Acessibilidade / Reportar erro

Industrialização e atitudes operárias

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Industrialização e atitudes operárias

Por Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo, Editora Brasiliense, 1970. 217 p.

Frente à escassez de material empírico para o desenvolvimento dos estudos sociológicos no Brasil, a realização de pesquisas torna-se hoje tarefa fundamental. O trabalho ora apresentado, fruto de um levantamento junto a um grupo de operários, preenche, em parte, essa lacuna. A pesquisa visou a conhecer as atitudes do grupo entrevistado frente à empresa, ao sindicato e à política; com os dados assim obtidos, foi possível levantar hipóteses explicativas do comportamento social e político do proletariado brasileiro. Cabe assinalar aqui que a pesquisa foi efetuada numa grande empresa estrangeira, o que constitui dado importante, pois a maior parcela do proletariado brasileiro encontra-se em indústrias deste tipo.

O tópico principal para a discussão diz respeito às peculiaridades do processo de industrialização brasileiro, tendo-se em conta as condições econômicas, sociais e políticas de um país subdesenvolvido: o comportamento do operariado só pode ser entendido se devidamente situado nesse contexto.

É num país de economia agrárioexportadora, com níveis mínimos de consumo que se processa, num período relativamente curto, a implantação de um setor Industrial moderno, com base na importação de avançada tecnologia estrangeira. Passamos, assim, quase que diretamente à produção industrial em série fundada no trabalho semiqualificajdo. Nesse sentido, a questão que se levanta é a do recrutamento e da composição da mão-de-obra para tais indústrias. Dois níveis, podem ser aí distinguidos:

1. O grosso do pessoal semiqualificado é recrutado entre a massa de " migrantes rurais que, recém-egressos de uma sociedade tradicional, sofrem o impacto da civilização moderna, altamente urbanizada e industrializada, com todas as conseqüências que o choque entre o velho e o novo acarretam, no plano dos valores, das normas, das aspirações e dos comportamentos sociais.

2. A mão-de-obra especializada é recrutada entre a massa urbana, de maior nível de escolaridade que a massa rural. Maior urbanização, maior nível de escolaridade e maior qualificação profissional estio estreitamente relacionados. Dada a carência de mão-de-obra especializada no Brasil, o trabalhador qualificado possui alguma possibilidade de ascensão econômica, o que é quase impossível ao trabalhador semiqualificado, tendose em vista a existência do vasto contingente de mão-de-obra de reserva, constituído pela massa rural.

Portanto, a origem da mão-de-obra urbana ou rural torna-se elemento fundamental à compreensão do comportamento operário. Os resultados da pesquisa são analisados a partir desta diferenciação básica, demonstrando diferenças relevantes nas atitudes e orientações valorativas das duas categorias,1 1 O autor recorre à seguinte classificação: tradicionais, trabalhadores de origem rural, e modernos, trabalhadores de origem urbana. dentre as quais consideramos da maior importância a que diz respeito à identificação dos operários com.o seu trabalho. Os tradicionais não se identificam com o trabalho, considerando-o apenas como o instrumento que lhes proporcione os meios suficientes para voltarem ao campo ou para se estabelecerem por conta própria. Mas, devido à falta de oportunidade de ascenderem economicamente, acabam voltando a empregar-se na indústria. A grande mobilidade ocupacional assim gerada e a não-identificação com o trabalho passam, desse modo. a constituir fortes obstáculos à formação de uma consciência de classe operária.

De outro lado, há grande identificação com o trabalho por parte dos operários qualificados. Mas o fato de possuírem situação econômica privilegiada dentro da classe não os leva a uma posição contestadora. Assim mesmo, em termos de indivíduos, foi aqui que se encontrou maior nível de politização.

Quanto à atitude frente ao sindicato, os tradicionais o concebem como mera entidade de assistência médico-dentária, enquanto os modernos o vêem como entidade de assistência jurídico-trabalhista. Os tradicionais, utopicamente, concebem o Estado como uma entidade ditatorial que atue em benefício popular, enquanto os modernos, sendo mais realistas, preconizam formas mais democráticas de governo. Ambas as categorias são favoráveis à industrialização e ao capital estrangeiro, uma vez que a criação de novas indústrias gera mais empregos, que por sua vez são mais bem remunerados nas empresas de capital alienígena.

De modo geral, apesar das diferenças entre as duas categorias, o que se pode concluir é que a classe operária brasileira como um todo está em formação, não sendo ainda capaz de ter um programa de transformação para o conjunto da sociedade. Para o autor, o atual operariado brasileiro, sendo formado de segmentos diversos identifica-se com o "povo", ou "elementos pobres", isto é, o conjunto da população que possui fraca participação no mercado consumidor. Ao contrário do que ocorreu nas primeiras fases da industrialização nos países desenvolvidos, não é a partir da posição ocupada na estrutura da produção que se define a participação política do operariado brasileiro, mas sim a partir da posição ocupada na estrutura de distribuição da renda.

Se a hipótese é ou não verdadeira, cabe aos fatos revelá-lo. De todo modo, a obra apresentada, levantando problemas centrais sobre o operariado brasileiro, constitui importante material para a sua compreensão.

MARISA SAENZ LEME

  • 1
    O autor recorre à seguinte classificação: tradicionais, trabalhadores de origem rural, e modernos, trabalhadores de origem urbana.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1971
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br