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Integralismo (o fascismo brasileiro na década de 30)

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Regina Weinfield Reiss

Integralismo (o fascismo brasileiro na década de 30)

Por Hélgio Trindade. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1974.

O presente estudo sobre o movimento integralista visa responder duas questões básicas colocadas pelo autor: "Que condições históricas explicam o itinerário ideológico do nascimento do integralismo e do seu chefe?" e "Qual a natureza deste movimento ideológico que se torna, nos anos 30, o primeiro movimento de massa no Brasil?". Para isso, Hélgio Trindade utiliza-se de um material empírico de dupla natureza: por um lado, as obras dos principais ideólogos do movimento, os documentos e órgãos de divulgação da AIB e, por outro, os depoimentos e entrevistas com antigos participantes da Ação, personalidades não-militantes do período recorrendo, para a montagem de uma escala de atitudes, a entrevistas com estudantes universitários que vêm compor "o grupo de controle jovem".

O livro divide-se em três grandes partes. A primeira, examina a sociedade brasileira na década de 20 e a formação política de Plínio Salgado, a segunda tenta apontar as condições do aparecimento da ideologia integralista dentro da efervescência política dos anos 30 e de uma série de movimentos de tendência antiliberal e, finalmente, a terceira examina o movimento em si, através da origem social dos militantes, a organização e a ideologia.

Na primeira parte, Hélgio aponta alguns elementos importantes da transformação econômica e social que resultam, de alguma forma, num movimento diversificado ao nível da ideologia. Uma generalização é feita quanto ao caráter nacionalista deste movimento, na tentativa de criar um pensamento nacional autônomo e também pela incorporação de uma análise mais sociológica em substituição à corrente filosófica dominante no século passado. A problemática liga-se mais à realidade brasileira: exaltação cívica, aparecimento de Ligas Nacionalistas, a projeção de autores como Monteiro Lobato e Alberto Torres. Ao estabelecer o vínculo de Salgado com o modernismo, Hélgio traça um paralelo entre os dois no sentido de que "ambos se deixam impregnar pela política."

É destacado o significado da fundação do Centro Dom Vital e da revista A Ordem no processo de divulgação e centralização do que o autor chama "renovação espiritual": uma autocrítica da situação da Igreja no Brasil que vai resultar numa linha de pensamentos de grande importância na concepção filosófica do integralismo. Jackson de Figueiredo, Padre Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima são algumas das figuras centrais desta linha de pensamento. Plínio Salgado considerava Jackson de Figueiredo como o inspirador da concepção filosófica integralista.

Trindade relata a seguir a trajetória política do "Chefe Nacional", desde suas primeiras atividades em São Bento do Sapucaí, seu local de origem, seu vínculo com o PRP, o posterior rompimento com este e a gênese de sua caracterização integralista. A preocupação política é ressaltada a partir de sua atividade intelectual como autodidata e jornalista que participa de diversos grupos de jovens intelectuais.

Em sua participação no movimento modernista lidera a dissidência do "verdeamarelismo", o chamado "Movimento da Anta", e, norteado pela procura de um nacionalismo "interior", desenvolve a idéia da formação de uma nova raça baseada num elemento étnico comum que seria o povo Tupi, único verdadeiramente brasileiro.

Na qualidade de preceptor do filho de Alfredo Egydio de Souza Aranha, vai, em 1930, à Europa e ao Oriente. Souza Aranha mais tarde financia o jornal A Razão, onde Salgado mantém um editorial diário. Na Europa, Plínio estabelece seu primeiro contato com o fascismo e com Mussolini, ficando vivamente impressionado, datando daí cartas a seus companheiros onde vislumbra a possibilidade da criação de um movimento no Brasil em moldes similares.

A análise da obra propriamente literária de Salgado traduz uma crescente politização de sua temática, elaborando em seus três romances sociais uma crítica ao liberalismo, ao caráter artificial do regime republicano, ao desenvolvimento industrial, à urbanização, que, pelo cosmopolitismo, afasta as pessoas de uma problemática interna. Hélgio analisa os personagens dos romances de Salgado como intérpretes das posições de seu autor e onde se notam as primeiras formulações explicitamente fascistas.

