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Algumas observações sôbre a obra de G. Elton Mayo

ARTIGOS

Algumas observações sôbre a obra de G. Elton Mayo

Carlos Osmar Bertero

Professor-Adjunto do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e Redator-Chefe da Revista de Administração de Emprêsas

"Se nossas habilidades sociais tivessem aumentado na medida de nossas habilidades técnicas, não teríamos assistido a uma nova guerra européia." G. ELTON MAYO.

GEORGE ELTON MAYO, que durante vários anos ocupou o cargo de professor de Pesquisa Industrial da Escola Graduada de Administração de Emprêsas da Universidade de Harvard, tornou-se mundialmente conhecido por suas contribuições não apenas à teoria e à prática administrativas, mas também pelo estímulo que suas reflexões exerceram sôbre os cientistas comportamentais que desde então se têm dedicado à pesquisa e ao estudo dos problemas organizacionais.

MAYO está ligado ao Movimento ou Escola das Relações Humanas que a êle deve o seu início e do qual foi o principal teórico. As posições fundamentais das Relações Humanas têm sido freqüentemente exageradas ou mal entendidas. O que de mais lamentável pode ser dito a respeito da obra de E. MAYO é que ela foi vulgarizada ao nível da prática, de tal forma que por "habilidades das relações humanas" se subentende uma série de atitudes, palavras, atos e omissões que o executivo hábil sabe usar nos momentos adequados e para com as pessoas-chave a fim de fazer prevalecer os seus pontos de vista ou os da administração em geral, de tal forma que sejam aceitas, mesmo que a aceitação seja prejudicial àqueles que acederam. As relações humanas passam conseqüentemente a envolver as habilidades do lôgro elegante e servem aos objetivos do oportunismo sofisticado ou à manutenção das posições de privilégio, só que suficientemente disfarçadas.

A leitura das obras de G. ELTON MAYO são indiscutivelmente ofendidas por tal tipo de interpretação e o pensador jamais cogitou que tais usos pudessem ser feitos de suas idéias e teses fundamentais.

Sob um outro aspecto o pensamento de MAYO , entre os estudiosos da teoria de organização, foi freqüentemente distorcido, e acabaram por encontrar em seus livros e lhe atribuírem coisas que nunca sustentou. Um dêstes aspectos é o da oposição total entre as Relações Humanas e a Escola Clássica ou Tradicional de Administração. O conjunto de idéias da Escola Clássica ou Tradicional foi apresentado por homens como FREDERICK TAYLOR, H. FAYOL, o casal GILBRETH, URWICK dentre outros. Eram homens interessados bàsicamente na produtividade industrial, lutavam por ela, e suas medidas de racionalização e simplificação do trabalho objetivavam o aumento da produtividade e como conseqüência, o aumento de lucros, dividendos, salários, e de maneira mais ampla a expansão do sistema industrial e econômico. Para tanto, apoiavam-se na disciplina, expressa na unidade de comando e num certo mecanismo organizacional e nos incentivos de natureza pecuniária.

A G. ELTON MAYO esquemàticamente passou-se a atribuir a negação de todo o sistema erigido pela Escola Clássica, e no mesmo impulso iconoclasta, o menosprêzo pela organização formal e pelos incentivos de natureza financeira. Os problemas industriais seriam solucionados pelos mecanismos da satisfação individual, que se obteria pela interação no interior dos pequenos grupos, e pouca importância deveria ser dada à compensação pecuniária. Ela era irrelevante e, muitas vêzes, prejudicial à eficácia geral do sistema.

Acreditamos que E. MAYO nunca se apresentou revestido com a auréola de furor sagrado contra os Clássicos e nem tampouco sugeriu o oportunismo elegante que lhe atribuem ainda com freqüência os praticantes das relações humanas.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS

As idéias básicas que norteiam as principais objeções de MAYO à Escola Clássica estão sintetizadas no seu livro The Social Problems of an Industrial Civilization publicado em 1945, onde se encontra sua célebre Rabble Hypothesis, que já se vem traduzindo habitualmente por Hipóteses do Populacho, que poderia ser vista como a interpretação de MAYO sôbre os fundamentos teóricos da Escola Clássica.

A Hipótese do Populacho é um misto de idéias oriundas do liberalismo econômico do século XIX e das idéias políticas do século XVII, particularmente de THOMAS HOBBES. No que diz respeito à fundamentação política, ela pode ser entendida da seguinte maneira. Antes do Estado e da Sociedade Civil existia o Estado Natural. Sôbre as características do Estado Natural as divergências são grandes. Um pólo é J. J. ROUSSEAU, com a condição quase idílica do homem em estado natural, e o oposto seria encontrado em T. HOBBES que via no estado natural o caos, a violência, a morte e a destruição, numa palavra, a "guerra de todos contra todos". Foi a visão hobbesiana do Estado Natural que mais influenciou os princípios da Hipótese do Populacho. Os homens em estado de natureza não são mais do que uma horda, onde todos procuram a destruição de todos e onde o indivíduo se auto-afirma por todos os meios, lançando mão com freqüência da violência. O Estado Natural e a Sociedade, as artes, a filosofia, a atividade econômica constituem uma contradição em têrmos. O Estado Natural só termina pela vitória do instinto de conservação, pois cada indivíduo compreende que sua manutenção seria uma luta sem vencedores, mas apenas de vencidos, porque, por mais forte e poderoso que um indivíduo pudesse ser, jamais poderia sobreviver à violência de qualquer outro indivíduo, mesmo o mais fraco e menos poderoso, que sempre poderia pôr têrmo à sua existência de maneira violenta.1 1 ) HOBBES, Thomas, Leviathan, Nova Iorque, Collier Books, 1962, págs. 98/102 e 130/132. Desta forma, surge o Covenant e, com êle, o fim do Estado Natural e o aparecimento do Estado, único depositário do exercício da violência que se legitima pela abdicação da liberdade de todos, em favor da liberdade absoluta do Estado. Êsse passa a ser o único autorizado a exercer a violência e o faz a fim de permitir o aparecimento e o desenvolvimento da Sociedade Civil. O que distingue o pensamento de T. HOBBES dos demais contratualistas é a preeminência do Estado sôbre a Sociedade Civil, a ponto de antecedê-la cronologicamente. Se não fôra o Estado a custodiá-la, a Sociedade Civil jamais poderia surgir do Estado de Natureza. Apenas a violência absoluta e exclusiva do Estado permite o florescimento da Civilização.

