Acessibilidade / Reportar erro

Financiamento direto ao consumidor

ARTIGOS

Financiamento direto ao consumidor

Samuel Levy

Da CGC - Companhia Geral de Crédito, Financiamento e Investimento S.A. - São Paulo

"Uma propenção menor ao consumo... teria conseqüências catastróficas para o sistema industrial." - JOHN K. GALBRAITH

INTRODUÇÃO

Numa época em que o mercado de capitais sofre importantes transformações em sua estrutura de ação, impõese igualmente uma modificação de pensamento de seus empresários e operadores, para que êste não se eqüidiste daquela, sob pena de as emprêsas financeiras terem de percorrer um longo caminho de experiências e tentativas antes de definirem uma técnica operacional adequada.

Torna-se importante que elas se mostrem neste momento, extremamente sensíveis em ação e pensamento às transformações, muitas vêzes radicais, que o govêrno, no sentido de acelerar o desenvolvimento brasileiro, impõe às instituições financeiras. Essas, como intermediárias na captação e aplicação de recursos, constituem o primeiro alvo que o govêrno atinge para pôr em prática as suas diretrizes, condicionando em regime de "rédea curta", o seu comportameto e a sua área de ação.

É necessário, portanto, que estejam sempre atentas, não só às transformações, mas às intenções da política governamental em relação à estrutura econômico-financeira do País e respondam num tempo breve, com mobilidade e poder de adaptação.

O crédito direto ao consumidor e as suas conseqüências nas atividades operacionais das companhias de financiamento, especialmente no financiamento ao capital de giro merece, diante disto, uma atenção de ordem tática, pois de seu exame dependerá o planejamento da própria atividade de financiamento.

Para a presente análise, dirigimos a atenção para as empresas com um imenso potencial de mercado: as emprêsas varejistas, representadas aqui por lojas de departamentos.

O comércio varejista no Brasil recebeu o maior impacto de sua história, estendendo-o logicamente à indústria, quando estabeleceu em regime de norma, pràticamente generalizada, o sistema de financiamento a curto, médio e longo prazo.

Isto provocou uma convulsão positiva na nossa vida econômica, dada a patente falta de poder de compra à vista de bens duráveis, por parte da grande maioria da população, em um sistema de venda que exigiria do consumidor um penoso esforço de poupança para poder adquirir bens que venham aumentar-lhe o conforto ou constituir-se num meio de obtenção de receita adicional. A venda financiada possibilitou não somente o uso imediato do bem, dando fôrça ao impulso de compra, mas a inclusão de uma extensa faixa da população no regime de consumo de bens duráveis.

As emprêsas varejistas se equiparam para vender em massa utilizando essencialmente a idéia da venda financiada, ampliando substancialmente seu volume de operações. Enquadraram-se num esquema em que a venda à vista passou a representar no máximo a quinta parte de seu movimento por razões que serão explicadas neste trabalho.

Cabe salientar também a fôrça extraordinária que ganhou a venda financiada durante o período inflacionário porque poupar para comprar à vista, acabou perdendo sentido. Por outro lado, o aumento dos preços criou a mentalidade de "não deixar para amanhã, o que se pode comprar hoje" e a única solução passou a ser o mecanismo de comprar a prestações.

As diretrizes de venda das empresas varejistas sofreram forte impacto com a nova situação, sendo levadas a reorganizar-se para:

• venda em massa dos seus produtos;

• concessão de crédito aos seus clientes;

• cobrança de duplicatas;

• planejamento da cobrança de juros;

• uma luta na obtenção de financiamento em bancos e outras entidades financeiras;

• equilíbrio entre os encaixes (entrada das vendas, recebimento das prestações, financiamentos diversos) e os desencaixes (pagamento de fornecedores de entidades financeiras, despesas operacionais);

• planejamento da fixação da entrada (participação de dinheiro à vista) na venda;

• planejamento das compras em massa em prazo também dilatados;

• composição de seu próprio cadastro;

• concorrência não só em têrmos de preço como também de extensão dos prazos de financiamento;

• luta acirrada de participação no mercado e promoção em massa.

A maioria dos empresários nacionais não previa uma mudança tão radical da prática comercial e providenciaram u'a máquina para fazê-la funcionar, mas não planejaram devidamente seu orçamento financeiro.

A função de intermediação exercida pela varejista era simples mas tornou-se gradativamente complexa demais.

