de etila, ao grau alcoólico e à acidez volátil, relacionado-os ao sistema de produção (em destilador de cobre ou coluna de aço inoxidável) e ao estabelecimento produtor (registrado ou não registrado).

MATERIAL E MÉTODOS

As bebidas avaliadas foram produzidas por sistema de destilação em alambique de cobre, em aparelho destilador composto pela predominância de cobre, considerado alambique, ou em coluna de aço inoxidável, considerado o sistema de produção em coluna. O segundo tipo de Estabelecimento está associado ao fato do estabelecimento produtor ser registrado (formal) ou não registrado (informal).

Foi avaliado um total de 75 marcas de bebidas fermentodestiladas, registradas (n=48) e não registradas (n=27) no Ministério da Agricultura. As bebidas não registradas não receberam a denominação de cachaça ou aguardente de cana, por não conterem rótulo com esta classificação; todavia, duas foram destiladas em coluna e as outras 25 em alambique. Já as bebidas registradas ficaram distribuídas em: 21 cachaças de alambique, 2 aguardentes de alambique e 2 aguardentes de coluna, produzidas em Minas Gerais; 5 cachaças de alambique, 1 aguardente de alambique e 1 cachaça de coluna, produzidas no Estado do Rio de Janeiro; 6 cachaças de alambique, 3 aguardentes de alambique, 1 aguardente de coluna e 1 cachaça de coluna, produzidas no Espírito Santo; 2 aguardentes de coluna produzidas no Ceará; 3 cachaças de coluna produzidas no Estado de São Paulo.

Desta forma, foram analisadas 37 cachaças formais e 11 aguardentes formais. Em relação ao sistema de destilação, foram 63 bebidas destiladas em alambique de cobre e 12 em coluna de aço inoxidável.

Procurou-se diversificar as origens das bebidas, segundo a importância de cada Estado produtor (em volume e tradição de produção) e a disponibilidade dos produtos. Os resultados encontrados para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará podem não refletir o quadro real, em virtude da baixa representatividade do número de amostras analisadas.

Para cada uma das marcas foram obtidas duas amostras, de diferentes lotes, para análise, em duplicata, do teor de carbamato de etila.

A análise de acidez volátil foi realizada, conforme metodologia descrita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em duplicata (Brasil, 1986). O grau alcoólico foi determinado pelo método de densitometria, em picnômetro de vidro, conforme metodologia descrita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil, 2005). Os picnômetros foram calibrados com água destilada, a 20 ºC, e os dados coletados em duplicata. A partir da densidade foi determinado o grau alcoólico, segundo a tabela de conversão presente na metodologia (Brasil, 2005).

Para a quantificação de carbamato de etila, foi empregada a metodologia proposta por Andrade-Sobrinho et al. (2002). Foi empregado o método de padronização externa, em sistema de cromatografia gasosa, acoplada a espectrometria de massa (CG/EM), utilizando-se o modo MSI (Monitoramento Seletivo de Íons) para a quantificação.

As análises foram realizadas em cromatógrafo a gás, acoplado a um espectrômetro de massas (Shimadzu, modelo QP 5000), biblioteca Wiley 229; equipado com injetor automático split/splitless (Shimadzu, modelo, AOC-17), a 220 ºC, coluna cromatográfica capilar de fase polar Supelcowax - 10 (30 m X 0,25 mm di X 0,25 µm filme), com programação de temperatura iniciando em 90 ºC (permanência: 2 minutos), elevada a uma taxa de 10 ºC/min até 150 ºC (permanência: 2 minutos), e, então, elevada a uma taxa de 25,0 ºC/min até 220 ºC, mantidos por 4,20 min. A temperatura da interface entre CG/EM foi de 220 ºC. Foi usado o Hélio como gás de arraste (fluxo de 1,5 mL/min), injeção em modo splitless, sendo injetado 1 ìL de amostra de forma direta. O espectrômetro de massas, com fonte de íons de impacto de elétrons a 70 eV, foi operado no modo MSI, sendo selecionados para monitoramento os íons m/z 62, 74 e 89.

A partir de uma solução estoque de carbamato de etila a 1 mg/mL em etanol/água (40:60 v/v), foram preparadas as soluções-padrão para a construção da curva (0 – 0,4762 ng/µL). A quantificação foi realizada pela interpolação em curva padrão cujo coeficiente de correlação foi de 0,9939.

Realizou-se análise comparativa das médias pelo teste T de student e pelo teste Tukey, a 5% de probabilidade, por meio do pacote estatístico Sistemas de Análises Estatísticas – SAEG (2007).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados para cada uma das amostras analisadas encontram-se na Tabela 1.

