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O planejamento familiar e o mercado de anticoncepcionais no Brasil

ARTIGOS

O planejamento familiar e o mercado de anticoncepcionais no Brasil*

Raimar RichersI; Eduardo Augusto Buarque de AlmeidaII

IProfessor-fundador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - Departamento de Mercadologia

IIProfessor de mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Quando surgiram os primeiros resultados do último censo demográfico do Brasil, um fenômeno surpreendente veio à tona: após, pelo menos, três décadas de evolução mais ou menos estável da taxa de natalidade, essa acusou um nítido declínio entre 1960/70.

Esse declínio constituía um forte indício de que o comportamento de uma parcela elevada da população brasileira, frente à procriação, estava mudando em favor de um menor número de filhos por unidade familiar média. Essa mudança, por sua vez, deveria repercutir na oferta e procura de anticoncepcionais, cuja análise formal certamente revelaria algo sobre a natureza e- a intensidade do fenômeno do controle da natalidade em ascensão.

Foram estas, em suma, as considerações iniciais que deram origem a uma pesquisa trifásica sobre a produção, distribuição e consumo de anticoncepcionais no Brasil, cujos principais resultados reproduzimos no presente artigo.

Com o intuito de concentrar um máximo de informações em um mínimo de espaço, a essência do artigo atém-se a uma reportagem ordenada de dados diretamente pertinentes aos três assuntos "maiores": às possíveis relações entre o mercado de anticoncepcionais e o crescimento demográfico do Brasil.

1. ASPECTOS METODOLÓGICOS

O projeto foi iniciado em 1972 e terminou em 1975. Das suas três fases consecutivas, a primeira abrangeu o universo dos 13 laboratórios farmacêuticos que produzem praticamente a totalidade dos anticoncepcionais oferecidos ao mercado brasileiro. Esta fase foi conduzida pela própria equipe da Richers, Buarque de Almeida & Associados através de um questionário semi-estruturado. Suas conclusões principais são comentadas adiante, nos itens 2 a 3.7.

A segunda fase foi conduzida junto a uma amostra representativa e estratificada regionalmente de 400 farmácias, proporcionalmente distribuídas por tamanhos, localização (nos estados da União) e por capitais e interior. Foram realizadas duas entrevistas por farmácia, uma com o gerente farmacêutico, e outra com um balconista, perfazendo portanto um total de 800 entrevistas. O trabalho de campo e ás tabulações dessa fase foram conduzidas pela Asserta - Assessoria Dados e Análise de Mercado Ltda. As interpretações referentes a essa fase abrangem os itens 3.8 e 3.9 deste artigo.

A mesma organização de pesquisas (Asserta) foi incumbida de realizar o trabalho de campo da terceira fase, a partir da formulação de hipóteses dos coordenadores do projeto. A amostragem dessa fase abrange 300 mulheres na cidade e nos subúrbios de São Paulo, em Recife e na cidade de Caruaru, no interior de Pernambuco. Esses dados são interpretados no item 4, com uma especial ênfase nas variações de hábitos de consumo e atitudes das seguintes classes socio-econômicas:

Desde logo convém ressaltar que, enquanto os resultados das primeiras duas fases são representativos para o País como um todo, a amostragem de julgamento da terceira fase não permite extrapolações de ordem nacional. Portanto, todas as interpretações referentes ao consumo de anticoncepcionais devem ser consideradas preliminares.

A parte final do artigo (item 5) é dedicada a uma estimativa do potencial de mercado e das tendências de consumo entre 1966 e 1970, cuja interpretação, à luz dos dados revelados pelas pesquisas, nos conduz a algumas considerações sobre a conveniência de introdução de uma política institucional pública de planejamento familiar no Brasil.

2.1. As linhas de produto

Entre os produtos destinados ao controle da natalidade no Brasil, apenas os anticoncepcionais orais (AOs) e os preservativos de borracha (condons) ocupam uma posição destacada no mercado. A participação de outros tipos de produtos é desprezível, ou por serem muito pouco aceitos entre os consumidores (como espermicidas e cremes), ou por serem proibidos (sobretudo os DIUs).

Por conseguinte, nossa análise concentrar-se-á nos dois primeiros produtos mencionados.

2.1.1 Os anticoncepcionais orais (AOs)

A legislação brasileira é bastante rígida com respeito à produção de AOs. Estes só podem ser oferecidos ao mercado como anovulatórios, sendo inclusive proibida qualquer promoção ou propaganda a seu respeito.

Apesar dessas restrições, o volume de vendas dos produtos orais tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Em 1966, o mercado absorveu cerca de 6 milhões de ciclos, enquanto que, em 1974, o volume de absorção deve ter chegado a 38 milhões de ciclos. No mesmo período, o número de laboratórios produtores de AOs aumentou de quatro a 13, até 1972, e a 16 em 1975.

Entre esses laboratórios, dois (Berlimed„e Fontoura-Wyeth) dividem entre si quase que 70% do mercado de 1975, enquanto dois outros (Johnson & Johnson e Ciba-Geigy) mantêm cerca de 15% da participação. Por outro lado, com exceção de um dos laboratórios, os AOs ocupam uma parcela muito pequena das suas vendas globais.

No Brasil não se importa o produto-acabado, mas a totalidade dos ingredientes ativos (o progestógeno e o estrógeno) provém do exterior. Nos principais laboratórios, o controle de qualidade é conduzido com grau de cautela, tanto na fase de fabricação, quanto na observação com respeito à durabilidade dos produtos.

2.1.2 Os preservativos

Na segunda linha de maior importância estão os condons ou preservativos. Há no Brasil dois laboratórios que se dedicam à sua produção, a Johnson & Johnson e as Indústrias York, sendo que a primeira praticamente domina o mercado.

Hoje, a produção de condons nacionais gira em torno de 50 milhões de unidades ao ano. Todavia, apenas cerca de 1/3 dessa produção destina-se ao controle da natalidade; os 2/3 restantes são reservados para a prevenção de doenças venéreas.

Não há importações legais de condons no Brasil; todavia, estima-se que entre 3 a 6 milhões de unidades são contrabandeadas anualmente, sobretudo as de origem japonesa. A qualidade desses produtos é, na sua maioria, superior à nacional por serem confeccionados com borracha da Malásia, cuja importação, além de sofrer pesados ônus tributários, é controlada no Brasil. Provavelmente, uma parcela bem mais elevada dos produtos estrangeiros do que nacionais destina-se ao uso familiar para o controle da natalidade, sobretudo nas classes socio-econômicas mais altas, devido à melhor qualidade e preço mais elevado.

Estima-se que o consumo de condons no Brasil venha a crescer na proporção de 8 a 15% ao ano com uma participação cada vez maior dos produtos de melhor qualidade (especialmente os importados). Em boa parte, esse crescimento dependerá da imagem e divulgação que se fizer em torno dos AOs, sobretudo com respeito ao seu uso nos lares.