Tomado de surprêsa, o varejista foi envolvido pelos problemas operacionais do nôvo sistema e se esqueceu do planejamento financeiro, ponto nevrálgico de seu negócio e o seu maior contribuinte. Isso afirmamos porque somente poucas emprêsas revendedoras e financiadoras de bens duráveis desfrutam hoje de uma posição financeira satisfatória e de uma participação efetiva no mercado, a despeito do aumento relativo do poder aquisitivo gerado pelo mecanismo de financiamento.

No período inflacionário, o varejista se preocupou quase exclusivamente com o aumento das vendas, atribuindo menor importância às despesas operacionais que passaram a representar entre 30 e 40% das vendas brutas, com a agravante de constituírem desencaixe à vista, enquanto o item Contas a Receber tendia a aumentar o seu período médio de cobrança. Nestas circunstâncias não se cuidou devidamente de proceder ao levantamento dos recursos próprios e de terceiros disponíveis para arcar com o financiamento, o que explica a situação extremamente difícil a que foram levados muitos estabelecimentos varejistas.

As despesas operacionais com níveis entre 30 e 40% de venda bruta, chegaram, portanto, a superar o lucro bruto sôbre vendas, isto é, a diferença entre venda bruta e o custo da mercadoria vendida. Nestas circunstâncias só seria possível obter lucro líquido mediante realização de lucro financeiro obtido através de elevadas taxas de financiamento.

Quando a situação se tornava particularmente aflitiva, ou seja, no momento de baixa liquidez e ameaça de insolvência não restava aos estabelecimentos comerciais outro recurso que o apêlo ao mercado financeiro, que no caso restringiu-se às operações "no paralelo" e às companhias de financiamento. A esta altura tôdas as possibilidades, para obtenção de recursos por meio de rêde bancária já haviam sido esgotados. O "paralelo" e as companhias de financiamento cobravam taxas elevadas de juros e muitos comerciantes transferiram aos seus clientes as mesmas taxas e a não-realização de lucro financeiro eliminava qualquer lucratividade do negócio, uma vez que o lucro operacional já havia sido extinto como foi apontado anteriormente.

Uma minoria reduzida foram as emprêsas que planejaram e venderam mercadorias dentro dos limites de crédito que poderiam suportar, sem recorrer a taxas altas para substituição de suas duplicatas. Hoje desfrutam de uma posição privilegiada e são capazes de se auto-financiar. Isto foi possível porque estas emprêsas não só souberam preservar as suas carteiras de duplicatas da incidência de taxas altas, utilizaram ao máximo o seu próprio crédito a uma taxa baixa, e contiveram suas despesas operacionais, reaplicando no negócio, o lucro das vendas passadas.

A contenção das despesas, que hoje parece objeto de preocupação generalizada, não o foi no período inflacionário, quando as emprêsas se esqueceram de que a mar-gem bruta menos as despesas operacionais seria o resultado de seu trabalho e a rentabilidade de seu capital.

Fazendo uma análise do comportamento das emprêsas bem sucedidas da atividade varejista no Brasil, verifica-se que as que mais se capitalizaram foram aquelas que cobraram um alto preço para o financiamento de suas vendas para poderem enfrentar a inflação, e dilataram ao máximo, os prazos de recebimento para tornar acessível a uma faixa significativa da população a aquisição de bens. Para terem condição de vender a longo prazo e pagarem a curto prazo utilizaram-se em larga escala do desconto de duplicatas até 120 e 150 dias, reaplicaram todo o resultado de suas vendas no próprio negócio, sempre se preocupando com a contenção de suas despesas.

Entendei am também essas emprêsas, que para fazer face à inflação teriam de cobrar altas taxas de financiamento, e o fizeram. Não se intimidaram com os preços altos. Cobraram em muitos casos, 6, 7 e até 8% ao mês de juro real. Isto nos leva a uma conclusão muito importante: o consumidor não se importa em pagar um preço alto pelo produto que compra, uma vez que a entrada e a prestação estipuladas se enquadrem nas suas possibilidades financeiras.

