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Os efeitos do sistema de minidesvalorizações da taxa de câmbio sobre o movimento de capitais estrangeiros

ARTIGOS

Os efeitos do sistema de minidesvalorizações da taxa de câmbio sobre o movimento de capitais estrangeiros* * Adaptado do capítulo 7 da tese de PhD do autor, Os efeitos das minidesvalorizações sobre a economia brasileira, 1973, defendida na Michigan State University. O autor agradece as sugestões do Prof. Mordechai E. Kreinin, da Michigan State University e do Prof. Clark W. Reynolds, da Stanford University.

Eduardo Matarazzo Suplicy

Professor do Departamento de Economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas

Este artigo examinará a natureza dos movimentos de capitais externos no Brasil, em anos recentes. Tentará identificar a influência do sistema de pequenas e freqüentes mudanças na taxa de câmbio, iniciadas em agosto de 1968, sobre os influxos de capitais diretos e de empréstimos e financiamentos.

A política de minidesvalorizações teve dois importantes impactos sobre o movimento de capitais. Primeiro, diminuiu substancialmente os movimentos bastante instáveis de capitais de curto prazo que eram prejudiciais ao valor do cruzeiro. Segundo, ao lado de outras medidas, constituiu-se em condição necessária para a maior abertura da economia brasileira e para a excepcional entrada de capitais externos ocorrida recentemente.1 1 Ver Lira, Paulo H. Pereira. Cruzeiro, o preço exato da moeda. Revista Econômica, Jornal do Brasil, 26 de março de 1971, p. 32; Tyler, William G. Exchange rate flexibility under conditions of endemic inflation: a case study of recent Brazilian experiences. Trabalho feito para USAID, 1971; Bracher, Fernão C. Botelho. Sistema cambial de taxa flexível. O Estado de São Paulo, 24 de novembro de 1968, p. 71.

Sob o sistema antigo de desvalorizações abruptas feitas a intervalos relativamente longos, grandes movimentos financeiros especulativos eram realizados sempre que uma mudança drástica fosse esperada na taxa de câmbio. Com a inflação corrente, quanto mais longo fosse o intervalo entre as desvalorizações, tanto maior seria o problema quando se aproximasse uma nova e esperada desvalorização. Financistas e as pessoas em geral convertiam os cruzeiros supervalorizados em moedas estrangeiras. Podiam esperar a desvalorização e comprar de volta os cruzeiros a nova taxa, realizando assim um ganho fácil do montante da desvalorização. Logo após a desvalorização, o público podia estar razoavelmente seguro de que não ocorreria outra mudança na taxa cambial nos próximos, digamos, seis meses. Podiam então comprar ativos financeiros, por exemplo, letras de câmbio, e daí ganhar a taxa nominal de juros vigente no Brasil (20% ao semestre era comum entre 1960 e 1967). Quando nova desvalorização fosse esperada, podiam então converter seu dinheiro em moedas estrangeiras. Esses ciclos de especulação e desvalorização resultavam em pressões intensas periódicas no mercado de capitais. Fundos que normalmente serviriam para financiar atividades produtivas eram temporariamente desviados para comprar moeda estrangeira.

Diversos tipos de controles foram impostos de tempos em tempos para evitar essas operações especulativas. A pressão continuou a existir, no entanto, o que pode ser evidenciado pela grande diferença entre as taxas de câmbio oficial e no mercado negro, que prevaleceram nos anos 60 até o início das minidesvalorizações em agosto de 1968. O diferencial variou de 15 a 20% de 1960 a 1968, chegando a ser de 60 a 100% durante 1963 e 1964.2 2 Ver Conjuntura Econômica, 26 (novembro 1972), suplemento, p. 34. A série de dados de taxas no mercado negro não é completa e não cobre o período das minidesvalorizações. Embora não haja dados publicados sobre a taxa cambial no mercado negro durante o período das minidesvalorizações, entrevistas revelaram que essas taxas, em geral, têm diferido menos que 10% em relação à taxa oficial desde agosto de 1968.