Esta hipertrofia do Estado é que permite a utilização do pensamento hobbesiano como instrumento eficaz para defesa de posições anti-revolucionárias. O direito de revolução está automàticamente extinto, porque o pior govêrno é preferível ao risco do desgovêrno, do colapso do Estado que levaria inevitàvelmente ao retôrno do Estado Natural que constituiria a reimplantação do caos e da negação de tudo o que pudesse assemelhar-se à civilização.

A afirmação de que "a sociedade natural constitui uma horda de indivíduos desorganizados"2 2 ) MAYO, G. Elton, The Social Ptoblems of an Industrial Civilization, Cambridge, Harvard University Press, 1945, pág. 40. encontra sua aplicação na Teoria Clássica na medida em que se aplicam padrões rígidos de autoridade e liderança, tendo-se como ótima uma organização onde os administradores decidem, ordenam e controlam, e onde os subordinados, por sua vez, obedecem mecânicamente. A administração incorpora na organização industrial as mesmas funções que o Estado exerce na Sociedade Global. Sua justificativa é a própria eficácia do sistema, que seria totalmente destruído, se fôsse outorgada à base sequer a possibilidade de discordar. Nas emprêsas, apenas a administração pode exercer a violência legítima e desta forma controlar a satisfação de tôdas as necessidades dos subordinados na organização. Portanto, a interferência de qualquer outro elemento ou instituição, como, por exemplo, o Estado ou o Sindicato, entre administradores e administrados constitui uma quebra da ordem natural das coisas e a introdução de sério risco para a própria estabilidade e sobrevivência organizacionais.

Um segundo ponto da Hipótese do Populacho era a afirmação de que "... todo indivíduo age de maneira calculada a fim de assegurar sua preservação e seus próprios interêsses".3 3 ) Idem, Ibidem. O terceiro fundamento da Hipótese é que "... todo indivíduo pensa logicamente, utilizando ao máximo suas faculdades, para a consecução de seus objetivos".4 4 ) Idem, Ibidem.

Se o primeiro fundamento deve sua origem ao contratualismo político do século XVII , especialmente a THOMAS HOBBES , os dois princípios seguintes são herdeiros inconfundíveis do liberalismo econômico e especialmente de DAVID RICARDO. As categorias acima refletem a existência do Homo economicus enquanto comportamento. O indivíduo agirá racionalmente, exercendo plenamente tôdas as suas capacidades a fim de maximizar os resultados de suas ações. O mesmo esquema de otimização encontradiço na teoria econômica clássica é aqui adotada como constituinte fundamental do comportamento individual. O indivíduo tentará obter o máximo de vantagens com os esforços utilizados, ou tentará obter as maiores vantagens com um mínimo de esforços. Portanto, justifica-se a hipótese de trabalho da Escola Clássica, segundo a qual os padrões de autoridade e os sistemas de incentivo deveriam ser cuidadosamente estudados e aplicados com grande rigidez porque os operários, agindo como maximizadores, tentariam obter os seus salários com o menor esfôrço possível, chegando ao ponto de tentar obter a respectiva compensação financeira sem nenhum trabalho. Isto porque o homo economicus é um hedonista que, da maneira mais esquemática possível, comporta-se buscando o prazer e evitando a dor e o sofrimento. Não é necessário dizer que a maioria dos homens detestam o trabalho e são preguiçosos congênitos. Só o fazem porque devem assegurar a sobrevivência e quando se aplicam com maior afinco aos seus afazeres o fazem por temor imediato ou remoto do desemprêgo. Não esquecer que nos encontrávamos no século XIX onde a ameaça de desemprêgo era um coator importante para o comportamento do trabalhador e o exército de reserva uma realidade palpável.

Outro dado importante a ser apresentado é o fato de que a teoria clássica de administração estabelecia dois quadros de referência para julgar o comportamento das pessoas dentro das organizações empresariais. Um que se aplicava aos operários, e que acabamos de resumir, e o outro, aplicado ao pessoal administrativo, que continha juízos de valor inteiramente diversos. No momento em que a Teoria Clássica foi elaborada, o administrador e o empresário, ou seja, o proprietário dos fatôres de produção, constituíam uma única pessoa ou um único grupamento social. Os que administram não o fazem por profissionalização, mas por serem os proprietários, e em grande maioria são fundadores dos impérios industriais que lideram. O ser administrador carrega a conotação de honestidade, trabalho, austeridade, ou seja, tôdas as virtudes menores de uma ética cristã, tão bem descritas por MAX WEBER e por R. H. TAWNEY em suas clássicas obras A ética protestante e o espírito do capitalismo e Religion and the Rise of Capitalism, respectivamente. Tal formulação permitiria, inclusive, que se visse a Teoria Clássica de Administração enquanto manifestação ideológica do capitalismo industrial dos fins do século passado.5 5 ) Os que se interessarem por tal tipo de abordagem poderão ler com grande proveito o livro de BENDIX, Reinhard, Work and Authority in Industry: Ideologies of Management in the Course of Industrialization, Nova Iorque, Harper & Row Publishers, 1963. Atentar particularmente para os capítulos quarto e quinto. Portanto a Hipótese do Populacho aglutinava idéias próprias do pensamento convencional do século XIX e que se prestavam muito bem para justificação de um tipo de situação empresarial e de fundamento às práticas administrativas.