O consumidor pressiona mais fortemente o varejista para obter dilatação do prazo e secundàriamente pela obtenção de preços baixos, o que demonstra sua preocupação em obter condições de financiamento e não, pagar muito para comprar bens. Em poucas palavras, o consumidor retrata o seu comportamento comprando quando consegue encaixar o pagamento da entrada e das prestações no seu orçamento sem se importar em pagar um preço alto mesmo a uma mercadoria de baixo valor e isto é cada vez mais válido, quanto mais baixo é o poder aquisitivo da população. É fácil ilustrar esta afirmação: basta observarmos o comportamento das vendas no varejo, quando são aumentados ou diminuídos os prazos, mesmo a taxas altas para cobrir os efeitos da inflação, de descontos e o lucro na função própria de financiar. À duplicação do prazo para pagamento, via de regra, corresponde uma duplicação das vendas.

Deduzimos do exposto que várias organizações varejistas afastaram-se do seu objetivo principal, qual seja, comprar e vender produtos, para realizarem lucros em transações financeiras na qual desempenhavam o papel de intermediárias entre a Companhia de Financiamento e o Consumidor Final. Caso típico é propiciado pela Casa Anglo-Brasileira S.A. (Mappin) que arcou com prejuízos operacionais e em contrapartida auferiu lucros através do financiamento ao consumidor.(1 1 ) A verificação da Demonstração da Conta de Lucros e Perdas da Casa Anglo-Brasileira S.A. (MAPPIN) em 31 de janeiro de 1966 e 31 de julho do mesmo ano denotam o prejuízo operacional e a realização de substancial lucro financeiro. )

As emprêsas que transferiram o lucro da venda financiada para os seus credores acabaram arcando com grandes prejuízos.

O CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR E AS COMPANHIAS DE FINANCIAMENTO

Atualmente, a inflação de custos é um dos assuntos mais em voga no mundo empresarial e para dar fundamentação à assertiva poder-se-ia apontar o índice obtido pela soma das despesas operacionais e financeiras dos estabelecimentos varejistas que ainda oscila entre 25 e 45%.

Ao analisarmos a situação financeira das emprêsas comerciais ou industriais que alguma vez trabalharam com companhias de financiamento ou com o "mercado paralelo" percebemos quase sempre, que as despesas financeiras representam alta porcentagem do total de custos, acelerando, portanto, o que denominei de inflação de custos.

Ora, as emprêsas que se vêem em situação financeira apertada e ao mesmo tempo numa situação de mercado altamente competitivo e atualmente restringido, dificilmente poderão se utilizar de forma assídua do financiamento para capital de giro das companhias de crédito, financiamento e investimento e ainda reservar uma rentabilidade satisfatória para o seu capital.

O mercado de capitais no Brasil está numa fase incipiente e por isso conta ainda com certas distorções que já estão sendo sanadas. Os recursos para financiamento de capital de giro das emprêsas quando captados da poupança popular acrescido das despesas antecipadas da companhia aceitante, acelerarão a inflação de custos nas emprêsas.

Outro gravame importante no custo das emprêsas varejista é a incidência do ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias) e do IR (Imposto de Renda). Estas pagam 15% de ICM sôbre a sua margem bruta na quinzena em que efetuaram a venda, mas receberão as prestações de suas vendas em prazos de até 30 meses. Com o Imposto de Renda ocorre o mesmo: a grande parte das vendas anuais destas emprêsas é feita nos últimos meses do ano. Com o Balanço realizado em 31 de dezembro, a demonstração de lucros e perdas acusará um lucro a realizar decorrente das duplicatas a receber, sôbre o qual incide uma tributação de 28%, pagável num prazo inferior ao prazo do recebimento.

Nas emprêsas industriais, êste problema é semelhante mas não tão agudo, em virtude dos prazos de recebimento se-rem bem menores. As emprêsas se colocam então, na situação de obter meios para financiar o Govêrno, isto é, pagar impostos sôbre montantes não recebidos.

Elas se vêem na atual conjuntura diante de duas fortes pressões: por um lado, a sobrecarga de impostos e despesas financeiras, por outro, um mercado recessivo e altamente competitivo. Nesta conjuntura as companhias financeiras são freqüentemente usadas como bode expiatório, responsáveis pelas altas despesas financeiras e geradoras do custo alto da produção, por serem o veículo intermediário da captação de recursos. Em verdade, a causa distorciva é a utilização de capitais de terceiros sujeita a prêmio de correção monetária mais juros, para financiar o capital de giro, numa palavra, a alta taxa de juros vigente.

A tendência, portanto, desta modalidade de captação e aplicação de recursos é o obsoletismo, e os seus primeiros sintomas já se mostram visíveis.

• Primeiramente o mercado de demanda para realização das operações de financiamento transformou-se rápidamente em mercado de oferta (concorrência entre as companhias aceitantes).

