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A utilização da cotação do dólar para eliminar efeitos da inflação

ARTIGOS

A utilização da cotação do dólar para eliminar efeitos da inflação

Roberto Carvalho Cardoso

Professor-assistente do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. Objetivos do trabalho

Há algum tempo, eram comuns análises baseadas em valores nominais, chegando muitas vezes a um grau de refinamento e complexidade que realmente impressionavam os observadores. As conclusões eram defendidas e evidentemente não podiam sofrer contestações uma vez que os números ali estavam para comprovar a validade da análise. Todavia, um elemento importante era quase totalmente ignorado ou, em alguns casos, citado superficialmente, não chegando mesmo a fazer parte integrante da análise. Êsse elemento era a inflação. Felizmente hoje a posição já é quase inversa, ou seja, a maioria das pessoas levam em consideração o comportamento e as variações dos efeitos inflacionários.

Para se medir a inflação a nível nacional global, evidentemente não levando em conta apenas um determinado setor econômico, tem-se utilizado o índice geral de preços por atacado exclusive café ou o índice da evolução do preço e negócios, ambos publicados pela revista Conjuntura Econômica, editada pela Fundação Getúlio Vargas. Outros ainda utilizam como índice a relação existente entre Cr$/US$, sendo comuníssimo sua aplicação para a transformação de valores de um balanço de uma empresa em dólar de determinada data.

O objetivo básico do presente trabalho é verificar se existe correlação entre os índices comumente utilizados para medir a inflação com a relação Cr$/US$ e tirar conclusões práticas da sua utilização.

2. Dados considerados

Para se obter a variação da inflação, tem-se utilizado o índice geral de preços exclusive café, conhecido também como sendo o índice da coluna 45 ou o índice da evolução do preço e negócios, também conhecido como o da coluna n.º 2. O seu comportamento através do tempo é bastante semelhante, sendo o último mais genérico quanto a sua composição, uma vez que o índice 45 é um dos seus componentes e representa apenas uma parte. Assim, para o presente estudo, considerou-se o da coluna 2, mesmo porque o 45 foi extinto atualmente. Como teste inicial, foram tomados os valores médios anuais que correspondem à média aritmética dos valores mensais assumidos nos respectivos anos, que são os que constam no quadro 1.


A revista Conjuntura Econômica apresentou, a partir do número de setembro de 1963, dois índices relativos à cotação do dólar, conhecidos pelos índices das colunas 149 e 150. "Escolheu-se dentre as taxas que durante muitos anos fizeram parte do quadro geral do mercado de câmbio brasileiro, duas que eram representativas da maioria das transferências cambiais: a do mercado de importação e a do mercado livre. Definiu-se como mercado de importação, para os fins de escolha da taxa, aquele em que pessoas de direito privado, jurídicas ou físicas, pudessem pagar importações de mercadorias 'normais'. Tal definição exclui automàticamente as compras realizadas a taxa mais alta, consideradas de luxo ou supérfluas, bem como as de taxa menor efetuada pelo govêrno ou com o seu auxílio, como por exemplo, o petróleo e o trigo.

Por outro lado, considerou-se 'livre' aquele que é realmente livre, isto é, realizado sem interferência nem conhecimento (ao menos oficial) das autoridades monetárias. Na verdade, durante a maioria dos anos cobertos pelos estudos realizados pela Conjuntura Econômica, o que houve foi um verdadeiro mercado negro e ainda agora o eufemismo de 'mercado paralelo' não designa senão a mesma coisa".


Para maior facilidade na manipulação dos índices com referência às diversas datasbases adotadas pela Conjuntura Econômica, ou sejam: 1948; 1953 e 1965/67, utilizou-se a série composta pelos anos de 1944 até 1967, constantes dos quadros 1 e 2. Considerou-se como variável independente (x) o índice n.º 2 e como variável dependente (y) a cotação do dólar livre. Calculando-se a equação da reta da linha de regressão, tem-se:

y = 0,05403 + 0,00038 x

Calculando, o valor de r = 0,986

Foram tomados conjuntos de trinta e seis meses, que foram analisados individualmente como segue:

3. Variações de 1952/53/54

Os dados analisados são os que constam no quadro 3, e referem-se aos anos de 1952/53/54. Os valores da variável x (coluna n.º 2) estão expressos na data-base 1948 = 100.


Procedendo-se à análise de regressão entre as duas variáveis, encontrou-se um alto índice de correlação, no valor de r = 0,84. Para melhor visualização, veja a figura 1, onde se tem a reta de regressão linear e os pontos dos 36 meses analisados. A equação da referida reta é:


y = - 0,022 + 0,00037 X

Concluiu-se assim a perfeita relação existente entre a inflação e a cotação do dólar livre através dos anos de 1952/53/54.