De acordo com a Tabela 1, para acidez volátil, o valor máximo foi de 677,5 e o valor mínimo de 17,7, em mg ácido acético/100 mL de álcool anidro. Das 75 marcas analisadas, 24 (32%) apresentaram acidez volátil acima do limite oficial máximo, que é de 150 miligramas de ácido acético por 100 mililitros de álcool anidro (Brasil, 2005).

Com relação ao teor de carbamato de etila, os resultados obtidos variaram de 20 a 948 µg/L e apenas 10 (13,3%) bebidas apresentaram teores de carbamato de etila abaixo de 150 µg/L, valor considerado aceitável pela legislação vigente (Brasil, 2005). Destas, duas foram destiladas em coluna de aço inoxidável e, oito em alambique de cobre. Destas bebidas, seis eram registradas e quatro não registradas (Tabela 1).

Valores acima do permitido pela legislação vigente para carbamato de etila foram encontrados por Barcelos et al. (2007), em amostras produzidas na região do Vale do Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais. Os resultados encontrados para amostras provenientes das regiões Sul e Zona da Mata mostraram-se de acordo com a legislação e não diferiram significativamente entre si.

Observou-se (Tabela 1) que 17 (22,7%) das bebidas, sendo 15 formais e 2 informais, apresentaram a graduação alcoólica abaixo de 38 oGL, que representa o valor mínimo exigido pela legislação vigente, tanto para cachaça como para aguardente de cana. Este resultado não era esperado, uma vez que se supõe que a produção formal (registrada) tenha mais controle durante todo o processo produtivo. Somente uma cachaça apresentou o grau alcoólico acima de 48 ºGL, limite máximo para esta bebida. Porém, não foram encontrados valores acima do limite superior (54 oGL) para as aguardentes (Brasil, 2005).

Zacaroni et al. (2011) realizaram a caracterização de aguardentes de cana, produzidas na região sul do Estado de Minas Gerais, e os resultados indicaram que 8,3% das amostras apresentaram graduação alcoólica superior ao estabelecido pela legislação e, 16,6%, graduação inferior ao mínimo estabelecido. Uma possível causa do teor alcoólico elevado pode ser a utilização da bebida na fabricação de blends, misturando-a com outras cachaças mais fracas. Por outro lado, os teores alcoólicos inferiores podem ser relacionados com as condições de armazenamento da bebida, como umidade, temperatura e porosidade do barril, ou com o corte incorreto durante a etapa de destilação.

Caruso et al. (2008), ao avaliar 60 marcas de cachaça comercializadas na cidade de São Paulo, encontraram resultados entre 34,7 e 46,9 °GL, sendo que 17% das amostras apresentaram graduação alcoólica inferior ao limite estabelecido pela legislação vigente.

De acordo com as Tabelas 2, 3 e 4, não houve diferença significativa (p>0,05) entre as amostras dos diferentes estados, diferentes sistemas de produção e o segundo tipo de estabelecimento, respectivamente, para graduação alcoólica.

Uma das possíveis causas para uma cachaça ou aguardente com grau alcoólico abaixo do limite permitido é a prática de longas esperas do vinho antes da destilação. Este procedimento acarreta perdas por evaporação do álcool. Além disto, no caso dos processos artesanais, como o das bebidas não registradas, o alambiqueiro precisa ser bem treinado e se preocupar principalmente com a execução da destilação. Isto se faz necessário para que as frações (cabeça, coração e cauda) sejam obtidas conforme o padrão da bebida (Silva et al., 2003).

O teor de carbamato de etila foi inferior para o grupo de amostras produzidas nos Estados do Ceará e Espírito Santo (Tabela 2). Esta diferença mostra a importância de buscar o detalhamento do processo produtivo de cada estado brasileiro, para melhor explicá-las. Entretanto, de acordo com a Tabela 3, não houve diferença significativa (p>0,05) para carbamato de etila entre as amostras, segundo o sistema de produção (alambique e coluna) e o teor deste composto foi superior, no grupo de amostras provenientes de estabelecimentos não registrados (Tabela 4).

Labanca (2004) verificou uma média de 893 μg/L de carbamato de etila em 71 aguardentes produzidas em Minas Gerais. A determinação de carbamato de etila, em amostras comercializadas, na região da Zona da Mata Mineira, foi realizada por Baffa Júnior et al. (2007). Os resultados obtidos variaram de 5 a 12.376 μg.L-1 e apenas 22% das amostras apresentaram teores abaixo de 150 μg.L-1, valor internacionalmente considerado aceitável. Labanca et al. (2008) verificaram que apenas 7% das amostras de aguardente de cana comercializadas em Belo Horizonte apresentaram teor de carbamato de etila inferior a 150 μg.L-1, enquanto teores acima de 1500 μg.L-1 foram verificados em 12% das amostras avaliadas.