• Já existem companhias trabalhando com.uma redução progressiva das taxas para operação, ou seja, 6% antecipado e 14% posteriormente. Há pouco tempo atrás, as taxas normais eram 8% e 18% respectivamente, para 6 meses.

• A situação econômico-financeira das companhias que demandam financiamento é mais difícil hoje do que num passado recente. Isto faz crer que apenas emprêsas que não têm outra saída recorrem às companhias de financiamento. Isto aumentou, sobremaneira, os riscos nas operações de financiamento com as referidas emprêsas.

• Observa-se de maneira geral, a diminuição de visitas dos corretores (free-lancers) para oferecimento de negócios e muitos dêles afirmam que procuram outras profissões. E com êles, são fechados a maioria dos negócios das companhias aceitantes.

• As altas imobilizações feitas pelas emprêsas durante o período inflacionário como medida para preservar o seu patrimônio, têm agora sentido inverso, buscando elas seus recursos próprios para financiamento, desimobilizando-se, diminuindo as retiradas de pró-labore e contendo ao máximo as suas despesas operacionais.

• A obsessão pelo maior volume de vendas sem dar maior importância às condições próprias e bancárias de financiamento chegou ao fim.

• As emprêsas se preocupam agora, em vender no limite das suas capacidades financeiras, diminuindo o risco de sua sobrevivência, o que provocou uma grande disponibilidade bancária para desconto de títulos e concessão de crédito.

• As operações bancárias a juro mais baixo, substituíram em grande escala, os financiamentos, anteriormente negociados em companhias de financiamento.

• A falta de duplicatas para serem fornecidas como garantia da operação determinou que a porcentagem das operações com garantia de penhor mercantil aumentou sensivelmente, havendo inclusive pressão das emprêsas em utilizarem o penhor industrial.

• As emprêsas relutam mais em cumprir os regulamentos rígidos de contrato, avais em notas promissórias, fiscalização do penhor, prazo de liquidação, etc.

• A intenção expressa do Banco Central em transformar as Companhias de Financiamento, Crédito e Investimento nos instrumentos exclusivos de financiamento direto ao consumidor estêve patente.

• Ao invés de financiar tôdas as fases do processo, ou seja, o industrial, os fornecedores, os atacadistas, os varejistas e o consumidor final, pareceu muito mais lógico financiar preponderantemente o consumidor final, utilizando-o como alavanca, cujo efeito se transmite a tôdas as fases anteriores do processo. Assim, se o consumidor paga à vista, o varejista poderá ter o seu prazo de pagamento reduzido e o industrial da mesma forma. Isto trará um giro financeiro muito mais rápido no varejo e na indústria.

Vemo-nos, portanto, diante do problema de obter capital de giro para as emprêsas a uma taxa que lhes permita uma utilização sistemática sem onerar os seus custos e proporcionar ainda condições de financiamento para as suas vendas a médio e longo prazo.

O Banco Central forneceu, por intermédio da Resolução 45, a solução para esta indagação, quando instituía o crédito direto ao consumidor que, provàvelmente, será a segunda revolução no consumo, no varejo, na indústria e na vida financeira do país, de importância comparada à instituição do sistema de venda financiada.

O sistema consiste básicamente em dar fôlego financeiro às emprêsas comerciais e industriais através do financiamento direto ao consumidor, o que contribuirá para o obsoletismo do sistema tradicional, anteriormente descrito, para o financiamento para capital de giro. Dará teoricamente a uma grande faixa da população, poder aquisitivo para comprar à vista, e tirará, portanto, do varejista a função de financiar. De acordo com a Resolução 45 do Banco Central, o consumidor compra a mercadoria à vista no varejo e concomitantemente abre um contrato com a companhia de financiamento no montante de 80% de sua compra dando como garantia o próprio objeto da compra pelo sistema de alienação fiduciária. Será coobrigada da operação, a emprêsa varejista que efetuou a venda, vínculo êste que o torna co-responsável na concessão do crédito.

O varejo teve portanto, as suas funções redefinidas, criando-se a possibilidade de retorno aos seus objetivos fundamentais já que lhe é possível liberar-se do difícil encargo que lhe vinha sendo atribuído, ou seja, o desempenho de funções de financiamento.