AS BASES EMPÍRICAS

Acreditamos esteja o leitor suficientemente familiarizado com os experimentos de Hawthorne para que sejamos dispensados de repeti-los neste artigo. O que julgaríamos necessário observar é que MAYO foi levado a condenar vários erros básicos da Escola Clássica a partir dos resultados de suas pesquisas na referida fábrica da Western Electric. Num primeiro momento, o que mais chama a atenção é o ceticismo que se desenvolve com relação à estrutura formal da organização. MAYO acreditou ter descoberto nas relações informais, especialmente no pequeno grupo, as condicionantes da ação grupal que tinha lugar na estrutura formal da organização. O pequeno grupo, enquanto oposição à estrutura formal, expressa no organograma e no manual de administração, repetia no ambiente da fábrica as funções desempenhadas socialmente por aquilo que o sociólogo chamaria de grupo primário. O que passava então a importar era o entendimento do pequeno grupo, de sua importância enquanto instrumento de satisfação de necessidades individuais, e de que como os recursos e energias latentes poderiam ser canalizadas pela administração para a consecução dos objetivos da organização formal.

MAYO considera como de primordial importância para o indivíduo o ser aceito pelo pequeno grupo e, para tanto, estará disposto a desempenhar as funções que o grupo vier a exigir. Se o indivíduo trabalha, êle não o fará primordialmente pela obtenção de um salário, mas para oferecer ao grupo algo que seja pelo grupo sancionado positivamente e que possa ser utilizado como seu instrumento de ingresso e aceitação. Se o grupo não der importância ao trabalho e ao elevado desempenho profissional, como condições de ingresso e aceitação, o indivíduo não hesitará em aquiescer para com os valores grupais, mesmo que sejam frontalmente opostos aos valores propostos pela organização formal e pela sociedade em geral. Tal afirmação encontraria sustentação empírica nas observações feitas com as equipes de montagem de equipamentos PBX, onde os operários preferiam ter seus salários diminuídos a cumprir com os padrões de produtividade impostos pela administração da emprêsa. O cumprimento das tarefas com a rapidez prescrita pela administração equivalia a trair o grupo e identificar-se com a administração. A necessidade individual de ser aceito pelo pequeno grupo responderia pela baixa produtividade da seção.

As recomendações práticas de MAYO, consubstanciados no Programa de Entrevistas e no Programa de Treinamento de Supervisores, constituiriam os meios para estender a tôda a organização o clima favorável e a integração entre os valores do pequeno grupo e os objetivos da organização formal. Ou, em outros têrmos, para reconciliar o trabalhador com seu trabalho.

A constatação de que o trabalho industrial, pela sua monotonia e pelas condições sociais da fábrica, acaba por gerar uma série de anomalias e de distúrbios tanto sociais como individuais, era tema recorrente das Ciências Sociais, ao final do século passado.

O Conflito Industrial era uma destas manifestações a nível social, enquanto os mecanismos de ansiedade e compulsão de neuroses e psicoses constituiriam suas manifestações o nível individual. KARL MARX chamou a esta situação de Alienação, e a solução proposta inseria-se no plano político, ou seja, quando por via revolucionária se conseguisse eliminar a propriedade privada dos meios de produção, e o trabalhador deixasse de alienar em favor do capitalista a mais valia, ou seja, a parte não paga de seu trabalho, tôdas as demais alienações desapareceriam. A alienação social e política tinham suas causas e eram conseqüência da alienação econômica, resultante da propriedade privada dos meios de produção. Eliminada a alienação econômica as demais desapareceriam ato contínuo. Portanto, o sistema de produção industrial em si nada tinha de alienador. ELTON MAYO tem uma visão mais pessimista do processo. Para êle a alienação está no cerne do modo industrial de produção, e pouco adiantaria a socialização dos meios de produção para que se terminasse com a alienação. Sua causa não reside na posse dos fatôres de produção, mas nas relações de autoridade que se desenvolvem no interior do mundo industrial.

O têrmo alienação nunca foi utilizado por ELTON MAYO, mas acreditamos poder aplicá-lo ao conjunto de situações descritas por MAYO como constituintes da patologia industrial de sua época. O Conflito Industrial, o baixo moral, o elevado turn-over, o desinterêsse generalizado dos operários pelo trabalho, as greves, boicotes e sabotagens, são manifestações que MAYO classificou de anômicas e que se identificam com o encadeamento de situações que MARX classificou como manifestações da alienação econômica, social e política do proletariado.

O que MAYO pretendia como o Programa de Entrevistas e com o Programa de Treinamento de Supervisores era eliminar a alienação, ou seja, a patologia do mundo industrial, pela modificação das relações de autoridade vigente no mundo industrial. As soluções propostas por MAYO e que deveriam estender a todo o sistema industrial as condições favoráveis de relacionamento encontradas durante os Experimentos de Western Electric visavam a um projeto muito ambicioso que seria nada mais nada menos do que a reconciliação do operário com o seu trabalho, que só poderia ser feito através dos valores do pequeno grupo e de sua respectiva aceitação pela organização formal através de supervisores adequadamente treinados nas habilidades das Relações Humanas.