Não obstante a proibição da propaganda veiculada, os condons são vendidos no Brasil em escalas crescentes através de auto-serviços (supermercados, bares e cinemas, etc), e que facilita sua divulgação, principalmente porque apenas 16% dos compradores são mulheres, em contraposição a 66% representados pelo sexo masculino entre os compradores de AOs. Hoje a venda de preservativos concentra-se nas farmácias, com cerca de 80% do volume total.

2.2 A política mercadológica dos laboratórios

Como no Brasil não só a produção como também a comercialização de produtos éticos estão sujeitas a rígidos controles governamentais, os laboratórios têm pouca flexibilidade na adoção de políticas mercadológicas competitivas. Mais que a área de publicidade, o setor de preços está sendo afetado por tais limitações. A margem máxima permitida entre o preço de venda ao atacadista e/ou varejista e o preço demandado ao consumidor final, não pode exceder 30%. Para o atacado, os descontos são limitados a um máximo de 20% sobre os preços de fábrica, acrescidos de 5% no caso de pagamentos à vista. Na prática, conforme afirmação dos nossos entrevistados, esses descontos variam entre 15 a 20%. A maioria das transações é feita parceladamente com créditos que, em média, superam 90% do volume total de vendas realizadas junto aos atacadistas.

Ao nível de varejo, os únicos descontos autorizados são os de 5% para o pagamento à vista e de 2% para o pagamento em 30 dias. O prazo máximo para pagamentos líquidos é de 60 dias da data de emissão da nota fiscal, exceto nas regiões mais afastadas, onde esse prazo pode ser dilatado por mais de 30 dias.

Em meados de 1975 havia 15 laboratórios competindo com um total de 25 marcas e 47 produtos no mercado brasileiro. Os preços unitários de varejo variavam entre Cr$ 10,25 e Cr$ 4,38. Esse elevado intervalo entre os preços reflete, em parte, a diferente composição química dos diversos produtos, mas reflete, em parte também, o controle de preços do CIP, que provoca freqüentes lançamentos de produtos novos, com o intuito de reduzir os impactos do controle sobre os custos e a lucratividade.

Com respeito à venda pessoal cabe destacar o seguinte: para os laboratórios não compensa manter uma equipe própria de vendedores para a venda de anticoncepcionais. Portanto, na maioria dos casos, os vendedores representam uma parte substancial da linha ética e cobrem tanto os atacadistas e as instituições, quanto os varejistas de suas zonas.

Ao nível do atacado, a freqüência de visitas varia entre 15a 30 dias por cliente, enquanto que, no varejo, a incidência de visitas gira em torno de 30 dias. Ao que tudo indica, contudo, a ênfase no esforço de venda pessoal ainda está concentrada nos vendedores propagandistas que operam junto aos médicos, cuja influência sobre a venda de AOs tende a ser superestimada pelos laboratórios, conforme revelam alguns aspectos da pesquisa de campo.

Dadas as restrições legais, a política de propaganda e promoção dos anticoncepcionais pelos laboratórios concentra-se primordialmente na distribuição de amostras gratuitas, seja junto às classes médicas, seja nas vias, acompanhada de materiais impressos (folhetos e brochuras onde se procura destacar o parecer de especialistas conhecidos) e, com certa freqüência, na distribuição de "bônus" junto aos farmacêuticos e balconistas.

3. A DISTRIBUIÇÃO DE ANTICONCEPCIONAIS

3.1 A distribuição de produtos éticos em geral

Em decorrência da grande extensão do território brasileiro e das variações regionais dos graus de urbanização e de repartições das rendas, a estrutura distributiva da indústria farmacêutica é multiforme e complexa. Em linhas gerais, contudo, ela caracteriza-se pela coexistência de dois sistemas.

Nas áreas mais urbanizadas e de maior renda, como o Sudeste, predomina o sistema de vendas diretas, isto é, a própria força de vendas das empresas cobre as drogarias e farmácias. Neste caso, a participação de intermediários (como distribuidores e atacadistas) limita-se, em geral, ao atendimento das pequenas farmácias que, por razões de crédito ou dispersão geográfica, não compensam ser trabalhadas de forma direta. Nas áreas de menor densidade de população, menos urbanizadas, e com menor poder aquisitivo, predomina o sistema de vendas indiretas através de intermediários, como, por exemplo, no Norte ou Centro-Oeste. No conjunto, a indústria farmacêutica estima que aproximadamente 1/3 das suas vendas seja realizado através de intermediários, os 2/3 restantes cabendo às vendas diretas aos varejistas e às instituições.

O sistema de vendas diretas requer a utilização de equipes de vendedores e vendedores-propagandistas relativamente grandes que, no caso das principais empresas, chegam a atingir o número de algumas centenas de homens. O trabalho dessas forças de vendas abrange visitas tanto aos estabelecimentos varejistas (farmácias e drogarias), quanto aos intermediários, às instituições (hospitais, dispensários e órgãos governamentais), além das visitas aos médicos e do trabalho de cobrança junto aos varejistas e atacadistas.

3.2 A estrutura atacadista

Os dois principais tipos de intermediários são os distribuidores e os atacadistas. Estes últimos, por sua vez, são classificados em atacadistas puros e mistos, conforme exerçam ou não a função de atacado simultaneamente com a de varejo. A condição de empresas mistas é mais acentuada em regiões menos desenvolvidas e com menor densidade demográfica.

Embora a distinção entre distribuidores e atacadistas seja algumas vezes tênue, estes últimos identificam-se pelo caráter mais restrito de sua área geográfica de atuação, bem como as empresas fabricantes. Os distribuidores, por outro lado, são contratados em bases formais, por escrito, além de operarem em áreas mais amplas abrangendo, em alguns casos, mais de um estado.

No entanto, no Brasil, não existem distribuidores que cubram o território nacional em sua íntegra, o que força os laboratórios a contratarem os serviços de vários intermediários. Outrossim, é bastante comum a utilização, por parte de um fabricante, de 4ois ou três distribuidores numa mesma área geográfica.

Além dessas caracterizações gerais, convém ressaltar mais os seguintes traços da complexa estrutura do sistema brasileiro de distribuição de produtos farmacêuticos:

- Os distribuidores, na maioria das vezes, representam várias empresas, responsabilizando-se pelas funções de vendas, faturamento, entrega e cobrança. As funções de propaganda e promoção de vendas são, em geral, desempenhadas pelo fabricante. Em muitos casos, os distribuidores atuam como agentes del credere. assumindo, portanto, o risco de crédito dos varejistas. No conjunto, há aproximadamente 700 distribuidores em todo o País, sendo que os 74 maiores controlam 73% de todas as vendas realizadas através de intermediários (vendas indiretas).

- Alguns dos atacadistas mistos, principalmente as organizações que mantêm uma cadeia de drogarias em âmbitos regionais, atuam como atacadistas e como varejistas, vendendo à vista a pequenas farmácias. A gíria denominou esse comércio de "varejão".

- Alguns atacadistas exercem também a função de distiribuidores ao firmarem contratos exclusivos com alguns laboratórios e operam em bases não-exclusivas com outros laboratórios.

- Há uma pequena parcela da linha ética que é distribuída por vias não especificadas na abordagem anterior. Ela abrange, sobretudo, representantes e depositários, mas cujo volume relativo parece ser inexpressivo em termos dos totais transacionados por todas as vias.