Para a companhia de financiamento isto significa um ajuste a uma situação em que poderá operar assiduamente com um mesmo cliente, sem que aquêle serviço represente um gravame de custos das atividades empresariais. E o consumidor torna-se o mercado adequado para aplicação de recursos decorrentes da captação no mercado investidor, porque compra um bem para aumentar-lhe o conforto ou trazer-lhe um meio de receita adicional. A sua aritmética para previsão de receita e despesa é extremamente simples e normalmente esta não excede àquela: a porcentagem de perdas por devedores duvidosos na venda ao consumidor é inferior a 1% na média das emprêsas comerciais.

A aplicação de recursos junto ao próprio consumidor pelas companhias de financiamento trará grandes benefícios ao consumidor, ao varejista, à indústria e à própria companhia de financiamento.

Ao consumidor, será possível a comparação clara e simples de taxas para financiamento ou a compra à vista. Naturalmente, isto acontecerá quando estiver familiarizado com o nôvo sistema. A concorrência clara entre as próprias companhias de financiamento provocará uma redução das taxas de juro.

Analisaremos, a seguir, as vantagens que o sistema de crédito direto ao consumidor propicia ao varejista, pois é exatamente na medida em que o varejista pode vender à vista que o seu estrangulamento com relação ao capital de giro é solucionado, fazendo com que possa pagar os fornecedores a prazos menores, eliminando o efeito em cadeia que de outra maneira refletir-se-ia nas demais etapas do processo econômico.

Além de permitir um aumento de suas vendas, pois venderá à vista e o consumidor será financiado pela companhia de financiamento, terá menos problemas na elaboração de seus orçamentos, que assumiam caráter complexo e aleatório quando tinha que administrar um imenso crediário em situação inflacionária e com possibilidades de obtenção de crédito sempre oscilantes. O crédito dire-to ao consumidor lhe dará uma visão bem mais clara de suas próprias disponibilidades financeiras.

A liquidez aumentará sensivelmente porque, embora venda à vista, desfrutará das vantagens da venda financiada, com o conseqüente incremento do giro-mercantil, porque sua capacidade de venda encontra limites apenas nas suas próprias condições operacionais. O "tráfego de clientes" permanecerá inalterado porque êstes continuarão pagan-do suas prestações na própria loja.

O ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias) montando a 15% sôbre a margem bruta onera o varejista pois representará sempre um desembolso à vista de um montante que em caso de financiamento feito pelo próprio varejista sofre ainda alteração para níveis,mais elevados. Sendo o cliente financiado pelo sistema de crédito direto ao consumidor, o varejista será pago à vista e o montante correspondente ao ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias) que terá de recolher será menor do que na hipótese de se utilizar o antigo sistema.

Exemplifiquemos a seguir para que fique mais claro e mais bem fundamentada a nossa afirmativa. Digamos que o comerciante compre do industrial uma mercadoria por NCr$ 1.000,00 e a revenda por NCr$ 1.300,00, à vista, ao consumidor. Porém, para financiá-la em 12 meses, cobrará uma taxa de juro direta de 3,5% sôbre o montante a financiar.

Em 12 meses, à taxa direta de 3,5% ao mês, o aumento será de 42% sôbre NCr$ 1.040,00.

Vendendo a mercadoria à vista, o varejista pagará 15% de ICM, sôbre a margem bruta de NCr$ 300,00:

Vendendo a mercadoria a prazo de 11 meses, o varejista pagará 15% de ICM sôbre a margem bruta mais o juro de financiamento:

Portanto, no primeiro caso o ICM será:

15% sobre NCr$ 300,00 = NCr$ 45,00

enquanto no segundo caso teremos

A porcentagem de 65,40 sôbre 1.300 é 5,02%, a qual representará uma redução de pagamento à vista sôbre o preço de venda, para o varejo, como economia de imposto. Cabe acrescentar que, muitas vêzes, esta porcentagem representa o total de seu lucro líquido sôbre vendas, o que significa a duplicação do lucro.

Ainda com referência à redução do ICM recolhido temos uma redução da ordem de 59,24%. Exemplificando:

Se atribuirmos a NCr$ 110,40 o valor 100, obteremos para NCr$ 65,40, que é a diferença de imposto "poupado" pelo sistema de financiamento direto ao consumidor, o valor de 59,24.

