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Armadilhas do planejamento financeiro numa economia inflacionária

COMENTÁRIOS

Armadilhas do planejamento financeiro numa economia inflacionária

Yuichi R. Tsukamoto

Professor do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, e sócio principal da Boyden Management Resources no Brasil

Nas duas últimas décadas, consideráveis estudos têm sido feitos com respeito a ajustes de nível de preços nos relatórios financeiros.

Um relatório preparado em 1963 pela equipe da Accounting Research Division of the American Institute of Certified Public Accountants, sob o título de Reporting the Financial Effects of Price Level Changes, ajudou a estimular discussões e análises, nos Estados Unidos da América.

No Brasil, os trabalhos pioneiros foram feitos pela Arthur Andersen & Cia. que publicou as seguintes monografias:

Medição de lucros em uma economia inflacionária (1963);

Correção monetária das demonstrações financeiras à base dos índices de preços (1966).

Apesar de um conhecimento difundido sobre os ajustes de nível de preços em relatórios financeiros do passado, sua aplicação para projeções financeiras tem sido relativamente limitada. Muitos acreditam que uma projeção financeira possa ser feita apropriadamente mesmo numa economia inflacionária, se for preparada em termos de uma unidade monetária constante. Simplesmente, convertendo tais projeções em unidades monetárias inflacionadas, acredita-se que seja obtida uma projeção financeira inflacionada. Isto significa que não há, teoricamente, diferença básica entre projeções financeiras preparadas, mesmo em termos de unidades monetárias constantes ou inflacionadas, exceto a diferença de nível de preço.

Admite-se, inclusive, que a conversão seja puramente mecânica ao se multiplicar uma projeção financeira pelos índices de nível de preços para se obter a inflacionada. Muitos executivos financeiros acreditam que uma unidade operacional em um meio inflacionário possa seguir uma projeção financeira preparada em unidade monetária constante, conquanto que eles observem algumas diretrizes básicas, tais como:

a) aumentar os preços dos produtos tanto quanto possível, de acordo com as mudanças no nível de preço;

b) não aumentar o prazo atual de vendas;

c) tentar manter e melhorar as atuais condições de compra dos fornecedores, sem incorrer em custos mais elevados;

d) manter a atual taxa de giro dos estoques;

e) controlar as despesas fixas de vendas e administrativas, dentro dos litmites estabelecidos pelas mudanças do nível de preços;

f) contrair empréstimos bancários, se necessário, com taxas de juros não superiores à de desvalorização da moeda.

Aparentemente, tais medidas parecem ser suficientes para equilibrar os efeitos inflacionários.

Nesse artigo, entretanto, nós mostraremos que as precauções descritas não são suficientes para neutralizar as distorções inflacionárias. De fato, mesmo que aquelas diretrizes sejam rigorosamente observadas, deverão ocorrer diferenças substanciais entre os resultados de uma projeção em moeda constante e moeda inflacionada.

1. ILUSTRAÇÃO DE PROJEÇÕES FINANCEIRAS EM CRUZEIROS CONSTANTES (Cr$ C)

Suponhamos que uma firma matriz em São Paulo estabeleça uma filial no interior; a taxa de inflação é de 5% por trimestre, acumulando de maneira composta para efeitos anuais.

A principal atividade da filial é comprar e vender equipamento especializado. Admitamos que a firma não possui qualquer ativo fixo para não complicar desnecessariamente o exemplo.

No dia 1.º de janeiro, três equipamentos são recebidos para dar início às atividades. Uma unidade deverá ser vendida por trimestre. Pelo menos duas deverão ser sempre mantidas em estoque. Para substituir a vendida, uma outra é recebida no primeiro dia de cada trimestre. O prazo de venda é de 90 dias da data da venda, e a condição de compra de 60 dias da chegada do equipamento. O preço de venda unitário do equipamento é de Cr$C 200 (duzentos cruzeiros constantes).

