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Treinamento de executivos: visão panorâmica

ARTIGOS

Treinamento de executivos: visão panorâmica

Laerte Leite Cordeiro

Assessor da Vice-Presidência de Coordenação da Light - Serviços de Eletricidade S.A., em São Paulo, e ex-professor do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

Seria muito confortável para as empresas se, à medida que surgisse a necessidade da admissão de executivos - elementos de alta e média gerência - com determinados conhecimentos, habilidades e experiências, para os seus quadros, elas os pudessem encontrar prontos, esperando por serem apanhados, em alguma prateleira próxima, amigável e econômica.

Seria, igualmente, muito confortável para as empresas, se os executivos assim conseguidos fossem suficientemente competentes e pudessem - sem maior esforço delas - manter-se sempre atualizados, buscando, por sua conta e iniciativa, evitar a obsolescência das suas capacidades originais e acompanhar, valorosamente, o ritmo veloz das mudanças de suas empresas e do contexto em que vivem.

Infelizmente, porém, essa não é a realidade que os fatos da vida nos mostram. Ao contrário do desejável, o que se observa é a crescente dificuldade encontrada pelas empresas, nas suas tentativas de achar os executivos de que precisam, em condições de atender plenamente às suas necessidades; o processo é por demais demorado, caro e de resultados apenas satisfatórios, quando de sucesso. Qualquer dirigente de empresa sabe das agruras de um recrutamento de executivos no mercado de trabalho, nos dias atuais; no mais das vezes, a empresa acaba tendo que aceitar parte do que realmente procurava, depois de gastar muitas vezes somas elevadas e despender muito tempo e esforço dos seus dirigentes. As vezes, vêem-se mesmo as empresas na contingência de ter que reformular sua estrutura organizacional, redistribuir o montante de trabalho entre os executivos já existentes ou, em alguns casos, até mesmo deixar de implementar um programa da maior importância, em virtude da impossibilidade de encontrar, no mercado de trabalho, os elementos de que precisam.

No que respeita às necessidade de ter em seus quadros executivos, elementos competentes e sempre atualizados, habilitados ao pleno exercício de suas funções e capazes de perceber, assimilar e, eventualmente, até mesmo antecipar as implicações das mudanças tecnológicas e sociais, o problema não é, igualmente, menos sério.

Em muitos casos, os executivos das empresas não têm uma formação básica, dirigida para a administração, e foram levados àquela condição por força de circunstâncias as mais diversas; assim, a despeito do esforço pessoal de adaptação - altamente meritório - e da ajuda do bom senso, da inteligência, da cultura geral e da intuição, falta-lhes, na origem, a estrutura e a sistematização do conhecimento técnico-administrativo, a limitar sua capacidade de contribuição.

Por outro lado, premidos pela habitual falta de tempo, muitas vezes os executivos põem de lado ou adiam, sine die, o sistemático aperfeiçoamento de sua própria capacidade gerencial, ainda que reconhecendo sua necessidade e, conscientemente, desejando os benefícios que adviriam do processo para si e para suas organizações.

Finalmente, envolvidos pelo dia-a-dia, pelas rotinas, pelo expediente, e por tudo quanto, de alguma maneira, prende o homem de empresa ao seu trabalho, às suas preocupações e aos seus problemas, os executivos tendem, em muitos casos, a uma vinculação às coisas conhecidas, às experiências já vividas e aos conceitos e práticas já comprovados no passado. Sem querer, pouco a pouco, vão esses executivos desenvolvendo um processo de acomodação, que se transforma, depois, em resistência a inovações e, finalmente, até mesmo em relativa incapacidade para perceber e lidar com variáveis novas no ambiente empresarial. O que era bom ontem, vale para o hoje e será bom, eles pensam, no amanhã.

Nessas circunstâncias adversas, confrontados com a sofisticação tecnológica do processo administrativo atual e com o incrível ritmo em que se processam as mudanças internas e externas que afetam a vida das empresas, os executivos tenderão à desatualização, à obsolescência e, conseqüentemente, à incompetência.

O que se observa, portanto, é que, para grande infelicidade das empresas, entre a situação confortável desejada e a situação real existente, há uma larga discrepância. Não há homens prontos esperando em qualquer prateleira e os seus executivos não serão sempre necessariamente competentes, atualizados e eficazes.

Para conseguir alcançar a situação confortável desejada, não basta depender da sorte, do acaso, da improvisação ou da iniciativa individual. Há que se estabelecer e fazer valer uma política firme, contínua e prioritária, de desenvolvimento de executivos, que tenha, no treinamento de executivos, uma das suas mais ponderáveis e eficazes atividades componentes.

Entre os muitos benefícios e vantagens da adoção, pelas empresas, do desenvolvimento de executivos como atividade estruturada, contínua e sistemática, entendemos como mais expressivos os seguintes:

a) garantir a existência do talento executivo necessário a assegurar a estabilidade da empresa e a lastrear seu desenvolvimento a médio e longo prazo;

b) produzir, internamente, os recursos humanos de nível executivo necessários à eficaz atuação da organização, superando as dificuldades de consegui-los no mercado de trabalho;

c) promover a elevação do moral e da motivação de sua coletividade de executivos, criando oportunidades de progresso pessoal e profissional;

d) desenvolver uma maior segurança profissional nos seus executivos, habilitando-os a um desempenho mais tranqüilo e eficaz;

e) criar as condições essenciais à delegação de autoridade, sem o risco da ineficiência administrativa;

f) introduzir novos conceitos e técnicas administrativas atualizadas, buscando eficientizar suas atividades e criar condições para a mais eficaz consecução dos seus objetivos;

g) equacionar o desenvolvimento da capacidade administrativa dos seus executivos, com o nível de sua capacidade técnico-profissional, em sua área específica de atividade, visando ao necessário equilíbrio de competências;

h) desenvolver nos seus executivos as qualificações necessárias à aceitação dos novos desafios que as mudanças propõem;

i) manter ou melhorar sua imagem de empregadora na comunidade, pelas oportunidades de desenvolvimento que oferece aos seus executivos;

j) contribuir, indiretamente, para o processo de desenvolvimento econômico e social do país, através do aperfeiçoamento do talento administrativo (Management), item escasso do quadro nacional de recursos disponíveis.