3.3 As vendas institucionais

Os hospitais, ambulatórios, casas de saúde e estabelecimentos congêneres são responsáveis por cerca de 17% do consumo total de produto": farmacêuticos no Brasil, participando com aproximadamente 16% das vendas diretas efetuadas pela indústria farmacêutica. Além disso, as cooperativas e clínicas mantidas por indústrias absorvem cerca de 4% do total das vendas de produtos farmacêuticos.

3.4 As vias usadas para os anticoncepcionais

A partir do quadro esboçado, torna-se mais fácil a compreensão do sistema de distribuição de anticoncepcionais no Brasil como parte integrante do processo de mercadização de produtos éticos.

O quadro 1 oferece uma visão de conjunto desse processo quanto ao seu desdobramento por vias usadas em 1972. Baseando-nos nas informações fornecidas pelas próprias empresas quanto ao volume de vendas realizadas por tipo de via naquele ano (aos preços de mercado), pudemos estimar o desdobramento conforme os dados reproduzidos na última linha do quadro.


A partir dessas e outras informações, as principais características do sistema de distribuição de anticoncepcionais podem ser assim descritas:

- As vendas diretas (do produtor ao varejista) predominam no processo (tendo atingido acima de 50% do volume total de 1972). No entanto, a tática de vendas dos laboratórios varia consideravelmente. Todos se dirigem diretamente ao varejo, mas só um deles concentra toda sua força nessa via, enquanto um outro se contenta em distribuir cerca de 20% das suas vendas de contraceptivos diretamente. A mediana é 53%. Tipicamente, cada uma das empresas atinge cerca de 7 000 varejistas quando atribui uma importância elevada a esse sistema. Uma delas, no entanto, opera com apenas 2 500 varejistas, uma outra afirma ter realizado negócios com mais de 120 000 farmácias.

- A segunda via mais importante é a seguinte: produtor-distribuidor-varejista-consumidor. Das 13 empresas, 10 usam essa via, afirmando ter contratos com um máximo de 48 e até um mínimo de 11 distribuidores independentes. Em 1972, essa via deve ter transacionado cerca de 20% do volume total de negócios com anticoncepcionais, o que teria correspondido a cerca de Cr$ 12 milhões.

- Os atacadistas puros e mistos eram responsáveis por parcelas quase iguais do volume total de vendas em 1972, ambos representando pouco acima de 10% desse volume. Todavia, como alguns dos laboratórios não coletam dados separados quanto a cada uma dessas duas categorias, essa estimativa deve ser encarada com alguma cautela. Certo é que o número de atacadistas puros, atingidos pelos laboratórios, é bem superior ao de atacadistas mistos. Por exemplo, uma das empresas que se utiliza de ambos os tipos opera com 119 atacadistas puros e somente 10 mistos. Ó volume médio de transação desses tende, por conseguinte, a ser bem superior ao volume comprado pelo atacadista puro.

- As outras vias são pouco significativas. Apenas dois laboratórios afirmam trabalhar mais ou menos regularmente através de representantes e/ou depositários. Por sua vez, somente cinco das 13 empresas abastecem instituições diretamente num volume conjugado de vendas que não chega a 1% do total transacionado. Esse dado, no entanto, não representa a participação das instituições no consumo global de anticoncepcionais, pois uma parcela, talvez respeitável mas estatisticamente incontrolável, das compras institucionais deve ser realizada nas próprias vias.

3.5 Estrutura regional de vendas

Como os laboratórios não mantêm equipes de vendedores especiais para distribuir anticoncepcionais, solicitamos algumas informações sobre as estruturas regionais de vendas para seus produtos farmacêuticos em geral. O quadro 2 transmite uma noção geral dessa estrutura. Em que pese a algumas das dúvidas quanto às nomenclaturas usadas com respeito aos tipos de unidades de controle regional de vendas e suas funções administrativas mais específicas, podemos afirmar:


- O número de gerências regionais ou filiais não varia substancialmente entre os laboratórios (exceto alguns menores). A mediana são sete "sub-redes" concentradas nas principais capitais das regiões de maior expressão econômica como: São Paulo, Guanabara, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Recife, Brasília, com algumas variantes que podem incluir Fortaleza, Curitiba, Belém, Florianópolis ou uma cidade do interior do Estado de São Paulo.

- As unidades de controle regional, que operam em raio menor do que as gerências regionais e com menos autonomia, mas que congregam várias zonas de vendas (e daí costumam ser denominadas supervisões) são, antes, uma função de política de distribuição geográfica da empresa do que de seu tamanho. Por exemplo, uma das maiores empresas do grupo pesquisado manteve apenas 15 supervisões, enquanto duas empresas de tamanho médio controlam, cada uma, 17 supervisões.

- Finalmente, o número de zonas de vendas (respectivamente de vendedores), em confronto com o volume de vendas atingido, é o que mais revela sobre a eficiência da venda pessoal, bem como a maneira como as empresas procuram atingir seus diversos segmentos de mercado. Tomando o ano de 1972 por base para esse confronto, podemos tentar constatar que o volume de vendas por vendedor difere substancialmente entre as empresas, variando, ao que parece, sobretudo em função do tamanho da empresa. Por exemplo, em 1972, os vendedores das firmas de menor expressão não lograram superar um volume anual de vendas de Cr$ 200 000 para a totalidade dos produtos éticos, enquanto o volume atingido pelas empresas de porte médio girava em torno de Cr$ 400 000 por vendedor e o das grandes ainda era substancialmente mais elevado. Fatores como amplitude e variedade das linhas, descontos de quantidade, influência de encomendas de vulto pelos distribuidores, bem como o treinamento e a qualidade de supervisão e agressividade da venda pessoal, devem ser responsáveis por essas diferenças. Sugere isso que a venda de anticoncepcionais é positivamente correlacionada com o grau de diversificação da linha ética do laboratório, bem como com as vendas totais dessa linha. Isso nos conduz à formulação das seguintes-duas hipóteses interdependentes:

1.º O poder de penetração de mercado de um laboratório (inclusive no sentido geográfico) é, em larga escala, uma função da amplitude da oferta de sua linha de produtos (talvez mais do que de qualidade comparativa entre produtos concorrentes e seus preços), da imagem dessa oferta junto aos médicos e da política de créditos e prazos que oferece aos intermediários;

2.º A venda por marca de anticoncepcionais orais é, em larga escala, uma função da amplitude de oferta da linha ética do laboratório e da agressividade mercadológica com que ele promove essa linha junto à classe médica e, sobretudo, junto às vias.

3.6 A venda de anticoncepcionais por regiões

Como se distribuíram as vendas por áreas geográficas em função das estruturas regionais vigentes? A pergunta não pode ser respondida com precisão porque alguns dos laboratórios não mantêm estatísticas de vendas separadas por anticoncepcionais por cada um dos seus territórios geográficos, enquanto outras consideram esses dados confidenciais. Ademais, os critérios de zoneamento diferem bastante entre as empresas visitadas, o que dificulta o confronto direto dos dados.