4. Variações de 1955/56/57

Os dados analisados dos anos de 1955/56/57 constam no quadro 4, tendo ainda a variável x (coluna n.º 2) como data-base 1948 = = 100.


A análise do referido triênio mostrou não haver correlação entre as duas variáveis, uma vez que o valor foi de r = 0,11. Êsse período tem comportamento totalmente diferente dos demais em estudo (como se verá mais adiante). Verificou-se um comportamento cíclico para os anos de 1955 e 1956, observando-se elevação da taxa do dólar nos três primeiros meses para depois começar a cair até o fim de cada ano, respectivamente. Para o ano de 1957, tem-se uma ascensão constante para todo o ano para a taxa do dólar, sendo que a coluna n.º 2 se apresenta praticamente constante, com exceção dos meses de novembro e dezembro. Um fato curioso e pouco normal para um índice é o grande acréscimo ocorrido a partir de dezembro/56 a janeiro/57 (respectivamente 337 e 362) que correspondeu a 7,4%, sendo que a inflação para o ano de 1957, em função do índice n.º 2, foi de 9,5%. Provavelmente, esse acréscimo tenha concorrido para a relativa estabilidade inflacionária de 1957. Assim, não há correlação entre as variáveis em estudo, pois se trata de um período cujo comportamento foge completamente do dos demais períodos. Para visualização gráfica, ver a figura 2.


5. Variações de 1958/59/60

No quadro 5 são apresentados os dados das variáveis x e y para os anos de 1958/59/60.


A análise dos dados desse quadro demonstrou haver alta correlação (no valor de r = = 0,86) entre as variáveis. A equação da reta de regressão do referido período é:

y - 0,059 + 0,00017 x

Para visualização da reta de regressão, bem como dos pontos observados, foi elaborada a figura 3. Convém salientar que para maior facilidade do ponto de vista da representação gráfica foram adotadas escalas diferentes para as diversas figuras, bem como o eixo da ordenada e da abcissa não tem seu início na origem igual a zero. Assim, o valor de a da equação da reta não corresponderá ao valor de a quando obtido graficamente (o valor de a graficamente corresponde ao ponto onde a reta de regressão corta o eixo dos y).


6. Variações de 1961/62/63

Os valôres observados para as variáveis x e y constam no quadro 6. É importante salientar que a série de valores para a variável independente x (índice número 2) está expressa, tendo como data-base o ano de 1953 = = 100, sendo que os anteriores estão expressos na data-base 1948 = 100. Não foram transformados todos os valores de x para uma única data-base predeterminada, visto não haver nenhuma influência e simplificação nos cálculos.


Para o período em estudo, verificou-se também haver forte correlação entre as variáveis, no valor de r = 0,96. Dos períodos analisados, esse foi o que demonstrou possuir maior correlação quando comparados entre si. A equação da reta do período é:

y = - 0,104 + 0,00071 x

Na figura 4 consta a representação gráfica da reta, bem como os pontos observados, composta pelos pares de valores para x e y.


7. Variações de 1964/65/66

Os valôres para as variáveis x e y para o triênio 1964/65/66, em estudo, constam no quadro 7.


Os valôres do índice n.º 2 têm como database 1953 = 100. Quanto aos valores da cotação do dólar livre, é interessante notar o grande acréscimo ocorrido no mês de março de 1968, correspondendo a 34% com relação ao valor do mês anterior. A revolução ocorrida no mês de março provocou forte especulação no dólar, que caiu vertiginosamente no mês seguinte, de Cr$ 1,88 para Cr$ 1,22, portanto em 35%. Salienta-se que o acréscimo de 34% não é comparável com o decréscimo de 35% acima apontados, pois estão relacionados com meses diferentes, ou seja, o acréscimo foi de Cr$ 0,48/dólar e o decréscimo de Cr$ 0,66. A análise de regressão demonstrou também haver alta correlação entre as variáveis, com o coeficiente de correlação:

r = 0,95. A equação da reta é:

y = 0,912 + 0,00022 x

Na figura 5 são representados graficamente a equação da reta e os pontos observados das variáveis. Como se pode notar nessa figura, existem duas fases bem distintas caracterizadas pela não variação da cotação do dólar. A primeira é composta por sete meses do ano de 1965, tendo como valor aproximado do dólar de Cr$ 1,86. Na segunda, constituída por quinze meses, portanto bem maior que a primeira, a cotação oscilou por volta de Cr$ 2,21, contando inclusive com janeiro de 1967. Esse período se caracterizou por fortes oscilações no ano de 1964 e completa estabilização em diferentes níveis para os anos de 1965 e 1966.