Mas se por um lado é fácil demonstrar a necessidade e as vantagens da existência de uma política, de planos e de programas de desenvolvimento de executivos para as empresas, não é tão fácil sua implementação, na prática. Existem problemas, controvérsias, teorias, abordagens, modismos, enfim, todo um mundo de barreiras e obstáculos de lenta transposição e superação, com os quais somente se devem preocupar e contra os quais somente devem investir aquelas empresas que acreditem firmemente na contribuição essencial e imprescindível dos seus recursos humanos, de nível executivo, à sua continuidade e sucesso. Para as outras, o melhor é, nem começar.

2. A PROBLEMÁTICA DO TREINAMENTO DE EXECUTIVOS

Examinemos, agora, alguns dos problemas que costumam confrontar, mais amiúde, empresas e profissionais preocupados e responsáveis por essa área prioritária da administração de recursos humanos da empresa moderna.

Enfatizaremos, principalmente, os aspectos ligados à problemática do treinamento porque é a atividade mais ponderável, reconhecida e praticada pelas empresas dentro do panorama maior dos programas de desenvolvimento de executivos.

2.1 A dificuldade de identificar necessidades de treinamento

Partindo-se da premissa de que o treinamento é uma resposta estruturada e sistemática a uma necessidade de conhecimentos, habilidades ou atitudes, o sucesso de seu programa dependerá da propriedade com que a necessidade a ser satisfeita, tenha sido identificada. O curso pode ser ministrado pelo melhor professor, no local mais apropriado, com os mais eficientes recursos audiovisuais, distribuindo o melhor material didático e, ainda assim, poderá ser um fracasso. Para que isso aconteça, basta que a atividade organizada não atenda à necessidade real do grupo de participantes, tornando irrelevante o programa.

O grande problema do treinamento de executivos é que não é fácil determinar as necessidades específicas que devem dar lastro aos programas a serem desenvolvidos pelas empresas.

Em primeiro lugar, um grande número de empresas não tem conhecimento adequado e estruturado da natureza das funções desenvolvidas pelos seus diferentes executivos ou das responsabilidades funcionais que lhes incumbem. Nessas circunstâncias, torna-se difícil definir, com propriedade, as competências necessárias aos vários executivos, para o exercício dos diferentes cargos que ocupam. Falta, portanto, no caso, uma melhor informação quanto aos conhecimentos, habilidades e atitudes, que formam o composto do desempenho dos executivos. A grande pergunta, então, é: treinar os executivos em quê e para quê? Se a resposta for a de que se pretende um mais eficiente e eficaz desempenho de suas atribuições, então a primeira grande dificuldade já surge com a falta de uma melhor descrição daquilo que eles devem ser, e do que se espera deles na organização, dificultando a determinação das necessidades de treinamento de forma a não permitir a organização de um programa eficaz.

A avaliação de desempenho dos executivos é outro instrumento administrativo a partir do qual a determinação das necessidades de treinamento pode ser realizada. Feita a avaliação dos executivos, a empresa procede à organização dos programas de treinamento necessários a corrigir distorções no desempenho ou aperfeiçoar a conduta já adequada. Infelizmente, porém, as avaliações do desempenho nem sempre oferecem resultados confiáveis e representam a verdade sobre os pontos fracos e fortes dos avaliados. Quase todos os defeitos clássicos da metodologia do tradicional "Boletim de Mérito" estão presentes nas avaliações de executivos praticadas nas empresas que ainda as realizam. Isso torna o instrumento de valor apenas relativo para o estabelecimento das necessidades a serem atendidas com o treinamento.

A pesquisa direta das necessidades de treinamento via questionários é procedimento ortodoxo, teoricamente inatacável mas que, na prática, apresenta algumas limitações semelhantes às da avaliação de desempenho e é de resultados apenas relativos. Os questionários são, em geral, respondidos sem grande cuidado, sem reflexão mais profunda, e, no mais das vezes, recebidos pelos respondentes apenas como mais uma obrigação burocrática a satisfazer, para dar trabalho e o que fazer aos "especialistas" da área de pessoal. O risco de se confiar neste procedimento, para sobre ele construir todo um esquema de treinamento dos executivos da empresa, é que os pressupostos de todo o trabalho sejam imprecisos ou falsos, prejudicando o seu resultado.

Para que o treinamento seja uma efetiva contribuição ao processo maior de desenvolvimento de executivos, é necessário que não só objetive aperfeiçoar aos executivos em função das atribuições do presente, mas que também possa ter, como propósito, a preparação dos executivos para o futuro, seja ele representado por novas atribuições e responsabilidades, por novos desafios ou pela necessidade de atualização permanente. O que ocorre, infelizmente, é que, em muitas empresas, o planejamento é tímido e insuficiente ou mesmo inexistente, para permitir a organização de programas que preparem os executivos para o futuro previsto. Não há como se treinar homens para contribuir para a consecução de objetivos do futuro que não se consegue ou não se deseja definir hoje.

A verdade é que as dificuldades para se precisar as necessidades a satisfazer, quanto ao treinamento de executivos são muitas e complexas. Muito do que se tem feito é baseado em suposições e estimativas, mais do que em metodologia científica e indiscutível. Mas qual a alternativa? Desde que estejamos cônscios das limitações é sempre melhor fazer alguma coisa, do que deixar como está para ver como fica.

2.2 Por onde começar o treinamento?

A posição clássica recomendada pela maioria dos estudiosos e profissionais sugere a estratégia "de cima para baixo", significando que o primeiro contingente a participar dos esforços e das atividades de aperfeiçoamento, deve ser o dos componentes do escalão superior da administração, espraiando-se, depois o processo, pelos níveis inferiores da hierarquia. Os objetivos desta estratégia são vários: mostrar que a diretoria dá o exemplo e que considera e endossa o treinamento como atividade importante; criar um contexto permissivo à aplicação e implantação do que os executivos intermediários venham a aprender nos seus programas de treinamento; desenvolver uma linguagem comum entre diretores, gerentes e chefes que permita o diálogo entre as diferentes partes envolvidas; e, finalmente, até mesmo o de ensinar alguma coisa que o pessoal lá de cima possa eventualmente ainda não saber...

