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Explicação e predição de desenvolvimento político: um exercício em construção teórica

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Explicação e predição de desenvolvimento político: um exercício em construção teórica

Wanderley Guilherme dos Santos

Diretor de Estudos Pós-Graduados do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

Neste trabalho trataremos de padrões de explicação e predição próprios da literatura sobre desenvolvimento político e discutiremos problemas de estratégia de construção teórica. O pressuposto mais geral consiste no fato de que o conceito de desenvolvimento político introduz não apenas um novo termo no vocabulário da Ciência Política, mas consiste também em uma forma útil de nos referirmos a um conjunto diferenciado de fenômenos. Dito de outra forma, supõe-se que o conceito de desenvolvimento político aumenta a taxa de informação muito mais que a taxa de redundância na nomenclatura da Ciência Política.1 1 A respeito do surgimento de vocábulos, sem o acréscimo correspondente de informação, cf. Verba, Sydney, Comparative political culture. Pye, Lucien & Verba, Sydney (eds.) Political culture and political development. p. 514 - 15, e ainda Pye, Lucien, Aspects of political development. p. 31. Existem, no entanto, outros pressupostos que exigem uma definição explícita no início da discussão. Nesta seção introdutória definiremos tais pressupostos a fim de tornar mais precisa a preocupação fundamental do trabalho.

Em primeiro lugar, convém salientar que estamos lidando com uma amostra da literatura sôbre desenvolvimento político e não pretendemos efetuar uma revisão completa. A razão para assim procedermos assume um caráter essencialmente prático, uma vez que é inviável cobrir tôda a literatura mais ou menos relacionada ao tópico.2 2 Cf. Pye Lucien. op. cit. ps. 31-39; Packenham, Robert. The study of political development. Stanford University, mimeo., agô. 1967. Outra razão, e esta de caráter mais teórico, tem a ver com o fato de que com a ausência de uma teoria sôbre o desenvolvimento político mais amplamente aceita, torna-se difícil distinguir estudos que tenham ou não contribuído para a sua formulação. Na ausência de tal teoria, não podemos dizer que tipo de estudos mais se relacionam com o tema. A solução consistiu em tomar uma revisão reconhecidamente aceitável como base para a discussão.3 3 Ver Riggs, Fred. The theory of political development. In, James C. Charlesworth. (ed.) Contemporary political analysis.

Convém então qualificarmos os objetivos do nosso trabalho, a fim de incluirmos tal restrição. O trabalho trata assim dos padrões típicos de explicação e predição, tais como aparecem nas admitidas contribuições para a teoria do desenvolvimento político.

Em segundo lugar, o trabalho pretende ficar no nível mais abstrato de análise e inclui apenas aquêles aspectos da literatura referentes a problemas de explicação e predição do desenvolvimento político. Conseqüentemente, não se procederá a uma análise exaustiva da literatura, ou seja, o trabalho refere-se apenas a tópicos selecionados, sem que se faça qualquer avaliação de sua contribuição para o desenvolvimento de campos específicos dentro da disciplina. 4 4 Esta qualificação é feita a fim de evitarmos a controvérsia de que as criticas eventuais não consideram o papel, ora pioneiro, ora critíco, desempenhado por tais estudos.

Se desenvolvimento político fôr compreendido como um tipo especial de mudança, segue-se necessàriamente que explicá-lo significa estabelecer as causas de tal mudança, e predizer o desenvolvimento político significa indicar a direção da mudança. Qualquer elaboração teórica sôbre o desenvolvimento político inclui, portanto, a explicação da mudança política em uma direção determinada.5 5 Cf., por exemplo, Almond, Gabriel. Political systems and political change. The American Behavioral scientist, 6(10), 6, jun. 1963. Embora formais, tais qualificações já bastam para classificar um primeiro conjunto de estudos sôbre desenvolvimento político, na medida em que abordam o tópico mais com o propósito de definir atributos cruciais típicos das comunidades políticas (polities) desenvolvidas, do que determinar os processos que conduzem a êsse estado. Essa peculiaridade, já assinalada por Diamant6 6 Cf. Diamant, Alfred. Political development: approaches to theory and strategy. Approaches to development - polítics, administration, and Change. John D. Montgomerv e William J. Siffin (eds.), 1966. p. 24. e Huntington,7 7 Cf. Huntington, Samuel. Polítical development and political decay. World Politics, 17(3):391, abro 1965. caracteriza muitos dos trabalhos classificados por Pye como estudos sôbre desenvolvimento político.8 8 Pye, Lucien. op. cit. p, 31-49. O problema lógico de tais estudos é que êles parecem confundir a explicação do processo de desenvolvimento com a definição do estado de desenvolvimento. Após definir o estágio final do desenvolvimento não é difícil estabelecer em que consiste o processo que a êle conduz; torna-se, assim, um simples problema de conversão tautológica. Por exemplo, se se considera como desenvolvida uma polity onde exista uma maior distribuição e reciprocidade de poder, então "mudanças no sentido de maior distribuição e reciprocidade do poder caracterizarão o desenvolvimento político.9 9 Frey, Frederick. Political development, power and communications in Turkey. In: Lucien Pye (ed.). Communications and political development. p. 301. Não há nada errado aqui, porém, não há também nada certo, na medida em que o problema teórico do desenvolvimento consiste exatamente em definir as tais "mudanças em direção de ".

Em muitos dêsses estudos, embora contendo alguns indicadores de como o sistema político atinge o estado de ser desenvolvido, a ênfase é dada ainda na descrição do estado final do sistema. Como exemplo desta abordagem, pode ser tomado o trabalho Burocracia e desenvolvimento politico, de Eisenstadt.10 10 Cf. Eisenstadt, S. Bureaucracy and political development. Joseph LaPalombara, (ed.) 1963. Após haver definido desenvolvimento político como "a habilidade de absorver tipos de demandas polítlcas e organizações variadas e em mudanças constantes "11 11 Eisenstadt, S. op. cit., p. 96. êle prossegue discutindo as implicações analíticas dessa definição, apresentando apenas a seguinte observação para explicar os processos que conduziram àquela habilidade: "Tais transformações estão vinculadas ao desenvolvimento contínuo de grande fluidez do apoio político ". 12 12 Eisenstadt, S. op, cit., p. 99 e segs. Esta análise está vinculada aos problemas discutidos também em Breakdowns Of modernizations. Economic Development and Cultural Change, 12(14), jul.. 1964.

Outra variante do mesmo padrão de teorização é o próprio Huntington, que define desenvolvimento politico como o processo de institucionalização pol ltlca,13 13 Huntington, Samuel. op. cit., p. 393. Após êste sugestivo comêço, entretanto, o grosso de seu trabalho é devotado à apresentação de indicadores que medem diferentes estados (ou estágios) de institucionalização. 14 14 Huntington, Samuel. op. cit., p. 394. Deve ser dito, entretanto, que Huntington parece evitar a possibilidade de fazer julgamentos referentes ao processo de desenvolvimento antes que os níveis de Institucionalização tenham sido descritos. Cf. op. cit., p. 405. Quanto aos processos que produzem tal institucionalização, a explicação de Huntington circunscreve-se às duas sugestões seguintes: (a) redução do ritmo de mobilização social e, (b) criação de instltulções políticas fortes.15 15 Huntlngton, Samuel. op. cit., p. 418-19. A segunda sugestão não é muito informativa. Dizer que o processo de institucionalização política é produzido pela criação de instituições políticas fortes reduz- se a um tipo de raciocínio circular. A primeira sugestão possui algum poder explicativo, embora conflite com um de seus indicadores de institucionalização, qual seja, a adaptabilidade de uma instituição. De fato, a adaptabilidade de uma instituição é função do número de desafios que ela logra ultrapassar. "Quanto mais desafios surgirem em seu ambiente e quanto mais antiga, mais adaptável será ".16 16 Huntington, Samuel. op, cit., p. 394.

Uma das fontes contemporâneas de maiores desafios para qualquer instituição política é o processo cumulativo que Deutsch caracterizou como "mobilização social ",17 17 Deutsch, Karl. Social mobilization and political development. In: The American Political Science Review, 15(3): set. 1961. e se se evita que a instituição (se é capaz) encare tais desafios, torna-se difícil verificar como ela desenvolverá sua adaptabilidade. O mesmo se aplica à característica de complexidade. Se "o mais simples dos sistemas políticos é aquêle que depende de um só indivíduo,18 18 Huntington, Samuel. op. cit., p. 399. o processo de mobilização social pode perfeitamente implicar, pelo menos para alguns sistemas politicos, na possibilidade de se tornar mais complexo; desde que a forma alternativa de explicar a institucionalização - instituições políticas fortes - implique em raciocínio circular, parece viável concluir que o processo que Huntington sugere para produzir a institucionalização possui, contraditoriamente, a propriedade de ameaçar parcialmente o estado de institucionalização.

Do ponto de vista da predição, porém, tanto as elaborações de Hungtington como as de Eisenstadt, bem como outras elaborações semelhantes, que sejam mais do que tautologias, oferecem algumas hipóteses interessantes a respeito do estado do sistema político. Tomemos as sugestões de Huntington referentes à redução da marcha da mobilização social.

