Acessibilidade / Reportar erro

Arte e sociedade

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Daisy V. B. Martinez

Arte e sociedade

Por Roger Bastide. 2 ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1972.

A nova edição do livro de Roger Bastide, que é resumo de seus cursos universitários proferidos em São Paulo em 1939 e 1940, sai atualizada, visto a obra ter sido escrita em uma época em que a sociologia das artes e da literatura ainda não tinha alcançado um estudo científico.

A conceção sociológica reinante na década de 1930 era a durkheimiana que relacionava mecanicamente causa e efeito. Hoje, esse determinismo mecânico é repelido e substituído pelas correlações funcionais. A sociologia da arte foi atingida pela nova corrente e Bastide, que a defende, é levado assim a introduzir modificações em sua obra.

Ao lado disso, o livro passa a contar com um apêndice referente às novas formas de arte, como, por exemplo, a fotografia, o rádio, a televisão e o cinema, que, ao contrário dos temas que o antecedem, é mais um programa de pesquisa que uma síntese dos resultados conseguidos.

Nos dois primeiros capítulos, o autor estuda a formação e o desenvolvimento da estética sociológica e o problema das origens das belas-artes relacionadas a sociologia. Para tanto, analisa as diversas correntes de pensamento que conduziram à fundação de uma estética sociológica: Durkheim, que examinara o problema da origem coletiva das belas-artes, mas que unira o seu sistema geral à tese spenceriana da arte, ou seja, arte como atividade de jogo, sem ensaiar a criação de uma estética original; Gabriel Tarde, que confundira a estética sociológica com uma questão de psicologia social; Le Play, que se limitara a situar a arte numa nomenclatura; Augusto Comte que se servira da lei dos três estados, menos, com uma finalidade teórica que prática, para mostrar que só a ordem da sociedade positivista permitiria o progresso das belas-artes.

Também dois movimentos de idéias influíram particularmente sobre os espíritos e participaram da formação do clima intelectual que tornou possível uma estética sociológica: o romantismo e o pré-rafaelismo. Do romantismo chega-se à idéia de que não há criação individual sem um prévio preparo social e popular. As obras de arte em geral só são possíveis e só vivem através das representações coletivas. Este pensamento se completa com o que se denomina de pré-rafaelismo: Ruskin foi o seu profeta. Este celebra a arte medieval com o mesmo ardor com que celebrará a pintura inglesa turneriana; esta é "uma arte arraigada no povo, está ligada ao trabalho das corporações e à fé católica, é a emanação da cavalaria" (p. 14). A soma dos dois completa o clima sentimental para o surgimento da estética sociológica.

Para a preparação intelectual, Bastide evoca Taine, que mostrava a sociedade suscitando ou condicionando o gênio; Guyau, por sua vez, mostrava o gênio criando uma nova sociedade. Os dois prepararam os caminhos, mas não fundaram uma estética sociológica, propuseram, no mais das vezes, sugestões, particularmente sobre a arte como criadora de novos meios.

Quanto ao marxismo, o autor imputa-lhe uma explicação da arte que auxiliou os espíritos a se familiarizarem com uma concepção sociológica da estética, pois "a arte não deve constituir uma exceção à regra e, assim como a vida política, a vida moral deve depender do modo de produção da época" (p. 20). Porém, o próprio Marx se embaraça ao afirmar que na arte há certos períodos que não se relacionam com o desenvolvimento geral da sociedade, nem com sua base material. É o que leva discípulos seus, para relacionar a arte na infra-estrutura, a colocar uma série de intermediários entre uma e outra. O autor continua afirmando que "a sociologia estética marxista está hoje em vias de transformar-se profundamente, sob a influência das idéias de Lukacs e o aparecimento de uma nova escola, o estruturalismo" (p. 22). Goldman é o representante desse novo marxismo, acreditando que a literatura e a filosofia são, em planos diferentes, expressões da visão do mundo e que as visões do mundo não são fatos individuais, mas sociais.

Após este preâmbulo, o autor chega ao século XX, onde situa o nascimento da verdadeira estética sociológica com Charles Lalo, cuja grande descoberta fora a célebre distinção entre fatos anestéticos e fatos estéticos. "Para julgar o valor de um quadro, por exemplo, podem-se considerar as relações das cores, o equilíbrio das massas: nossos juízos são então juízos estéticos; ou o assunto, o interesse do modelo escolhido, e então nossos juízos são anestéticos" (p. 5). Porém, a pesquisa das condições anestéticas da arte é insuficiente para uma estética sociológica. Na estética encontramos tanto a coerção como a sanção, características do fato social que devem ser estudadas. Se o artista trabalha para um público, e é julgado por ele, este também deve ser estudado juntamente com a arte. Daí o objeto central da estética sociológica constituir-se nos juízos coletivos sobre o belo.

