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O tenentismo em Sergipe

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Maria Cecília Spina Forjaz

O tenentismo em Sergipe

- Por José Ibarê Costa Dantas. Petrópolis. Editora Vozes Ltda. 1974.

1. Sergipe em inícios da década de 1920

Nessa primeira parte do livro, o autor proporciona uma visão de conjunto das duas décadas que precederam a emergência do movimento tenentista, analisando a situação política, econômica e social do Estado de Sergipe, no contexto mais geral da primeira república brasileira.

Quanto a situação política, o autor demonstra os reflexos da "Política dos Governadores" no estado em questão: descreve as intensas lutas interoligârquicas do primeiro decênio republicano, amainadas pela consolidação do domínio de uma fração oligárquica (a do Monsenhor Olympio Campos) que perdura até o interregno do Presidente Siqueira de Menezes, apoiado pelo Presidente da República, Hermes da Fonseca.

Após o período das "salvações", ascende nova facção oligárquica, liderada pelo Gen. Manuel Prisciliano de Oliveira Valadão, que mantém a liderança até a eclosão da revolução de 1924.

Em todo esse período verifica-se a interferência constante do Governo federal nas eleições sergipanas, tanto para 0 Executivo estadual, como para a representação do estado do Legislativo federal, o que vem confirmar tese de estudiosos da primeira república que afirmam a força do Governo central, apesar da ampla autonomia estadual característica deste período.

Ainda analisando a situação política de Sergipe, o autor narra rapidamente a revolta de 1906, quando um grupo de coronéis dissidentes contesta o predominio político de Monsenhor Olympio Campos e demonstra como o domínio oligárquico se fundamenta, em última instância, na subordinação incondicional do eleitorado ao coronelismo.

Quanto à situação econômica de Sergipe no período considerado, o autor analisa o setor rural predominante e o setor urbano. Economia agro-exportadora típica, com alta concentração da propriedade da terra, Sergipe teve, no primeiro quartel do século XX, o açúcar como principal produto de exportação. Como segunda fonte de riqueza do estado, aparece o algodão, principalmente destinado à exportação na primeira década do século, e absorvido pelo mercado interno a partir da 1 Guerra Mundial, graças à expansão da indústria têxtil.

A importância da pecuária, embora com pequena participação na exportação, è explicada pela extensa área ocupada, pelo papel que desempenhava no mercado interno e pela opção que representava para os proprietários de terra desestimulados com a cultura do açúcar.

No que se refere ao setor urbano, o autor constata o aumento do número de indústrias, de 41 estabelecimentos para 237, entre 1907 e 1920, destacando-se a produção de tecidos, e o fato de que elas se concentram em Aracaju, tendo inclusive verificado que a migração do interior para a capital, na década de 20, foi três vezes maior do que na década precedente.

Em seguida, o autor se dedica à análise da situação social, caracterizando os estratos da sociedade sergipana. Aponta a hegemonia dos usineiros do açúcar entre a oligarquia dominante e a dependência política das camadas médias urbanas a esses setores oligárquicos. Quanto aos setores populares, o autor enfatiza a submissão dos lavradores aos coronéis, "sob o sistema de dominação do tipo pessoal" (p. 47). Demonstra ainda o crescimento do operariado urbano e suas tentativas de organizar-se em associações de classe e produzir uma imprensa própria. Dá ênfase à análise do aumento do custo de vida na década de 20 (70% entre 1920 e 1924) e ao clima de descontentamento da população urbana em face da carestia.

Em seguida analisa a imprensa e as manifestações de oposição à ordem política vigente no primeiro quartel do século XX.

A imprensa sergipana atravessou três fases distintas do início do século até 1924. Na primeira década refletia fundamentalmente as dissidências interoligãrquicas. Na segunda foi marcada pelo acordo incondicional e pelo governismo. Apesar disso, segundo o autor, "nem por isso deixou de atuar em outros setores, agindo como fator de mudança e criando novas formas de pensamento" (p. 59). Como exemplos desse papel inovador da imprensa, o autor cita uma campanha pela melhoria do ensino e a divulgação dos acontecimentos internacionais, que teria influenciado a mudança da mentalidade dominante.

A partir de 1920 a imprensa sofreu sensíveis transformações: ampliou-se o número de jornais, estes se modernizaram e houve uma certa renovação dos grupos de interesses na direção dos principais jornais da capital.

