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A Alienação do homem moderno

RESENHA

A Alienação do homem moderno

Luiz Carlos Bresser Pereira

A Alienação do Homem Moderno por FRITZ PAPPEN-HEIM, Editora Brasiliense, 1967, São Paulo, brochura, 110 páginas (tradução do original inglês The Alienation of Modem Man).

Êste pequeno livro, concentrando sua atenção no problema da alienação, consegue, afinal, nos dar também uma visão rápida das principais características da filosofia e da sociologia contemporâneas. Tem como subtítulo, Uma Interpretação Baseada em Marx e Tonnies, indicando, desde logo, a orientação filosófica do autor, que adota um marxismo sem preocupação de ortodoxia.

O autor, FRITZ PAPPENHEIM, é um intelectual alemão que fugiu para a Espanha quando o nazismo dominou seu país. Participou da Guerra Civil Espanhola; terminada esta, passou certo período em um campo de concentração na França, já durante a Segunda Guerra Mundial. Finalmente, em 1941, conseguiu viajar para os Estados Unidos, onde reside até hoje.

O capítulo I do livro inicia-se com uma afirmação incisiva: "A atual inclinação para o niilismo nada mais é do que uma nova expressão do espírito de dúvida que se seguiu à predominância da crença - crença na grandeza do homem, na ilimitação do progresso e na soberania da razão - característica dos séculos dezoito e dezenove". Examina em seguida, rapidamente, as idéias de GEORGE SIMMEL a respeito, as quais refletem o mêdo do homem contemporâneo de perder sua individualidade. Esta ameaça, que dá origem ao niilismo acima referido, tem como causa central a reparação entre sujeito e objeto, entre conhecedor e realidade, típica do mundo contemporâneo racionalizado. Esta separação reduziria o próprio homem a mero sujeito de conhecimento e o mundo a simples objeto de pesquisa.

Contra esta tendência voltou-se inicialmente HUSSERL mas não íoi bem sucedido. Os existencialistas continuaram na mesma linha, aprofundando-a. Para os mesmos, o homem não pode ser descrito como uma mera essência abstrata. Ao invés, é a sua existência dinâmica no mundo, como projeto, que o define. O projeto de homem é a liberdade e a responsabilidade. Isto, porém, é frustrante e angustiante. O homem, então, procura evadir-se, alienándose e despersonalizando-se.

No segundo e terceiro capítulo, o autor examina rápidamente até que ponto a tecnologia ou a política podem ser responsáveis pela alienação, concluindo, em ambos os casos pela negativa.

No quarto capítulo estão contidas as idéias centrais do livro. Para compreender a alienação do homem moderno, PAPPENHEIM reporta-se às distinções do sociólogo alemão do fim do século passado e comêço dêste, FERDINAND TONNIES, entre Gemeinschaft e Gesellschaft, e os correspondentes Wesenwille e Kurwille. Segundo TONNIES, a história do mundo revelava uma tendência constante de um tipo de associação humana chamada Gemeinschaft, para outro tipo de sociedade denominada Gesellschaft. Não há tradução para êste dois termos. A Gemeinschaft é a sociedade que não se baseia em um contrato social, em organização ou planejamento, na qual as pessoas são integradas profundamente; pertencem a ela como se fosse um lar, é a sociedade natural, informal, comunitária, da qual o exemplo mais típico seria a família. Em oposição, a Gesellschaft é a sociedade contratual, planejada e organizada, da qual os indivíduos participam com consciência de seus interêsses, que a sociedade deve ajudar a atingir. Nesta situação, prevalece o individualismo, o homem é isolado, mantém-se em permanente conflito com os outros, tornando-se vítima da solidão e da alienação. O homem moderno tenta, então, contrabalançar esta solidão, participando de organizações e nelas se despersonalizando. Temos, então, segundo a expressão de ROBERT K. MERTON, pseudo-Gemeinschaíts, que não resolvem o problema. À sociedade do tipo Gemeinschaft corresponde a personalidade do tipo Wesenwille, que se caracteriza pelo seu caráter integrado. O homem vive com autenticidade. Suas ações correspondem às necessidades profundas de seu ser, e tendem para a sua realização pessoal. Em contrapartida, a personalidade do tipo Kürwilte caracteriza-se pela racionalidade, pela separação entre meios e fins,, sujeito e objeto. O homem comporta-se não tendo em vista que cada uma de suas ações é uma forma, em si mesma, de realização, mas meio para ser atingido um outro objetivo. Por exemplo: parada personalidade do tipo Kürwilte, o trabalho torna-se um meio para o homem ganhar dinheiro e atender suas necessidades, ao invés de ser intrinsecamente algo bom. Outro exemplo: as pessoas entram em associações umas com as outras, no caso da personalidade KürwiUe, não devido a uma inclinação profunda, a uma amizade real, mas em face das vantagens que podem ser auferidas.