Ao invés de tomá-Ias como explicativas do processo de lnstitucionalização, vamos reapresentá- las - já que Huntington inclui a estabilidade na definição do estado do sistema político - como predição sôbre sistemas políticos desenvolvidos. A hipótese resultante seria a seguinte: quanto maior fôr a complexidade social, mais baixo o nível de comunicação, e menor o conflito interelite, tanto maior será a estabilidade politica. É verdade que o que Huntington inclui na categoria comunicação é uma combinação muito complicada de comunicação em sentido restrito, educação superior, liberdades políticas, e ritmo de desenvolvimento econômico, o que torna muito difícil a obtenção de uma medida única para tal índice. De qualquer forma, sua formulação, assim redefinida, implica em algumas condições para a estabilidade dos sistemas políticos que serão novamente mencionadas neste trabalho.

A segunda grande categoria de estudos sôbre desenvolvimento político consiste nos estudos de área. O que se entende por desenvolvimento, em tais estudos, é bastante claro na seguinte citação de Coleman (Nigeria, background to nationalism):

"O objetivo dêste capítulo final é oferecer um breve apanhado - do desenvolvimento político durante o período 1952-1957, bem como uma análise de três aspectos especiais dêste desenvolvimento: o caráter da nova elite política que emergiu das várias eleições realizadas no período; o aparecimento formal do estado e dos movimentos minoritários à medida que a Nigéria se aproximava de sua independência; e o impulso para o estabelecimento de uma data para o autogovêrno. "19 19 Coleman, James S. Nigeria, background to nationalism. 1968. p. 369. O mesmo sentido contextual pode ser deduzido da utilização do conceito às páginas 4 e 6, e apêndice, p. 419.

É claro que o que se entende por desenvolvimento politico, nesse contexto, são os eventos políticos que ocorreram no período estabelecido, isto é, a sucessão de marchas e contra-marchas que produziram o que em outro contexto costuma ser chamado de história política.20 20 Cf. Coleman, J. S. op. cit., Preface. p. 7: "This book claims to be no more than an introduction to selected aspects on the political history of modern Nigeria. " Ver, ainda, p. 54. Dada esta referência cronológica e especialmente restrita para o conceito, o caminho teórico seguido na elaboração é quase que mecânica mente determinado. Observa-se que a equação do desenvolvimento polItico é solucionada quando se encontra um processo básico que dê o racional da sucessão. Êsse padrão de explicação é claramente inferido da seguinte citação:

"De fato, a natureza da subdivisão interna dentro da elite esclarecida oferece uma chave valiosa para a compreensão da história moderna da Turquia.

A inter-relação dêstes três elementos, educacionalmente distintos, fornece o tema mais simples em cujos têrmos o moderno desenvolvimento político da Turquia pode ser organizado e compreendido.

Atualmente, o Irã está em transição, e seu sistema pol ítico pode ser descrito como um sistema tradicional-racional, cujo paralelo histórico pode ser encontrado nos antigos estados monárquicos na Europa Ocidental. O 'racional' para a tendência dinâmica em direção da racionalização pode ser encontrado na confluência da história, da personalidade e nas exigências políticas. "21 21 As duas primeiras citações são de Frey, Frederick, The turkish elite. 1965, p. 31-9, respectivamente. A Última é de Binder, Leonard. Iran political development in a changing, society. 1964. p. 87. .

Êste padrão de explicação, comum à maioria dos estudos de área, pode ser compreendido como uma resposta à seguinte questão: dado o estado atual do sistema político analisado, que processos a êle conduziram? As respostas serão do tipo abaixo:

a) "Um processo de transferência institucional que produz uma tensão em subseqüência à adaptação substantiva de valôres tribais a valôres seculares ",22 22 Apter, David, Ghana in transition, Atheneum ed. p. 9. Nesta e nas referências precedentes, estamos indicando apenas aquelas passagens em que a resposta pode ser encontrada de forma explicita. Isto não implica, portanto, que tais respostas não possam ser encontradas de forma implicita ao longo das obras.

b) Conflito entre dois sistemas de autoridade e dois conjuntos de valôres.23 23 Apter, David. The political kingdom in Uganda. 1961. p. 105.

c) Limitações na capacidade governamental de coação em um momento em que sua capacidade de persuasão é mínima.24 24 Von Vorys. Karl, Political development in Pakistan. 1965. p. 68-9.

d) Conflito interelite (administradores versus produtores de solidariedade).25 25 Feith, Herbert. The decline of Constitutional democracy in Indonesia. 1962. p. 608.

e) Conflito interelite, por razões históricas, etnológicas, econômicas e culturais.26 26 Coleman, J. S. op. cit., passim.

f) "As fontes de instabilidade do sistema político iraniano são aquêles aspectos dinâmicos que tendem a reduzir a eficácia das técnicas políticas tradicionais e a alterar o padrão de legitimação tradicional. "27 27 Binder, Leonard. op, cit., p. 346.

g) Falta de congruência entre os três processos de socialização (familístico, cultura politica, e recrutamento político) e a divisão entre uma elite distinta e uma massa agrária comunitàriamente orientada, e o conflito entre administradores e pollticos populares. 28 28 Pye, Lucien. Politics, personallty and nation buildin, - Burma's search for idenlity. parte 1, 1962. p. 64 e 98.

h) Conflito entre a elite educada ( "modernistas " versus intelectuais) e entre a elite nacional e os pollticos locais.29 29 Frey, Fuderick op. cit. p. 37, 38 e 157.

i) Tensões derivadas de demandas populares crescentes em fase de recursos escassos.30 30 Weiner, Myron. The politics of scarcity. 1962. passim. Certamente, a obra de Weiner não pretende ser um estudo sObre desenvolvimento politico. O mesmo ocorre com a de Coleman, cujo índice não enfatiza o conceito: o mesmo é válido para a obra de Apter, Ghana in Transition, e para Feith. Ver a citação de Coleman na nota 20, e a seguinte citação de Feith: "Este livro trata da politica da Indonésia entre dezembro de 1949 e março de 1957 (...). Meu objetivo é, aqui, contar a história de sua tentativa, apresentando-a sob o prisma da evolução mensal dos acontecimentos do desenvolvimento da politica nacional. " Feith, op, cito Prefácio.

Tais explicações seguem a mesma linha de demonstração.31 31 Deve-se salientar que a apresentação de tais livros lida apenas com os padrões lógicos de explicação que êles desenvolvem, sem considerar qualquer outra contribuição que tenham prestado à ciência politica. Riggs já salientou que tais estudos de área se baseiam bastante na visão e metodologia de outras ciências sociais.32 32 Riggs, Fud. op. cit. p. 322. Mais do que isso, entretanto, manipulam grande quantidade de evidências heterogêneas - do etnológico ao psicológico, do econômico ao cultural - a fim de estabelecer a legitimidade do racional proposto. O tratamento dado a êsse material, porém, é pouco sistemático, sendo que a evidência é apresentada muito mais como ilustração do que como prova.33 33 Esta rigorosa avaliação parece-nos justificada enquanto tais estudos sejam tidos como elaborações sobre o desenvolvimento politico, o que nem sempre é o caso. É, também, verdade que alguns entre êles são mais rigosamente apresentados sendo, portanto, anulados na avaliação. No entanto, quanto à lógica da explicação, nenhum dêles mostra um padrão rigoroso de demonstração, em virtude talvez do baixo nível de demonstração prevalecente na ciência politica quando foram produzidos. A única exceção a êsse cânone é a obra de Frey, em que cada elaboração teórica é seguida de uma discussão das condições sob as quais a elaboração se legitima, e ainda pela apresentação e tratamento sistemático das evidências pertinentes.

Qual é o poder explicativo e preditivo dêsse tipo de estudos? Existe uma posição de certa forma inversa à da categoria precedente. Seu poder preditivo é pràticamente nulo, não apenas em relação ao que pode ocorrer em outro país, mas também em relação às perspectivas do país em questão. Não há base lógica, e nem a evidência é reunida de forma tal a permitir qualquer prognóstico. Trata-se de reconstruções ex post facto de processos singulares, e isto é o suficiente para impedir até mesmo qualquer especulação sôbre tendências.34 34 Esta proposição não quer necessàriamente dizer que nenhum dos autores tenha feito especulações quanto a tendências; alguns dêles o fizeram. Porém, tais estimativas não foram baseadas na estrutura da explicação apresentada em seu trabalho. De certa forma, tais estimativas poderiam ser feitas sem a evidência apresentada, já que não é adequada à estrutura de predição envolvida nas especulações de tendências. A categoria seguinte de estudos a ser analisada constitui-se de trabalhos mais orientados para a predição do que para a explicação; suas estruturas lógicas serão discutidas a seguir. Para uma avaliação das dificuldades implicitas nas predições supostamente baseadas em tais estudos compare o "desenvolvimento politico " de Gana, desde a edição do livro de Apter com os vários prefácios escritos a fim de reajustar sua opinião face aos novos acontecimentos. Compare, especialmente, o final otimista escrito em 1963, para a edição Atheneum, com o que aconteceu em Gana deste então. O que poderia ser dito em relação a eventos futuros, a partir do conhecimento de que aparentemente alguns eventos passados singulares podem ser referidos a outros eventos particulares?

Êles possuem, entretanto, algum poder explicativo, embora com baixo nível de generalidade. De forma mais ou menos integrada todos êles obtêm sucesso ao mostrar uma cadeia de eventos, onde cada evento particular pode ser explicado através da referência a um outro evento em momento prévio. A sustentação lógica da ligação é a contigüidade de tempo responsável pelo baixo nível de generalidade. Mas, embora tais explicações sejam primitivas, suas base lógica é suficiente para chamar a atenção para certas conexões promissoras, que podem vir a ser bastante significativas. Coloca-se assim, o problema de como aperfeiçoar tal tipo de elaboração.