O Programa de Treinamento de Supervisores e a tentativa de universalização dos resultados obtidos com os pequenos grupos baseava-se na hipótese de que "... a produção do trabalho é uma função do grau de satisfação no trabalho, a qual, por sua vez, depende do padrão social não-convencional do grupo de trabalho."6 6 ) BENDIX, Reinhard & FISHERM, Lloyd H., As Perspectivas de MAYO Elton, In: ETZIONI, Amitai, Organizações Complexas, São Paulo, Editôra Atlas S. A., 1967, pág. 125. Tal afirmação também implica na inexistência de conflitos entre o indivíduo e o grupo. A tese de MAYO repete aqui a velha teoria do homem animal político, onde o grupo constitui a tendência normal do indivíduo e a crença de que o indivíduo só se realiza inteiramente no grupo. A idéia fazia parte dos melhores ideais helênicos e PLATÃO e ARISTÓTELES, embora, por caminhos diversos, não mais fizeram do que reafirmá-la, dando-lhe formulação majestosa na República e na Política. O homem só é inteiramente homem quando faz parte da Pólis.

A dicotomia indivíduo-organização aborrecia profundamente ELTON MAYO que só poderia reconhecê-la como parte de uma situação anômica. Se fôssem eliminadas as anomalias da vida das organizações - o que seria possível desde que suas idéias fôssem aceitas e implementadas - o conflito desapareceria simplesmente porque êle não fazia parte da natureza das coisas, ou seja, da relação indivíduoorganização.

HABILIDADES TÉCNICAS E HABILIDADES SOCIAIS

Esta oposição seria explicável por uma situação especial do mundo industrial no momento em que MAYO teorizava; ou seja, utilizando sua própria terminologia, o desequilíbrio entre as habilidades técnicas (technical skills) e as habilidades sociais (social skills). No mundo industrial as habilidades técnicas estão muito mais desenvolvidas do que as sociais e as causas são encontráveis no próprio sistema de educação formal e nos desentendimentos surgidos ao longo do processo econômico e social. O que se tornava necessário era o desenvolvimento de habilidades sociais, e, para tanto, deveríamos contar com a reformulação de todo o sistema educacional e, no plano da indústria, com as modificações da própria classe dirigente, ou seja, os próprios administradores. A ênfase de MAYO no treinamento de supervisores explica-se pelo fato de o supervisor ser um administrador, e no seu entender o mais importante, pois é o que tem contacto direto com o operário, e, como conseqüência, de nada adiantaria para implementação das modificações convencer apenas os administradores de alto nível das novas idéias, se os homens que estão em contacto permanente e direto com os operários continuassem adotando as velhas práticas e persistindo nas antigas atitudes.

As habilidades técnicas e sociais são definidas por MAYO no seu livro The Social Problems of an Industrial Civilization e merecerão especial atenção de nossa parte nos próximos parágrafos. "A habilidade técnica manifesta-se como a capacidade para manipulação das coisas para consecução dos objetivos humanos."7 7 ) MAYO, Elton, op. cit., pág. 13. E as "... habilidades sociais manifestam-se como a capacidade para receber comunicações de outrem é responder às atitudes e idéias de outrem de forma a promover a participação natural numa tarefa comum."8 8) Idem, Ibidem. .

As habilidades técnicas constituem as virtudes econômicas da tradicional economia política, ou seja, da economia clàssicamente definida como a disciplina que cuida dos bens escassos a fim de colocá-los a serviço da comodidade humana. Pertencem às virtudes econômicas neste sentido tôdas as técnicas que levem ao contrôle e domínio da natureza física, eliminando a hostilidade que as fôrças da natureza manifestam para com o homem e utilizando com a mais alta eficácia possível os fatôres escassos. O desenvolvimento tecnológico, que se tem manifestado no ocidente ao longo dos últimos quatro séculos e mais marcadamente com a Revolução Industrial, é prova definitiva do alto nível de desenvolvimento das habilidades técnicas em nossa civilização. Foram tão grandes que, no entender de MAYO, acabaram por condicionar todo o modo de pensamento dos administradores e empresários. Quando se refere aos administradores, MAYO sempre os vê como pessoas que são dotadas de grande habilidade técnica, mas de poucas habilidades sociais. A maneira de tratar os problemas empresariais, ou seja, a sua redução a têrmos de eficiência técnica e financeira, demonstra que as habilidades técnicas venceram enquanto categorias moldadoras da mentalidade administrativa.

Se formos indagar das causas de um tão grande desenvolvimento de habilidades técnicas e de tão modesto crescimento de habilidades sociais em nossa sociedade industrial, tema recorrente na fase final do pensamento de MAYO , acreditamos poder encontrá-la na adesão não claramente explícita nos textos, à concepção de ciência encontradiça entre os pragmáticos americanos e inglêses dos fins do século passado e do início de nosso século. Pragmàticamente, o conhecimento só se valida na ação, ou seja, pelos seus resultados práticos. Nesse sentido, podemos afirmar da correção das ciências da natureza, na medida em que elas foram capazes de prover o homem de instrumentos que levaram à dominação da natureza e ao desenvolvimento de uma tecnologia. Poderemos falar da correção de uma doutrina ética na medida em que fôr capaz de fornecer normas de conduta que levem a uma ação social harmônica e eficaz, ou seja, sempre implicando em certa dose de conformismo ou de adesão produtiva ao comportamento social vigente e, portanto, convencional. Nesta perspectiva pragmática, MAYO não poderia deixar de ver no sucesso das ciências da natureza a grande explicação para o desenvolvimento das habilidades técnicas e no fracasso das ciências sociais a grande explicação para a carência de habilidades sociais em nossa sociedade industrial. Êle próprio nos fala em ciências bem sucedidas (química, física, fisiologia) e ciências mal sucedidas (sociologia, psicologia, ciência política).9 9 ) MAYO, op. cit., pág. 19. A explicação para o sucesso de umas e o fracasso de outras seria, em nosso entender, o fato de que as ciências da natureza adotaram uma atitude pragmática com relação aos seus respectivos objetos de conhecimento, o mesmo não tendo ocorrido com as ciências sociais, pelo menos na época de MAYO. No seu entender, não há cientistas sociais, mas filósofos sociais, carregando aqui a palavra filósofo a pesada herança que o pragmatismo e o positivismo do século XIX lhes impunha. A conclusão segue com lógica cristalina e silogística, isto é, que os cientistas sociais desenvolvam suas respectivas ciências de modo a criar as habilidades sociais, da mesma maneira que os cientistas da natureza o fizeram a fim de lograr o florescimento das habilidades técnicas.