O custo é de Cr$C 100. Não há outros custos variáveis. As despesas de vendas, administrativas e gerais somam Cr$C 60 e, portanto, o lucro unitário é de Cr$C 40. A filial começa a operar no dia 1.º de janeiro com numerário em caixa equivalente a Cr$C 100, que corresponde ao valor atribuído do capital.

A matriz dessa firma em São Paulo prepara uma projeção financeira em termos de cruzeiros constantes, a qual está apresentada na tabela 1. De acordo com essa projeção, a matriz deve adiantar Cr$C 300 para cobrir necessidades imediatas de capital de giro. A filial será capaz de repagar o adiantamento em três pagamentos de Cr$C 100 ao final do terceiro, sexto e oitavo trimestres. Daí em diante, as operações da filial deverão ser auto-sustentáveis.

A tabela 1 contém: balanço ao final de cada trimestre; demonstração de lucros e perdas do trimestre; fluxo de caixa do trimestre.

2. ILUSTRAÇÃO DE PROJEÇÕES FINANCEIRAS EM CRUZEIROS INFLACIONADOS (Cr$l)

Introduzimos agora o efeito inflacionário. A taxa de inflação trimestral é assumida como sendo de 5% de maneira composta. Os custos e despesas, bem como os preços, elevam-se a 5% por trimestre.

Admitimos também que todas as seis diretrizes, de a) a f), descritas no início deste artigo, serão observadas rigidamente.

A tabela 2 mostra a projeção em cruzeiros inflacionados (Cr$l).

É necessário observar que o valor dos adiantamentos são mantidos pelo custo original e as correções monetárias são debitadas a lucros e perdas. O valor original do capital atribuído à filial também não é alterado.

Comparando-se com a projeção em Cr$C, a em Cr$l mostra atrasos na liquidação dos adiantamentos, como segue:

Uma comparação dos itens de balanço no final do oitavo trimestre é mostrada a seguir:

Qual a razão da diferença de Cr$l 109 em caixa? Vejamos:

a) Estoque

O saldo de 289 na projeção em Cr$l é o custo histórico projetado de duas unidades: uma recebida no sétimo trimestre e a outra no oitavo trimestre - 141 e 148, respectivamente.

A projeção em Cr$C mostra os custos destas duas unidades a Cr$C 100 cada, convertidas a taxa de inflação de 1,477 ou Cr$l 295. Aqui existe uma diferença favorável de 6.

b) Adiantamentos e capital

A projeção em Cr$l mantém o valor original em Cr$l do capital e adiantamento. Conseqüentemente, as diferenças de 43 e 48 correspondem às diferenças de índices de inflação.

c) Lucros retidos

Uma comparação dos itens da demonstração acumulada de lucros e perdas é mostrada a seguir:

Logicamente, os valores apresentados na demonstração anual de lucros e perdas devem representar a soma dos correspondentes valores mensais ou trimestrais. Com respeito a esse aspecto, as vendas de 2 005 da projeção em Cr$l representam a realidade.

Se acompanharmos os valores que compõem a demonstração de lucros e perdas na projeção em Cr$C, usando o valor de 2005 para venda, teremos:

A diferença de 93 no CMV deve-se à permanência de mercadorias em estoque.

Sintetizando o que vimos, podemos afirmar que a diferença entre os métodos de conversão pela taxa final e acumulação dos dados trimestrais é de 70 (isto é, 472 menos 402) contra os lucros e o efeito da permanência de mercadorias em estoque e das correções monetárias é de 46 a favor, dando uma diferença líquida desfavorável de 24 nos lucros.

3. CONCLUSÃO

Normalmente uma projeção financeira feita em unidades monetárias constantes mostra um valor maior para o saldo de caixa e para o lucro, do que uma feita em unidades monetárias inflacionadas.

A realidade, como observamos, está do lado da projeção feita em unidades monetárias inflacionadas.

Deste modo, é preciso muito cuidado na tomada de decisões baseada em planejamento financeiro preparado em unidades monetárias constantes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 1974
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