Embora reconhecendo que há muita justificativa fiara a posição clássica do "de cima para baixo" e que a maioria das tentativas são feitas de acordo com essa estratégia, é preciso dizer que mais do que um treinador já sentiu na carne, a dificuldade de implementá-la. Em quantas empresas será que o treinamento de executivos começou realmente "por cima"? A impressão que nossa experiência transmite é que, na maioria dos casos, o treinamento é bom e necessário para os executivos intermediários, mas nem sempre aceito como necessário ou adequado para a cúpula diretiva. Nesses casos talvez funcione uma estratégia alternativa que é chamada da "ebulição" ou de "de baixo para cima", através da qual os executivos intermediários, treinados, poderão, no tempo, provocar tal pressão, que venha a obrigar a direção a um esforço de treinamento para melhorar sua capacidade, evitar a perda de status e, eventualmente, do próprio controle da empresa. Pode ser que a estratégia de "ebulição" não funcione em todos os casos, mas qual é a alternativa que sobra para o treinador, senão, então abandonar a luta?

2.3 A quem atribuir a responsabilidade pelo treinamento?

Este aspecto do treinamento de executivos pode ser abordado e examinado sob dois ângulos distintos: o primeiro, que vê a responsabilidade pelo lado de sua classificação em final e funcional, e o segundo, que coloca as alternativas através das quais a responsabilidade funcional pode ser cumprida.

Quanto ao primeiro, é importante estabelecer que a responsabilidade final pelo treinamento de executivos, em qualquer empresa, no seu aspecto coletivo, é, fundamental e prioritariamente, da diretoria da empresa; em um sentido mais restrito, ou em termos individuais, o treinamento do executivo subordinado é sempre uma responsabilidade indivisível do seu superior imediato. A responsabilidade funcional, segundo entendemos, é aquela atribuída a um órgão de serviço da estrutura organizacional, incumbido de criar as condições materiais para que o treinamento dos executivos possa efetivamente ocorrer e da maneira mais eficiente e eficaz possível.

Embora isto pareça óbvio, a prática demonstra que nesta área ocorrem grandes mal-entendidos que, muitas vezes, limitam ou impedem mesmo o bom desempenho dos programas de treinamento de executivos. Quando a diretoria deixa de assumir o papel que lhe cabe, porque não reconhece essa sua responsabilidade, então nem é bom iniciar a tentativa de treinamento. Mesmo que os diretores não desejem formalmente participar dos programas, é preciso que a cúpula deixe bem claro a todos, que a atividade é importante e prioritária; para isso, nada melhor do que avocar para si, publicamente, a responsabilidade final pelo assunto. Quanto ao fato de que a responsabilidade pelo treinamento do subordinado é atribuição indelegável do superior, parece não haver dúvidas; ninguém melhor do que o chefe conhece a natureza do trabalho, as qualificações, os defeitos e as virtudes funcionais e, principalmente, o que ele próprio pretende do seu subordinado. Ocorre, todavia, que alguns executivos deixam de cumprir com essa responsabilidade, que é só deles, por ignorância, por comodismo ou por incompetência, transferindo todo esse lado da sua função de chefia para um órgão de serviço, o qual intervirá na relação exclusiva superior-subordinado, sem maior chance de sucesso. Na medida em que o órgão de treinamento venha a assumir essa responsabilidade que não é sua, os resultados serão em geral insuficientes e frustradores. Sem a participação decisória das chefias e sem o endosso da direção, simplesmente não há treinamento eficaz de executivos.

No segundo caso, as alternativas são basicamente três: 1. a responsabilidade funcional pelo treinamento de executivos é atribuída ao órgão incumbido da administração de recursos humanos da empresa, o qual executa suas atividades típicas, sem distinção de níveis hierárquicos; 2. a responsabilidade é atribuída a um órgão especializado, criado dentro do órgão de recursos humanos da empresa, mas separado da sua estrutura e atividades ordinárias exclusivamente incumbido de cuidar do contingente de executivos; 3. a responsabilidade é atribuída a um órgão à parte do órgão de recursos humanos, normalmente subordinado diretamente à diretoria e exclusivamente dedicado aos executivos da empresa.

A opção entre essas três alternativas depende de vários fatores, como por exemplo, do tamanho da empresa, do número de executivos e de empregados, da sofisticação do padrão administrativo e do grau de importância que a diretoria dedica ao desenvolvimento dos seus executivos. Nossa experiência parece indicar que nas grandes empresas será mais eficiente deixar a massa de empregados para o órgão tradicional de pessoal, enquanto que os seus executivos devam merecer os cuidados de um órgão mais sofisticado e mais forte, que possa desligar-se das rotinas e dos grandes números para poder dar tratamento especial a esse contingente diferenciado. Como já dissemos, porém, neste caso os autores certamente divergirão e a decisão deverá consultar as circunstâncias específicas de cada caso.

2.4 A falta de envolvimento da cúpula

Entre os problemas que mais severamente afetam o treinamento de executivos nas empresas, a falta de um envolvimento decidido da cúpula diretiva, ocupa lugar de amplo destaque.

Não nos queremos referir ao envolvimento em termos deste ou daquele programa, nesta ou naquela oportunidade. O que se deseja é observar a importância que a administração superior atribui à necessidade e ao esforço de desenvolvimento pessoal e profissional dos seus executivos.

Esse envolvimento, quando existe, se traduz em uma participação de diretores em simpósios e congressos de administração, pela criação e prestígio a um órgão forte de recursos humanos, pelo investimento que faça no programa de desenvolvimento de executivos, na participação de diretores nos programas conduzidos, e, principalmente, no estabelecimento de uma política firme, de recompensa pelo esforço de cada executivo que busque o seu contínuo aperfeiçoamento.