Para explicitar o problema das origens das belas-artes, também, Bastide evoca várias teorias muito diversas entre si, sobre as quais ele mesmo diz que a única conclusão a reter desse exame é a concordância de todas em um ponto: que arte só poderia ter nascido de uma colaboração de indivíduos. Portanto, na civilização primitiva, a arte é um fenômeno social: tratando do significado da arte da idade da pedra lascada, o autor cita Reinach que ele acredita antes de tudo uma arte mágica, concepção não aceita por Luquet, acreditando este na arte pura, desinteressada, ao lado da arte mágica. Para Luquet o esquema evolutivo das artes plásticas seria o seguinte:

"a) o acaso apresenta as primeiras imagens;

b) o indivíduo concebe a idéia de imitar voluntariamente o que antes fora apenas fortuito;

c) uma vez nascida a consciência de um poder criador, a sociedade pode pensar em utilizá-la com objetivos mágicos e religiosos. A arte desinteressada transformou-se em uma arte socializada e utilitária, posta a serviço da família ou do clã dos caçadores" (p. 51).

O autor também ressalta, em seguida, para as artes fonéticas, a importância do acaso, utilizando-se, inclusive, para a música, do mesmo esquema de Luquet.

Concluindo, quanto à música e à poesia, afirma-as sociais por princípio. "O lirismo nascerá quando o indivíduo se separar do grupo, mas este só se tornará criador na medida em que exprimir o pensamento do grupo que o suscitou" (p. 63).

O estudo das origens do teatro conduz a considerações análogas, pois este era constituído por "cerimônicas mágicas que agiam por similitude ou simpatia (...) Representavam-se os mitos para produzir efetivamente os acontecimentos que eles descreviam em linguagem figurada" (p. 64).

A arte original, ao lado de elementos utilitários, possuía também os elementos desinteressados que vieram em seguida à função prática, sobretudo mágica, para dar nascimento a uma vida estética pura.

Porém, o que realmente interessa ao sociólogo é o lugar que a sociedade ocupa nas formas mais arcaicas ou mais primitivas da vida estética.

Quanto mais ao passado remontarmos, mais veremos que a parte dos elementos comunitários aumenta, não se apagando, no entanto, a parcela de criação pessoal.

Nos capítulos seguintes, o autor reconhecendo a existência de duas estéticas - criação de novos valores artísticos e o gozo que a contemplação de obras belas proporciona - e portanto de duas sociologias, dedica, a cada uma, novo capítulo.

Assim é que, estudando o papel do criador de arte, considerando-o como pertencente a um certo país, a uma certa classe social, a grupos determinados, apresentando cada um suas representações coletivas; seus costumes que pesam sobre o indivíduo com toda a força da tradição: "o meio social que amolda o artista não só se inscreve na sua obra como também se insinua na inspiração que brota nele sob uma forma exterior" (p. 73). Ressalta ainda o autor a importância do papel do público para o artista, pois este, se trabalha, é em vista de certas sanções, as sanções sociais. Ainda deve ser levado em conta outro ponto para o estudo da sociologia do produtor de arte, ou seja, o das representações coletivas que uma dada sociedade faz do artista. "O artista tem na realidade qualquer coisa de espantoso: detém segredos, é feiticeiro, sua obra é considerada quase como o produto de um sortilégio" (p. 77).

Dessa forma, percebe-se que a criação estética só é compreensível com os dados da sociologia, e que a sociedade cria para si certa concepção do criador de arte muito tradicional que se impõe à própria vida do artista que deve modelar-se num quadro tradicional.

Além disso, deve ser levado em conta que o artista vive de seu trabalho, sendo também explicado pela sociologia econômica.

O artista, enfim, conclui Bastide, "é menos o reflexo da sociedade quanto aquele que a faz dar a lume todas as novidades" (p. 83).