É importante salientar que a média das lojas de departamentos das emprêsas comerciais que vendem aparelhos eletro-domésticos, móveis, roupas masculinas e femininas, artigos de copa, cozinha, perfumaria, roupas infantis, brinquedos, bazar, etc., operam pelo sistema de financiamento de 75 a 99% de suas vendas a uma média de prazo(2 (2 ) A emprêsa tem planos de financiamento que procuram satisfazer o cliente, vendendo a prazos de 6, 8, 12, 15 e 24 meses. Se os montantes de cada mês forem iguais, sua média de prazo será o resultado da divisão da somatória dos meses pelo número de prazos, ou seja, 6 + 8 + 12 + 15 + 24 = 65 ÷ 5 = 13, que é a sua média de prazo. Isto significa que o seu montante de contas a receber poderia ser transformado numa venda única a 13 meses. ) de 9 a 13 meses. Portanto, o prazo médio(3 (3 ) Se média de prazo fôr igual a 13 isto significa que o cliente virá saldando a sua dívida mês a mês e que o seu débito diminuirá gradativamente. Para efetuar um único pagamento que substitua as 13 prestações êle deverá pagar todo o montante em 7 meses. Êsse será o prazo médio de recebimento de emprêsa, que se obtém pela fórmula onde n corresponde ao número de meses ) de recebimento, varia entre 5 e 7 meses e cobram como taxa direta de juro 3 a 4% ao mês, do valor financiado.

O conceito de prazo médio será de fundamental importância nas emprêsas porque, por seu intermédio, elas obtêm uma forma adicional de financiamento nos primeiros seis meses, prazo concedido pela companhia financeira para vencer a primeira promissória. No entanto, o cliente estará pagando as suas prestações à loja. Pelo sistema de rodízio de duplicatas o comerciante gira durante 5 meses a primeira prestação paga, 4 meses a segunda, 3 meses a terceira, 2 meses a quarta, e 1 mês a quinta. O prazo médio de recebimento do varejista em 6 meses é 3,5 meses, o prazo de pagamento da nota promissória à companhia financeira, usando o rodízio de duplicatas será 6. Portanto, êle terá ainda a seu favor 6 - 3,5 = 2,5 meses, que a uma taxa de 3,5% ao mês representa 8,7% sobre o total das 6 primeiras prestações. Haverá vantagem também para efeito do pagamento do Imposto de Renda pois atualmente a emprêsa paga o imposto de renda sôbre montantes ainda não recebidos completamente. Assim, antes de realizar o seu lucro ela já está pagando imposto por êle. E vale dizer, um lucro superestimado, pois o seu realizável não têm liquidez a curto prazo. Está sujeito, portanto, à taxa de inflação e ao custo de dinheiro num prazo que varia de médio a longo. O sistema de venda à vista corrigirá esta distorção.

Haverá, porém, nos meses subseqüentes ao 6.º a necessidade de a emprêsa cobrir perante a companhia financeira as duplicatas em atraso para que se efetue o resgate das Letras de Câmbio a vencer a partir do sexto mês da data da venda. É constante um atraso de 30 dias no recebimento das prestações dos clientes, atingindo de 30 a 60% dos montantes a receber num mês. O atraso de até 60 dias incide sôbre 5 a 20% dêsse montante. E o restante será recebido em média com até 90 dias de atraso. O varejista poderá resgatar pontualmente as notas promissórias de seus clientes, junto a companhia financeira utilizando-se da disponibilidade trazida pelo recebimento das seis primeiras prestações e que só representarão desencaixe após 180 dias da data da venda.

As emprêsas não precisarão, daqui em diante, de se preocupar em manter níveis mínimos de depósitos bancários para conseguir o desconto de suas duplicatas, porque se elas precisarem se utilizar desta modalidade de financiamento, será em nível muito mais baixo do que se vêm utilizando.

Resta ainda por analisar o caso de emprêsas que conseguem se autofinanciar, não recorrendo, portanto, ao mercado financeiro, uma vez que as taxas cobradas por êste, representam o esvaziamento de seu lucro e porque contam com um alto lucro na função de financiar, atuando pois, mais como um Banco do que como uma Casa comercial. Estarão estas emprêsas interessadas em transferir o seu lucro de financiamento para o mercado investidor? Aparentemente não. Mas então, perderão elas as vantagens oferecidas pelo sistema de crédito direto ao consumidor? Não na medida em que possam operar todo o seu volume de vendas com o financiamento direto ao consumidor e comprar as suas próprias letras numa operação casada. Para isto seria cobrada pela companhia financeira, uma taxa que varie de 2 e 3%, conforme o volume total de vendas, uma vez que a própria emprêsa seja, simultáneamente, a tomadora e a aplicadora de recursos. Haverá apenas uma troca de cheques entre as companhia financeira e emprêsa financiada.