Para TONNIES, a tendência do Gemeinschaít para a Gesellschaft seria irreversível. Paralisar o processo histórico seria impossível. O que talvez se poderia esperar é chegar-se, no futuro, a um misto de ambos os tipos de sociedade, em que os aspectos positivos da Gesellschaft fossem preservadas.

Embora as conclusões e propostas de TONNIES e de MARX sejam muito diversas, o primeiro baseou-se livremente no segundo para desenvotver sua teoria. PAPPENHEIM passa então a examinar a teoria da alienação de MARX. Sua teoria é conhecida, de forma que traçaremos apenas suas linhas básicas. O processo histórico desembocou no capitalismo. Êste caracteriza-se pela existência da mercadoria, na qual o valor de uso é separado do valor de troca, dando-se importância apenas a êste. Antes do capitalismo já existiam mercadorias, mas é nesse sistema que a mercadoria se torna o fenômeno econômico dominante. O homem produz mercadoria, que passa a adquirir valor próprio, vida independente. E, através desta base, tudo vai sofrendo um processo de coisificação, de reificação, a partir do próprio trabalho humano, também transformado em mercadoria. O valor de troca, dentro do contexto da propriedade privada, torna-se a categoria suprema. Tudo retém valor na medida em que pode ser trocado. Passamos a possuir um valor de troca abstrato e não o próprio objeto. O sujeito, o homem, separa-se, assim, do objeto, empobrece-se e aliena-se, incapaz de exercer sua liberdade, dada sua escravidão à mercadoria.

No último capitulo o autor ccmeça por defender a tese de que a alienaçãp é um problema historicamente situado, fruto da evolução do mundo em direção ao sistema capitalista. Esta alienação, além disso, tornou-se problema no momento em que, com o grau do progresso das ciências, o homem percebeu que tinha condições de controlar o universo, mas que estava ao mesmo tempo alienado, sem condições de auto-realizar-se.

A solução de MARX para a alienação é o comunismo, a de TONNIES, O desenvolvimento de cooperativas, outros, mais recentemente querem encontrar solução na volta à religião, no desenvolvimento do pensamento filosófico, na educação, na participação dos governos locais, como meio de participação na sociedade total. O autor nega que estas "soluções" modernas sejam eficientes, mas não define exatamente a sua, limitando-se a concluir que: "ao nos aventurarmos a correr o risco de lutar por um novo estágio da história humana no qual o Homem, embora não vencendo tôdas as fases da alienação, terá pelo menos oportunidade de lutar contra as fases do alheamento econômico e social; ou nos retraímos dos perigos que uma transformação de ordem social pode trazer. Se escolhermos a última alternativa precisamos conformar-nos em viver num mundo no qual as tendências que separam o Homem de seu semelhante, da vida que o cerca, e mesmo dêle mesmo, continuarão as mesmas". Sua conclusão, portanto, ainda que geral, é claramente revolucionária.

Em conclusão, recomendamos a leitura do livro. Não se trata de uma obra de grande fôlego. Suas poucas páginas, seu caráter, muitas vêzes, de revista das idéias alheias, sua desejada simplicidade conflitam, necessariamente, com uma eventual ambição maior. Por estas mesmas razões, porém, é uma obra que contribui para compreendermos melhor êste problema central do mundo moderno, o problema da alienação, de forma simples, agradável de ser lido, Para os estudiosos de administração de empresas, sendo a emprêsa burocrática, um típico exemplo de Gesell schaft, em que a alienação chegou a limites extremos, esta obra é altamente esclarecedora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1968
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