Todavia, uma noção genérica do desdobramento é refletida pelos dados do quadro 3, em que o Brasil é dividido em três regiões amplas nas quais se enquadram os critérios de zoneamento de todos os laboratórios entrevistados. Os dados sobre a venda de anticoncepcionais baseiam-se em, aproximadamente, 80% das vendas totais realizadas em 1972; os da renda regional, em estimativas da Fundação Getúlio Vargas; e os referentes à população, no Censo Demográfico de 1970 da Fundação IBGE.


Um confronto entre essas três colunas tende a confirmar, em primeiro lugar, o que costuma ser válido para produtos farmacêuticos em geral; a sua venda é antes uma função da renda disponível do que do número de pessoas que residem numa área ou da incidência de moléstias (exceto epidemias). Podemos, contudo, tentar extrair uma segunda hipótese desses dados, ou seja, que o consumo de anticoncepcionais é, em parte, também uma função do tipo e grau de instrução de uma sociedade e do sistema de valores que ela adota. Essa hipótese é derivada da concentração relativa do consumo de anticoncepcionais na região Sul do Brasil, onde a influência da cultura européia é particularmente acentuada. Uma idéia quanto ao efeito dessa concentração sobre a venda de AOs, por regiões, pode ser derivada do seguinte confronto entre a distribuição percentual de receitas emitidas para produtos éticos em geral e os AOs:

Estes dados referem-se ao ano de 1974 e são derivados de um relatório de pesquisa da Asserta baseado em amostragem representativa.

3.7 Os prazos de entrega

Como não poderia deixar de ser, os prazos decorridos entre a emissão de um pedido e sua posterior entrega variam bastante, conforme a região do País. No caso das vendas diretas, feitas pelos fabricantes a seus clientes, tanto em nível de atacado quanto de varejo direto, os prazos vão de três a trinta dias, em média. Casos extremos são os da região Amazônica, onde esses prazos podem chegar até quatro meses. Às médias giram em torno de quatro a cinco dias úteis em São Paulo (capital) e no Rio de Janeiro; de cinco a dez dias no interior de São Paulo; enquanto que nos estados do Sul, Sudeste e Nordeste variam de 10 a 30 dias. Nas vendas indiretas, quando os varejistas abastecem-se de distribuidores oü atacadistas, os prazos tendem a ser menores, variando entre um dia e uma semana.

Como na mercadização de outros bens de consumo produzidos somente na região de São Paulo e Guanabara, a distribuição para as áreas mais afastadas desses centros é obviamente onerada por custos adicionais como transporte, embalagens especiais, emolumentos e seu processamento, e sobretudo juros que decorrem do tempo da expedição, bem como das cobranças. De forma contrária à de muitos outros bens, todavia, a maioria desses custos deve ser absorvido pelo overhead geral dos laboratórios, dada a rigidez na determinação dos preços, característica para o ramo.

3.8 A estrutura varejista

O universo brasileiro de farmácia é constituído de aproximadamente 12 500 estabelecimentos, não obstante o número utilizado pela indústria farmacêutica para efeitos de análise não passe de 10 500 farmácias, incluindo as drogarias. O quadro 4 é uma demonstração da distribuição percentual dessas 10 500 farmácias por regiões e localização nas capitais e no interior, enquanto que o quadro 5 registra a distribuição por tamanho desses estabelecimentos em função do número de balconistas por região.



A média aritmética do número de clientes atendidos diariamente pelas farmácias, que constituíram a amostragem para a fase 2 do nosso estudo, situa-se no nível de 300 clientes/dia. Para o universo das farmácias, esses clientes dividem-se em partes iguais entre o sexo masculino e o feminino, enquanto que para as farmácias cobertas pelas 400 pessoas entrevistadas da fase 2, uma proporção maior é atendida prioritariamente por membros do sexo feminino.

Quanto à classe socio-econômica dos clientes, a média geral de atendimento nas farmácias é a seguinte:

Notamos, todavia, que 23% das farmácias não atendem pacientes da classe D e 47% têm menos de 10% dos seus clientes dessa classe.

Com relação à classe A, 17% das farmácias não atendem nenhum cliente dessa classe, e 38,5% atendem menos de 10%.

3.9 Os principais resultados da fase 2

Tendo-se em vista o grande número de informações levantado ao longo dessa parte da pesquisa, concentrar-nos-emos em apenas uma breve exposição das suas principais conclusões. São elas:

3.9.1 Quanto ao grau de conhecimento e à imagem dos métodos de controle de natalidade:

- A totalidade dos entrevistados (gerentes e balconistas, entrevistados separadamente) conhecia a maioria dos produtos em uso no Brasil.

- Quase todos consideram os AOs os produtos mais eficazes, seguidos de perto pelos preservativos; outrossim, 92% dos respondentes consideram as duchas e geléias menos eficazes.

- Acima de 90% dos farmacêuticos afirmaram manter todas ou a maioria dessas quatro linhas em estoque.

- Segundo a maioria dos entrevistados (mais de 90%), os preservativos são utilizados primordialmente (numa média superior a 60%) para as relações extra-conjugais, se bem que essas opiniões variam substancialmente entre um mínimo de 27% (São Paulo - capital) e um máximo de 77% (Nordeste).

- Em contrapartida, os AOs são considerados como sendo o método preferencial para as relações conjugais. Em média, 74% dos farmacêuticos considera que os AOs são utilizados em mais de 60% nos lares. Essa média varia pouco de região a região.

- Apesar de algo inseguros quanto à política governamental com relação ao controle de produtos anticoncepcionais, podemos dizer que essa política é avaliada, como segue, pelos respondentes: 36% acham que ela dificulta as vendas, 15% que a facilita, enquanto que 33% a consideram neutra e 16% não têm opinião a respeito.

3.9.2 Quanto à freqüência de compra por classes sociais:

O quadro 6 reproduz o resumo das percentagens de compras realizadas por cada uma das classes socio-econômicas em relação ao volume total de produtos adquiridos numa farmácia e em confronto à compra de AOs e de preservativos. Essa estimativa é calculada à base da média aritmética das opiniões externadas pelos entrevistados.


Denota-se nesse quadro que a classe A (rica) adquire uma proporção bem maior de AOs em relação ao conjunto de suas compras nas farmácias, enquanto que, nas classes médias, as compras de AOs equivalem aproximadamente às suas compras médias. Por sua vez, a classe C adquire primordialmente preservativos, enquanto que os membros da classe D representam uma clientela reduzida das farmácias, tanto em termos gerais, quanto e, particularmente, com respeito aos AOs.

Ademais, a pesquisa revelou:

- Para os AOs, a média aritmética das compras semanais foi de 46,5 ciclos.

- Os estoques médios de AOs nas farmácias são de aproximadamente 220 ciclos.

- As compras são feitas, em média, uma vez ao mês e giram em torno de 160 a 170 ciclos por vez. Essa média cai para 78 ciclos por compra para as três principais marcas oferecidas no mercado.