Quando o envolvimento é apenas de fachada, sem que a realidade das decisões efetivamente corrobore as manifestações de endosso, apoio e interesse, os resultados do esforço e da atividade serão tão inexpressivos quanto o envolvimento dos dirigentes.

2.5 A falta de informações sobre o treinamento

A falta de informações sobre o treinamento de executivos por parte das pessoas e grupos direta ou indiretamente envolvidos com essa atividade, internamente, na empresa, pode levar à falta de apoio, à indiferença, à irrelevância e até mesmo ao fracasso das iniciativas intentadas, com a falência total do crédito a este tipo de realização administrativa.

Se examinarmos as necessidades de informações sobre o treinamento, que a diretoria de qualquer empresa desejaria e deveria receber, concluiremos que, em se tratando de um grupo de dirigentes, cuja função principal é o planejamento e o controle global das atividades da empresa, ela estará particularmente interessada em saber se e até que ponto o treinamento de executivos está, efetivamente, contribuindo para a consecução dos objetivos organizacionais estabelecidos. No entanto, se analisarmos as informações que efetivamente são enviadas à diretoria das empresas pelos responsáveis pelo treinamento de executivos, veremos que, em geral, elas são normalmente estatísticas frias, que multiplicam números de executivos por números de cursos e programas, ou avaliações quantificadas de reações do tipo "final-de-curso", sem sintonia com a necessidade objetiva de informações do grupo que as recebe. Nessas condições, é natural que a reação da cúpula diretiva, quanto ao treinamento, seja lastreada em impressões, e não em julgamentos objetivos. Os resultados dos programas e das atividades de treinamento tornam-se intangíveis pela maneira como são informados e não chegam a sensibilizar a direção, como coisa estreitamente relacionada aos objetivos maiores da organização. A indiferença dos homens da cúpula, provocada por essa aparente distância, emascula o treinamento de executivos, transformando-o em uma atividade aceita, mas não reconhecida como prioritária e fundamental.

Os gerentes de nível hierárquico mais alto, em muitos casos, também se ressentem da falta de informações sobre o treinamento, especialmente no que respeita à relevância dos programas e cursos com relação às necessidades de aperfeiçoamento dos seus subordinados. Não é surpreendente que muitos desses homens sejam indiferentes ou, até mesmo, hostis, ao treinamento de executivos, uma vez que lhes faltam informações mais adequadas e completas sobre os benefícios que a empresa, eles mesmos e os seus subordinados, auferirão das iniciativas oferecidas. A necessidade de divulgar, mostrar e comunicar aos gerentes superiores, a eficácia e as vantagens dos programas de treinamento é tanto mais óbvia, quanto mais se sabe que nenhum plano ou programa de desenvolvimento de executivos pode prescindir da influência, da participação e do envolvimento daqueles executivos. Enquanto esses homens não receberem as informações de que precisam, não tomarão as decisões necessárias ao sucesso dos programas de treinamento dos seus subordinados.

Na medida em que a diretoria e os gerentes de nível mais alto não sejam adequada e apropriadamente informados sobre o que deveriam saber a respeito do treinamento de executivos na empresa, a tarefa se complica para os especialistas (treinadores), os quais passam a ter que se transformar em vendedores internos de um serviço que não é entendido, desejado e, às vezes, aceito pelos homens que deveriam emprestar o indispensável apoio moral e material e pelos usuários diretos que deveriam aplaudir e aproveitar avidamente as oportunidades oferecidas. A frustração dos treinadores envolvidos nesse tipo de situação é grande e obviamente prejudicial ao desenvolvimento da atividade.

O aspecto extremo da falta de informações sobre o treinamento pode ser encontrado, freqüentemente, entre os próprios participantes dos programas desenvolvidos. Não é incomum que executivos recebam, de véspera, instruções para se apresentarem na manhã seguinte para participar de determinado curso ou que, inscritos, não tenham a menor idéia do por que foram enviados, de qual o conteúdo do curso, ou do que lhes acontecerá ao final do mesmo. Obviamente, em casos como estes, o resultado de qualquer programa de treinamento será muito discutível e a sua continuidade dificilmente ocorrerá.

É grande a importância das informações, sobre o treinamento, para o sucesso das boas intenções com que a atividade é concebida. O que se pede aos treinadores é, principalmente, que considerem e atendam às necessidades dos decisores e dos usuários, através do desenvolvimento de um sistema de informações que forneça os subsídios necessários à madura decisão e à integral participação. Sem esse cuidado, o destino da atividade, assim como o do treinador, não será muito risonho, a médio prazo.

2.6 O treinamento e a "cultura" da empresa

É recente a preocupação acadêmica e profissional para com um aspecto extremamente importante e relevante da vida das empresas. Referimo-nos à sua "cultura", a qual descrita em termos leigos, seria algo parecido com o conceito de personalidade, no caso de pessoas. Na medida em que a personalidade é plasmada a partir de diferentes eventos, circunstâncias e relacionamentos, também a "cultura" de uma empresa é o produto da sua origem, dos acontecimentos da sua história, da personalidade dos homens que a lideram, e assim por diante.

Ao cabo de um certo período de formação e desenvolvimento, a "cultura" das empresas, assim como a personalidade das pessoas tornam-se estruturadas, revelando traços e características próprios e singulares.

Ainda como no caso das personalidades das pessoas, a "cultura" da empresa comanda a sua vida; desenvolve-se um sistema de valores (próprios, estabelecem-se padrões de conduta aceita, montam-se instituições grupais, criam-se tradições, surge, sem que se possa determinar como, uma definição não escrita do que é certo e do que é errado.

É óbvio que qualquer inovação a ser introduzida na administração de qualquer empresa será, desde logo, contraposta à "cultura" da mesma. Desse confronto resultará ou não, a viabilidade real daquilo que tenha sido proposto.

O treinamento de executivos muitas vezes percorre esse caminho e vive esse drama. Se a política, os planos e os programas desenvolvidos, não afinarem com a "cultura" da empresa, o treinamento de executivos dificilmente poderá transformar-se em uma atividade aceita, entendida e louvada. Ao contrário, será bloqueada, desprestigiada, e, eventualmente, até mesmo hostilizada.