Em estudo realizado por Andrade-Sobrinho et al. (2002), amostras de aguardente produzidas no Estado do Ceará apresentaram menor teor médio para carbamato de etila, enquanto as amostras produzidas em Estado de Minas Gerais obtiveram os maiores teores para este composto, o que indica a necessidade da prática de rastreamen­to das diferentes regiões produtoras de cachaça, afim de identificar claramente os fatores responsáveis pela formação de carbamato de etila.

Maior teor de carbamato de etila em amostras destiladas em alambique de cobre foi encontrado por Andrade-Sobrinho et al. (2002) ao avaliar amostras de aguardentes produzidas em todas regiões brasileiras. Em estudo desenvolvido por Andrade-Sobrinho et al. (2009), amostras destiladas em alambique de cobre apresentaram menor teor de carbamato de etila, quando comparadas com as amostras destiladas em coluna de aço inoxidável.

O cobre proveniente do alambique pode contribuir para a formação do carbamato de etila (Labanca, 2004; Boscolo, 2001; Aresta, 2001). Porém, o cobre é um elemento essencial na produção da cachaça, pois diminui o teor de compostos sulfurados e de aldeídos que poderiam prejudicar a qualidade sensorial dos destilados, assim como também pode ser prejudicial à saúde, dependendo do seu nível de ocorrência. Além deste fato, estudos atuais associam esse íon a processos oxidativos e síntese do carbamato de etila (Cantanhede et al., 2005). O excesso de cobre da cachaça pode ser eliminado ainda pelo uso de colunas de resina de troca iônica, após a destilação (Lima et al., 2006).

Em experimento realizado por Galinaro e Franco (2011), o processo de redestilação apresentou-se como uma alternativa viável para a redução do teor de carbamato de etila, com percentuais de redução entre 66,0 a 92,5% após o processo.

Em relação à acidez volátil, as amostras produzidas no Estado de Minas Gerais apresentaram o maior valor médio, enquanto os Estados de São Paulo e Ceará apresentaram as menores médias (Tabela 2). Não houve diferença significativa (p>0,05) para acidez volátil, de acordo com o sistema de produção (Tabela 3). Pode-se observar na Tabela 4 que as amostras produzidas em estabelecimentos não registrados apresentaram maior acidez volátil. A possível justificativa para este fato seria a falta de controle, pelos produtores não registrados, em relação ao processo de fermentação.

Na pesquisa desenvolvida por Pereira et al. (2003), das 45 cachaças analisadas, apenas três (6,7%) apresentaram acidez volátil fora do padrão exigido. Este fato pode ter ocorrido por causa da complexidade do universo amostral, com marcas distintas de cachaças, comercializa­das e produzidas em diferentes alambiques, onde, muitas vezes, o uso do conhecimento baseado na prática determinava o melhor procedimento, o tempo de realização e o material utilizado pelo produtor, possivelmente dificultando o diagnóstico do problema (Pereira et al., 2003).

A acidez volátil elevada, em cachaças ou aguardentes, pode ser causada por vários problemas que podem ser solucionados. Após a extração do caldo da cana, as deteriorações que ocorrem no caldo antes da fermentação, prejudicam a qualidade da bebida, podendo torná-la condenável pelo excesso de acidez volátil. É importante então que não haja longa espera do vinho sem ser destilado, a fim de evitar fermentações secundárias, como a fermentação acética. Sendo assim, algumas formas de se evitar estes inconvenientes durante a fermentação são: a manutenção da temperatura adequada (30-36 ºC), o uso do ambiente e equipamentos em adequadas condições de higiene, a realização da destilação imediatamente após o vinho atingir o grau zero (de açúcar), o cuidado de utilizar dornas de forma adequada para que não transbordem, o preparo do mosto com concentração adequada e a utilização de fermentos apropriados e ativos (Silva et al., 2003).

CONCLUSÕES

Conclui-se que, segundo a amostragem realizada, mais bebidas registradas estão em conformidade com a legislação vigente do que as não registradas, em relação à acidez volátil. Comparando-se o sistema de produção, mais bebidas do tipo coluna estão de acordo com a legislação vigente para acidez.

Em relação ao grau alcoólico, verifica-se a necessidade por parte dos produtores de um maior controle para evitar o descumprimento dos limites da legislação.

Em relação ao carbamato de etila, apenas 13,3% das bebidas encontravam-se dentro dos padrões. Este fato elucida a necessidade de mais experimentos, a fim de esclarecer o(s) mecanismo(s) da(s) reação(ões) de formação de carbamato de etila, em bebidas fermentodestiladas.

Recebido para publicação em 08/05/2013 e aprovado em 20/12/2013.