- Cerca de 64% dos produtos líderes são adquiridos diretamente dos laboratórios, os outros 34% são comprados de atacadistas ou distribuidores.

- Embora a fiscalização não permita bonificações, 13% dos farmacêuticos afirmam receber amostras grátis.

- A média aritmética das compras semanais de preservativos nas 400 farmácias é de 99,2 unidades semanais, apresentando acentuadas variações regionais, como segue:

- A média aritmética do número de pessoas que compram preservativos por semana e por farmácia é de 33,9 compradores. Ao nível regional observamos que os maiores índices estão situados nas regiões Centro (44,3 pessoas) e os mais baixos, no Norte (3,6).

- A média de compras por pessoa situa-se entre 3 e 4 unidades por vez.

- A maioria das farmácias (79%) não costuma negociar preservativos estrangeiros, cuja origem é primordialmente (92%) japonesa.

- Dada a grande variedade nas marcas e nos tipos, o preço de compra de condons varia entre Cr$ 0,34 a Cr$ 0,85, em média, por unidade, e é oferecida ao público, em média, por Cr$ 0,54 a Cr$ 1,17 (em 1974).

3.9.3 Quanto às atitudes dos balconistas em relação à venda de AOs:

- Embora a apresentação de receita médica para a aquisição dos AOs seja obrigatória, 70% dos balconistas reconhecem que nem sempre os clientes dispõem de uma receita.

- 23% dos balconistas afirmam não deter as receitas, sobretudo nas zonas do interior (34%), onde a fiscalização deve ser menos rigorosa.

- A metade dos balconistas (52%) vende ao público sem receita quando conhece o consumidor, mas apenas 21% afirmam infringir a legislação quando não o conhecem.

- Os balconistas indicam o médico somente em 8% dos casos, quando conhecem o consumidor, e 18% quando não o conhecem.

- Verifica-se que 73% das pessoas especificam a marca quando compram AOs.

- Na ocasião em que compram AOs, 46% dos consumidores compram também outros produtos.

- Numa classificação de freqüência de compras de seis categorias de produtos terapêuticos de grande saída (analgésicos, antibióticos, tranqüilizantes, vitamina C, antianêmicos e AOs), os AOs ocupam a última posição.

- De cada 10 compradores de produtos anticoncepcionais, cinco compram AOs e não solicitam informação alguma ao balconista, dois pedem informações sobre o planejamento familiar antes de comprar qualquer tipo de produto e três solicitam informações sobre as marcas e os tipos mais indicados para exercer o controle.

- Quando solicitados a opinar, os balconistas, na sua maioria (78%) recomendam primordialmente os AOs, e, em segundo lugar, com grande distância, os preservativos (6%, em média, principalmente no Nordeste com 15%); todavia, 10% dos entrevistados não recomendam método ou nunca foram solicitados (6%) a opinar.

- Os AOs mais recomendados são os mesmos produtos de maior venda, a saber, Primovlar, Anfertil, Evanor e Neovlar.

- As principais razões para aconselhar os AOs são: "mais seguro", "mais eficaz", "mais prático", "maior facilidade", "mais higiênico" e "mais moderno".

- A maioria dos entrevistados (83%) acha que não há circunstâncias em que não se deva aconselhar o cliente sobre o controle da natalidade, quando solicitados. Somente uma minoria (13%) acha que "os médicos devem aconselhar", ou resistem a aconselhar os clientes por motivos de saúde, devido à idade da pessoa ou por considerarem o assunto de ordem pessoal.

4. UM PERFIL DAS CONSUMIDORAS

A fase 3 da pesquisa investigou as características predominantes das mulheres em idades férteis nas cinco localidades mencionadas. Algumas dessas características gerais podem ser assim resumidas:

- Em termos de tempo de casamento, a amostra se divide como segue:

- Das mulheres entrevistadas, 90% tinham um filho ou mais, sendo que as da classe A apresentaram o índice mais baixo de filhos (80% versus %% na classe E).

- Entre as famílias com filhos tivemos as seguintes distribuições:

- Ao nível regional, verificou-se que as pequenas famílias constituem mais da metade nas capitais (São Paulo e Recife), enquanto que representam apenas 1/3 das famílias nas zonas suburbanas ou rurais (subúrbios de Recife e Caruaru), onde as famílias grandes e numerosas representam mais de 33%, contra 24% nas capitais.

- Há uma grande incidência de pequenas famílias na classe A (mais de 80%). Essas representam 54% na classe C, enquanto que as famílias grandes e numerosas predominam nas classes E e sobretudo D.

- Verificou-se que, quanto melhor é a instrução da mulher, menor tende a ser o número de filhos: 58% das pequenas famílias pertencem às classes de instrução superior, contra 33% daquelas sem instrução. O mesmo acontece em relação à ocupação, pois 60% das mulheres com um ou dois filhos, apenas, exercem profissões liberais ou trabalham fora do lar.

Em seu conjunto, esses dados demonstram que, independentemente da idade e do número de anos de casamento, o controle da natalidade é exercido com mais freqüência e rigor pelas mulheres casadas que per tencem às classes sociais mais elevadas, de nível de instrução mais alto e por aquelas que exercem uma profissão.

A partir dessas tendências, traçamos, a seguir, alguns perfis que prestam uma especial ênfase às diferenças nas atitudes, nos comportamentos e hábitos das mulheres das cinco classes sociais, frente ao controle da natalidade.

4.1 Atitudes frente ao controle da natalidade

O quadro 7 resume as principais características com respeito a 13 aspectos mais salientes das atitudes das respondentes no que respeita ao planejamento familiar.


Os principais pontos de destaque dessa tabela são: contraposição, 37% das mulheres da classe E têm mais de 6 filhos.

- Há, aparentemente, uma nítida correlação entre o número de filhos e a classe social; por exemplo, 81% das mulheres casadas da classe A têm apenas 1 ou 2 filhos, enquanto que apenas 6% têm acima de 6 filhos. Em contraposição, 37% das mulheres da classe E têm mais de 6 filhos.

- Por outro lado, são particularmente as mulheres das classes mais baixas (C, D, E com 60% ou mais) que não mais desejam ter filhos, em confronto com apenas 40% das mulheres das classes A e B.

- Apesar de terem menos filhos, em média, as mulheres das classes A, B, C são as que tendem a favorecer o controle da natalidade, concorrendo com 76%, em média, em confronto com 59%, em média, das mulheres pertencentes às classes D e E, possivelmente em função do seu sistema de valores.

- Quando solicitadas a se manifestarem a respeito da eventual relação entre o número de filhos e a felicidade do casal, as mulheres manifestaram atitudes que, provavelmente dependem antes da sua situação pessoal do que da sua posição socioeconômica. Em média, nas classes A e B, cerca de 1/3 das respondentes afirmou que existia tal relação, a qual, no entanto, dependia em larga escala do número de filhos dos casais.

- Por outro lado. uma proporção acima de 60%, em média. acredita que, quanto maior o número de filhos, tanto mais difícil é o controle do orçamento familiar. Curiosamente, são antes as mulheres das classes mais elevadas que enfatizam a relação entre o número de filhos e a disponibilidade de dinheiro.