É evidente que aqui não há condição de falsificação das hipóteses. Enquanto a base lógica da explicação fôr a contigüidade de tempo de dois eventos, a única forma de prová-la falsa consistiria em mostrar que os eventos tomados como precedentes, de fato não o são; êrro êste que não é razoável esperar. Mostrar ainda a existência de um outro evento, cuja presença sempre antecede cada acontecimento importante, também, não serviria, pois essa conexão não cancela a conexão definida como crucial na hipótese anterior. De forma mais concreta diríamos: estabelecer que antes de todos os grandes acontecimentos políticos da história da Indonésia, durante o mesmo período escolhido por Feith, houve um atrito entre parte da elite politica e a elite militar não faz desaparecer o conflito dentro da elite política, definido pelo autor. E uma vez que a base lógica dessa conexão seria a mesma que a de Feith, não se poderia afirmar que uma é correta e a outra é falsa. Não obstante, algo importante teria surgido, a saber: a existência de outra explicação significativa plausível.

A possibilidade de fazer conexões na base lógica da seqüência temporal é, naturalmente, infinita. A fim de evitar as muitas pistas enganadoras - não importantes - a que êste nível de explicação se arrisca, torna-se necessário o tratamento sistemático da evidência. A rigorosa análise empreendida por Frey não faz de sua variável básica - o o conflito interelite - a verdadeira explicação da história política da Turquia, já que valôres-verdade estão fora do objetivo de seu padrão de explicação. Isto, porém, torna sua explicação mais relevante do que, digamos, a elaboração de Apter sôbre a politica de Gana. A replicação dêsses estudos, inclusive de Frey, com o tratamento sistemático da evidência a fim de se chegar a conexões confiáveis, limitadas pelo tempo-espaço, parece-nos ser o próximo passo estratégico nesse tipo de atividade teórica.

Na medida em que tais replicações rigorosas sejam feitas, algumas indicações convergentes e significativas ganharão, fôrça, apoiando elaborações mais abstratas. De fato, tais estudos tomados separadamente não levarão a parte alguma, porém avaliados como um conjunto apontam para conexões comuns. Abaixo citamos as mais evidentes:35 35 Tais tendências foram inferidas não apenas a partir dos fenômenos básicos anteriormente citados, mas, também, do conjunto de evidências que tais estudos trouxeram para discussão.

a) conflito ou consenso dentro da elite politica, e estabilidade ou instabilidade politica: Feith, Coleman, Pye e Frey;

b) pressões da estrutura societal sôbre o comportamento da elite politica. Von Vorys, Pye e Weiner;

c) impacto diferencial da ação governamental devido a condições societais heterogêneas: Apter, Binder e Coleman.

O que se identifica em tôdas essas indicações, como pode ser visto, é que o "desenvolvimento político " dêsses países é o resultado de uma combinação ainda não conhecida de recursos politicos, orientação da elite, e estrutura societal. E, pelo menos os dois últimos componentes receberão argumentes de apoio conquistados por outros.

Existe outra categoria de estudos sôbre desenvolvimento político cuja estrutura básica chamaremos de "prognóstico ". Nos estudos de prognóstico, a ênfase situa-se na predição do estado do sistema político no tempo t2 a partir de um conjunto conhecido de condições em t1, invocando-se no entanto, não o funcionamento de uma lei geral, mas sim a propensão, ou tendências existentes dentro dos sistemas políticos.36 36 Ver a seguinte citação: "Êste trabalho não faz predições: é apenas um ensaio sôbre o sentido e Significado potencial de tendências existentes. " Brsezinski, Zbigniew. The politics of under-development, World Polítics, (1): 55, out. 1956. Um exemplo clássico dêsse tipo de elaboração é a obra de Shills, Desenvolvimento politico nos novos estados, onde êle infere cinco possíveis ordens políticas futuras37 37 Shills, Edward. Polítical development in the New States. passim. A argumentação de Shills não precisa ser aqui transcrita. Deve ser dito, no entanto, que o macro hiato se encontra profundamente analisado, tanto que em vez da falar em têrmos de fenômenos-macro, levando a conseqüências diversas, é preferfvel falar em têrmos de condições iniciais a, b, c,... n. a partir de um fenômeno macro, tomado como crucial em relação aos hiatos nas estruturas sociais.

Essa abordagem possui, em relação aos estudos de área, um nível de generalidade bem mais elevado; conseqüentemente, os padrões de explicação e predição se sobrepõem. Nessa elaboração, quase todos os elementos que são oferecidos como explicação para a mudança do sistema político participam também da base para a predição. Esses elementos são, por um lado, a intensidade do comprometimento das elites nacionais com a democracia e a modernização e, por outro lado, "a quantidade de recursos da estrutura social, da tradição cultural e das qualidades e habilidades humanas " dlsponfvels.38 38 Shills, Edward. op. cit. p. 12. O que explica a mudança é também o que explica o estado final. Além disso, emerge dessa elaboração um ponto teórico crucial: a conceituação do desenvolvimento político implica no estabelecimento de condições teóricas sob as quais um sistema polltlco evoluirá em direção a um estado definido X. O que condiciona a emergência do estado X dos sistemas políticos? A necessidade de uma ligação teórica entre um estado de coisas, que pode em princípio ser realizado em qualquer parte, e certas condições iniciais dadas, desloca a investigação para além do nível de conexões temporais de uma única seqüência de eventos.39 39 "Delineamos, nas páginas seguintes, certos tipos de regimes que podem ser consequência do intercurso entre o ideal buscado e a necessidade obstinada ". Shilis. op. cit. p. 50.

Esse nível mais elevado de generalidade foi obtido, no entanto, ao custo de deixar sem resposta muitas questões: como é possível que as mesmas condições iniciais conduzam a cinco estados diferentes de coisas?40 40 Em artigo recente, Huntington discute precisamente o caso oposto, isto é, como diferentes condições iniciais levam ao mesmo resultado. Ver Political modernization: America versus Europe. World Politics, 18(3): abro 1966. A resposta de que tais diferenças dependem do comprometimento das elites é insuficiente porque se estabeleceu, como pressuposto, que o resultado do comportamento da elite, e mesmo o aumento ou redução de seus comprometimentos, são refratados pela necessidade intratável das condições iniciais. Outro problema consiste em saber até que ponto o estado de coisas em t2 se diferencia principalmente em função dos arranjos institucionais, da composição do poder, do processo de modernização, ou em relação aos recursos disponíveis para a elite política. Deve-se, portanto, perguntar qual a escala de prioridades, entre tais dimensões, que permite o estabelecimento de distinções entre as prováveis conseqüência. E, finalmente, é possível reunir as condições iniciais sob conceitos teóricos ao invés de descrições contingentes? Exemplos disto seriam os conceitos de "capacidade para persuadir " e "capacidade para coagir " de que trata Von Vorys.

A medida que tais questões são colocadas, a direção da elaboração futura torna-se aparente. A fim de explicar e predizer o desenvolvimento político, algumas condições gerais iniciais têm que ser definidas; deve haver um intercurso entre tais condições e outras variáveis, e o movimento a partir daí gerado tem que ser previsto. Os estudos de área apontaram para algumas relações ainda imprecisas entre recursos políticos, orientação da elite e estrutura social, embora lidassem com elas ao nível mais elementar de complexidade. Os estudos de prognóstico também apontaram nessa direção e embora possuam um nível mais elevado de generalidade, permanecem ainda muito próximos às descrições contingentes. A vantagem oferecida pelos estudos de prognóstico consiste na ênfase da ligação ex-ante entre o estado final e as condições iniciais. Em que nível êsse estado final deve ser compreendido, entretanto, bem como o status teórico das condições iniciais constituem questões abordadas pela última categoria de estudos sôbre desenvolvimento político que será discutida a seguir.

Como conseqüência dos vários estudos já realizados - estudos de área e estudos de prognósticos - existe um tipo de elaboração que se situa no limiar de maior grau de complexidade e generalidade, acompanhado do mais alto rigor lógico. Esses estudos têm abordado incógnitas diferentes da equação do desenvolvimento pollticó, e serão aqui apresentados de acôrdo com sua ênfase principal. É desnecessário salientar que alguns entre êles tratam de mais de um problema crucial, o que será devidamente salientado.

Uma elaboração mista é apresentada em Os estágios do desenvolvimento politico. A obra de Organski situa-se em três níveis diferentes de generaIidade. O primeiro tem caráter macro-histórico, tratando da formação das nações, "desde seu início no século XVI (...) e daí em direção ao futuro até o ponto em que se supõe seu eventual desaparecimento. "41 41 Organski, A. F. K. The stages Df polítical development. 1965. p. 3. O pressuposto é o que existiu um período do macro-histórico no período imediatamente anterior, e que existirá um outro período macro-histórico posteriormente ao período nacional em estudo. O problema teórico consiste em explicar como a humanidade evoluiu de um período pré-nacional ao período nacional, bem como a viabilidade do período pós-nacional. Quais foram as condições que produziram a forma nacional de organização política? Quais são as condições que conduzirão a humanidade ao estágio macro-histórico pós-nacional, e como será êle?