  • Andrade Sobrinho LG, Boscolo M, Lima Neto BS & Franco DW (2002) Carbamato de etila em bebidas alcoólicas (cachaça, tiquira, uísque e grapa). Química Nova, 25:1074-1077.
  • Andrade Sobrinho LG, Cappelini LTD, Silva AA, Galinaro CA, Buchviser SF, Cardoso DR & Franco DW (2009) Teores de carbamato de etila em aguardentes de cana e mandioca Parte II. Química Nova, 32:116-119.
  • Aresta M, Boscolo M & Franco DW (2001) Cooper (II) catalysis in cyanide conversion into ethyl carbamate in spirits and relevant reactions. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 49:2819-2824.
  • Baffa Júnior JC, Soares NFF, Pereira JMAT & Melo NR (2007) Ocorrência de carbamato de etila em cachaças comerciais da região da zona da mata mineira-MG. Alimentos e Nutrição, 18:371-373.
  • Barcelos LVF, Cardoso MG, Vilela FJ & Anjos JP (2007) Teores de carbamato de etila e outros componentes secundários em diferentes cachaças produzidas em três regiões do Estado de Minas Gerais: Zona da Mata, Sul de Minas e Vale do Jequitinhonha. Química Nova, 30:1009-1011.
  • Brasil (1986) Dispõe sobre métodos analíticos de bebidas e vinagres. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº 76, de 26 de novembro de 1986. Diário Oficial da União, 27 de novembro de 1986.
  • Brasil (2005) Regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade para aguardente de cana e para cachaça. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Instrução Normativa no 13 de 29 de junho de 2005. Diário Oficial da União, 30 de junho de 2005.
  • Boscolo M (2001) Caramelo e carbamato de etila em aguardente de cana. Ocorrência e quantificação. Tese de Doutorado. Instituto de Química de São Carlos, São Carlos. 100p.
  • Cantanhede LB, Lima JB, Lopes GS, Faria RF & Bezerra CWB (2005) Uso de sílica e sílica-titânia organofuncionalizadas para a remoção de Cu(II) em aguardentes. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 25:500-505.
  • Caruso MSF, Nagato LAF & Alaburda J (2008) Avaliação do teor alcoólico e componentes secundários de cachaças. Revista do Instituto Adolfo Lutz, 67:28-33
  • Galinaro, CA & Franco DW (2011) Formação de carbamato de etila em aguardentes recém-destiladas: proposta para seu controle. Química Nova, 34:996-1000.
  • Labanca RA (2004) Teores de carbamato de etila, cobre e grau alcoólico em aguardentes produzidas em Minas Gerais. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 84p.
  • Labanca RA, Glória MBA & Afonso RJCF (2008) Determinação de carbamato de etila em aguardentes de cana por CG-EM. Química Nova, 31:1860-1864.
  • Lima AJB, Cardoso, MG, Guerreiro MC & Pimentel FA (2006) Emprego do carvão ativado para remoção de cobre em cachaça. Química Nova, 29:247-250.
  • Nagato LAF, Duran MC, Caruso MSF, Barsotti RCF & Badolato ESG (2001) Monitoramento da autenticidade de amostras de bebidas alcoólicas enviadas ao Instituto Adolfo Lutz em São Paulo. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 21:39-42.
  • Nagato LAF, Novaes FV & Penteado MVC (2003) Carbamato de etila em bebidas alcoólicas. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 37:40-47.
  • Nóbrega ICC (2003) Análise dos compostos voláteis da aguardente de cana por concentração dinâmica do "headspace" e cromatografia gasosa-espectrometria de massas. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 23:210-216.
  • Pereira NE, Cardoso MG, Azevedo SM, Morais AR, Fernandes W & Aguiar PM (2003) Compostos secundários em cachaças produzidas no Estado de Minas Gerais. Ciência e Agrotecnologia, 27:1068-1075.
  • SAEG (2007) Sistema para análises estatísticas. Versão 9.1. Viçosa, Universidade Federal de Viçosa. CD-ROM.
  • Silva CAB, Chaves JBP & Fernandes AR (2003) Produção Artesanal de Cachaça de Qualidade. In: Chaves JBP, Fernandes AR & Silva CAB (Eds.) Projetos de Empreendimentos Agroindustriais. Produtos de origem vegetal. Viçosa, Editora UFV. p.59-118.
  • Zacaroni LM. Cardoso MG, Saczk AA, Santiago W, Anjos JP, Masson J, Duarte FC & Nelson DL (2011) Caracterização e quantificação de contaminantes em aguardentes de cana. Química Nova, 34:320-324.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2014
  • Data do Fascículo
    Ago 2014

Histórico

  • Aceito
    20 Dez 2013
  • Recebido
    08 Maio 2013
Universidade Federal de Viçosa Av. Peter Henry Rolfs, s/n, 36570-000 Viçosa, Minas Gerais Brasil, Tel./Fax: (55 31) 3612-2078 - Viçosa - MG - Brazil
E-mail: ceres@ufv.br