- Talvez por questões financeiras, são antes os maridos que favorecem o controle (70% a 100% entre as classes E e A). numa proporção maior do que as próprias mulheres, apesar de muitos desejarem ter mais filhos do que têm.

- As razões por que muitas mulheres favorecem o controle não variam consideravelmente por classe social. Das razões pesquisadas, entre 72% a 85% acreditam que o controle permite uma vida social mais intensa, enquanto que entre 600/0a 73% afirmam que o controle facilita o entendimento do casal e, finalmente, entre 40% a 62% são da opinião de que o controle simplifica a vida sexual do casal.

- Um grande número das respondentes está ciente de que as suas respectivas igrejas são contrárias ao controle familiar (entre 63% a 74%). No entanto, apenas uma minoria parece preocupar-se com isto. como veremos adiante.

- Ao que parece, a mulher brasileira considera a problemática do controle da natalidade um assunto eminentemente pessoal, pois uma maioria das respondentes (entre 53% a 80%) não costuma discuti-lo com suas mães, mas antes com amigas (entre 34% a 63%) e sobretudo com o marido. Esse último hábito é aparentemente muito comum entre as famílias das classes A

- Um grande número de mulheres acredita que, apesar de favorecer o controle da natalidade, a ingestão de anticoncepcionais afeta sua saúde (entre 83% a 95%). Manifestaram mais de 50 tipos de reações diferentes que os AOs exerceriam sobre o organismo, se bem que, na sua grande maioria, nada graves (como nervosismo, irritação, dor de cabeça, impaciência, vertigem, etc.) De cerca de 500 manifestações contrárias à saúde, apenas 30 refletiam preocupações com doenças mais sérias (como câncer, trombose e hepatite).

4.2 Comportamento frente aos métodos de controle

No quadro 8 reproduzimos alguns resultados referentes ao comportamento das respondentes com respeito ao método de controle da natalidade. Da análise convém destacar os seguintes pontos:


- Das 300 respondentes, apenas três (todas elas da classe E), desconheciam a existência de qualquer método de controle familiar.

- Dentre os métodos, o mais amplamente conhecido (entre 97% a 100%) é o de contraceptivos orais, seguido de perto (entre 68% a 100%) pelas "tabelinhas" (método Ogino-Knauss). Por sua vez, os condons eram do conhecimento de 53% a 75% das mulheres entrevistadas. Mas, surpreendentemente, mesmo os outros métodos pouco divulgados (as duchas e geléias) eram bastante conhecidos, como também os DIUs, esses apesar de serem proibidos no Brasil.

- Como era de se esperar, o grau de conhecimento desses processos é bem mais alto nas classes mais elevadas do que nas classes mais baixas.

- Tendo em vista o elevado grau de conhecimento dos métodos em geral, o uso de alguns deles é relativamente baixo, variando entre 85% na classe A e apenas 41% na classe E.

- A grande maioria das mulheres que praticam o planejamento familiar, o fazem porque não desejam ter mais filhos, por motivos de saúde ou questões financeiras, sobretudo nas classes D e E (58% em média), em confronto com 68% nas três classes mais altas. As outras praticam o controle sobretudo porque querem evitar filhos temporariamente.

- Das mulheres que não praticam o controle, a maioria deseja ter mais filhos ou tem restrições quanto ao uso de AOs. Uma outra parcela não os utiliza por receá-los ou por não necessitá-los.

- Entre os métodos usados, os produtos orais são claramente os mais populares, inclusive na classe E (34%). Todavia, imaginamos que esta pergunta ficou prejudicada por tocar em assuntos muito pessoais, o que se reflete sobretudo com respeito ao uso de condons. A seu respeito, apenas 10 mulheres afirmaram usar esses produtos para efeito de planejamento familiar.

- Das 122 mulheres que afirmaram o uso de AOs, uma percentagem surpreendentemente elevada (78%) pertencente à classe E afirmou ter aderido a esse método apenas recentemente - um mês a um ano atrás - apesar de apenas 13% das mulheres desta classe estarem casadas há menos de dois anos, em contrapartida com 19% das mulheres das outras quatro classes. Na medida em que essa proporção for aproximadamente representativa para a população feminina em idade fértil do Brasil, ela constituirá um forte indício no aumento do uso de anticoncepcionais orais nessa classe.

- Nas outras classes, o uso desse método distribui-se de maneira aproximadamente proporcional entre as usuárias de menos de um ano, entre um e dois anos e mais de dois anos.

- Apenas na classe A o uso de AOs constitui um hábito regular (80% dessa classe usa 9 a 12 ciclos ao ano). Nas três classes intermediárias, esse uso regular gira em torno de 60% versus aproximadamente 40% de consumo irregular. Na classe E, a proporção é quase que inversa: 46% de uso regular e 54% de uso irregular.

4.3 Hábitos com respeito às consultas médicas

Do quadro 9 podemos inferir, sobretudo, o seguinte:


- Bastante elevado é o número de mulheres que não consultam um médico a respeito do controle da natalidade: 73% para a média, variando entre 82% para a classe E e, em média, 66% para as outras classes.

- Nas três classes mais altas, as razões predominantes sobre a não-consulta giram em torno de motivos como: crer que não há necessidade, considerar a decisão pessoal (do casal), nunca lhe ocorrer a idéia, etc. (entre 88% a 95% nas classes A e C). Esses motivos também predominam na classe E, se bem .que numa proporção bem menor (64%) do que razões como o receio de ir ao médico, a timidez e a falta de recursos para tal (36%).

- A maior concentração das consultas feitas está na faixa de 20 a 30 anos de idade, o que pode ser inferido de uma pesquisa paralela à nossa, realizada pela Asserta em 1974, que revelou a seguinte distribuição percentual de receitas aviadas para produtos éticos em geral e AOs, no Brasil:

- Quando consultados sobre o assunto, a maioria dos médicos (86%) recomenda a prática do planejamento familiar e receita um anticoncepcional, principalmente para as pessoas das classes de poder aquisitivo baixo. Para essas classes, apenas 10% dos médicos recomendam não evitar o controle, em contraposição a 37% para as mulheres da classe A.

- Todavia, de acordo com a pesquisa mencionada, os médicos são bem cautelosos na formulação de suas receitas. Apenas cerca de 1/3 deles indica os AOs diretamente para efeito desejado, enquanto que 20% utilizam expressões como "supressão da ovulação". Muitos médicos ainda prescrevem os AOs como reguladores menstruais, apesar de existirem medicações mais adequadas para esse fim.

- Surpreendentemente alto é o número de mulheres que não sabem que o uso de anticoncepcionais orais está sujeito a uma receita médica (60% da média, além de 23% que afirmam não existir essa restrição). Apenas 17% conhecem essa restrição, com uma incidência bem maior na classe A (30%), sobretudo em relação às duas classes mais baixas (12%).

- Apenas 10% das respondentes acham que existe alguma dificuldade para a aquisição da pílula (enquanto que 59% não sabem se existe dificuldade ou não), das quais uma parcela substancial é atribuída à falta de recursos financeiros, sobretudo na classe E. Essas últimas considerações coincidem com as observações feitas na fase 2, onde vimos que metade das pessoas que adquirem um produto anticoncepcional oral solicita informações aos balconistas nas farmácias.