O novo procedimento em se mudar a taxa de câmbio, aliado à política de taxas de juros, tornaram não lucrativa a compra de moedas estrangeiras com a finalidade única de se ganhar com as desvalorizações. As autoridades monetárias têm tido o cuidado de fazer desvalorizações a taxas médias abaixo do diferencial entre as taxas de juros interna e externa. Esse diferencial tem sido de aproximadamente dois pontos percentuais por mês e a taxa de desvalorização ligeiramente acima de 1 % ao mês. Como a taxa de juros interna tem excedido o nível externo por mais do que a taxa de desvalorização, não tem havido incentivos para brasileiros investirem no exterior. O elemento de risco envolvido no intervalo entre ajustes, o qual tem variado de 14 a 80 dias, tem feito com que as operações especulativas de curto prazo tornem-se menos atrativas.

A tabela 1 mostra que o diferencial entre retornos anuais entre alguns títulos nacionais e estrangeiros tem sido, em geral, maior do que a desvalorização anual durante o período das minidesvalorizações. Isso tem sido o caso para o retorno diferencial entre uma letra de câmbio no Brasil - um título quase sem risco - e a taxa de juros no mercado do eurodólar em Londres.

Infelizmente, não há dados mensais disponíveis para avaliar os efeitos das minidesvalorizações sobre os fluxos especulativos de curto prazo. Os relatórios anuais do Banco Central têm afirmado, no entanto, que os movimentos especulativos de curto prazo contra o cruzeiro diminuíram substancialmente desde agosto de 1968. Por outro lado, as minidesvalorizações, em conjunto com outras importantes medidas políticas e econômicas, criaram as condições para um influxo excepcional de capital estrangeiro no Brasil nos últimos cinco anos.

1. FATORES QUE INFLUENCIARAM O INFLUXO DE CAPITAIS

Para se avaliar adequadamente a influência específica dos efeitos das minidesvalorizações, é necessário examinar-se as diversas reformas financeiras e políticas e os acontecimentos econômicos que afetaram o movimento líquido de entrada e saída de capitais no País.

Em primeiro lugar, ocorreram importantes mudanças na política de taxa de juros e nos mercados de capitais. A taxa real de juros, devido a restrições legais, havia-se tornado cada vez mais negativa de 1960 a 1964, à medida que a taxa de inflação aumentava. A partir de 1965, a correção monetária foi instituída e estendida aos principais instrumentos financeiros como parte de um enfoque gradual de combate à inflação. Como resultado, as taxas reais de juros tornaram-se crescentemente positivas a partir de 1966.3 3 Ver Christoffersen, Leif. Taxas de juros e a estrutura de um sistema de bancos comerciais em condições inflacionárias. Revista Brasileira de Economia. 23 (junho 1969) ; e Tyler, Exchange rate flexibility, op. cit.

Em segundo lugar, inúmeras medidas foram tomadas para estimular o desenvolvimento do mercado de títulos no Brasil. A dedução do imposto de renda para a compra de títulos, a isenção de impostos sobre ganhos de capital, a participação governamental sob diversas formas e o ressurgimento do crescimento econômico brasileiro, resultaram num boom sem precedente do mercado de títulos de 1967 a 1971. O índice BV de preços de títulos negociados na bolsa do Rio de Janeiro aumentou 16 vezes, de dezembro de 1967 a dezembro de 1971. O aumento acelerou-se excepcionalmente no primeiro semestre de 1971 durante o qual o índice subiu a 212%.