A esta altura, MAYO é crítico e ao mesmo tempo vítima de um sistema de pensamento. Partilha da ilusão de sua época com relação aos fins e ao alcance das ciências sociais. Não esquecer que vivia na época do behaviorismo, onde o comportamento humano deixaria em breve de ser algo imprevisível e objeto tratado com exclusividade por romancistas e dramaturgos, para reduzir-se a uma equação simples cuja chave seria o princípio do estímulo-resposta. A ingenuidade foi suficientemente poderosa para atravessar oceanos e podemos encontrá-la na União Soviética dos Planos Qüinqüenais, onde se pensou nas ciências sociais como instrumentos para conhecimento e contrôle do comportamento individual e social que permitisse inclusive a implementação das metas econômicas, políticas e sociais postuladas pelos teóricos do marxismo-leninismo.

A concepção de MAYO sôbre o problema do conhecimento é intuitivamente pragmática e isto se depreende da crítica às ciências, classificadas anteriormente como bem sucedidas, ou seja, as mal sucedidas foram aquelas que não lograram nenhuma aplicação na esfera da práxis e, em oposição, as bem sucedidas foram exatamente as ciências da natureza que levaram ao desenvolvimento tecnológico.

As demais explicações sôbre o fracasso das ciências sociais pode ser encontrada na problemática pessoal dos cientistas sociais. A análise de MAYO da patologia dos cientistas sociais apóia-se no estudo de PIERRE JANET, Les Névroses, publicado em 1915 , que permite a MAYO o diagnóstico do cientista social como um neurótico, por definição desprovido de habilidades sociais e conseqüentemente incapaz de entendê-las, criá-las e transmiti-las. Como conseqüência de sua personalidade patológica, o cientista social é levado a divagar sôbre questões genéricas, nunca abordando problemas específicos e capazes de levar ao desenvolvimento de habilidades sociais. Como prova de sua afirmação, MAYO refere-se aos currículos de ciência política das universidades americanas e européias na década dos quarenta, que ainda incluíam a leitura de textos antiquíssimos e "desprovidos de interêsse" como O Contrato Social de JEAN JACQUES ROUSSEAU, O Príncipe de MAQUIAVEL, A República de PLATÃO, A Cidade de Deus de SANTO AGOSTINHO e outros textos de desinterêsse geral. A esta altura o silêncio se impõe para que não se perturbe o repouso eterno do mestre de Harvard a quem muita coisa se deve no campo da administração. Além disso, MAYO pouca coisa avança com relação a um tema específico a ser desenvolvido de maneira adequada pelos cientistas sociais e que permitissem uma real contribuição das ciências sociais, ou seja, a criação de habilidades sociais. Afirma que tal poderia ser encontrado no estudo do processo da comunicação humana, pois êste desempenharia um papel fundamental para a eliminação do conflito organizacional e de tôda a patologia das organizações. Todavia, não são fornecidos pormenores de como tal estudo deveria desenvolver-se.

No momento em que se trata de universalizar suas idéias e recomendações, ou seja, de estender as experiências realizadas em pequenos grupos na Western Electric a tôda a fábrica e, posteriormente, a todo o sistema industrial, MAYO terá de encontrar um instrumento de modificação, e acredita tê-lo achado entre os próprios administradores. Na verdade, êle mesmo se pergunta no Social Problems se deveria cogitar da preparação de uma nova elite, uma vez que a existente, isto é, os administradores que atual e presentemente exercem posições administrativas, haviam sido acerbadamente criticados pelo seu unilateralismo, pelo fato de possuírem apenas habilidades técnicas e pràticamente nenhuma habilidade social. A sua resposta é negativa, pois não era necessário buscar uma nova elite, isto é, formar uma nova classe de dirigentes industriais, pelo simples fato de que já existe uma. O que se deveria buscar, então, era simplesmente o apoio dêste grupo e transmitir-lhes as explicações dos problemas organizacionais e as respectivas recomendações para que êles próprios aceitassem, se convencessem e, uma vez convertidos, se transformassem em apóstolos das Relações Humanas. Quanto à possibilidade de que os administradores não aceitassem ou simplesmente não pudessem aceitar as idéias propostas, não entra nas cogitações de MAYO que parecia preferir ater-se ao refrão escolástico de que bonum effusivum sui. Aqui a originalidade faz falta a MAYO , porque há alguns séculos já se pensou que os reis deveriam filosofar, sem todavia terem jamais outorgado aos intelectuais o privilégio de ter idéias nos limites de seus reinos. Mais freqüentemente, o oposto é que teve lugar.

Todavia, um dos vícios mais profundos do pensamento de MAYO, e que indiscutivelmente se encontra no fundamento de tôdas as suas recomendações, é a tentativa de conciliar o inconciliável. Acreditava que nada opunha administração e operários no interior do sistema industrial, reduzindo tudo a um mal-entendido fundamental sôbre o problema, mas que fàcilmente se esclareceria mediante o abandono dos pressupostos apontados na hipótese do populacho. E, no seu desejo de conciliar o inconciliável, queria a eliminação do próprio conflito do seio da sociedade industrial. Na verdade, pretendia aplicar à sociedade dinâmica características só encontradiças no modêlo da sociedade estática. Os dois modêlos não constituem uma criação de MAYO, sendo já um patrimônio comum das ciências sociais por volta da década dos trinta.