O segundo nível de generalidade trata da seqüência do desenvolvimento dentro de limites traçados pela existência do estado nacional. É nesse nível que o desenvolvimento político pode ser definido como "eficiência governamental crescente na utilização dos recursos humanos e materiais da nação, tendo em vista objetivos nacionais. (...) A função primária do govêrno nacional também se modifica à medida que a nação evolui de um estágio para outro, e a cada estágio o govêrno nacional, se fôr qualificado como 'desenvolvido', deve preencher a nova função bem como consolidar as vantagens auferidas no passado. "42 42 Organskl, A. F. K. op. cit., p. 7. O problema teórico, aqui, é explicar como cada um dêsses estágios está teOricamente, e não apenas temporalmente, ligado ao seu antecedente. Deve ser observado que, de acôrdo com essa perspectiva, a explicação teórica da emergência do primeiro estágio nacional deve ser entendida como o conjunto de condições empíricas sob as quais foi feita a transição do período macro-histórico pré-nacional ao período macro-histórico nacional. De forma análoga, a explicação adequada para a exaustão do último estágio nacional define também as condições empíricas sob as quais emerge o momento inicial do estágio pós-nacional. Finalmente, o terceiro nível aborda aparato institucional capaz de conduzir a cada um dêsses estágios nacionais. Uma vez que Organski pressupõe que não há relação biunívoca entre os estágios de desenvolvimento político e regimes políticos, torna-se necessário discutir as condições sob as quais surgem os diferentes aparatos governamentais e, ainda, se existe alguma relação entre o tipo prévio de govêrno e o tipo de regime que o sucederá como estágio de construção da nação. No que se refere às respostas no primeiro nível, Organski não é muito claro. A emergência da forma nacional de organização política é atribuída à busca do poder, quer pelos monarcas absolutistas, quer pelas potências colonizadoras. Isto viria também explicar a estrutura de poder ou o aparato institucional do primeiro estágio, que consiste na política de unificação prírnltlva.43 43 Ibid. p. 7ff De um ponto de vista cronológico, essa explicação seria razoável no que se refere à transição do período macro-histórico pré-nacional. Entretanto, como essa passagem de sua elaboração deve ser teoricamente vinculada à explicação da emergência do primeiro estágio de construção nacional, torna-se difícil aceitar que nas novas nações contemporâneas êsse estágio de unificação primitiva seja devido a qualquer uma das razões apresentadas. Não existem nem monarcas absolutos nem possibilidades colonialistas, dentro das novas nações independentes, para explicar sua evolução através dêsse primeiro estágio. A idéia da difusão de uma cultura mundial, de Pye, poderia ser uma explicação mais adequada. No que se refere à transição para o período pós-nacional, a questão é também deixada em aberto. O último estágio conhecido do macroperíodo de construção nacional pode perfeitamente provocar o fim da própria forma nacional, porém nada conclusivo é dito a êsse respeito. 44 44 Ibid. p. 187.

Observe-se que o padrão de explicação é bem mais frouxo nesse nível; e novamente a explicação se separa da predição na medida em que a explicação é uma reconstrução ex post facto do que historicamente ocorreu, conforme o critério de relevância do autor, a saber: a construção do estado nacional.

O segundo nível de elaboração deve explicar a seqüência do desenvolvimento, isto é, da unificação primitiva à política de industrialização, daí à política de bem-estar social e, finalmente, à política da abundância. Já foi salientado que o primeiro estágio surge da busca pelo poder, o que consiste em uma explicação do tipo individualista. A transição do primeiro ao segundo estágio, e daí para o terceiro, depende do preenchimento dos objetivos de cada estágio que, por sua vez, é função da luta pelos recursos escassos. Quando o terceiro estágio é atingido, não é mais necessária a luta econômica; e o fator crucial, responsável pelo quarto estágio - a política de abundância - são as modificações tecnológicas na produção econômica - enfim, a automação. Três fatôres fundamentais são introduzidos na explicação requerida nesse nível: motivações individuais, luta política, e mudanças tecnológicas: cada uma delas é introduzida de acôrdo com as conveniências da elaboração. Enquanto padrão explicativo, isso é inconsistente e não apenas insatisfatório. O poder preditivo da elaboração é absoluto, somente porque depende de definição. De fato, se uma nação entrou ou não em um determinado estágio dependerá apenas daquilo que fôr considerado como melhor índice da condição de industrialização ou da condição de bem-estar, ou da condição de abundância. Uma vez que o problema se reduz a definições, a seqüência dos estágios será determinada exclusivamente por tais definições, não havendo pois como falsificá-Ias. As predições, nesse caso, não possuem relevância epistemológica.

Quanto ao terceiro nível de elaboração, hipóteses mais específicas são apresentadas. Desdobremos as questões e tratemos separadamente de (a) formas de govêrno em cada estágio e (b) passagem eventual de uma forma a outra.

Não há elaboração adicional quanto a formas de govêrno que possam desempenhar as funções do primeiro estágio, além de simples enumeração, a saber: política dinástica, política colonial, política dos novos países independentes, e política das antigas nações econômicamente atrasadas.45 45 Ibid. p. 21. No segundo estágio pode-se observar a emergência de três diferentes tipos de regime: burguês, sincrático e stalinista. O tratamento do modêlo burguês apenas descreve o que a burguesia fêz após assumir o poder, sem oferecer qualquer explicação para o surgimento do modêlo.46 46 Ibid. p. 56-93.

O modêlo sincrático é apresentado com uma explicação: meados do processo de industrialização + poderosa aristocracia latifundiária + elite industrial tão forte quanto a elite agrária + percepção por parte dos agriculturalistas de que estão perdendo o poder + desejo de compromisso por parte dos industriais = surgimento do modêlo sincrático.:47 47 Ibid. p. 217. O modêlo stalinista, por outro lado, possui duas explicações. A primeira apresenta a seguinte fórmula: baixo nível de modernização econômica + aristocracia agrária fortemente entrincheirada + desejo das novas elites de rápida industrialização + colapso, na guerra, do antigo sistema = modêlo stalinista.48 48 Ibid. p. 215. Noutro ponto, entretanto, o modêlo stalinista é simples função da velocidade de mudança social e econômica desejada pelas elites modernlzadoras.49 49 Ibid. p. 218.

Além dessas hipóteses, a elaboração do estágio dois oferece duas hipótese adicionais. Uma trata da disponibilidade dos industrialistas de barganharem no modêlo sincrático: expansão industrial seguida de retratação econômica + ameaça à elite, vinda de baixo, = disposição de barganhar. 50 50 Ibid. p. 217. A outra trata de um modêlo ditatorial não especificado: baixa industrialização + alta politização aas massas = modêlo ditatorial.51 51 Ibid. p. 219.

O terceiro estágio pode ser realizado por três modelos - a democracia de massa, o nazismo e o comunismo -tipo Khruschev. A democracia tem origem nos modelos slncrátlcos e burguês, ao passo que o modêlo comunista tipo Khruschev tem origem no modêlo stalinista. O modêlo nazista, por outro lado, é visto como um possível desvio da democracia de massa, sob as seguintes condições: decadência do aparato estatal + alto nível de desemprêgo + inflação galopante.52 52 Ibid. p. 171. O modêlo nazista, portanto, não é autônomo, mas sim um contraponto patológico das democracias de massa.

Essas últimas explorações possuem um poder explicativo e preditivo de alto nível, de um ponto de vista estritamente lógico: sua maior fraqueza consiste nas possibilidades tecnológicas de operacionalização e mensuração. Uma vez que se está prevenido do que deve ser operaclonallzado e que tipo de medida deve ser buscada, tais devem ser os passos estratégicos a serem tomados. Já que as últimas elaborações de Organski coincidem com outra categoria de estudos sôbre desenvolvimento político, elas serão discutidas mais adiante.

O conjunto seguinte de estudos será grupado sob o título de teorias formais de mudança política. Nesse contexto, são consideradas formais porque especificam as condições sob as quais o sistema político tende a mudar, sem se comprometerem quer com a especificação do estado antecedente X' quer com o produto resultante X ". A forma geral de predições e/ou explicação da mudança em tais estudos consiste na apresentação de duas dimensões dos sistemas políticos, definidas como fundamentais, e na indicação de que a mudança política ocorrerá sempre que se estabelecer um certo intercurso entre as duas dimensões. Citamos, á seguir, alguns exemplos dessa elaboração:

a) coerção X informação;53 53 Apter, David. The politics of modernization. 1965. principalmente o Prefácio. Apter oferece mais elaborações além daquela que será mencionada mais adiante. Ver nota 57.

b) capacidade de contrôle X demandas por contrôle,54 54 Von Vorys, Karl. Use and misuse of development theory. In: op. cit. Charlesworth (ed.)

c) capacidade de contrôle X igualdade de participação; 55 55 Riggs, Fred. op. cit., loc. cit.

d) capacidade de contrôle X igualdade.56 56 Coleman, James S. Education and political development. Introduction to James S. Coleman (ed.).