Terceiro, as autoridades monetárias promulgaram diversos regulamentos a fim de prover mecanismos para canalizar crédito externo de Curto e médio prazos a firmas brasileiras, através dos bancos comerciais.4 4 Os principais regulamentos são: 1. Resolução n.º 63 do Banco Central (agosto 1967) para empréstimos realizados por um tempo determinado na hora da solicitação (de 12 a 36 meses); 2. Lei n.º 1431, que provê financiamentos por um mínimo de seis meses, sem limitação de prazo máximo, mas que depende de aprovação do Banco Central; 3. Instrução da SUMOC n.º 289, que permite empréstimos por períodos de 180 a 360 dias e que poderiam ser estendidos dentro da Lei n.º 1431 à discrição do Banco Central. A Instrução n.º 289 foi revogada em outubro de 1972. Tanto empresas nacionais quanto estrangeiras adquiriram cada vez mais empréstimos no exterior. As empresas estrangeiras lideraram essa prática, e muitos empréstimos ocorreram da companhia matriz para a subsidiária. Motivadas por algumas regulamentações e pelo clima favorável ao investimento estrangeiro, muitas empresas subsidiárias trouxeram capital para o Brasil sob a forma de empréstimo, ao invés de o registrarem como investimento estrangeiro.

Quarto, o regime político desde 31 de março de 1964 tem assumido papel de grande relevância assegurando maiores probabilidades ao investimento estrangeiro. A importância desse fator é particularmente notável quando se comparam as condições de estabilidade política e econômica do Brasil com a de outros países da América Latina, África e Ásia, em anos recentes. Essas condições, logicamente, limitam as oportunidades de investimentos lucrativos para aqueles que possuem um excesso de capital disponível nos países desenvolvidos. O Brasil, desde 1964, tem sido governado por oficiais das Forças Armadas, os quais, com a ajuda de técnicos civis muito hábeis, tentam promover o desenvolvimento mais rápido possível sob um sistema capitalista misto. A democracia política é exercida em nível bastante reduzido e têm-se reprimido manifestações adversas com firmeza. O governo, exercendo o controle indireto dos meios de comunicações, tem conseguido manter um ambiente tranqüilo para os empreendimentos, o que, aliado às formidáveis oportunidades econômicas existentes no Brasil, tem contribuído para atrair investidores estrangeiros.

Quinto, a política de minidesvalorizações diminuiu substancialmente o risco cambial para aqueles envolvidos em operações financeiras internacionais. O início e a expansão de grandes projetos de investimentos por firmas estrangeiras, tornaram-se menos dependentes das mudanças no nível da taxa de câmbio. Também foi diminuído o risco de tornarem-se de repente sujeitos a controles estritos de câmbio, como resultado de crescente desequilíbrio no balanço de pagamentos, uma situação comum no início dos anos 60.

Externamente, o acúmulo substancial de eurodólares em poder das grandes companhias e conglomerados financeiros internacionais, ocorrido especialmente nos anos 1968-1972, fez com que os investidores passassem a procurar ativamente oportunidades para aplicações lucrativas no Terceiro Mundo.

Esses fatores resultaram num excepcional aumento do influxo de capitais para o Brasil, como mostra a tabela 2. De 1968 a 1972, o influxo total cresceu a uma taxa composta de mais de 38% ao ano. O influxo em 1972 foi o dobro do de 1971 e mais de sete vezes daquele de 1967. O Investimento privado direto do estrangeiro cresceu à taxa composta de mais de 20% de 1968 a 1972. A soma de investimentos diretos do período 1968-1972 foi duas vezes e meia maior do que a soma do período 1963-1967. O aumento mais dramático, no entanto, ocorreu nos empréstimos e financiamentos. De 1968 a 1971, aproximadamente 25% desses fundos vieram do Banco Interamericano de Desenvolvimento, da USAID, do Banco Mundial, do Eximbank, e da Corporação Financeira Internacional. Essas organizações, desde 1964, auxiliaram substancialmente o esforço brasileiro de desenvolvimento. Os restantes 75% dos empréstimos e financiamentos vêm de operações privadas. Essa proporção vem aumentando nos últimos anos. Infelizmente, os dados sobre influxos de capitais não são publicados com maiores detalhes do que aqueles apresentados na tabela 2.5 5 Ver Relatórios de 1970 e 1971. Rio de Janeiro, Banco Central do Brasil.