A Sociedade Estática é aquela onde as classes sociais, os papéis e as funções são plena e claramente definidos. Tal sociedade está prêsa a um modo agrícola de atividade econômica, e nela a mobilidade social inexiste. Como conseqüência, a simples nomeação da classe a que um indivíduo pertence permite que se descrevam suas funções, seus papéis, suas origens sociais, bem como o seu futuro. Haverá um código de ética que se impõe a cada indivíduo em função de sua classe social, pois não se espera que a virtude do escravo seja o destemor, ou a obediência, virtude consentânea com a cidadania. Num tal tipo de sociedade, encontrar-se-á muito provàvelmente uma fundamentação de natureza teológica para tudo o que existe e se pratica. A situação imutável não é obra do acaso, mas é a própria ordem natural das coisas, desejada, elaborada e mantida pelos próprios deuses. As expectativas, nesta sociedade, serão perfeitamente claras, e inexistirá o risco de as aspirações superarem os objetivos alcançados, fatôres de ordem social que eliminam do sistema a possibilidade da ansiedade, da angústia e das tensões individuais. Os valores éticos, como tudo o mais, se mantêm indefinidamente, e o processo de socialização, conduzido primordialmente pela família, constitui um instrumento infalível e único para o preparo dos novos membros da sociedade. O processo educacional tem como objetivo exclusivo a transmissão da tradição, legitimando o consenso, a ordem social e os valores éticos vigentes. A inovação está excluída, porque não se pode aprimorar o que é perfeito.

A Sociedade Dinâmica é aquela onde o dado fundamental é a mobilidade social, vista como a capacidade individual de escolha da classe social a que se queira pertencer. O que resta, a fim de que a posição almejada seja obtida, é apenas uma questão de poder, mas nunca um impedimento imposto pela própria estrutura social e pela sua legislação. Nada impede que qualquer membro da sociedade dinâmica aspire ao pôsto de mandatário supremo. A possibilidade lhe está teórica e pràticamente aberta, sendo questionável apenas a sua capacidade individual de arregimentação de influência e de recursos, quiçá de desempenho que o levem à posição almejada. Esta sociedáde surge indiscutivelmente sob um modo de produção, que é o capitalismo industrial, e tende a enfatizar o valor e o desempenho pessoal mais do que a tradição. O valor individual sobrepujará as origens sociais, e a ascensão social estará vinculada ao sucesso e ao desempenho pessoal. Tal desempenho será medido pela capacidade individual de contribuir para o cumprimento e aperfeiçoamento da própria racionalidade do processo econômico e social. Não apenas a ascensão, mas a descida de um estrato superior para o inferior serão possíveis, criando-se assim a possibilidade de circulação das elites. Nesta sociedade, haverá uma grande fluidez na conceituação dos papéis e na delimitação das funções. Os códigos de conduta e a moral serão extremamente flexíveis e a perenidade, quando proposta, estará se sujeitando ao imediato questionamento. A possibilidade de uma perenidade ética, ou de uma moral absoluta, é afastada pelas próprias modificações que o sistema econômico e a mobilidade social acabam por impor. O universo de conhecimento da sociedade dinâmica é igualmente móvel, criando-se a possibilidade de opor-se verdade à verdade e ter-se de viver simplesmente com o verossímel. Os conhecimentos não são simplesmente acumulados, mas poderão ser totalmente rejeitados por novos sistemas explicativos que venham adequar-se melhor à racionalidade nova que é proposta, e que será medida pela maior ou menor eficácia que trouxer ao funcionamento do sistema econômico e social. À instabilidade especulativa segue-se a relativização ética, e desaparece a possibilidade de fundamentação teológica do existente. Se a sociedade estática é sagrada, a dinâmica será profana e ao relacionamento de tipo simpático que prevalecia no modêlo estático substituir-se-á o relacionamento formal, frio e calculista do modêlo dinâmico.

As expectativas neste tipo de sociedade são ilimitadas e, conseqüentemente, as aspirações correm o risco de ficar aquém das realizações, o que abre a perspectiva da frustração, da angústia, numa palavra, da ansiedade que passa a assaltar o indivíduo. O processo de socialização passa inevitàvelmente a uma posição secundária, enquanto preparador de indivíduos adaptados à ordem social, uma vez que o processo de socialização só pode transmitir a experiência do socializador que não mais servirá plenamente ao socializado, porque estará vivendo uma realidade diversa daquela que foi experimentada pelos dirigentes do processo. Cria-se, por essa via, a possibilidade da educação inadequada e da necessidade constante de revisão do que foi apreendido.

O elemento mítico que permeia grande parte das manifestações e das ações, tanto coletivas como individuais, de tal tipo de sociedade é a idéia de progresso, ou seja, a crença de que tôdas as manifestações culturais humanas seguem um ritmo ascensional, indo sempre em direção ao melhor, eliminando-se paulatinamente tudo o que de imperfeito possa existir. Não há lugar para o pessimismo ou para uma visão sombria das coisas, uma vez que tudo se solucionará e o melhor dos mundos é simplesmente uma questão de tempo e de capacidade para que se possa construí-lo. Se o ethos estático é agrário, o dinâmico será urbano. Concluindo, poderíamos afirmar que enquanto a sociedade estática é ordenada, harmoniosa e pacífica, a dinâmica será fatalmente do conflito, que faz parte de sua própria estrutura. O conflito na sociedade dinâmica será não apenas tolerado, mas até estimulado, na medida em que se acredita mais na dialética do que na lógica.