Nesse nível, a convergência das elaborações é bastante alta. As dimensões do lado esquerdo da relação apontam tôdas para a mesma direção. Do lado direito a única discrepância é a variável "informação ", de Apter. Riggs e Coleman referem- se à mesma dimensão (igualdade), e a dimensão de Von Vorys (b) inclui não apenas a' demanda de participação, no sentido político, mas também demandas por mercadorias e semelhantes. Elas diferem, no entanto, quanto ao tipo de intercurso que entre elas se estabelece. Coleman não se refere a nenhuma forma precisa da relação ou à sua dinâmica, talvez porque isso será discutido no volume final da série de Princeton. Apter sugere que a relação entre informação e coerção dependerá das condições iniciais do sistema político, isto é, na estrutura de autoridade e dos valôres prevalescentes.57 57 Apter, D. op. cito p, 409ff. Parece que a inclusão da elaboração de Apter no conjunto de teorias formais sobre a mudança política não é justificada. Entretanto, estamo-nos baseando principalmente em sua sugestão no Prefácio (edição Phoenix de 1967) na qual as dimensões informaçlo e coerção assumem papel central. Já que Apter diz que sua opinião modificou-se desde a primeira edição original, e porque promete um novo livro em que apresentaria a nova formulação, preferimos desconsiderar as ligações estabelecidas no livro e tornar apenas os conceitos expressamente enfatizados no Prefácio. Riggs e Von Vorys, finalmente, chegam à mesma conclusão embora, aparentemente, avaliem-na de forma diferente. Para Von Vorys a mudança no sistema político ocorre quando a demanda por contrôle atinge, e em seguida ultrapassa, a capacidade de contrôle, o que seria uma situação indesejável.58 58 Von Vorys, Kall. Use and misuse of development theory. op cit., p. 356. Entretanto, mais adiante êle parece estar apenas discutindo a viabilidade dos sistemas politicos, e que essas slo as condições do caos politico e não do desenvolvimento politico. Na página 358, por exemplo, parece sugerir que o desenvolvimento político seria o acréscimo permanente da capacidade de controlar em relação à demanda por controle. Nossa oolnlão, ao longo dêste trabalho, pode bem não estar de acordo com a visão de Von Vorys sobre o assunto. Para Riggs é exatamente o equilíbrio entre contrôle e igualdade que provoca a mudança do sistema político em direção a um nível mais elevado de desenvolvlrnento. 59 59 Riggs, Fud. op. cit., p. 341ff. Se fôsse possível medir o que ambos entendem por tais capacidades, obteríamos uma situação quase experimental. Enquanto Riggs prevê como resultado da mudança mais ordem e mais mercadorias para serem distribuídas, Von Vorys prevê exatamente o contrário, isto é, o caos.

A partir da discussão precedente evidencia-se que o nível de clareza e precisão lógica de tais elaborações é relativamente alto. Isso é ainda verdade no que se refere à generalidade das proposições comparadas mesmo com os mais rigorosos estudos de área. A implicação lógica consiste no seguinte: se X (equilíbrio entre capacidade de contrôle e demanda por contrôle, ou igualdade), então Y (caos) ou Z (desenvolvimento). Não há restrição temporal ou espacial alguma em tal proposrçao, o que lhe assegura um status teórico elevado. A única limitação ao seu poder preditivo consiste no fato de não estar previsto o estágio seguinte (ou estado) do sistema político. Predizem a mudança em direção a que? Esta indagação é de fundamentai importância na teoria do desenvolvimento político. A preocupação com predições relativas ao estágio seguinte pode ser encontrada nos dois tipos de elaboração discutidos a seguir. Em contraste com o conjunto de estudos que acabamos de ver e que chamamos de teorias formais sôbre a mudança política, existe um tipo de elaboração que pode ser chamado de teorias substantivas sôbre a mudança política. Aqui a ênfase está no movimento do sistema político conducente a um estado especificado X. Um exemplo seria o artigo de LaPalombara, no volume Burocracia e desenvolvimento politico. 60 60 LaPalombara, Joseph. Bureaucracy and political development: notes, queries and dilemmas ". In: op. cit. LaPalombara. LaPalombara preocupa-se não só com a definição do estado futuro de desenvolvimento político, mas também com as condições sob as quais o estado democrático de desenvolvimento político pode ser atingido. Tais condições teriam a ver com (a) acentuada falta de ênfase nos objetivos econômicos, (b) limitações do papel do setor público no desenvolvimento econômico e fortalecimento do setor privado, e (c) contrôle das demandas feitas ao sistema político.61 61 LaPalombara, Joseph. Bureaucracy. p. 56-68.

A elaboração de LaPalombara aproxima-se bastante da de Huntington - Desenvolvimento e decadência politica - porém, enquanto êste fala de "lnstitucionalização ", LaPalombara fala em "democracia ". Como já foi acentuado, êsse tipo de elaboração possui um padrão de predição a um nível intermediário de generalidade. O objetivo de predição é universal, mas o universo ao qual se aplica é limitado. No nosso entender, êsse é um nível legítimo de elaboração científica, porém como freqüentemente assume - como em LaPalombara - uma forma prescritiva de apresentação, e porque há uma certa controvérsia relativa ao fato de que qualquer tipo de proposição prescritiva afasta-se do campo científico, referir-nos--emos ràpidamente a êsse aspecto.

Freqüentemente, a posição de que proposições científicas e proposições prescritivas são diferentes baseia-se no pressuposto de que são respostas diferentes a problemas diferentes e que, provàvelmente, possuem estrutura lógica diferente. A seguinte citação deixa essa postura bastante clara:

"Não estou sugerindo que as indagações relativas à ausência de democracia, suas causas e as perspectivas de democracia não sejam perguntas relevantes para o cientista político preocupado com tais países (os novos países). Não digo sequer que a prescrição política não deva ser sua atividade; sugiro, no entanto, que êstes são papéis distintos que devem ser mantidos separados conscientemente, pois sua confusão coloca em perigo o desempenho de qualquer um dêles. O cientista político como estudioso não evoluído pergunta uma ordem de questões diferentes daquela que perguntaria como assessor político. Êle está antes de mais nada preocupado com um conjunto de relações que possam ser inferidas de dados observáveis, isto é, quais são suas conexões causais, na medida em que podem ser discernidas, e suas conseqüências, na medida em que podem ser previstas, nesta ordem. "62 62 Wilner, Ann Ruth, The underdeveloped study of political development. World Politics, 16(3):473, abro 1964.

Nosso ponto de vista é o de que, desde que verificadas, as proposições prescritas são logicamente equivalentes às proposições preditivas com base em condições de suficiência. Tomemos, por exempto, a seguinte proposição prescritiva: se se deseja X, então deve-se fazer (ou obter) a, b, c. A proposição é válida se a seguinte proposição é também válida: se a, b, c, então X. A última é uma proposição científica, chamada puramente científica, enquanto a primeira expressa a forma geral de declaração prescritiva. Essa equivalência constitui o cerne da racionalidade de qualquer atividade científica, porque na sua ausência seria impossível demonstrar experimentalmente a legitimidade de qualquer proposição científica. O suporte lógico do experimento como teste de validade de uma proposição científica consiste, nada mais nada menos, que nesta ou similares equivalências. O problema com as declarações prescritivas em problemas sociais não reside na equlvalência em si, mas no fato de que muito freqüentemente a declaração preditiva (se a, b, c, então X), que deveria apoiar a declaração prescritiva, é falsa.

Não há uma ordem diferente de questões a serem articuladas, em têrmos preditivos ou prescritivos, nem seu padrão lógico é completamente diferente. No que se refere à teoria de desenvolvimento político, o interêsse prescritivo é equivalente ao interêsse que teoricamente aparece como "teoria substantiva da mudança politica "; cujo problema principal, esmo em qualquer outra atividade científica, é produzir proposições verdadeiras.

Deve ainda ser dito, no entanto, que tal tipo de elaboração está ainda em estágio bastante atrasado, quando comparado às teorias formais da mudança. Nesse último encontramos maior consenso, não apenas em têrmos das dimensões que devem ser consideradas como relevantes, mas também quanto aos conceitos teóricos principais, aos quais já se atribuiu um significado aproximadamente igual. O ponto estratégico é como encontrar medidas apropriadas para as dimensões e condições adequadas de prova. Nas teorias substantivas de mudança política a situação é bem rudimentar. Não há consenso quanto a conceitos fundamentais tais como democracia, autoritarismo, ditadura e não há consenso no que se refere às condições que devem ser consideradas para explicar a mudança substantiva. Conseqüentemente, o poder explicativo e preditivo é atualmente baixo, embora sua temática seja de nível significativo de generalidade.63 63 Tais são os problemas tratados na elaboração de Organski quanto a tipos de regimes. As elaborações bastante semelhantes de Kautsky, em The politics of the underdeveloped areas tratam, também, de tais dificuldades.

Finalmente, abordaremos a elaboração mais complicada sôbre desenvolvimento político: a elaboração de Almond, sozinho ou em co-autoria. Sua atividade teórica, apontando para várias direções ao mesmo tempo, chama a atenção para vários aspectos frutíferos e, algumas vêzes, tenta, prematuramente, sintetizar e colocar dentro do mesmo esquema as muitas pistas descobertas. Na discussão seguinte consideramos estar o leitor familiarizado com seu pensamento básico a fim de não estendermos em demasiado a discussão.