2. A ANALISE DO FLUXO DE CAPITAIS: A EQUAÇÃO DE REGRESSÃO LINEAR DE TYLER

Para analisar os determinantes do influxo de capitais externos no Brasil, William G. Tyler estimou a seguinte equação de regressão linear:6 6 Ver Tyler. Exchange rate flexibility, op. cit. p. 32.

F = 334,19 + 9,50 i + 553,11 D (1,83) (4,23) (valores de t) R2 = 0,90 D.W. = 2,06

onde F representa o influxo capital privado de médio e longo prazos, i é a taxa de juros real paga aos portadores de letras de câmbio e D representa uma variável dummy para a política de minidesvalorizações. Tyler utilizou dados anuais de 1964 a 1970. Os sinais achados foram de acordo com o esperado, sendo D significativo ao nível de 1%, i um pouco acima de 10%. A significância de D, no entanto, não pode ser atribuída unicamente à política de minidesvalorizações. Os outros fatores mencionados, tais como a natureza política do regime, as numerosas reformas que atingiram o mercado de capitais e a situação financeira internacional também tiveram sua parte. Esses fatores, no entanto, não puderam ser distinguidos na análise de regressão.

3. A ANALISE DE REGRESSÃO DOS INVESTIMENTOS DIRETOS ESTRANGEIROS

O fluxo de investimentos diretos estrangeiros pode ser separado daquele de empréstimos e financiamentos para a finalidade de análise. Os principais determinantes do investimento direto privado são a taxa esperada de lucro e o risco a ela associado. Uma boa proxy para as oportunidades de lucro disponíveis para os investidores estrangeiros é a taxa de crescimento da economia. Um importante componente do risco é aquele relacionado às flutuações no nível da taxa de câmbio. Para analisar os determinantes dos investimentos diretos estrangeiros no Brasil, a seguinte regressão ordinária de mínimos quadrados foi estimada para 10 observações anuais de 1963 a 1972:

I = 76,799 + 5,240 yt - 10,198 t (1,921) (-2,107) (valores de t) (0,096) ( 0,073) (significância) R2 = 0,825 2 = 0,774 F = 16,449 Significância 0,002 D.W. = 2,11, indicando ausência de auto-regressão,

onde I representa investimentos diretos estrangeiros no Brasil em valores de dólares constantes, t é a taxa de crescimento real do produto interno bruto brasileiro, e t é a média anual da variação percentual mensal (sem sinal) na taxa real oficial de câmbio. Quanto menor o nível de t, menor é o nível de flutuações (e do risco de câmbio) na taxa real de câmbio. A tabela 3 mostra os dados usados na estimativa dessa regressão. Pode-se observar que o valor de t é bem tmenor depois de 1968 do que antes, como resultado das minidesvalorizações. A regressão mostra alta significância e bom ajustamento. Ambos os coeficientes de t e t mostram os sinais esperados. O de t é significativo estatisticamentte ao nível de 10% e o de t ao nível de 7%. Por tanto, o resultado indica que as minidesvalorizações, por diminuírem o risco de câmbio associado aos retornos ao investidor estrangeiro, tiveram uma influência positiva sobre os investimentos diretos vindos do exterior. Outros fatores que afetam as expectativas dos investidores estrangeiros, tais como os acontecimentos políticos, não foram levados em conta. O método de análise de portfolio no próximo item os considerará.