COOPERAÇÃO E CONFLITO

A partir dos modelos expostos, MAYO adota a posição de conciliar posições opostas, ou seja, o dinamismo e a mobilidade industriais como a harmonia e as tradições encontradiças apenas na sociedade estática. Em sua última obra, afirmou que o seu ideal de bem estar social, que se caracteriza por uma unidade de propósitos, poderia ser encontrado apenas na Idade Média, onde tôdas as pessoas e instituições se caracterizavam pela posse de ideais comuns, sob o denominador do catolicismo romano e sob a direção da Igreja.10 10 ) MAYO, Elton, The Political Problem of Industrial Civilization, Cambrigde, Harvard University Press, 1947, pág. 23. Deveria ainda ser observado que a unidade de propósito imputada por MAYO à Idade Média, em sua época, já era assunto aberto ao debate e, hoje em dia, não mais se pode sustentar a tese da harmonia medieval, definitivamente identificada como o movimento de idealização da Idade Média e partilhada por muitos homens de ciência e filósofos dos fins do século passado e princípios de nosso século.

Ainda poderíamos observar a insensibilidade de MAYO ao problema político, tanto ao nível da sociedade global, como ao nível da emprêsa. Pode ser depreendido de sua obra a sua falta de percepção para os fenômenos políticos, na medida em que êstes estão relacionados, a partir dos princípios dos tempos modernos, com o crescimento da importância do Estado, que se afirmou absorvendo o poder de outras instituições ou grupos. Inicialmente, o Estado se opõe ao regionalismo e ao localismo feudal e, após se ter consolidado nos limites nacionais, absorve parte das funções outrora da esfera eclesiástica. Todavia, não parou aí o poder do Estado, acabando por se introduzir no interior da própria família, onde o patriarca vê sua autoridade sôbre mulher e descendentes diminuída e, inclusive, a posse de seus bens legitimada pelo Estado, com sua transmissão aos descendentes regulada também pela autoridade estatal. O último setor que a ideologia dos séculos XVIII e XIX tentou preservar da hipertrofia estatal foi a atividade econômica, graças à crença nos mecanismos auto-reguladores. Em todos os setores e através de tôdas as suas manifestações, o Estado Nacional moderno surge como o único autorizado ao exercício da violência legítima e, portanto, capaz de estender sua influência compulsoriamente a todos que se encontrem dentro do espaço geográfico recoberto por seu poder. MAYO, desde os primeiros momentos de sua atividade acadêmica, rejeitou a idéia do Estado Poder, propondo a cooperação espontânea como a única alternativa válida e possível para que se atingisse a harmonia.

O Estado e o Govêrno passam a ser maus por definição, na medida em que atualmente não podem deixar de representar a compulsão a partir da autoridade central, que jamais poderá substituir a excelência da cooperação espontânea.

"... Os líderes políticos de muitos países introduziram outra complicação infeliz, recaindo na antiga idéia da compulsão através da autoridade central. Isto afetou mesmo os países que nominalmente mantêm a forma de govêrno democrático (...).

A compulsão jamais estimulou a cooperação interessada e espontânea; (sob compulsão) o desejo popular de cooperar desaparece progressivamente (... ).

O desejo de sobreviver terá de originar-se de dentro."11 11 ) Idem, Ibidem, pág. 24.

E a essência da maldade da intervenção estatal é exatamente o fato de ela ter de assumir uma feição autoritária que, para MAYO , simboliza a inibição da espontaneidade para a consecução de uma tarefa e de objetivos comuns. A cooperação espontânea não é um ato de vontade, mas deve brotar de necessidades inerentes ao próprio indivíduo, uma vez que a natureza humana no seu entender é naturalmente participante. Os indivíduos não podem permanecer isolados e, conseqüentemente, não cabe ato de vontade para iniciar e manter o processo de cooperação. Uma cooperação que resulte de um esfôrço de vontade, com vistas à adesão a determinado conjunto de objetivos, passa a ser uma contradição em têrmos, de acôrdo com as idéias de MAYO.

A miopia para os aspectos políticos da realidade social não para com as condenações ao intervencionismo estatal e ao uso da violência legítima por parte do Estado em qualquer esfera da atividade social, mas estende-se ao entendimento da própria organização industrial. Ao afirmar que o conflito é em última instância o resultado de uma falsa filosofia organizacional, consubstanciada na hipótese do populacho, e que o desenvolvimento de habilidades sociais seria capaz de eliminar, MAYO não reconhece a possibilidade de interêsses realmente antagônicos no interior da emprêsa. Para êle, administradores bem como administrados têm um objetivo comum, e julgam-se lutando em campos opostos simplesmente porque não foram suficientemente esclarecidos para tomar consciência do êrro em que laboram. A tese da identidade de objetivos entre os vários grupos dentro da emprêsa é algo que ainda está por ser provado, e autores mais recentes, com dados fundamentados em pesquisa de campo, bem como a própria observação da vida empresarial demonstram que freqüentemente o conflito existe, não por carência no processo de comunicações, ou por falta de habilidades sociais, mas por real oposição de interêsses. A êste respeito seria interessante consultar CLARK KERR, cuja sensibilidade para os problemas do conflito industrial são inegáveis ao afirmar que:

"Uns administram e outros são dirigidos. Isto resulta em uma permanente oposição de interêsses, que pode ser tolerável mas nunca eliminada em uma sociedade industrial complexa. Quanto maior a unidade produtiva básica, maior será provàvelmente a oposição de interêsses."12 12 ) KERR, Clark, O Conflito Industrial; seu Objetivo e sua Solução. In Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, GB, Fundação Getúlio Vargas, n.º 8, pág. 126.