Em Abordagem desenvolvimentista aos sistemas políticos é sugerido que o desenvolvimento dos sistemas políticos pode ser conceituado de acôrdo com o que Almond chama "lógica das capabilidades ".64 64 Almond, Gabriel. A developmental approach to political systems. World Politcs, 17: p. 199 jan. 1965. Isso indica uma linha de raciocínio na qual as relações entre as várias capabilidades, e a forma pela qual os conjuntos de capabilidades variam de acôrdo com variações em cada uma delas, assumem grande importância. Nessa linha de raciocínio, a discussão sôbre as formas pelas quais os conjuntos se correlacionam aos arranjos institucionais (ou processos de convenção) é adiada até que compreensão clara da lógica das capabilidades seja atingida.65 65 Ver Almond, G. op. cit. p. 197. Essa posição é novamente enfatizada numa série de conferências posteriores em que recomenda uma "polimetria " (mensuração do comportamento do sistema), baseado apenas na lógica das capabilidades.66 66 Almond, Gabriel. Perspectives on political development. Benedict Lectures on political philosophy. Boston University, mar. 1968, mimeo. 18, 19, 20, passim. Esta proposição não é absolutamente verdadeira. A lógica das capacidades, sugerida oas Benedict Lectures, inclui, também, as condições iniciais dos sistemas politicos, e ainda os objetivos das elites. Porém, é ainda verdadeiro que não se acentua relação alguma com os arranjos institucionais.

Por outro lado, no mesmo artigo (abordagem desenvolvimentista), êle argumenta que "a teoria da mudança política lida com aquelas transações, entre o sistema político e seu ambiente, que ocasionem mudanças no desempenho do sistema político, ou capabilidades, que, por outro lado, estejam associadas com mudanças no desempenho das funções sistêmicas de adaptação e de conversão.67 67 Almod, G. op. cit. p. 191. Essa conexão entre capabilidades e outras funções do sistema político, como forma de conceituação do desenvolvimento político, será novamente proposta em seu último livro.68 68 Almond, Gabriel. & Powell Jr. G. Bingham, Comparative politics a developmental approach. Ver, por exemplo, p. 300-322. Tentaremos, no parágrafo seguinte, organizar os vários tipos de dimensões incluídos no livro, bem como as linhas de conceitualização propostas. Parte dêsse trabalho será inferida e, portanto, é possível que surjam dúvidas sôbre a apresentação da lógica básica da elaboração original.

Parece que a elaboração lida com três tipos de dimensões. Vamos chamá-Ias de: institucionais (A) - processos de conversão + socialização política + recrutamento político; atitudinais (B) - cultura política; 69 69 É verdade que em Civic culture, Almond & Verba distinguem a cultura política dos puros atributos atitudinais ou variáveis. Neste contexto, entretanto, a classificação é utilizada apenas como uma forma de diferenciar uma dimensão da outra. e de desempenho (C) - capabilidades. O A é predicado a partir da organização societal, o B, a partir da população, e C, é predicado a partir do sistema político. A confiar nas sugestões dadas a partir da página 205, seria possível dizer que A é função do tempo, ou desempenho, ou do meio ambiente; B é também função do tempo, ou desempenho, ou meio ambiente; e Em Abordagem dese é função dos recursos e apoios e aparato governamental e objetivos das elites. Da página 300 a 322, entretanto, A, B, e C são apresentados como se devessem existir em equillbrio ou congruência; porém, novamente, à página 323, as capabilidades são função da diferenciação estrutural e secularização cultural, e nada é dito sôbre a autonomia estrutural. Finalmente, na seção "O porquê do desenvolvimento ", os estágios do desenvolvimento político são vistos como função da crise da construção da Nação e da construção do Estado, da crise de participação e da crise de distribuição.

Nessa elaboração múltipla podemos assinalar três tipos diferentes de problemas relacionados ao desenvolvimento político. O primeiro tem a ver com a lógica das capabilidades, onde o objetivo é definir o que Almond chama de "perfil de capabilidades ". Em seus livros e artigos existe uma série de declarações quanto à forma de estudar tais perfis e sua dinâmica. Por exemplo, um acréscimo na capacidade extrativa implica em decréscimo na capacidade distributiva; um acréscimo na capacidade regulatória implica em redução na capacidade responslva.70 70 Estamos usando indiferentemente os têrmos capabilidade e capacidade para indicar a mesma noção, isto é, a possibilidade de implementar decisões tomadas pelo estado, ou govêrno, ou sistema político. Tais sugestões, entretanto, parecem ter como parâmetro o fator tempo. Mesmo assim, muitas das elaborações mencionadas, bem como evidências empíricas apontam para o fato de que não é o aumento, digamos, na capacidade extrativa per se, que importa, mas principalmente a taxa de aumento através do tempo. Não é a pressão pelo desenvolvimento econômico que leva ao aumento das capacidades extrativas e regulatórias ao custo da redução das capacidades responsivas e distributivas, mas sim a pressão pelo rápido desenvolvimento econômico. A lógica das capabilidades, assim, prepara o caminho para a absorção do tempo, não como um parâmetro da análise, mas como um dos têrmos da equação do desenvolvimento político. E isso, provàvelmente, seria o passo mais significativo em direção ao ideal do conhecimento científico, na medida em que a teoria do desenvolvimento político é dinâmica e, forçosamente, teria que procederà redução do fator tempo a uma categoria controlada pela teoria.71 71 Karl von Vorys tem um dos poucos estudos que tentam relacionar variáveis teoriamente importantes com o fator tempo. Entretanto, em seu esforço o fator tempo desempenha ainda muito mais o papel de parâmetro que um dos termos da equação. Além disso, o estudo dos perfis de capabilidades pode propiciar a fonte para explicar e situar, dentro do mesmo esquema de explicação, fenômenos pràticamente reconhecidos como universais nos estudos de área, isto é, a difração imposta pela sociedade sôbre a vontade e comportamento das elites, bem como o impacto diferencial do comportamento da elite sôbre a sociedade. O estudo dos perfis de capabilidade, portanto, parece ser a linha mais promissora de elaboração, tendo em vista o ideal de uma teoria dinâmica do desenvolvimento político.

A segunda linha de raciocínio trata das estruturas. Estamos lidando com dimensões que são, em sua maioria, atributos do sistema político. Um sistema político tem ou não estruturas diferenciadas para a articulação política e, da mesma forma, possui ou não estruturas diferenciadas para a agregação politica. O que se entende por desenvolvimento político consiste, aqui, em tomar momentos diferentes no tempo, nos quais os sistemas políticos demonstram possui atributo antes inexistente. O contínuo de diferenciação estrutural só é um contínuo do ponto e vista formal, porque, de fato, carece de sentido dizer que o sistema político está no estado 1, 2 e 3 no processo de diferenciação de uma instituição para a articulação de demandas, como por exemplo, um sindicato.72 72 No sentido histórico, naturalmente, é possível ver como tais instituições surgiram e se desenvolveram. Mas, êsse processo abstraído da experiência macro-histórica de toda a humanidade não pode ser apenas atribuído a processos operando dentro de um sistema político singular, a menos que estejamos prontos para nos perdermos entre milhares de detalhes que formam o processo histórico singular de cada instituição, dentro de cada nação. Para o objetivo da conceitualização científica, a diferenciação estrutural deve ser entendida em têrmos de atributos adquiridos através do tempo pelo sistema político. Quanto à "autonomia " - outra dimensão crucial neste nível de análise - deve ser entendida em têrmos de "nenhuma ", "semi " e "completa ". Porém, dificilmente conseguimos ver como atribuir significado empírico a essa possibilidade teórica, sem cair nos problemas já mencionados por Robert T. Holt e John E. Turner em The political basis of economic development - an exploration in Comparative political analysis. cap. 1. O que está implícito nesta abordagem não são propriamente problemas de desenvolvimento mas aquilo que na economia é chamado de estática comparada, isto é, a comparação estrutural do sistema político em dois momentos diferentes no tempo, sem que seja possível dizer o que é responsável pelas diferenças encontradas. Tal linha de estudos pode produzir, é claro, muitos resultados significativos, porém não trata das questões mais importantes do desenvolvimento político.

O terceiro tipo de problemas a ser considerado consiste nas relações entre perfis de capacidades e arranjos institucionais. Em outras palavras, existe uma relação de tipo biunívoco entre perfis de capacidades e os arranjos institucionais? Ou é possível que mais de um tipo de arranjo institucional apresente a mesma habilidade para desempenhar um perfil determinado de capacidades? Almond apresenta uma série de indicações ao longo do raciocínio, e êsse campo parece ser extremamente rico, desde que o trabalho preliminar de estabelecimento dos perfis tenha sido feito. Nossa dúvida, no entanto, consiste em saber se esta linha de raciocínio pertence, de fato, ao campo do desenvolvimento político. Não temos uma posição definida nesse aspecto, porém parece que êsse tipo de problema requer uma análise diferente da abordagem em têrmos de desenvolvimento. Por outro lado, parece claro que se o perfil das capabilidades no tempo t2 fôr derivado do arranjo institucional no tempo tlr não haverá lugar para o que foi dito antes sôbre o comportamento da elite, dos recursos e do apoio disponível, entre outros aspectos. Um nôvo tipo de mecanicismo institucional teria sido introduzido na teoria. Mas êsse campo, seguramente, requer análises mais profundas. Na elaboração de Almond, portanto, podemos encontrar um padrão de conceituação que pressupõe tanto a explicação quanto a predição, possuindo poder potencial para incluir tôdas as variáveis relevantes descobertas em níveis diferentes de elaboração. Referimo-nos à lógica das capabilidades que, aparentemente, parece ser capaz de considerar também a variável mais difícil na teoria social - o fator tempo. O risco dessa elaboração é tentar uma vinculação prematura entre os perfis de capabilidades e os arranjos institucionais, e, portanto, desviando o esfôrço para formas de investigação cujos fundamentos lógicos são, pelo menos, questionáveis.