Nessas circunstâncias extremas, a atividade de treinamento de executivos deve ser precedida da intervenção do especialista em desenvolvimento organizacional, o qual atuará no sentido de criar um clima organizacional mais favorável à aceitação de mudanças e do próprio treinamento.

2.7 Treinamento é despesa ou investimento?

Aspecto controvertido, no treinamento, é aquele que se refere à maneira pela qual os gastos da empresa, com essa atividade, são entendidos por diferentes empresas e dirigentes. Enquanto que em alguns casos os gastos com treinamento são entendidos como item da despesa, em outros o desembolso é entendido como investimento. Por que a diferença de enfoque? Parece-nos que aquelas empresas que entendem que os seus recursos humanos representam seu ativo mais valioso e que da eficiência e da eficácia do desempenho desse ativo, dependerá o bom resultado das suas operações e a sua expansão e desenvolvimento, certamente considerarão os gastos com o contínuo aperfeiçoamento de seus executivos como um dos melhores investimentos que poderão realizar. Na medida em que - consciente ou inconscientemente - determinadas empresas considerem seus recursos humanos "como um mal necessário", como um fardo que se vêem obrigadas a carregar, ou como um ônus do processo empresarial, sem nenhuma contribuição maior ao sucesso de suas metas, então os gastos com treinamento - de executivos ou não - serão vistos apenas como uma despesa indigesta, que em não sendo possível eliminar, deverá ser mantida aos níveis mais baixos possíveis. Já faz até parte do folclore administrativo de muitas empresas, a providência costumeira de cortar as verbas destinadas ao treinamento, ao primeiro sinal de mau tempo nos negócios.

2.8 A relação custo-benefício no treinamento

Embora a busca de meios e maneiras seja uma preocupação e um esforço já muito antigo por parte de pesquisadores e profissionais, ainda não foi encontrada uma fórmula que permita avaliar-se, com suficiente acuidade, os resultados da participação de pessoas em programas de treinamento. No caso do treinamento de executivos, o problema, obviamente, se torna ainda mais complexo eis que, mais do que um simples aprendizado de técnicas objetivas e concretas, o que se busca é, também, o aperfeiçoamento da liderança, a mudança de mentalidade, o desenvolvimento de novas atitudes e a adoção de novos padrões de comportamento. O que se faz, então, é confiar na correlação subentendida existente entre treinamento e desempenho, sem muita possibilidade de se estabelecer quais as proporções da relação entre os custos incorridos e os benefícios efetivamente alcançados. A grande justificativa para a realização de programas internos de treinamento ou do envio de executivos a programas externos ainda é, em última análise, a de que, afinal de contas, "sempre se aprende alguma coisa". Para a administração de empresas em geral, para o contingente de executivos - potencial para os programas de treinamento do futuro - e para os profissionais de treinamento, o desenvolvimento de nova metodologia de avaliação talvez venha a tornar mais objetivos e tangíveis os resultados das iniciativas de treinamento das empresas. Se isso acontecer, será mais fácil avaliar as vantagens decorrentes dos gastos feitos, tornando mais consciente, realista e objetivo, o processo decisório da direção quanto ao treinamento de executivos.

2.9 A aplicação dos resultados do treinamento

O pior para qualquer executivo que tenha participado de um programa de treinamento, recebendo novos conhecimentos e habilidades e desenvolvendo novas atitudes com relação à sua atividade administrativa, é a de não encontrar, em seu retorno à empresa, um ambiente favorável à aplicação daquilo que recolheu no programa cursado.

O resultado de uma tal situação é amplamente negativo, em um sem número de aspectos:

o executivo treinado fica frustrado e, sem poder mudar o estado de coisas, reage de forma estranha, quer assumindo uma posição conformada e amortecida quer adotando a solução mais drástica de procurar um outro ambiente, no qual possa melhor utilizar sua capacidade ampliada;

se o executivo frustrado tende a se tornar refratário ao treinamento, pior do que isso é que o exemplo da sua situação corre, velozmente, pela organização informal, desenvolvendo um processo educativo que nega, para todo mundo na empresa, as vantagens de se deixar envolver em situações semelhantes;

não é menos triste o destino dos subordinados do executivo frustrado, os quais tenderão a ver bloqueadas pelo superior imediato todas as suas aspirações de desenvolvimento e aperfeiçoamento, porque o chefe não acredita mais na validade e na aplicabilidade desse tipo de atividade;

para não ir muito longe, haverá prejuízo para o chefe do executivo frustrado, porque deixou de aproveitar o talento disponível do subordinado; para os responsáveis pela atividade de treinamento, porque se cria uma difícil barreira para o cumprimento da sua responsabilidade funcional; e para a empresa, porque realizou um investimento que não só deixou de apresentar o retorno esperado mas, também, porque ao contrário, gerou problemas onde não os havia.

Infelizmente, a complexa e aborrecida situação do executivo frustrado ocorre em maior número do que se desejaria. A necessidade de um planejamento para o treinamento de executivos é óbvia, na medida em que se constata que sua inexistência promove a ocorrência de fatos consumados, com os quais é sempre difícil lidar.

2.10 A falta de continuidade no treinamento

Na medida em que o ritmo de mudança do contexto das empresas assume a cada dia uma aceleração mais acentuada, o treinamento de executivos, entendido como uma atividade que busca permitir aos administradores evitar a obsolescência e a superação, não pode sofrer solução de continuidade.

Por outro lado, a realização de programas de treinamento esporádicos, não conduz ao desenvolvimento de um clima de envolvimento e aceitação da atividade, com a ênfase que se deveria desejar.

No que tange aos aspectos ligados ao retorno do investimento, a situação será sempre insatisfatória, uma vez que os resultados do treinamento episódico serão, na maioria dos casos, insuficientes para justificar os gastos incorridos.