4. A ANÁLISE DO FLUXO DE CAPITAIS: O ENFOQUE DE PORTFOLIO

O método de portfolio para se analisar os movimentos de capitais, também pode ser útil no exame do recente aumento do influxo de capital estrangeiro no Brasil. A teoria do portfolio vê cada financista como possuindo um portfolio de ativos financeiros, cuja composição é designada a maximizar seu retorno sujeito a um risco mínimo. Um fator de grande importância na determinação da distribuição do portfolio entre ativos nacionais e estrangeiros é a constelação de taxas de juros vigentes nos diversos mercados. Por exemplo, no caso de um investidor inglês, a composição do seu portfolio pode ser representada por

onde é a fração do patrimônío líquido, Vi, na forma de títulos estrangeiros, é a taxa de juros no exterior, a taxa de juros doméstica, e St inclui variáveis tais como a avaliação de risco e as expectativas sobre a taxa de câmbio.

Em equilíbrio, o montante de ativos estrangeiros em mãos do financista pode ser representado por

Para o investidor inglês, considerando ter consigo ativos brasileiros, a introdução da política de minidesvalorizações aliada à estabilidade do governo brasileiro pode ser considerada como uma importante mudança favorável na variável s, o que pode ser expresso por:

A diminuição no risco deveria encorajar o financista a incluir mais ativos brasileiros em seu portfolio. Semelhantemente, uma variação na taxa de juros pode ser representada por:7 7 Ver Branson T. H. e Willet, T. D. Policy toward short-term capital movements, some implications of the portfolio approach. Trabalho apresentado na Conferência sobre a Mobilidade e Movimento Internacional de Capitais, do National Bureau of Economic Research, janeiro de 1970; e Kreinin, Mordechai E. International economics: a policy approach. New York, Harcourt, Brace, Jovanovich, 1971. P. 75-6.

Um aumento no retorno sobre títulos brasileiros faria o investidor incluir um maior número deles em seu portfolio. Essas mudanças de estoque constituem mudanças de um só tempo na distribuição do portfolio. A medida que aumenta o portfolio no tempo, o retorno maior sobre títulos estrangeiros (brasileiros) deveria aumentar a fração do crescimento do portfolio que contribui para a acumulação de ativos estrangeiros. Dado um certo vetor de taxas de juros, o crescimento de ativos estrangeiros (brasileiros) é dado por:

Um aumento na taxa de juros estrangeira (ou uma diminuição no risco cambial) aumentará , o fluxo de equilíbrio na direção de ativos estrangeiros, de:

Esse é um efeito de fluxo contínuo. O próprio modelo geral de distribuição do portfolio dado pela equação (1) implica uma relação um tanto rígida entre o efeito contínuo de fluxo e o efeito de mudança de estoque. Dividindo-se a equação (6) pela equação (4), obtém-se:

A razão do efeito fluxo sobre o efeito estoque é igual à taxa de crescimento de variável escala. Assim, se o portfolio está crescendo, por exemplo, a 10% ao ano, um aumento na taxa de juros estrangeira provocaria uma mudança no estoque de, digamos, US$ 500 mil, enquanto o efeito sobre o contínuo fluxo de transferência anual inicialmente seria de US$ 50 mil por ano. Esse efeito, por sua vez, também cresceria a uma taxa anual de 10%.

O enfoque de portfolio fluxo é pequeno em relação ao efeito mudança indica que o efeito de estoque. Para que haja mudanças contínuas nas entradas de capitais é preciso que haja contínuas mudanças nas taxas de juros; taxas altas influenciam primariamente as reservas. À luz dessa teoria, como se poderia explicar o grande aumento no influxo de capital para o Brasil, especialmente desde 1968? A tabela 4 mostra o diferencial entre o retorno real de dois títulos selecionados, a letra de câmbio brasileira, um papel comercial quase sem risco, e os depósitos de três meses de eurodólar em Londres. Esse diferencial tem aumentado continuamente desde 1968. Portanto, de acordo com a teoria do portfolio, esse aumento deveria resultar tanto num efeito mudança de estoque quanto num efeito fluxo, os quais deveriam resultar num aumento substancial no influxo de capitais para o Brasil. Outro bom indicador da rentabilidade de investimentos no Brasil é a taxa de crescimento da economia. Essa taxa também tem crescido substancialmente e quase que de modo contínuo desde 1968. Constitui um sinal de que os ativos brasileiros tornaram-se cada vez mais interessantes aos estrangeiros em anos recentes.