Nos capítulos V, VI e VII, Roger Bastide vai procurar as relações da arte com as instituições sociais, inclusive encarando-a como uma instituição social. Para tanto, afirma inicialmente que "existem num mesmo momento sociedades, ou melhor, grupos sociais e são as relações entre eles e as belas-artes que devemos estudar" (p. 98). Como sempre houve em uma determinada época um grupo dominante, a arte do país variará segundo predomine um ou outro grupo. Cada arte, portanto, corresponde-a um grupo diferenciado, mas pode acontecer que uma arte se separe de um certo grupo para passar a um outro. Isto pode efetuar-se em dois sentidos: de alargamento e de restrição social, ou seja, quando passa de um grupo estreito a um mais largo, e vice-versa, quando grupos mais conservadores mantêm as formas de arte mesmo quando o gosto geral já mudou.

A arte, portanto, é considerada pelo autor como uma manifestação que caracteriza determinado grupo, assim como os costumes, a gíria, a vestimenta. Daí esta ligar-se intimamente aos grupos sociais enquanto meio ou sinal de distinção.

Deve-se levar em conta, no estudo das relações entre arte e instituições sociais, as divisões que ocorrem nas sociedades primitivas, cujo caráter é também social, como é o caso da divisão sexual, que acarreta uma arte masculina e outra feminina (dois grupos sociais = duas artes), sendo que, modificando-se as relações entre os dois grupos notaremos variantes também na arte. Em geral, os grupos masculinos são os inovadores, enquanto que os femininos são os conservadores das tradições estéticas.

A divisão por idade também desempenha papel importante entre os não-civilizados, pois, enquanto a iniciação não se realiza, a criança propriamente não nasceu, daí interdições estéticas sobre ela, como, por exemplo, não poder assistir às danças mascaradas, não ser tatuada etc. Já, entre nós, apesar de os grupos de idade não contarem com existência jurídica reconhecida, não deixam, no entanto, de existir e de cunhar com sua marca todas as artes. Deve-se assinalar o paralelismo entre a situação da criança e da mulher, inclusive no estudo de seus gêneros próprios, pois tanto as crianças como as mulheres formam uma coletividade conservadora. Porém, conforme a educação vai reduzindo progressivamente a duração da verdadeira infância, todos esses gêneros (berceuses, marionetas, fábulas, contos) sofrem transformações que são o reflexo de novas condições sociológicas.

Os velhos constituem-se num segundo grupo, pois também permitem a constituição de gêneros especializados: memórias, autobiografias, lembranças. Tal grupo também é considerado conservador.

Entre os dois existem os adolescentes e os adultos, onde surge o problema da luta das gerações.

"O grupo de idade tem uma significação sociológica da mais alta importância como explicação da renovação sociológica das artes: o desejo de fazer qualquer coisa de novo é uma revolta do indivíduo contra a socialização de seu eu pelos adultos" (p. 110).

Ao lado disso, não devemos esquecer os grupos religiosos, cuja influência é notável nos desenvolvimentos da arte. Sua influência foi particularmente forte no domínio arquitetônico: "o templo antigo é a casa do deus, a igreja de hoje encerra a comunhão dos fiéis" (p. 12). Também aqui, entre os grupos religiosos, o que se nota é um conservantismo, constituindo-se mesmo em museus de arte, além de serem meios de propaganda estética. Apesar da existência geral e periódica da iconoclastia, não podemos dizer nunca que a religião mata a arte, pois tudo o que faz é canalizá-la, orientá-la em direções diferentes.

O fator econômico também não é menos importante, pois as diferenças na maneira de viver, a diversidade na atividade econômica de diferentes tipos de sociedades traduzem-se por uma diversidade correlativa no domínio estético. "O estudo das classes econômicas vai nos conduzir, portanto, ao estudo dos meios sociológicos - o meio rural e o meio urbano. É preciso reconhecer que esses meios afetam formas diferentes". De maneira geral, porém, a estética do meio rural confunde-se com a da classe camponesa; a da cidade compreende estéticas hierarquizadas, isto é, de diversas classes, sendo que só a classe dirigente muda, sendo militar aqui, burguesa lá etc. O que é aqui particularmente notável é o campo ser tradicionalista e a cidade inovadora, mas deve-se acrescentar que as comunicações entre uma e outra multiplicam-se cada vez mais, o que leva a uma assimilação dos dois meios, tanto sob o ponto de vista estético como sob todos os outros. Um grupo econômico que merece ser visto à parte é o dos comerciantes, por ter o objeto de difundir as obras de arte, mais ainda que os grupos militares e religiosos.