É curioso que, a despeito de parecerem óbvias as constatações formuladas, a maioria das empresas brasileiras que realiza alguma atividade de treinamento, ainda o faz aventurescamente e aos solavancos, sem um planejamento que assegure os benefícios de um programa contínuo e permanente.

A grande verdade é que o treinamento de executivos só fará sentido, na medida em que se perceba que há um planejamento, uma seqüência e uma continuidade nas iniciativas realizadas.

2.11 O conteúdo dos programas de treinamento

A grande evolução técnico-administrativa das últimas décadas está mudando o panorama das empresas e colocando fora de foco alguns princípios, teorias, conceitos e práticas, até há pouco considerados indiscutíveis. Essa grande mudança está a exigir das empresas e dos executivos um grande esforço de assimilação e adaptação, para o qual devem contribuir, essencialmente, os programas que se destinam a desenvolver e aperfeiçoar administradores.

Assim, a nosso ver, um dos problemas que se põem como desafio aos profissionais incumbidos do desenvolvimento e do treinamento de executivos, é o de organizar e conduzir programas que preparem os administradores das empresas de hoje para, entre outras, promover as seguintes mudanças em suas organizações:

1. Mudar de uma administração do tipo "dia-a-dia" para uma administração do tipo "dirigida-para-o-futuro".

2. Mudar da administração intuitiva e amadora para uma administração essencialmente profissional.

3. Mudar de uma orientação "virada pra dentro" (produto-companhia) para uma orientação "virada pra fora" (consumidor-sociedade).

4. Mudar de um estilo de administração centrado em reações e atividades para outro, centrado em objetivos e resultados e caracterizado por propósitos e planos.

5. Mudar da ênfase na administração de rotinas para a ênfase na criação de inovações.

6. Mudar de pressupostos de permanência e estabilidade para pressupostos de permanente instabilidade.

7. Mudar a ênfase de "como fazer" para "o que deve ser feito".

8. Mudar de uma dependência administrativa de dinheiro, máquinas e material, para uma dependência de homens, mentes e minutos.

9. Mudar da centralização para uma maior descentralização, através da qual os administradores operem suas próprias e completamente integradas unidades organizacionais.

10. Mudar de um estilo autoritário para um estilo participativo.

11. Mudar de instruções e supervisão rígidas, para delegação de autoridade e prestação de contas. E, finalmente,

12. Mudar do individualismo para o trabalho de equipe.1 1 Barrett, F.D. The MBO time trip. In: The Business Quarterly. Canada. Autumn, 1972.

É evidente que esta é apenas uma abordagem ao problema do conteúdo dos programas de desenvolvimento e treinamento de executivos. Haverá outras, sem dúvida igualmente válidas, importando, todavia, que incorporem, sempre, a preocupação de atender às mudanças que o contexto empresarial obriga e sugere.

2.12 O excesso de alternativas

Entre as muitas dificuldades com que se defrontam as empresas, os órgãos de treinamento e os próprios executivos interessados em seu aperfeiçoamento profissional, está aquela de escolher os programas que melhor atendam às suas necessidades, dentre a massa de alternativas que, permanentemente, se oferecem à sua decisão.

Na medida em que o treinamento passou a ser um bom negócio, pelo aumento do interesse e da necessidade das empresas em treinar o seu pessoal, ampliou-se, igualmente, o número de entidades e empresas especializadas que se propõem a subsidiar as atividades de aperfeiçoamento de executivos. Por outro lado, o desenvolvimento de novas abordagens, ênfases, técnicas, métodos e esquemas de treinamento de executivos - normalmente importados - tem criado um sem-número de alternativas que se colocam, através de folhetos artísticos e coloridos, sobre a mesa do executivo, a fim de que ele faça a sua opção.

Nesses termos, muitas vezes o executivo ou se amedronta diante de tudo aquilo que ainda não conhece, ou repudia tudo de uma só vez, pela mesma razão. Perdido entre as muitas alternativas de treinamento que o mercado especializado lhe oferece, o executivo às vezes desiste de tudo e prefere ir ao cinema ou à praia. Se a empresa não dispõe de um bom profissional de treinamento, que faça a seleção das alternativas adequadas e que dê um tratamento planejado ao apoio que as agências externas podem oferecer, então é possível que todos saiam perdendo ao mesmo tempo.

2.13 Treinamento como um favor da empresa

Até que ponto o fato de que a empresa, realizando cursos internos para os seus executivos ou enviando os seus executivos a programas externos de treinamento está, na realidade, concedendo um benefício extra-salarial? Será que, como dizem certos dirigentes, a empresa está fazendo um favor para os seus executivos, pagando o custo do seu desenvolvimento profissional?

A esta posição de alguns opõe-se aquela dos homens de empresa mais esclarecidos, que entendem que os executivos representam o contingente mais importante de qualquer organização e que é do seu contínuo aperfeiçoamento que resulta a capacidade de qualquer empresa de poder sobreviver e, eventualmente, crescer, com sucesso, em um contexto cuja dinâmica de mudança é de aceleração progressiva. Nesses termos, o esforço de treinamento dos seus executivos é uma obrigação da empresa, que deve até mesmo agradecer e premiar todo executivo que demonstre qualquer interesse em fazer o favor de melhorar sua capacidade de contribuição aos objetivos da organização.

Se, por absurdo, os executivos de qualquer empresa decidissem não participar de programas de aperfeiçoamento, não assistir conferências, simpósios e congressos, não ler qualquer revista técnico-administrativa, não freqüentar associações profissionais, nem procurar o contacto com outros administradores, qual seria o futuro dessa organização?

É claro que em oferecendo condições de desenvolvimento profissional aos seus executivos, a empresa estará ajudando os indivíduos a se tornarem aptos a uma maior contribuição e a ampliar sua competência. O que interessa estabelecer, porém, é que a razão fundamental do patrocínio das empresas aos programas de treinamento dos seus executivos é a do atendimento das suas próprias necessidades por gente preparada para um desempenho cada vez mais eficiente e eficaz, no hoje e no amanhã. E não porque é bonito, ou porque as empresas tenham inclinações generosas.