8. Variações de 1967/68/69

Os dados para os anos de 1967/68/69 constam no quadro 8.


Existe alta correlação entre as variáveis, no valor de r = 0,95. A equação da reta de regressão é:

y = 0,341 + 0,00033 x

O período tem certa estabilidade quanto à cotação do dólar que a partir de fevereiro de 1968 perdurou por seis meses para depois tender ao crescimento até atingir em dezembro de 1968 o valor de Cr$ 4,15, o qual permanece constante durante todo o ano de 1969. Convém salientar que, à primeira vista, é de se estranhar o valor constante da cotação do dólar livre durante os últimos treze meses da série acima descrita, mas como êle se refere ao mercado paralelo, a Fundação Getúlio Vargas o manteve constante devido a sua extinção. Evidentemente, caso adotássemos a sua variação de outra fonte no caso, seu valor seria muito mais realista, mas pelo fato de ter pequena influência na presente análise e para não ter que utilizar outra fonte de dados, considerou-se também como constante a cotação do dólar livre para o ano de 1969

9 . Conclusões

9.1 Existe alta correlação entre o índice da evolução do preço e negócios (coluna n.º 2 da revista Conjuntura Econômica) com a cotação do dólar livre através do tempo.

9.2 A cotação do dólar além de ter sofrido fortes oscilações em seu valor, teve também períodos de completa estagnação, os quais não refletiam o seu valor real. A utilização da cotação do dólar para eliminar os efeitos inflacionários é totalmente contra-indicado, podendo provocar uma sub ou superestimação dos valôres, apenas pelo fato de não representar seu real valor na data em que se esteja considerando.

FIGURA 6


9.3 Antes da medida governamental adotar a taxa de câmbio flexível como um dos fins de eliminar com a especulação do dólar, era e é de grande facilidade prever os possíveis aumentos da taxa do dólar. Conhecendo-se a reta de regressão dos períodos passados e o comportamento do índice n.º 2 que é publicado pela pela Conjuntura Econômica, pode-se saber perfeitamente quando a taxa do dólar está abaixo ou acima do seu valor real e qual a sua tendência. Certas estimativas podiam mesmo chegar a certo grau de requinte ao se prever o dia em que ocorreria o aumento do dólar (quando fixado pelo govêrno) , pois era prática que os aumentos fossem feitos após algum feriado que se emendava com o fim de semana ou mesmo com feriados de mais de um dia como é o caso do carnaval, a fim de propiciar maior divulgação a todas as partes do país.

9.4 O índice n.º 2 como índice para efeito de inflacionamentos ou para deflacionamentos é mais indicado quando comparado com a taxa de dólar, por obedecer uma tendência mais uniforme e conseqüentemente não estar sujeito a fortes oscilações. Sem entrar no mérito do seu valor e de quanto mede efetivamente a inflação, a sua adoção proporcionará, sem dúvida alguma, maior precisão e correção dos valores reais (eliminados os efeitos inflacionários) a partir dos valores nominais (valores expressos em moeda corrente).

9.5 Caso haja interesse em transformar diversos valores expressos em cruzeiros de diferentes datas em dólar com o objetivo de eliminar os efeitos da inflação, são aconselháveis os seguintes procedimentos:

- inflacionar ou deflacionar todos os valores em cruzeiros das diferentes datas para valores (em cruzeiros) de uma determinada data-base, utilizando-se o índice n.º 2;

- depois que todos os valores estiverem expressos em cruzeiros de mesma data-base, transformá-los em dólar através da sua cotação (Cr$/US$) referente à data-base.

  • 1 CONJUNTURA Econômica, p. 93, out. 1968.
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    Assim, a fim de se ter a variação da cotação do dólar mais próximo da realidade ou pelo menos sem a influência do governo, utilizou-se no presente estudo a cotação do dólar livre, como poderá ser observado no quadro 2.
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    demonstra ser altamente significativo, existindo verdadeira correlação entre x e y. Do ponto de vista prático, verifica-se que acréscimos inflacionários provocará um aumento proporcional na cotação do dólar livre. Como resultado dessa análise, que mostra a existência de alta correlação entre as variáveis consideradas (médias anuais), torna-se interessante fazer estudo de correlação mais minuciosamente, ou seja, considerar as mesmas variáveis em base mensal a fim de proporcionar maior sensibilidade para efeito de análise e conclusões.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1971
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