Já no estudo das relações entre Estado e belas-artes, o que notamos é que estas eram antigamente a expressão do patriotismo local, de cidades concretas e vivas; atualmente o Estado (entidade mais abstrata e jurídica) tende a exercer seu controle sobre elas para a melhor manutenção da disciplina social. Daí a criação de escolas de belas-artes pelos governos, a luta contra as artes pornográficas, o controle das emissões radiofônicas, a censura cinematográfica, etc.

Resta ainda o estudo dos contatos estéticos, que o autor fará no capítulo VI, onde engloba não só os casos de difusão entre as sociedades vizinhas, mas também o transporte de cultura à distância. Para tanto, divide os contatos culturais em três grandes classes:

a) contatos entre grupos pertencentes a um mesmo tipo de civilização, mas em níveis diferentes de cultura (nativos de uma região e imigrantes vindo de regiões um pouco afastadas);

b) contatos entre grupos de civilização totalmente diversa, mas com nível igualmente elevado (Ocidente e Oriente);

c) contatos entre grupos de níveis diferentes (povos civilizados e primitivos).

O que se nota, contudo, em última instância, é que os contatos são mais destrutores, pelos menos para a arte primitiva, quando as sociedades que se encontram são de níveis muito diferentes, e mais criadores, no caso contrário. Existe, entretanto, uma segunda corrente, citada pelo autor, segundo a qual uma arte não pode agir sobre outra por simples contato, e sim que seria preciso, para tanto, que a segunda tenha chegado em virtude de sua evolução natural a um estado que a torne sensível às influências da primeira. Ou seja, "sua fecundidade principal é desenvolver, não a essência própria da arte invasora mas os poderes que a arte invadida já possuía em si mesma, em estado virtual" (p. 141). O autor aceita esta segunda posição, acreditando-a justificável, visto não ir contra a constituição de uma sociologia dos contatos o fato de achar que esta deva ser integrada em uma sociologia mais rica.

Procurando analisar quais as funções dos diversos tipos de agrupamentos, Bastide acredita ter evitado as dificuldades de Lalo, que colocara o problema: é a arte o reflexo da sociedade? O que se deve procurar saber é em que medida a arte traduz o meio e o momento. Neste ponto, o divórcio é mais notável que a ligação, pois a arte está freqüentemente atrasada em relação às condições econômicas (caso de Florença, Flandres, Espanha, Veneza etc.); a arte pode ser uma oposição à vida social, ou pelo menos uma fuga ao real (caso da arte surrealista que se liga ao movimento comunista, criticando o regime burguês, ou ainda o caso selvagem da Idade Média que vê desabrochar uma literatura idealista, glorificadora do amor cortês e platônico); a duração da arte independe da duração do meio sociológico. O que se deve levar em conta aqui é que não existe uma, mas várias durações: o tempo astronômico, a duração psicológica, a duração sociológica, a duração estética etc.

Porém, se nos colocarmos no terreno formal, os liames entre as sociedades e as artes apresentam-se muito mais estreitos, pois a arte pode apresentar-se como oposição, mas tal observação só tem valor para uma sociedade homogênea, o que não é possível existir nas sociedades modernas, essencialmente heterogêneas, em que entre os grupos funcionais e as classes há uma mobilidade incessante, vertical e horizontal. Além disso, não devemos esquecer o fato de que quando uma instituição existe, tende a durar, a se manter, a pesar sobre a vida social, retardando sua marcha. É necessária a lembrança disso tudo para que se analise sociologicamente tanto a arte de oposição como a arte de evasão.

A arte não só se liga às instituições sociais como também cria as suas próprias.

Com a Renascença vemos aparecer realmente as instituições de finalidade artística. São os ateliers de pintores ou de escultores, os salões literários que se transformaram, às vezes, em academias cuja existência jurídica, mais tarde, passa a ser reconhecida, personificando-se a instituição. Dessa forma, as academias, que haviam sido criadas para defender os interesses dos artistas, tornam-se corpos culturais, instrumentos de conservação e opressão artística.

Novos agrupamentos surgem: uns de reação ao academicismo, outros para reivindicação de ordem material, como as sociedades dos homens de letras, as de autores dramáticos, etc. Tais sociedades tanto procuram defender os direitos do autor quanto proteger a inteligência e a cultura.

Outros grupos também devem ser estudados, como, por exemplo, os grupos de intermediários entre os criadores e o público: os corais, que corroboram para a formação de um sentimento de equipe e de disciplina para realizar alegria e beleza; as orquestras, com o mesmo sentido; o teatro, que propicia entre os atores e os espectadores uma verdadeira comunhão espiritual.