Paralelamente à expansão da imprensa como veículo de divulgação de aspirações de mudança política, o autor analisa uma série de acontecimentos que expressariam o recrudescimento de um movimento social de oposição ao status quo vigente: a criação do Centro Socialista Sergipano em 1918, e que teve vida curta; do Comitê Pró-Rui Barbosa, congregando intelectuais sergipanos; do jornal mensal Voz do Operário, em 1920 e o movimento pela redução de horas de trabalho ocorrido em 1921; a campanha da Reação Republicana e a Campanha pelo Voto Secreto, que encontrou amplo apoio na opinião pública urbana e desembocou na formação do Centro de Propaganda pelo Voto Secreto, em maio de 1923.

2. A emergência do tenentismo e a revolta de 1924

Nesta parte do livro o autor busca inicialmente caracterizar as origens do tenentismo como movimento político de âmbito nacional, para em seguida focalizar a atenção no movimento tenentista de Sergipe.

Após algumas reflexões gerais sobre as origens mais remotas do tenentismo, o autor narra a crise da sucessão de Epitácio Pessoa, a campanha da Reação Republicana e o episódio das "Cartas Falsas", que desembocariam na primeira manifestação armada dos tenentes, o levante do Forte de Copacabana.

Prosseguindo na descrição dos fatos históricos o autor 93 analisa, de forma sintética, as origens da revolução de 1924, que eclode em São Paulo no dia 5 de julho, e que repercutiria em Sergipe alguns dias depois.

As origens do movimento tenentista sergipano ligam-se à Campanha da Reação Republicana, que opõe o 28.º Batalhão de Caçadores, sediado em Aracaju, ao Presidente Artur Bernardes. Após o levante do Forte de Copacabana, dois sergipanos participantes do movimento retornam a seu estado e vão formar um núcleo de resistência ao Governo central. São eles Manuel Xavier de Oliveira, desligado da Escola Militar do Realengo por sua participação no movimento de 22 e o primeiro-tenente Augusto Maynard Gomes, que cursava no Rio a Escola de Aperfeiçoamento para Oficiais quando eclode a revolta de 22.

Ligam-se a eles oficiais do 28.º BC (principalmente o segundo-tenente João Soarino de Melo e o capitão Eurípedes Esteves de Lima e um grupo de intelectuais e profissionais liberais partidários da reforma política proposta pelos tenentes. Quando eclode a revolução de São Paulo, esses homens levantam o 28.º BC já que diante da impossibilidade "de adesão em São Paulo urgia pois levar a efeito um levante local, cuja eficiência, além de se traduzir na ausência do próprio 28º BC ao lado das forças legais, atrairia fatalmente contra si outras, que descongestionariam o principal teatro de luta" (p. 97).

A revolta iniciou-se no dia 13 de julho e controlou o estado atè início de agosto, quando tropas federais comandadas pelo Gen. Marçal Nonato de Faria restabeleceram a legalidade.

Os grandes proprietários de terra auxiliaram as forças legais a reprimir o movimento sedicioso, porém, "para uma revolta sem propaganda prévia, ligada principalmente a problemas militares, sem objetivos locais claramente definidos, as poucas notícias, que conseguimos, de solidariedade em distanciados municípios do estado, não deixam de indicar uma ponderável aceitação" (p. 110).

3. A revolta de 1926 e a continuidade do tenentismo

Após a repressão ao movimento rebelde, o longo processo dos revoltosos dividiu a opinião pública e os excessos praticados no julgamento tenderam a intensificar um clima de descontentamento contra o Governo federal, e também contra o estadual.

Esse descontentamento era realimentado pela eclosão de novas sedições e levantes em vários pontos do Brasil, e principalmente pela marcha da Coluna Prestes, que de abril de 1925 a fevereiro de 1927 percorreu o Brasil propagando a revolução tenentista.

Com a passagem da Coluna pelo Nordeste, os revoltosos se reanimaram e passaram novamente a conspirar, mais uma vez liderados por Maynard Gomes, ainda preso e que aumentara sensivelmente sua popularidade após a revolta de 24.