CONCLUSÃO

Restaria observar que a ênfase sôbre as limitações das compensações de natureza pecuniária e da capacidade fisiológica, enquanto elementos-chave para aumento da produtividade industrial, foram em grande parte desmentidas pela própria experiência organizacional dos últimos trinta anos. À afirmação de MAYO de que os vários sistemas de incentivo elaborados pelos clássicos pouco efeito surtiram para aumento de produtividade e diminuição da tensão industrial, caberia lembrar que, embora não sejam exclusivas, as recompensas pecuniárias, ou os vários tipos de benefícios que pedem ser oferecidos pela administração, constituem o elemento decisivo para aumento da satisfação no trabalho, não abandonados, evidentemente, os outros fatôres que devem levar à promoção de um clima aberto, favorável ao desenvolvimento profissional e pessoal dentro da emprêsa. Uma amostra de 514 fábricas norteamericanas, onde haviam sido introduzidos planos de incentivo, demonstraram que a produção aumentou 38,99%, e as despesas com mão-de-obra diminuíram 11,58%.13 13 ) ETZIONI, Amitai, Modern Organizations, Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1965, pág. 48. Além dos vários tipos de benefícios e compensações financeiras, uma possibilidade concreta, bem definida e aberta de carreira, constitui outro fator decisivo para diminuição do conflito, motivação ao elevado desempenho, numa palavra no elevado moral que MAYO queria ver presente nas emprêsas. E a ascensão através de uma carreira razoàvelmente estruturada implica não só em aumento de prestígio e de status, mas deverá vir acompanhada de remunerações mais elevadas, à medida que se ascende na hierarquia organizacional.

Outra limitação séria de ELTON MAYO, que seus sucessores foram obrigados a rever, foi o da importância da organização formal. A crença de que a satisfação psicológica na realização do trabalho deveria ser derivada a partir do pequeno grupo, e o fato de estar implícito em sua teorização que a organização formal era a manifestação não desejável de um autoritarismo condenável, fêz com que as relações formais de autoridade, mormente as lineares, fôssem passadas a segundo plano. Atualmente, os partidários das Relações Humanas penitenciam-se pelo menosprêzo à organização formal e começam a reconhecer-lhe um papel importante para a consecução dos objetivos organizacionais.14 14 ) Vide WHYTE, William F., Relações Humanas - um Relatório sobre o Progresso. In: ETZIONI, Amitai, Organizações Complexas, São Paulo, Editora Atlas S. A., 1967, pág. 117.

O pensamento de ELTON MAYO padeceu das contradições inevitáveis de sua época, transição entre um período de otimismo vitoriano e de triunfo do liberalismo, seguidos de uma grande catástrofe econômica, a crise de 1929 e as duas guerras mundiais que vieram questionar seriamente tôdas as verdades até então vigentes. Naquelas circunstâncias, apresentou-se como crítico do sistema e reconhecemos validade à maior parte das condenações que proferiu. Todavia, ao passar à esfera concreta das recomendações, MAYO não conseguiu libertar-se do seu próprio passado liberal, o que esperamos ter demonstrado pelo caráter ingênuo de parte de seu pensamento. Fica preservado o seu mérito de ter aberto novas perspectivas à teoria e à prática administrativas.

  • 1) HOBBES, Thomas, Leviathan, Nova Iorque, Collier Books, 1962, págs. 98/102 e 130/132.
  • 2) MAYO, G. Elton, The Social Ptoblems of an Industrial Civilization, Cambridge, Harvard University Press, 1945, pág. 40.
  • 5) Os que se interessarem por tal tipo de abordagem poderão ler com grande proveito o livro de BENDIX, Reinhard, Work and Authority in Industry: Ideologies of Management in the Course of Industrialization, Nova Iorque, Harper & Row Publishers, 1963.
  • 10) MAYO, Elton, The Political Problem of Industrial Civilization, Cambrigde, Harvard University Press, 1947, pág. 23.
  • 13) ETZIONI, Amitai, Modern Organizations, Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1965, pág. 48.
  • 1
    ) HOBBES, Thomas,
    Leviathan, Nova Iorque, Collier Books, 1962, págs. 98/102 e 130/132.
  • 2
    ) MAYO, G. Elton,
    The Social Ptoblems of an Industrial Civilization, Cambridge, Harvard University Press, 1945, pág. 40.
  • 3
    )
    Idem, Ibidem.
  • 4
    )
    Idem, Ibidem.
  • 5
    ) Os que se interessarem por tal tipo de abordagem poderão ler com grande proveito o livro de BENDIX, Reinhard,
    Work and Authority in Industry: Ideologies of Management in the Course of Industrialization, Nova Iorque, Harper & Row Publishers, 1963. Atentar particularmente para os capítulos quarto e quinto.
  • 6
    ) BENDIX, Reinhard & FISHERM, Lloyd H., As Perspectivas de MAYO Elton, In: ETZIONI, Amitai,
    Organizações Complexas, São Paulo, Editôra Atlas S. A., 1967, pág. 125.
  • 7
    ) MAYO, Elton, op. cit., pág. 13.
  • 8)
    Idem, Ibidem.
  • 9
    ) MAYO,
    op. cit., pág. 19.
  • 10
    ) MAYO, Elton,
    The Political Problem of Industrial Civilization, Cambrigde, Harvard University Press, 1947, pág. 23.
  • 11
    )
    Idem, Ibidem, pág. 24.
  • 12
    ) KERR, Clark, O Conflito Industrial; seu Objetivo e sua Solução. In
    Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, GB, Fundação Getúlio Vargas, n.º 8, pág. 126.
  • 13
    ) ETZIONI, Amitai,
    Modern Organizations, Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1965, pág. 48.
  • 14
    ) Vide WHYTE, William F., Relações Humanas - um Relatório sobre o Progresso. In: ETZIONI, Amitai,
    Organizações Complexas, São Paulo, Editora Atlas S. A., 1967, pág. 117.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1968
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