Na segunda parte do trabalho, Hélgio procura situar, em meio ao clima político vigente nos anos 30, os primeiros elementos constitutivos da ideologia integralista. Ainda, tendo Plínio Salgado em foco, vê-se o posicionamento deste frente à Revolução de 1930, inicialmente opondo-se, alegando que o movimento defendia "um fantasma, a liberal-democracia"; em seguida mantém uma ligação temporária com a Legião Revolucionária, ressaltando o mérito da Revolução no sentido de haver rompido com as antigas aparências políticas. Em 1931 rompe com a Legião através de um manifesto, considerado a base do Manifesto Integralista de 1932. De sua atividade como jornalista político o autor tenta apontar os temas que se mostram recorrentes a partir da análise que faz do editorial d'A Razão como, por exemplo, o nacionalismo, o antiliberalismo, etc. Trindade depreende que a concepção ideológica de Salgado organiza-se a partir de um humanismo espiritualista e, nesse momento, uma posição mais simpática ao fascismo é explicitada.

O aparecimento da Ação Integralista Brasileira, em 1932, é colocado como um catalizador de idéias e movimentos de tendência autoritária que vinham se expandindo no período. A literatura antiliberal, sob a influência de Alberto Torres, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, o aparecimento de periódicos nos meios universitários, entre os quais se destaca Hierarchia e a Revista de Estudos Políticos, no Rio de Janeiro e Política, em São Paulo, dos quais participam futuros candidatos ao integralismo, são alguns indicadores dessa tendência.

Entre os movimentos políticos autoritários temos a Ação Social Brasileira, liderada por J. Fabrino, que propõe a fundação do Partido Nacional Fascista; a Legião Cearense do Trabalho, dirigida por Severino Sombra, que incorpora a Juventude Operária Cristã, constituindo o movimento de maior penetração entre as camadas populares; o Partido Nacional Sindicalista, de Olbiano de Mello, considerado o precursor no piano da elaboração ideológica, também fundador da Milícia Sindicalista Nacional; a Ação Imperial Patrionovista, marcada pelo catolicismo, orientada por Sebastião Pagano e Paim Vieira, autor da afirmação de que "sindicalismo sem Deus é absurdo".

Finalmente, a 12 de março de 1932, realiza-se a Assembléia de fundação da Sociedade de Estudos Políticos, quando Plínio reativa a articulação com intelectuais e, em maio de 1932, propõe a criação de uma nova comissão técnica sob a denominação de "Ação Integralista Brasileira", que só começa a existir como tal em outubro quando é publicado o Manifesto Integralista.

Na última parte do trabalho, Hélgio Trindade estuda a natureza do movimento manipulando os dados colhidos através de entrevistas semidiretivas, principalmente o capítulo I, onde se estabelece a composição social do movimento. Compara a estrutura social da AIB com a dos fascismos europeus, onde se confirma a hipótese aventada de uma predominância de elementos de classe média. No Brasil, a composição dos órgãos diretivos é dominada pela média burguesia intelectual urbana. O recrutamento para os outros níveis é feito entre a média e pequena burguesia: profissionais liberais, oficiais das Forças Armadas, pequenos proprietários urbanos, rurais e os burocratas do setor público privado. A participação de membros das camadas populares se dá ao nível de 1/4 na base do movimento. Estes dados coincidem com a auto-avaliação de origem social dos ex-militantes e é constatado também que estes grupos se encontram em ascensão social.

A faixa etária dos componentes da AIB é bastante baixa. Em 1933, 3/4 dos, dirigentes nacionais regionais tinham menos de 30 anos. A maioria dos militantes é católica, há alguns protestantes entre os descendentes de alemães e não há nenhum judeu. Há predominância de membros de origem rural e a origem "luso-brasileira" é mais comum entre os dirigentes ao passo que os elementos de ascendência alemã existem em maior número ao nível da base.

Entre as "motivações" de adesão ao movimento, Hélgio monta uma escala pela freqüência relativa de cada motivo, levando em consideração a distorção sofrida por respostas dadas em 1970, quase 40 anos distanciadas da ação. O principal motivo alegado é o anticomunismo. Em seguida é demonstrada simpatia pelo fascismo europeu, pelo nacionalismo em terceiro lugar, oposição ao sistema político pelo combate ao retorno ao sistema liberal em quarto lugar e os outros motivos são secundários, sendo que pouca importância se dá ao anti-semitismo, a despeito da influência de Gustavo Barroso no interior do movimento.

A organização da AIB caracteriza-se por seu modelo pré-estatal, marcado por uma estrutura extremamente hierarquizada, burocrática e totalitária. A posição do chefe é central e sua função perpétua. Ela define-se num primeiro momento como um movimento cultural e cívico, recusando-se a ser tomada por um partido político, o que só vem acontecer em 1934, coincidindo com a passagem de sua fase "revolucionária" para uma outra, onde disputará o poder pelos canais eleitorais.