Os efeitos de fluxo e de estoque não podem ser separados empiricamente. A teoria de portfolio também não diz muito sobre delongas na resposta dos investidores às mudanças nos retornos esperados sobre diferentes ativos. Além disso, a análise do movimento de capitais deve levar em conta os acontecimentos políticos, tais como: golpes de estado, eleições, nacionalizações, movimentos revolucionários, repressão e assim por diante, aos quais ele é sensitivo. Pensando em termos da equação (1), esses eventos qualitativos podem ser representados por mudanças na variável s, a qual denota a avaliação do risco.

O crescimento anual do fluxo de empréstimos e financiamentos e de investimentos privados diretos para o Brasil, pode ser relacionado com o diferencial entre a taxa de retorno real sobre uma letra de câmbio no Brasil e um depósito eurodólar e também com a taxa de crescimento do produto interno bruto do Brasil na tabela 5.

As baixas taxas de crescimento da economia (proxy para rentabilidade esperada dos investimentos) e a situação política altamente instável durante os anos 1963 e 1964, tiveram um impacto negativo substancial sobre os investimentos diretos e também sobre os empréstimos e financiamentos. A Revolução de 1964 e a política do novo governo favorável aos investimentos estrangeiros tiveram importantes efeitos fluxo e estoque sobre a entrada de capitais. Em especial, os investimentos privados diretos cresceram 150% em 1965. O período 1965-1968 apresentou crescimento moderado. Em agosto de 1968, o início da política de minidesvalorizações representou um passo importante na diminuição do risco envolvido nas flutuações da taxa cambial. O ano de 1968 também foi o início de um longo período de crescimento acelerado para a economia brasileira. Como resultado, o ano de 1969 apresentou um crescimento de 72% nos investimentos privados diretos e de 90% nos empréstimos e financiamentos, uma indicação de que efeitos de estoque e de fluxo substanciais e positivos ocorreram naquele ano. Desde 1969 o retorno diferencial entre um título brasileiro e um depósito eurodólar tem crescido substancialmente e isso tem resultado num crescimento contínuo de empréstimos e financiamentos. Esse diferencial crescente foi devido tanto à situação interna brasileira como à situação de relativo excesso de fundos disponíveis nos principais centros financeiros do mundo. As taxas de crescimento cada vez maiores nos empréstimos e financiamentos recebidos pelo Brasil de 1970 a 1972, indicam novamente que os efeitos fluxo e estoque ocorreram concomitantemente.

Os investimentos privados diretos diminuíram um pouco em 1970, de 7,9%. Isso pode ser atribuído à incerteza causada pelos seguintes acontecimentos: a incapacitação do Presidente Costa e Silva em agosto de 1969; a eleição do General Emílio Garrastazu Medici - até então desconhecido pelo público em geral - pelo Congresso depois de sua indicação pelo Alto Comando das Forças Armadas em outubro de 1969; e a aparição, até então coisa extremamente rara no Brasil, de um movimento terrorista esquerdista que, em seu ato mais ousado, raptou o embaixador dos EUA no Brasil em setembro de 1969. Ao fim de 1970, o novo governo mostrava estar sendo bem sucedido administrativamente, eficiente em reprimir tanto o terrorismo quanto outras formas de dissensão política, e muito receptivo aos investidores estrangeiros. A economia mostrava taxas cada vez maiores de crescimento. Como resultado, o fluxo de investimentos diretos privados aumentou de 14,1% em 1971 e de 37% em 1972.

A análise mostrou que diversos fatores contribuíram para o excepcional aumento do influxo de capitais externos no Brasil depois de 1968. Parece claro também que a política de minidesvalorizações constituiu um fator chave para que isso ocorresse.