As emprèsas que não queiram dispensar o seu próprio financiamento, poderão, apenas pagando uma taxa de serviço, financiar as suas vendas por intermédio da financeira e, com isso, economizar o ICM em 60%, aumentando correspondentemente o seu lucro líquido e a disponibilidade financeira. Haverá, ainda, a vantagem de o varejista comprar as letras como pessoa física. Desimobilizando-se e diminuindo o lucro no balanço para efeito do pagamento do imposto de renda. Haverá ainda alta solubilidade da emprêsa como negócio; a qualquer momento, todo o realizável poderá se transformar em disponível.

Para a indústria, o crédito direto ao consumidor trará em conseqüência uma possibilidade de vender a prazos menores, refletindo na sua liquidez alcançada pelo varejo. O Reflexo será indireto e começará quando o varejista propuser prazos de pagamento menores e os descontos correspondentes às novas condições. O custo do produto será menor e o preço do produto ao público tenderá a baixar.

Do ponto de vista da companhia iinanceira, os reflexos são os seguintes:

• As companhias financeiras iniciam uma fase nova nas suas operações com a possibilidade concreta de financiar a um mesmo cliente de forma assídua, sem acelerar a inflação de custos e proporcionar condições financeiras de desenvolvimento e liquidez. Seu conceito melhorará muito. Não serão mais vistas como sistemas de pressão, causadoras de concordatas e falências. Não representará desprestígio comercial à emprêsa que trabalhe com as financeiras. Elas passarão a ser identificadas como entidades que trabalham com os empresários e não sôbre êles.

• Ao retratar o comportamento do consumidor em comprar quando tem condições de encaixar o pagamento da entrada e das prestações no seu orçamento, sem se preocupar com o alto preço da mercadoria - minha intenção foi demonstrar que a remuneração do capital do público investidor é muito mais sustentável pelo consumidor dc que pelo empresário comercial ou industrial, porque o consumidor aceita a idéia de que a venda financiada seja mais onerosa. Prova disto é a observação das taxas cobradas atualmente pelo varejo para financiar suas vendas. O juro real, muitas vêzes, excede a 6% ao mês. Basta para isto que a emprêsa cobre 3,5% ao mês pelo sistema de juro direto. O exemplo simplificado que damos a seguir ilustra nossa afirmação:

• Aumento do potencial operacional das companhias financeiras, agora estendido ao imenso público consumidor para venda financiada. As emprêsas comerciais que vêm financiando diretamente as suas vendas, poderão fazê-lo agora, por intermédio de companhias financeiras.

• As operações casadas, feitas com as emprêsas comerciais que continuarão a financiar as suas vendas pela operação de compra das suas próprias Letras representam um potencial sem precedentes de novos negócios.

Portanto, a análise do sistema de crédito direto ao consumidor demonstra que é uma nova formulação ao problema do financiamento de bens de consumo, especialmente os duráveis, que responde de maneira adequada a uma nova conjuntura econômico-financeira que se começou a desenvolver no país recentemente.

  • 1
    ) A verificação da Demonstração da Conta de Lucros e Perdas da
    Casa Anglo-Brasileira S.A. (MAPPIN) em 31 de janeiro de 1966 e 31 de julho do mesmo ano denotam o
    prejuízo operacional e a realização de substancial lucro
    financeiro.
  • (2
    ) A emprêsa tem planos de financiamento que procuram satisfazer o cliente, vendendo a prazos de 6, 8, 12, 15 e 24 meses. Se os montantes de cada mês forem iguais, sua
    média de prazo será o resultado da divisão da somatória dos meses pelo número de prazos, ou seja, 6 + 8 + 12 + 15 + 24 = 65 ÷ 5 = 13, que é a sua
    média de prazo. Isto significa que o seu montante de contas a receber poderia ser transformado numa venda única a 13 meses.
  • (3
    ) Se
    média de prazo fôr igual a 13 isto significa que o cliente virá saldando a sua dívida mês a mês e que o seu débito diminuirá gradativamente. Para efetuar um único pagamento que substitua as 13 prestações êle deverá pagar todo o montante em 7 meses. Êsse será o
    prazo médio de recebimento de emprêsa, que se obtém pela fórmula
    onde n corresponde ao número de meses
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1967
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br