Essa era a última elaboração a a ser coberta no presente artigo. Buscando padrões básicos de explicação e predição, tivemos que reduzir 'dràstícamente os estudos analisados, a fim de tornar explícitas apenas aquelas estruturas lógicas mais relevantes para a construção teórica de uma teoria de desenvolvimento político. Muitos padrões de explicação e predição estão, de fato, implícitos em tais elaborações, em níveis distintos de generalidade e complexidade. Alguns dêles se encontram bastante distantes do ideal científico, mas certamente todos contribuem para a construção de uma teoria do desenvolvimento político. O problema crucial não consiste em saber se êles possuem ou não as propriedades do conhecimento científico formalizado, mas sim em como desenvolver, em cada nível de complexidade, o tipo de compreensão que envolvem, como passo necessário em direção à construção teórica. A preocupação básica dêste artigo consistiu em determinar padrões modais de explicação e predição, e discutir em cada padrão aquilo que parece ser a forma de aprimorar sua contribuição para o produto final, a saber: uma teoria dinâmica do desenvolvimento político. Foi, assim, determinado que os padrões modais podem ser grupados de acôrdo com o seguinte tipo de elaboração: estudos sôbre o estado do desenvolvimento político; estudos de área; estudos de prognósticos; estudos mistos (Organski): teorias formais da mudança política; teorias substantivas da mudança política; e análise das capabilidades. Esperamos que, de acôrdo com a proposta de estratégia inicialmente sugerida, algumas indicações a respeito de como fortalecê-los lõglcamente tenham surgido ao longo da exploração.