  • 1 Ver Lira, Paulo H. Pereira. Cruzeiro, o preço exato da moeda. Revista Econômica,
  • Jornal do Brasil, 26 de março de 1971, p. 32;
  • Tyler, William G. Exchange rate flexibility under conditions of endemic inflation: a case study of recent Brazilian experiences. Trabalho feito para USAID, 1971;
  • Bracher, Fernão C. Botelho. Sistema cambial de taxa flexível. O Estado de São Paulo, 24 de novembro de 1968, p. 71.
  • 2 Ver Conjuntura Econômica, 26 (novembro 1972), suplemento, p. 34.
  • 3 Ver Christoffersen, Leif. Taxas de juros e a estrutura de um sistema de bancos comerciais em condições inflacionárias. Revista Brasileira de Economia. 23 (junho 1969) ;
  • 5 Ver Relatórios de 1970 e 1971. Rio de Janeiro, Banco Central do Brasil.
  • 7 Ver Branson T. H. e Willet, T. D. Policy toward short-term capital movements, some implications of the portfolio approach. Trabalho apresentado na Conferência sobre a Mobilidade e Movimento Internacional de Capitais, do National Bureau of Economic Research, janeiro de 1970;
  • e Kreinin, Mordechai E. International economics: a policy approach. New York, Harcourt, Brace, Jovanovich, 1971. P. 75-6.
  • *
    Adaptado do capítulo 7 da tese de PhD do autor, Os efeitos das minidesvalorizações sobre a economia brasileira, 1973, defendida na Michigan State University. O autor agradece as sugestões do Prof. Mordechai E. Kreinin, da Michigan State University e do Prof. Clark W. Reynolds, da Stanford University.
  • 1
    Ver Lira, Paulo H. Pereira. Cruzeiro, o preço exato da moeda.
    Revista Econômica, Jornal do Brasil, 26 de março de 1971, p. 32; Tyler, William G.
    Exchange rate flexibility under conditions of endemic inflation: a case study of recent Brazilian experiences. Trabalho feito para USAID, 1971; Bracher, Fernão C. Botelho. Sistema cambial de taxa flexível.
    O Estado de São Paulo, 24 de novembro de 1968, p. 71.
  • 2
    Ver
    Conjuntura Econômica, 26 (novembro 1972), suplemento, p. 34. A série de dados de taxas no mercado negro não é completa e não cobre o período das minidesvalorizações.
  • 3
    Ver Christoffersen, Leif. Taxas de juros e a estrutura de um sistema de bancos comerciais em condições inflacionárias.
    Revista Brasileira de Economia. 23 (junho 1969) ; e Tyler,
    Exchange rate flexibility, op. cit.
  • 4
    Os principais regulamentos são: 1. Resolução n.º 63 do Banco Central (agosto 1967) para empréstimos realizados por um tempo determinado na hora da solicitação (de 12 a 36 meses); 2. Lei n.º 1431, que provê financiamentos por um mínimo de seis meses, sem limitação de prazo máximo, mas que depende de aprovação do Banco Central; 3. Instrução da SUMOC n.º 289, que permite empréstimos por períodos de 180 a 360 dias e que poderiam ser estendidos dentro da Lei n.º 1431 à discrição do Banco Central. A Instrução n.º 289 foi revogada em outubro de 1972.
  • 5
    Ver
    Relatórios de 1970 e 1971. Rio de Janeiro, Banco Central do Brasil.
  • 6
    Ver Tyler.
    Exchange rate flexibility, op. cit. p. 32.
  • 7
    Ver Branson T. H. e Willet, T. D.
    Policy toward short-term capital movements, some implications of the portfolio approach. Trabalho apresentado na Conferência sobre a Mobilidade e Movimento Internacional de Capitais, do National Bureau of Economic Research, janeiro de 1970; e Kreinin, Mordechai E.
    International economics: a policy approach. New York, Harcourt, Brace, Jovanovich, 1971. P. 75-6.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1974
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