Tornou-se claro que uma parcela substancial da população feminina brasileira se considera suficientemente informada para praticar o planejamento familiar sem consultas, enquanto que as mulheres que desejam praticar o controle, mas não se sentem seguras quanto ao melhor método ou produto, consultam antes o balconista do que o médico. A obrigatoriedade legal de apresentação de uma receita pouco as preocupa, em larga escala por desconhecerem essa disposição, mas também porque a maioria dos farmacêuticos não exige uma receita.

5. POTENCIAL E TENDÊNCIAS DO MERCADO

Ao encararmos os dados anteriormente resumidos sob um prisma mais amplo e genérico, algumas facetas dignas de nota transparecem com respeito às atitudes e aos hábitos da população brasileira frente ao planejamento familiar.

Talvez como um dos corolários da crescente modernização que caracterizou o Brasil no último decênio, intensificaram-se as tendências do controle da natalidade, sobretudo junto às famílias médias e médias altas, residentes em áreas predominantemente urbanas. Ao mesmo tempo, porém, também as mulheres das classes mais pobres têm um manifesto desejo de controlar o número de filhos, com a ressalva apenas de que esse controle não lhes é de fácil execução, por dificuldades financeiras, por falta de instrução adequada e (ao que parece em menor escala), por restrições de ordem ética e comportamental.

Hoje, ao que tudo indica, a maioria das mulheres brasileiras já mantém uma atitude bastante "liberal" quanto ao uso de anticoncepcionais. São antes os maridos e as amigas (não tanto os pais) que as informam a respeito dos métodos que elas tendem a adotar sem maiores problemas de conflito moral ou religioso (exceto ainda na classe E). Ao mesmo tempo, a influência dos médicos tende a diminuir, em boa parte porque o consumidor prefere dirigir-se diretamente às farmácias, onde recebe as suas "consultas", bem como o próprio produto, com ou sem receita. A fiscalização nas vias é diminuta (sobretudo no interior), além de dificultada por algumas praxes comerciais (como a venda sem nota ou a venda de amostras).

A proibição da propaganda dirigida ao consumidor é respeitada pelos laboratórios e intermediários, mas pouco parece afetar o consumo que se orienta através da comunicação verbal.

Em suma, há fortes indícios de uma acelerada difusão do planejamento familiar no Brasil que parece ter-se iniciado na década de 1960/70. Esta difusão está se expandindo por todas as classes sociais com maior ou menor intensidade, dependendo da "proximidade" do consumidor aos meios de modernização. Ela provavelmente continuará a intensificar-se no futuro próximo, como conseqüência de um efeito autogerador de comunicação, mas cujo ritmo de penetração social dependerá em larga escala da posição do governo federal que, até hoje, não se definiu com respeito a uma política demográfica para o Brasil.

Numa tentativa de quantificar as tendências descritas, preparamos o quadro 10, que passamos a comentar.


A. População total: baseado em estimativas intercensitárias, exceto para 1970.

B. Mulheres férteis: conforme a praxe no ramo, as mulheres "em idade fértil" são as de 15 a 45 anos. No Brasil, em 1970, elas representavam 22,5% da população total. A mesma porcentagem foi aplicada aos outros anos para determinar o:

C. Potencial máximo de AOs: esse foi calculado à base de 30% sobre o número total de mulheres férteis, pois, à exceção de alguns poucos países do mundo (como a Austrália, a Holanda e Singapura) esta percentagem constitui a taxa máxima de usuárias nas idades férteis (sem considerar se são casadas ou não). Após um país ter atingido este limite, o crescimento da demanda de AOs passa a ser uma função do aumento vegetativo da população.

D. Usuárias exclusivas de condons: na ausência de dados mais precisos, adotamos uma taxa subjetiva de 10% para as usuárias que os utilizam somente para efeito do planejamento familiar, a fim de determinar o:

E. Potencial máximo geral que inclui, portanto, as usuárias de AOs e de condons.

F. Consumo estimado de AOs: baseia-se em dados fornecidos por alguns dos laboratórios que participaram na pesquisa. De acordo com esses dados, o consumo de AOs quase que quintuplicou em apenas 8 anos.

G. Número de usuárias regulares de AOs: esse número resulta da divisão do consumo estimado (item F) por 13 ciclos de AOs, taxa esta recomendada para assegurar o controle da natalidade do ano/mulher.

H. Aproveitamento do potencial de AOs: resulta da divisão do número de usuárias regulares (item G) pelo potencial máximo (item C) em cada ano.

I. Número de usuárias gerais de AOs: apesar da praxe de se basear estimativas de consumo em 13 ciclos anuais, duvidamos que esse critério seja realístico e adequado. Devem ser relativamente poucas as usuárias que seguem as instruções rigidamente, por motivos de saúde, esquecimento, disciplina, etc. De fato, na fase 3 da pesquisa, pôde-se constatar que apenas cerca de 43% das respondentes afirmaram manter o seu consumo anual entre 11 a 12 ciclos; enquanto que 23% reconheceram usar entre 1 a 4 ciclos anuais apenas. A partir desses dados, estimamos o uso médio por consumidora em 8,5 ciclos. Portanto, ao dividirmos o total de ciclos consumidos em cada ano (item F) por esse denominador, temos o número de usuárias que, de acordo com esta estimativa, quintuplicou entre 1966 e 1974 de 0,9 a 4,5 milhões de mulheres.

J. Aproveitamento máximo do potencial de AOs: aqui usamos os mesmos critérios adotados para estimar os dados do item H, baseando-nos, contudo, em 8,5 ciclos anuais. Esta segunda estimativa procura levar em conta o uso irregular de muitas consumidoras.

O que mais salta à vista nesta análise é o acentuado aumento do consumo de anticoncepcionais no Brasil, não apenas em termos absolutos, mas sobretudo quanto à sua relação entre o incremento da demanda de AOs e do número de usuárias em potencial que, por si só, revela a tendência da difusão dos hábitos de planejamento familiar que também transparecem claramente nas três fases da pesquisa. De acordo com as nossas estimativas, a absorção do mercado subiu de 11% a 41% do potencial entre 1966 a 1974, em termos de usuárias "plenas" (13 ciclos) e pode ter atingido 63% em 1974, se levarmos em conta também as usuárias irregulares (média de 8,5 ciclos anuais).

Numa primeira tentativa de projetar esses dados para um futuro mais próximo, obtém-se a impressão de que o consumo de AOs entrou numa fase de crescimento exponencial nos últimos anos. Se isso fosse o caso, a saturação do potencial (correspondente a 100% de 30% das mulheres em idade fértil) seria atingida por volta de 1980. Todavia, essa hipótese é muito pouco provável, face aos múltiplos empecilhos (de ordem econômica, comunicação, saúde, restrições legais, etc.) que afetam a oferta e demanda de anticoncepcionais no Brasil.