Fugindo da prisão na noite de 28 de janeiro de 1926, e auxiliado pelo mesmo Cap. Eurípedes de Lima e Tenente João Soarino, líderes da revolução de 24, Maynard rebelou novamente o 28º BC, no dia 19 de janeiro, com o objetivo de auxiliar os companheiros da Coluna Prestes. Porém, o Batalhão Policial de Aracaju não aderiu ao movimento, que foi facilmente reprimido, seus líderes presos e exilados na Ilha Trindade, juntamente com vários outros líderes tenentistas.

Em todo o período de exílio cresceu a popularidade dos tenentes presos, que foram recebidos com manifestações populares quando retornaram a Aracaju, em setembro de 1927. Nessa época já governava o país Washington Luiz e em Sergipe fora eleito novo governador, Manuel Dantas, lídimo representante da velha ordem e da oligarquia agrária, mas que realizou uma série de aberturas políticas aos tenentes e seus aliados.

Inaugura-se assim uma fase de acomodação e conciliação entre o tenentismo sergipano e a velha oligarquia, aumentando cada vez mais a influência daquele no governo do estado, inclusive de Maynard Gomes, que da prisão participava da política estadual.

Essa aproximação manteve-se até a Revolução de 30, tanto que, exceto um grupo relativamente pequeno que se inclinou pela Aliança Liberal, o mundo político de Sergipe esteve solidário com a chapa situacionista Júlio Prestes / Vital Soares, inclusive a maioria dos tenentes que participavam do poder ao lado de Manuel Dantas.

A campanha da Aliança Liberal em Sergipe aglutinava os tenentistas não alinhados no situacionismo estadual e vários outros líderes renovadores, mas que haviam discordado das revoltas tenentistas de 24 e 26. Aqui também, como em todo o Brasil, um conglomerado heterogêneo e contraditório.

Apesar do entusiasmo que envolveu segmentos das camadas médias pela Aliança Liberal, Getúlio Vargas obteve em Sergipe apenas 835 votos, contra 16.736 dados a Júlio Prestes.

Após a derrota da Aliança Liberal nas urnas, o líder do tenentismo sergipano, que ainda continuava preso, foi transferido para o Rio de Janeiro enquanto aguardava o resultado da apelação do Procurador ao Supremo Tribunal Federal. Aí, vivendo num regime de prisão bastante relaxado, integrou-se à conspiração revolucionária dos tenentes e setores civis mais radicais da Aliança Liberal, preparatória da Revolução de 1930. Quando esta eclode, Sergipe foi um dos últimos estados que aderiu ao movimento, assim mesmo quando as tropas revolucionárias já haviam penetrado em seu território. Em dezembro de 1930 Maynard Gomes foi designado interventor federal em Sergipe e seus companheiros de revolta João Soarino de Melo e Eurípedes Esteves de Lima foram designados respectivamente comandante do 28.º Batalhão de Caçadores e Chefe de Polícia. O tenentismo estava finalmente no poder em Sergipe, assim como em escala nacional.

4. Conclusões

Segundo o autor, o desenvolvimento do tenentismo em Sergipe encontra explicação na confluência de duas forças históricas: uma exógena, o tenentismo como fenômeno nacional, e outra endógena, representada pela aspiração de mudança política, que embora sufocada em 1906 voltava a se manifestar sob formas novas na década de 20.

A receptividade popular ao tenentismo foi bastante significativa em Sergipe, "sobretudo entre os estratos médios da população". Contudo, de acordo com o autor, "não se pode dizer que o tenentismo representava especificamente os interesses dos estratos médios urbanos que aliás não possuíam nem partido nem programa próprios que definissem suas reivindicações, confirmando-se assim em Sergipe o que Décio Saes observou no plano nacional (...) Essa falta de identidade ideológica própria dos estratos médios foi sensivelmente notada no movimento tenentista local pela facilidade com que algumas de suas figuras se incorporaram ao governo e passaram a defendelo ardorosamente sem que houvesse qualquer mudança no sistema de dominação (...) Contudo, não se pode reduzir simplesmente o tenentismo a um movimento de interesse das camadas dominantes. Tendo à frente um líder carismático que gozava de grande simpatia nos variados estratos da população do estado, especialmente entre os estratos médios urbanos, o tenentismo também se distanciava dos movimentos dissidentes tradicionais pelo repúdio aos políticos e pela sua índole militar (...) O movimento tenentista em Sergipe parece-nos que trazia dentro de si o embrião de uma política de tendência populista que poderá ou não ter-se manifestado depois de 1930, questão aberta para os historiadores." (p. 228, 229 e 230).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 1975
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