Deve-se levar em conta ainda, para a justificação da arte como uma verdadeira instituição social, a existência de coações anestéticas (tradições religiosas, espírito de classe ou de casta etc.) e estéticas (regras técnicas, leis constitutivas dos gêneros etc.) Tanto uma como a outra desempenham papel importante, mas as condições anestéticas são preponderantes dentre as coações coletivas estéticas.

Há, porém, instituições coletivas onde as condições estéticas não desempenham papel algum: os estilos e as técnicas. "A técnica (...) é uma obra coletiva que, como obstáculo à liberdade, coage e sobrepuja o candidato ao gênio do momento em que sua obra se inicia" (p. 175). Os estilos, de certo modo, são um arranjo especial de técnicas. Em cada técnica e em cada estilo há uma série de leis em ação, conduzindo com seu determinismo estético o criador de arte e impelindo-o em uma direção determinada.

Quanto à ação da arte sobre a sociedade, o autor nos diz que a arte parece exercer sua influência sobre todas as funções sociais, em primeiro lugar sobre a religião. "Cada vez que a sociedade se encontra em presença de sentimentos que, pela sua própria intensidade, são perigosos para a vida social, reage espontaneamente, aí inscrevendo uma ordem: o êxtase, o abraço, a matança, tudo se transforma em dança e música" (p. 189).

Já as artes plásticas aprisionam o segredo, localizando-o na pedra ou madeira, tornando-o mais próximo da humanidade.

A arte exerce também sua influência sobre a vida política. Assim é que não existem revoluções sem prévia acumulação de energias, o que implica também uma preparação intelectual e sentimental, que é obra de artistas.

Estudando a ação da arte sobre os costumes e os hábitos, Bastide assinala a importância da arte como instrumento de pacificação das relações entre os homens, uma vez que consegue transformá-las de hostis em cooperativas graças aos prazeres coletivos que ela pode proporcionar. A pacificação das relações sociais está ligada à dupla transformação da hostilidade em jogo e da luta muscular em prazer de arte.

Chega, então, o autor, ao exame do que chama de "estilos de vida" para estudar o problema da ação da arte sobre a sociedade. Em cada época os homens têm uma determinada visão do mundo, uma certa concepção das coisas, ou seja, um estilo de vida, que estabelece por sua vez o contato entre a arte e o social, pois a arte penetra o humano para modificar o social. Assim é que a "arte modifica a sensibilidade do homem, cria-lhe uma certa concepção do mundo, determina-lhe um certo comportamento, petrifica sua alma. E essa alma, uma vez transformada nas suas profundezas, vai impor ao exterior um estilo de vida, uma estetização do meio físico e social no qual vive" (p. 195).

Dessa forma, o urbanismo e a arte dos jardins fazem parte da sociologia, tanto por se ligarem a certas concepções sociais, quanto por exprimirem um esforço para modificar a paisagem dos arredores, segundo certas normas estéticas.

A arte transforma o meio material e até o nosso próprio corpo, como no caso da moda que não deixa de ser um reflexo da arte, apesar de vir atrasada em relação às outras. Mas, também, o meio social amolda-se segundo os cânones da estética, pois a arte se constitui num princípio de unificação e de ordem do mundo social, porquanto "se numa certa medida a arte é produto da sociedade, numa larga medida a sociedade também se modela sobre a arte" (p. 200).

Bastide finaliza citando Francastel: a arte "nos dá acesso a setores que o sociólogo interessado pelas instituições não consegue atingir - as metamorfoses da sensibilidade coletiva, os sonhos do imaginário histórico, as variações dos sistemas de classificação, enfim, às visões do mundo dos diversos grupos sociais que constituem a sociedade global e suas hierarquias" (p. 200).

O livro de Roger Bastide parece-nos fundamental para a compreensão das relações existentes entre arte e sociedade. Para tal constitui-se mais numa introdução ao campo da sociologia estética do que num livro que trate de arte propriamente dita. Além disso, o autor esclarece-nos sobre várias correntes de investigação estética que se preocuparam com a compreensão e interpretação das relações da arte com a sociedade, e ainda abre novos horizontes para estudos e pesquisas sobre a sociologia das artes, afirmando que o estudo de "fatos sociais estéticos" tais como o cinema, a televisão, o rádio etc. ainda está por se fazer.

Apesar de alguns anos terem se passado desde sua elaboração, a obra de Bastide nada perdeu em pioneirismo e originalidade, constituindo-se no que poderíamos chamar de uma obra clássica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1974
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br