2.14 Treinar para os outros aproveitarem

Não é incomum ouvir-se, como justificativa para a inexistência de planos, programas e investimentos no desenvolvimento e treinamento de executivos, em algumas empresas, a observação de que não há maior interesse em um esforço estruturado e sistemático nesse sentido, porque tendo em vista uma série de circunstâncias, é freqüente a perda dos executivos treinados para outras empresas, muitas vezes as mais ferrenhas concorrentes.

Nos casos em que esse fato ocorre, a empresa treinadora teria incorrido em custos diretos e indiretos com o treinamento dos seus executivos e, ainda, ao final, seria onerada com o prejuízo da ausência dos elementos e com os gastos necessários ao processo de substituição.

A razão para esta posição com relação ao treinamento de executivos, está assentada em uma dificuldade ainda constatável em muitas empresas, que é a de entender que o treinamento aperfeiçoa os indivíduos, aumenta sua competência e desenvolve sua capacidade de contribuição, mas que, ao mesmo tempo, cria nos executivos uma expectativa de retribuição por parte da empresa. Essa retribuição esperada pode tomar a forma de diferentes alternativas: aumento de ordenado, promoção, reconhecimento, status mais altos, maiores desafios. O que não pode é deixar de acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Não pode, mas acontece. E, quando acontece, muitas vezes faltou um melhor planejamento que ao mesmo tempo que antecipasse todas as atividades necessárias ao treinamento dos executivos, previsse, igualmente, as decisões a serem tomadas no sentido da compensação dos seus esforços adicionais.

Haverá sem dúvida, circunstâncias incontroláveis, que possam levar o executivo treinado a deixar a empresa de origem, a despeito de todos os bons cuidados desenvolvidos para evitar esse desfecho. Nessa hora, só resta à empresa o filosófico consolo de ter contribuído para melhorar o nível do talento gerencial da comunidade.

2.15 A falta de pesquisa sobre a empresa e o executivo brasileiro

Nesta área ocorre uma das maiores lacunas do treinamento de executivos, que nenhuma empresa individual pode normalmente preencher e onde se faz necessária e premente a ação da comunidade de empresas do país.

O aspecto que desejamos abordar é o da falta absoluta de pesquisas sobre a administração das nossas empresas e sobre o executivo brasileiro. A maior parte do que se faz no Brasil em treinamento de executivos ainda é baseado em conceitos, abordagens, técnicas, atitudes e expectativas de comportamentos, importados de outras culturas com sistemas de valores provavelmente diferentes dos nossos. Organizamos programas de desenvolvimento e treinamento de executivos sem na verdade conhecermos o que é, na realidade, a empresa brasileira, na sua cultura, no seu sistema de valores, nos aspectos éticos e morais, nas suas dificuldades, nas suas necessidades, no estilo gerencial mais aceito e eficaz. Fazemo-lo, igualmente, sem que tenhamos já reunido informações suficientes de pesquisa organizada sobre quem é esse executivo a quem nos propomos treinar e desenvolver; quais as suas expectativas, reações, origens, metas, valores típicos. Não pretendemos aqui negar a validade do esforço altamente meritório dos programas que têm sido e estão sendo desenvolvidos pelas empresas, pelo Governo e por entidades de treinamento, no sentido do aperfeiçoamento dos nossos executivos. Mas sentimos a necessidade de conclamar publicamente, a universidade, a comunidade de empresas e o Governo para a necessidade da aplicação de recursos e talento, na investigação da realidade empresarial brasileira. Hoje, repetimos, a base do esforço é a improvisação, a experiência pessoal, a imitação, a impressão, o "vamos fazer de conta que estamos certos".

2.16 A falta de material de apoio ao treinamento

Entre as muitas limitações que se colocam para o treinamento de executivos, a falta de material didático é uma das mais sérias. Até bem pouco tempo atrás, era até comum que os participantes de determinados programas de treinamento fossem selecionados em função de seu conhecimento de inglês, em virtude da necessidade de manipular e estudar material didático oferecido apenas naquele idioma. Ainda hoje, qualquer professor ou instrutor de cursos de treinamento de executivos sabe das dificuldades que existem, de se conseguir compor um curso, sem que se tenha que lançar mão de bibliografia estrangeira. A grande verdade é que do ponto de vista de publicações que possam subsidiar os programas de treinamento, a situação não é nada confortável; há muito poucos livros escritos sobre administração no Brasil, e, embora com gloriosas e raras exceções, a qualidade e a atualidade do que se encontra, deixa muito a desejar; as revistas técnicas sobre administração são muito poucas e freqüentemente publicam artigos estrangeiros traduzidos, que ajudam pouco e nem sempre são aplicáveis ao nosso contexto. Como já vimos, a contribuição universitária é irrisória eis que, não havendo pesquisa, não há muito que publicar. Assim, o benefício das monografias, das teses publicadas e outras manifestações acadêmicas, não estão disponíveis como subsídio ao treinamento de executivos. Nessas condições, a condução dos programas tem que ser feita ainda com base em autores estrangeiros, livros estrangeiros, revistas estrangeiras e pesquisa estrangeira, tornando mais difícil o aprendizado e quiçá criando problemas de conflito cultural nos participantes, sem que tal fato possa ser notado de forma aparente.

2.17 A falta de treinadores para o treinamento

Ao longo deste trabalho, sugerimos, em muitos momentos, a necessidade de um efetivo envolvimento da cúpula diretiva das empresas, um apoio consciente e decidido da alta gerência, a colaboração da universidade, o empenho da comunidade de empresas e a atuação supletiva do Governo, para o treinamento de executivos no Brasil.

Como, porém ainda que com toda essa ajuda, vamos treinar os nossos executivos, se não temos, na quantidade e qualidade desejada, os treinadores que possam realizar a tarefa?

Infelizmente, são ainda muito poucos os profissionais de recursos humanos, habilitados ao desempenho da difícil responsabilidade de desenvolver e treinar executivos. Sem dúvida nenhuma, a comunidade de empresas conta com um excelente contingente de homens de pessoal, de relações industriais ou de recursos humanos, com larga experiência integrada, em sua área de atividade profissional. Conta, por outro lado, com profissionais de treinamento em áreas especializadas, as mais diversas, fazendo um excelente trabalho. O problema, porém, permanece, pois para o desenvolvimento e o treinamento de executivos, exige-se um novo tipo de profissional que a recente ênfase ainda não formou.