  • 1 A respeito do surgimento de vocábulos, sem o acréscimo correspondente de informação, cf. Verba, Sydney, Comparative political culture. Pye, Lucien & Verba, Sydney (eds.) Political culture and political development p. 514 - 15,
  • e ainda Pye, Lucien, Aspects of political development. p. 31.
  • 2 Cf. Pye Lucien. op. cit. ps. 31-39; Packenham, Robert. The study of political development. Stanford University, mimeo., agô. 1967.
  • 12 Eisenstadt, S. op, cit., p. 99 e segs. Esta análise está vinculada aos problemas discutidos também em Breakdowns Of modernizations. Economic Development and Cultural Change, 12(14), jul.. 1964.
  • 19 Coleman, James S. Nigeria, background to nationalism. 1968. p. 369.
  • 21 As duas primeiras citações são de Frey, Frederick, The turkish elite. 1965, p. 31-9,
  • respectivamente. A Última é de Binder, Leonard. Iran political development in a changing, society 1964. p. 87.
  • 23 Apter, David. The political kingdom in Uganda. 1961. p. 105.
  • 24 Von Vorys. Karl, Political development in Pakistan. 1965. p. 68-9.
  • 25 Feith, Herbert. The decline of Constitutional democracy in Indonesia. 1962. p. 608.
  • 28 Pye, Lucien. Politics, personallty and nation buildin, - Burma's search for idenlity. parte 1, 1962. p. 64 e 98.
  • 36 Ver a seguinte citação: "Êste trabalho não faz predições: é apenas um ensaio sôbre o sentido e Significado potencial de tendências existentes. " Brsezinski, Zbigniew. The politics of under-development, World Polítics, (1): 55, out. 1956.
  • 40 Em artigo recente, Huntington discute precisamente o caso oposto, isto é, como diferentes condições iniciais levam ao mesmo resultado. Ver Political modernization: America versus Europe. World Politics, 18(3): abro 1966.
  • 41 Organski, A. F. K. The stages Df polítical development. 1965. p. 3.
  • 60 LaPalombara, Joseph. Bureaucracy and political development: notes, queries and dilemmas ".
  • 61 LaPalombara, Joseph. Bureaucracy. p. 56-68.
  • 62 Wilner, Ann Ruth, The underdeveloped study of political development. World Politics, 16(3):473, abro 1964.
  • 64 Almond, Gabriel. A developmental approach to political systems. World Politcs, 17: p. 199 jan. 1965.
  • 66 Almond, Gabriel. Perspectives on political development. Benedict Lectures on political philosophy. Boston University, mar. 1968, mimeo. 18, 19, 20, passim.
  • 68 Almond, Gabriel. & Powell Jr. G. Bingham, Comparative politics a developmental approach.
  • 72 No sentido histórico, naturalmente, é possível ver como tais instituições surgiram e se desenvolveram. Mas, êsse processo abstraído da experiência macro-histórica de toda a humanidade não pode ser apenas atribuído a processos operando dentro de um sistema político singular, a menos que estejamos prontos para nos perdermos entre milhares de detalhes que formam o processo histórico singular de cada instituição, dentro de cada nação. Para o objetivo da conceitualização científica, a diferenciação estrutural deve ser entendida em têrmos de atributos adquiridos através do tempo pelo sistema político. Quanto à "autonomia " - outra dimensão crucial neste nível de análise - deve ser entendida em têrmos de "nenhuma ", "semi " e "completa ". Porém, dificilmente conseguimos ver como atribuir significado empírico a essa possibilidade teórica, sem cair nos problemas já mencionados por Robert T. Holt e John E. Turner em The political basis of economic development - an exploration in Comparative political analysis. cap. 1.
  • 1
    A respeito do surgimento de vocábulos, sem o acréscimo correspondente de informação, cf. Verba, Sydney, Comparative political culture. Pye, Lucien & Verba, Sydney (eds.)
    Political culture and political development. p. 514 - 15, e ainda Pye, Lucien,
    Aspects of political development. p. 31.
  • 2
    Cf. Pye Lucien. op. cit. ps. 31-39; Packenham, Robert.
    The study of political development. Stanford University, mimeo., agô. 1967.
  • 3
    Ver Riggs, Fred. The theory of political development. In, James C. Charlesworth. (ed.)
    Contemporary political analysis.
  • 4
    Esta qualificação é feita a fim de evitarmos a controvérsia de que as criticas eventuais não consideram o papel, ora pioneiro, ora critíco, desempenhado por tais estudos.
  • 5
    Cf., por exemplo, Almond, Gabriel. Political systems and political change.
    The American Behavioral scientist, 6(10), 6, jun. 1963.
  • 6
    Cf. Diamant, Alfred. Political development: approaches to theory and strategy.
    Approaches to development - polítics, administration, and Change. John D. Montgomerv e William J. Siffin (eds.), 1966. p. 24.
  • 7
    Cf. Huntington, Samuel. Polítical development and political decay.
    World Politics, 17(3):391, abro 1965.
  • 8
    Pye, Lucien. op. cit. p, 31-49.
  • 9
    Frey, Frederick. Political development, power and communications in Turkey. In: Lucien Pye (ed.).
    Communications and political development. p. 301.
  • 10
    Cf. Eisenstadt, S.
    Bureaucracy and political development. Joseph LaPalombara, (ed.) 1963.
  • 11
    Eisenstadt, S. op. cit., p. 96.
  • 12
    Eisenstadt, S. op, cit., p. 99 e segs. Esta análise está vinculada aos problemas discutidos também em Breakdowns Of modernizations.
    Economic Development and Cultural Change, 12(14), jul.. 1964.
  • 13
    Huntington, Samuel. op. cit., p. 393.
  • 14
    Huntington, Samuel. op. cit., p. 394. Deve ser dito, entretanto, que Huntington parece evitar a possibilidade de fazer julgamentos referentes ao processo de desenvolvimento antes que os níveis de Institucionalização tenham sido descritos. Cf. op. cit., p. 405.
  • 15
    Huntlngton, Samuel. op. cit., p. 418-19.
  • 16
    Huntington, Samuel. op, cit., p. 394.
  • 17
    Deutsch, Karl. Social mobilization and political development. In:
    The American Political Science Review, 15(3): set. 1961.
  • 18
    Huntington, Samuel. op. cit., p. 399.
  • 19
    Coleman, James S.
    Nigeria, background to nationalism. 1968. p. 369. O mesmo sentido contextual pode ser deduzido da utilização do conceito às páginas 4 e 6, e apêndice, p. 419.
  • 20
    Cf. Coleman, J. S. op. cit., Preface. p. 7: "This book claims to be no more than an introduction to selected aspects on the political history of modern
    Nigeria. " Ver, ainda, p. 54.
  • 21
    As duas primeiras citações são de Frey, Frederick,
    The turkish elite. 1965, p. 31-9, respectivamente. A Última é de Binder, Leonard.
    Iran political development in a changing, society. 1964. p. 87. .
  • 22
    Apter, David, Ghana in transition, Atheneum ed. p. 9. Nesta e nas referências precedentes, estamos indicando apenas aquelas passagens em que a resposta pode ser encontrada de forma explicita. Isto não implica, portanto, que tais respostas não possam ser encontradas de forma implicita ao longo das obras.
  • 23
    Apter, David.
    The political kingdom in Uganda. 1961. p. 105.
  • 24
    Von Vorys. Karl,
    Political development in Pakistan. 1965. p. 68-9.
  • 25
    Feith, Herbert.
    The decline of Constitutional democracy in Indonesia. 1962. p. 608.
  • 26
    Coleman, J. S. op. cit., passim.
  • 27
    Binder, Leonard. op, cit., p. 346.
  • 28
    Pye, Lucien. Politics, personallty and nation buildin, -
    Burma's search for idenlity. parte 1, 1962. p. 64 e 98.
  • 29
    Frey, Fuderick op. cit. p. 37, 38 e 157.
  • 30
    Weiner, Myron. The politics of scarcity. 1962. passim. Certamente, a obra de Weiner não pretende ser um estudo sObre desenvolvimento politico. O mesmo ocorre com a de Coleman, cujo índice não enfatiza o conceito: o mesmo é válido para a obra de Apter, Ghana in Transition, e para Feith. Ver a citação de Coleman na nota 20, e a seguinte citação de Feith: "Este livro trata da politica da Indonésia entre dezembro de 1949 e março de 1957 (...). Meu objetivo é, aqui, contar a história de sua tentativa, apresentando-a sob o prisma da evolução mensal dos acontecimentos do desenvolvimento da politica nacional. " Feith, op, cito Prefácio.
  • 31
    Deve-se salientar que a apresentação de tais livros lida apenas com os padrões lógicos de explicação que êles desenvolvem, sem considerar qualquer outra contribuição que tenham prestado à ciência politica.
  • 32
    Riggs, Fud. op. cit. p. 322.
  • 33
    Esta rigorosa avaliação parece-nos justificada enquanto tais estudos sejam tidos como elaborações sobre o desenvolvimento politico, o que nem sempre é o caso. É, também, verdade que alguns entre êles são mais rigosamente apresentados sendo, portanto, anulados na avaliação. No entanto, quanto à lógica da explicação, nenhum dêles mostra um padrão rigoroso de demonstração, em virtude talvez do baixo nível de demonstração prevalecente na ciência politica quando foram produzidos.
  • 34
    Esta proposição não quer necessàriamente dizer que nenhum dos autores tenha feito especulações quanto a tendências; alguns dêles o fizeram. Porém, tais estimativas não foram baseadas na estrutura da explicação apresentada em seu trabalho. De certa forma, tais estimativas poderiam ser feitas sem a evidência apresentada, já que não é adequada à estrutura de predição envolvida nas especulações de tendências. A categoria seguinte de estudos a ser analisada constitui-se de trabalhos mais orientados para a predição do que para a explicação; suas estruturas lógicas serão discutidas a seguir. Para uma avaliação das dificuldades implicitas nas predições supostamente baseadas em tais estudos compare o "desenvolvimento politico " de Gana, desde a edição do livro de Apter com os vários prefácios escritos a fim de reajustar sua opinião face aos novos acontecimentos. Compare, especialmente, o final otimista escrito em 1963, para a edição Atheneum, com o que aconteceu em Gana deste então.
  • 35
    Tais tendências foram inferidas não apenas a partir dos fenômenos básicos anteriormente citados, mas, também, do conjunto de evidências que tais estudos trouxeram para discussão.
  • 36
    Ver a seguinte citação: "Êste trabalho não faz predições: é apenas um ensaio sôbre o sentido e Significado potencial de tendências existentes. " Brsezinski, Zbigniew. The politics of under-development,
    World Polítics, (1): 55, out. 1956.
  • 37
    Shills, Edward. Polítical development in the New States. passim. A argumentação de Shills não precisa ser aqui transcrita. Deve ser dito, no entanto, que o macro hiato se encontra profundamente analisado, tanto que em vez da falar em têrmos de fenômenos-macro, levando a conseqüências diversas, é preferfvel falar em têrmos de condições iniciais a, b, c,... n.
  • 38
    Shills, Edward. op. cit. p. 12.
  • 39
    "Delineamos, nas páginas seguintes, certos tipos de regimes que podem ser consequência do intercurso entre o ideal buscado e a necessidade obstinada ". Shilis. op. cit. p. 50.
  • 40
    Em artigo recente, Huntington discute precisamente o caso oposto, isto é, como diferentes condições iniciais levam ao mesmo resultado. Ver Political modernization: America versus Europe.
    World Politics, 18(3): abro 1966.
  • 41
    Organski, A. F. K.
    The stages Df polítical development. 1965. p. 3.
  • 42
    Organskl, A. F. K. op. cit., p. 7.
  • 43
    Ibid. p. 7ff
  • 44
    Ibid. p. 187.
  • 45
    Ibid. p. 21.
  • 46
    Ibid. p. 56-93.
  • 47
    Ibid. p. 217.
  • 48
    Ibid. p. 215.
  • 49
    Ibid. p. 218.
  • 50
    Ibid. p. 217.
  • 51
    Ibid. p. 219.
  • 52
    Ibid. p. 171.
  • 53
    Apter, David. The politics of modernization. 1965. principalmente o Prefácio. Apter oferece mais elaborações além daquela que será mencionada mais adiante. Ver nota 57.
  • 54
    Von Vorys, Karl. Use and misuse of development theory. In: op. cit. Charlesworth (ed.)
  • 55
    Riggs, Fred. op. cit., loc. cit.
  • 56
    Coleman, James S. Education and political development. Introduction to James S. Coleman (ed.).
  • 57
    Apter, D. op. cito p, 409ff. Parece que a inclusão da elaboração de Apter no conjunto de teorias formais sobre a mudança política não é justificada. Entretanto, estamo-nos baseando principalmente em sua sugestão no Prefácio (edição Phoenix de 1967) na qual as dimensões informaçlo e coerção assumem papel central. Já que Apter diz que sua opinião modificou-se desde a primeira edição original, e porque promete um novo livro em que apresentaria a nova formulação, preferimos desconsiderar as ligações estabelecidas no livro e tornar apenas os conceitos expressamente enfatizados no Prefácio.
  • 58
    Von Vorys, Kall. Use and misuse of development theory. op cit., p. 356. Entretanto, mais adiante êle parece estar apenas discutindo a viabilidade dos sistemas politicos, e que essas slo as condições do caos politico e não do desenvolvimento politico. Na página 358, por exemplo, parece sugerir que o desenvolvimento político seria o acréscimo permanente da capacidade de controlar em relação à demanda por controle. Nossa oolnlão, ao longo dêste trabalho, pode bem não estar de acordo com a visão de Von Vorys sobre o assunto.
  • 59
    Riggs, Fud. op. cit., p. 341ff.
  • 60
    LaPalombara, Joseph. Bureaucracy and political development: notes, queries and dilemmas ". In: op. cit. LaPalombara.
  • 61
    LaPalombara, Joseph. Bureaucracy. p. 56-68.
  • 62
    Wilner, Ann Ruth, The underdeveloped study of political development.
    World Politics, 16(3):473, abro 1964.
  • 63
    Tais são os problemas tratados na elaboração de Organski quanto a tipos de regimes. As elaborações bastante semelhantes de Kautsky, em The politics of the underdeveloped areas tratam, também, de tais dificuldades.
  • 64
    Almond, Gabriel. A developmental approach to political systems. World Politcs, 17: p. 199 jan. 1965.
  • 65
    Ver Almond, G. op. cit. p. 197.
  • 66
    Almond, Gabriel. Perspectives on political development. Benedict Lectures on political philosophy. Boston University, mar. 1968, mimeo. 18, 19, 20, passim. Esta proposição não é absolutamente verdadeira. A lógica das capacidades, sugerida oas Benedict Lectures, inclui, também, as condições iniciais dos sistemas politicos, e ainda os objetivos das elites. Porém, é ainda verdadeiro que não se acentua relação alguma com os arranjos institucionais.
  • 67
    Almod, G. op. cit. p. 191.
  • 68
    Almond, Gabriel. & Powell Jr. G. Bingham, Comparative politics a developmental approach. Ver, por exemplo, p. 300-322.
  • 69
    É verdade que em Civic culture, Almond & Verba distinguem a cultura política dos puros atributos atitudinais ou variáveis. Neste contexto, entretanto, a classificação é utilizada apenas como uma forma de diferenciar uma dimensão da outra.
  • 70
    Estamos usando indiferentemente os têrmos
    capabilidade e capacidade para indicar a mesma noção, isto é, a possibilidade de implementar decisões tomadas pelo estado, ou govêrno, ou sistema político.
  • 71
    Karl von Vorys tem um dos poucos estudos que tentam relacionar variáveis teoriamente importantes com o fator tempo. Entretanto, em seu esforço o fator tempo desempenha ainda muito mais o papel de parâmetro que um dos termos da equação.
  • 72
    No sentido histórico, naturalmente, é possível ver como tais instituições surgiram e se desenvolveram. Mas, êsse processo abstraído da experiência macro-histórica de toda a humanidade não pode ser apenas atribuído a processos operando dentro de um sistema político singular, a menos que estejamos prontos para nos perdermos entre milhares de detalhes que formam o processo histórico singular de cada instituição, dentro de cada nação. Para o objetivo da conceitualização científica, a diferenciação estrutural deve ser entendida em têrmos de atributos adquiridos através do tempo pelo sistema político. Quanto à "autonomia " - outra dimensão crucial neste nível de análise - deve ser entendida em têrmos de "nenhuma ", "semi " e "completa ". Porém, dificilmente conseguimos ver como atribuir significado empírico a essa possibilidade teórica, sem cair nos problemas já mencionados por Robert T. Holt e John E. Turner em The political basis of economic development - an exploration in Comparative political analysis. cap. 1.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1971
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