Os processos ritualísticos de socialização ideológica são fundamentais para o estímulo de valores de lealdade, obediência e na incorporação de valores fascistas, exaltação à luta, à virilidade, à juventude. Os ritos abrangem desde o batismo até o funeral, além de um ritual de iniciação, juramentos, etc., amalgamados com cerimônias de origem católica.

O capítulo III é dedicado à ideologia, onde os fundamentos doutrinários do integralismo são retirados dos escritos de Salgado. O manifesto de outubro apóia-se em dois postulados centrais: humanismo espiritualista e a harmonia da vida em sociedade.

O autor analisa o conteúdo dos dois primeiros documentos ideológicos oficiais do integralismo: o Manifesto de 1932, redigido por Plínio e o Abecedário de 1933, redigido por Miguel Reale, e constata "uma defasagem entre o grau de elaboração da teoria do Estado e o papel que lhe é atribuído na sociedade integralista. (...) No Manifesto, redigido por Salgado, o Estado integralista ocupa um lugar secundário e sua caracterização é bastante vaga, enquanto que no Abecedário, cujo relator é Reale, a concepção de Estado é o núcleo central do discurso ideológico e seu conteúdo mais jurídico e preciso" (p. 226).

Enquanto no Estado fascista a moral está subordinada ao Estado, no Estado integralista o Estado se submete ao imperativo moral.

Os principais inimigos dos integralistas são o liberalismo, o socialismo, o capitalismo internacional, não no sentido de uma negação deste, mas no sentido de um ataque ao capitalismo financeiro internacional, instrumento de sociedades secretas vinculadas ao judaísmo e à maçonaria.

Quando tenta perceber se há um reconhecimento explícito de uma influência fascista européia, Hélgio conclui que "o integralismo aceita do fascismo o conteúdo 'revolucionário, o nacionalismo, a orientação superior do Estado', a base sindical-corporativa, o princípio da solidariedade social, mas impõe-lhe uma restrição: não deve desrespeitar os direitos fundamentais da pessoa humana. A originalidade reivindicada pelo integralismo é de ser, enquanto movimento e doutrina, mais 'espiritualista' do que 'vitalista'" (p. 261). A norma geral é que os princípios universais do fascismo devem ser adaptados às condições do meio, o que parece concordar com a ambição de Salgado de criar uma doutrina política original.

Na última parte deste capítulo, Hélgio pretende medir o grau de identificação dos integralistas com o fascismo e o grau de radicalismo ideológico dos militantes da AIB. A relação é estabelecida em termos dos principais temas, valores e preconceitos associados à ideologia fascista, onde o nacionalismo aparece como elemento principal, identificando-se um sentimento generalizado de solidariedade face aos modelos fascistas europeus.

O grau de homogeneidade ideológica é bastante alto, sendo que os militantes de base tendem a ser mais radicais que os dirigentes. A comparação das atitudes dos militantes da AIB com as dos grupos de controle vem confirmar a hipótese de que os integralistas são mais radicais.

O livro contém ainda anexos com dados sobre o movimento, os questionários, as escalas de atitudes ideológicas e uma cronologia.

A pesquisa empreendida pelo autor é de grande valia para o estudo do movimento, parecendo por vezes perder-se em meio ao volume de dados levantados, mas também revelando um tratamento cuidadoso e científico dos mesmos.

Na introdução, Hélgio reconhece que seu trabalho responde às questões colocadas inicialmente mas que dimensões significativas para a análise do movimento não foram abordadas, como, por exemplo, seu vínculo com o movimento católico, com as Forças Armadas, com a imigração européia no sul do país e uma análise comparativa com outros movimentos de inspiração fascista européia na América Latina, objetos prováveis de trabalhos futuros.

A análise do autor, parece-nos, prende-se muito ao exame interno do movimento, onde as relações deste com a realidade brasileira no período aparecem ao nível de tendências gerais e não da sua atuação específica, seja na sua relação com o poder constituído, seja nas alianças estabelecidas para a disputa do poder; são elementos que aparecem de forma complementar em sua análise.

Da mesma forma, o estudo da ideologia integralista restringe-se, num primeiro momento, à trajetória de Salgado e a uma análise das atitudes de antigos militantes. A organização dos elementos doutrinários básicos da ideologia oficial integralista é muito interessante, porém corre o risco de restringir-se a uma descrição, onde as contradições entre este discurso e a atuação histórica da AIB não são estabelecidas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1974
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