O profissional de desenvolvimento de executivos deve, a nosso ver, dominar as variáveis metodológicas dos processos normais de sua atividade, ostentar uma boa reputação acadêmica e gerencial e, fundamentalmente, ter condições de diálogo com o grupo ao qual deverá apoiar, sendo sensível aos aspectos políticos da sua missão.

E esse profissional, infelizmente, ainda está nos faltando, nos números necessários.

3. CONCLUSÕES

Até aqui, examinamos algumas das razões que justificam o desenvolvimento e o treinamento de executivos, acenamos com alguns dos seus benefícios e vantagens mais flagrantes e expressivos, sugerimos o estabelecimento de uma política firme, contínua e prioritária por parte das empresas e comentamos, amplamente, sobre uma grande gama de problemas reais, com os quais se defrontam todos quantos se envolvem no aperfeiçoamento do seu contingente gerencial.

Parece-nos útil, agora, à guisa de conclusão, formular uma série de recomendações finais, que fluem da análise dos problemas comentados e que talvez possam servir para que as empresas e dirigentes, que pretendam desenvolver e treinar os seus executivos, obtenham uma orientação básica e um guia de conduta a nortear suas decisões. Quanto às empresas, dirigentes e profissionais de treinamento já envolvidos na difícil, porém meritória e imprescindível tarefa do treinamento de executivos, oxalá possam nossas recomendações ser úteis a uma avaliação das atividades em progresso, pela possibilidade da comparação de experiências. Assim,

é fundamental que a cúpula dirigente da empresa efetivamente se envolva no treinamento dos seus executivos, demonstrando sua crença na atividade e nos seus resultados;

o treinamento de executivos deve ser entendido como um investimento altamente compensador e necessário e não como uma despesa aborrecida e não-produtiva;

sempre que possível o treinamento de executivos deve começar "por cima", entendendo-se, todavia, que a alternativa da estratégia de "ebulição" é melhor do que não se fazer nada;

mais do que considerar o treinamento de executivos como um favor, ou como um benefício extra-salarial, que a empresa faz ou concede, é preciso que se entenda que ele é fator de sobrevivência e de desenvolvimento da própria empresa;

um sistema de informações sobre o treinamento de executivos na empresa, que leve em consideração as necessidades dos usuários, facilitará em muito o desenvolvimento e o sucesso da atividade;

ninguém deve usurpar da diretoria da empresa e do chefe imediato a responsabilidade final pelo treinamento dos executivos. Ao profissional de treinamento da empresa deve incumbir apenas a responsabilidade funcional por identificar e promover as condições necessárias ao atendimento das necessidades de empresa e oferecer os necessários serviços de apoio;

embora o instrumental burocrático disponível para a determinação das necessidades de treinamento de executivos seja ainda impreciso e primário, é melhor utilizá-lo com consciência das suas limitações do que assentar todo o trabalho em julgamento subjetivo ou simplesmente abdicar de qualquer esforço;

mesmo enquanto não se consiga um meio objetivo e preciso de avaliar se o treinamento de executivos está realmente trazendo benefícios que mereçam e justifiquem os custos incorridos, é importante assinalar que o bom senso e a experiência prática de muitas empresas parecem demonstrar a validade do esforço;

na medida em que a empresa desenvolve programas de treinamento, será sempre útil lembrar que, como em outras atividades administrativas, deve haver uma preocupação sempre maior com os objetivos e resultados pretendidos do que com a mecânica e os processos utilizados;

é sempre útil lembrar que se as outras partes do sistema de administração de recursos humanos da empresa não funcionarem, o treinamento, por si só, sofrerá severas limitações e poderá não alcançar os bons resultados pretendidos;

não devem as empresas abandonar ou abdicar do treinamento dos seus executivos face ao risco de perderem-nos, depois. Na maioria dos casos, quando o treinamento é parte de um eficaz sistema de administração de recursos humanos, a empresa terá condições de conservar os executivos treinados. Se ainda assim, porém, perder um ou outro, isso deve ser levado à conta da contribuição da empresa ao desenvolvimento do talento gerencial da comunidade;

o treinamento de executivos deve ser sempre afinado com a "cultura" da empresa. Idealizar e tentar implementar programas que contrariem as condições, o sistema de valores, o folclore, as instituições grupais estabelecidas e os códigos não escritos vigentes na empresa, será tempo perdido e muita frustração;

será de extrema importância para o sucesso do treinamento de executivos, em qualquer empresa, que haja um clima permissivo à aplicação dos novos conhecimentos, habilidades e atitudes, adquiridos pelos participantes nos programas desenvolvidos. Sem isso, haverá frustração, acomodação, desmotivação e êxodo;

é imprescindível que o treinamento de executivos seja uma atividade contínua e permanente, sem o que cairá em descrédito, não produzirá resultados a médio e longo prazo, não valerá o esforço e os gastos e criará mais problemas do que oferecerá soluções;

finalmente, é importante assinalar, com muita ênfase, que embora o treinamento de executivos seja uma atividade imprescindível e altamente contributiva para as empresas, nos dias atuais, ainda assim não deve ser visto como uma panacéia, que resolverá todos os problemas e, por si só, garantirá o sucesso da empresa.

Administrar empresas no Brasil e no mundo de hoje não é uma tarefa que se possa entregar a amadores, a curiosos e a homens despreparados. O cemitério está cheio daquelas empresas e empresários que ainda não se convenceram disso. Mas para que se possa contar com executivos eficazes, que levem a empresa ao sucesso e à continuidade, é preciso um grande investimento de tempo, esforço e dedicação. Porque, afinal de contas, infelizmente, eles não caem do céu.

  • 1
    Barrett, F.D. The MBO time trip. In:
    The Business Quarterly. Canada. Autumn, 1972.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1975
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