De fato, é suficiente lançar os dados históricos disponíveis (de 1966 a 1979) em folhas de papel logarítmico para se verificar que a curva de crescimento é antes logística do que exponencial. Isto significa que o nível de 70% do potencial seria atingido por volta de 1976 para a hipótese 1 (8,5 ciclos) e em 1979 para a hipótese 2 (13 ciclos), enquanto que o nível de 80% seria alcançado em 1978 para a primeira hipótese e apenas em torno de 1981 para a segunda hipótese.

O quadro 11 oferece uma visão desta tendência sob as duas hipóteses. As principais inferências desse quadro são as seguintes:


- O crescimento vertiginoso da demanda de AOs, observado no Brasil, nos últimos anos, deverá sofrer uma diminuição no futuro próximo:

1.º Porque o ritmo de crescimento do potencial (ou do número de mulheres que passam à idade fértil) está diminuindo em conseqüência da redução da taxa de natalidade gerada pelo maior número de famílias que passaram a praticar o planejamento familiar no passado mais recente;

2.º Sobretudo porque, ao longo do último decênio, a proporção das mulheres férteis que passaram a ser usuárias de AOs aumentou mais do que o número de mulheres férteis, o que provocou uma rápida diminuição da distância entre o "teto" do potencial (ou os 30% das mulheres férteis) e o número de mulheres que ainda não são usuárias.

- Quanto mais o consumo se aproxima do nível de saturação (100% de 30% das mulheres férteis), tanto mais diminui o crescimento da demanda, ou seja: enquanto que na década de 1980/90 se pode esperar que a meta de 90% da cobertura do potencial seja atingida, só muitos decênios mais tarde é que se pode contar com uma absorção quase que plena do potencial.

- Das duas hipóteses (ver quadro 11), a primeira deve-se aproximar mais da realidade, o que significa que:

1.º É mais provável que o número atual de consumidoras de AOs gire em torno de 5 milhões de usuárias irregulares do que se aproxime a 3,5 milhões de usuárias regulares;

2.º A não ser que as usuárias passem a mudar os seus hábitos de consumo (por exemplo, graças à uma diminuição dos preços de AOs ou ao lançamento de produtos de aplicação mais simples, mais eficiente e com menores efeitos colaterais), o nivelamento da demanda em torno de 70 milhões de ciclos (inferior ao dobro do consumo atual) poderá vir a ocorrer dentro de cerca de um decênio.

É preciso salientar que estas conclusões são apenas preliminares. Para testar a sua validade, estudos mais minuciosos se fariam necessários, seja ao nível de consumo (através de amostragens representativas), seja por meio de uma análise mais ampla e profunda das estatísticas, tanto nacionais quanto internacionais à disposição.

No entanto, é evidente que o comportamento da população brasileira frente à procriação está atravessando uma fase de transição que não somente afetará o seu crescimento demográfico, como também, a sua estrutura econômica e social.

6. CONCLUSÕES

Até que ponto esta transição será mais ou menos acentuada, com: repercussões antes benéficas que prejudiciais à estrutura e evolução sociais, dependerá de uma série de fatores, tais como:

- O avanço tecnológico dos métodos anticoncepcionais e as suas repercussões sobre a saúde humana, a maior facilidade de aplicações e acesso às inovações, bem como seus preços para o consumidor final.

- O progresso no nível de instrução da população brasileira, sobretudo das classes mais humildes e mais afastadas dos centros urbanos.

- A evolução dos sistemas de valores e o grau de interiorização dos processos de modernização, sobretudo quanto aos seus efeitos sobre as atitudes da população frente ao planejamento familiar.

- A política dos laboratórios farmacêuticos com respeito ao lançamento de inovações no mercado brasileiro e suas formas de mercadização.

Nada, contudo, nos parece ser potencialmente mais decisivo para o futuro do planejamento familiar no Brasil do que a atitude do Governo e as políticas oficiais que serão adotadas em maior ou menor apoio à divulgação do planejamento familiar, sobretudo através da crescente institucionalização por meios de órgãos como o INPS, o Cerne, a Bemfam e outros.

Atualmente, a política oficial brasileira sobre planejamento familiar não se definiu ainda e mostra-se ambígua ao movimentar-se entre o princípio moral da não-interferência e a preocupação político-econômica da ocupação de espaços.

Este conflito transparece claramente no capítulo 5 do II PND que trata da "Integração nacional e ocupação do universo brasileiro", onde se afirma, de um lado, que "a orientação da política demográfica brasileira é de respeito ao arbítrio de cada casal na fixação do número desejado de filhos, oferecida oportunidade de informação que permite o exame completo da questão" (nosso grifo). De outro lado, o mesmo documento constata que "o Brasil ainda se coloca como um país subpovoado... (e que) como país soberano acha-se no direito de adotar posição conseqüente com essa verificação..., ou seja, de deixar que sua população continue crescendo a taxas razoáveis, para efetivar o seu potencial de desenvolvimento e dimensão econômica'.'

A título de conclusão, manifestamos a seguinte posição a respeito desta política:

Em primeiro lugar, o que tudo indica, a maioria da população brasileira inclina-se hoje em favor do planejamento familiar. No entanto, quão mais pobre e menos instruída for a pessoa, tão mais difícil lhe é o acesso aos anticoncepcionais. Por conseguinte, na ausência de uma política consciente de planejamento familiar em apoio às classes menos favorecidas, essas tendem a crescer numa proporção bem mais acelerada do que as classes que - por motivos econômicos - menos necessitariam do controle da natalidade, mas o exercem em escala crescente. Quanto mais se acentuam essas duas tendências opostas, tanto menos uniforme e mais frágil se torna a nossa estrutura social.

Em segundo lugar, não será o número de habitantes em si que contribuirá à evolução social e econômica do País. Decisivo será antes a "qualidade" dos recursos humanos à disposição da economia. Com os meios escassos à disposição, essa qualidade poderá ser melhorada tão mais intensa e rapidamente quão menor for o número de nascimentos nas classes menos abastadas.

Finalmente, mesmo se o Governo viesse a adotar um programa intenso de apoio ao planejamento familiar, suas repercussões sobre o crescimento demográfico seriam lentas. Por exemplo: mesmo na hipótese de que um programa desta natureza provocasse uma redução nas taxas de fertilidade de 5,0 a 2,5 em 25 anos, a população brasileira praticamente triplicaria de 105,8 milhões em 19J5 a 297,8 milhões até 2045. Por outro lado, se nenhuma política for adotada e as taxas de fertilidade levarem 75 anos para cair de 5,0 a 2,5 a nossa população quintuplicará a 496,7 milhões até o mesmo ano de 2045.

Quer-nos parecer que, sobretudo o conjunto destas três considerações, aponta para a racionalidade de se estabelecer um plano prioritário de controle da natalidade no Brasil.

  • 3 Wall, J. W. Brazil's alternative economic-demographic futures: fertility, family planning, population growth and some of their economic-demographic effects. Rio de Janeiro, 1974, mimeogr.
  • 1
    2. A OFERTA DE ANTICONCEPCIONAIS NO BRASIL
  • 2
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1975
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