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Os custos sociais da aglomeração metropolitana

ARTIGOS

Os custos sociais da aglomeração metropolitana

Henrique Rattner

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

Á teoria econômica moderna dá ênfase ao papel das grandes aglomerações urbanas no processo de desenvolvimento de um país.

Em cidades-primatas, pólos de crescimento ou metrópoles, verifica-se, incontestavelmente, a concentração crescente de recursos materiais e humanos em uma parcela reduzida do território nacional, que passa a dominar econômica e politicamente as regiões menos dinâmicas do resto do país (Fridman, Rodwin, Perroux, Wingo,11 L. Wingo The Metropolitan City in National Development, Israel, Rehovoth Conference, 1971. Analisando tentativas de descentralização, Wingo aponta muitas atividades do setor moderno que se caracterizam pela especialização, serviços è requisitos do mercado que não poderiam ser atendidos em países em desenvolvimento, a não ser que se juntassem recursos em um ou dois pontos do território nacional, onde os fatores de produção usufruem de maiores benefícios, ou seja, a região metropolitana, onde se encontram as instituições de mercado altamente especializadas e diferenciadas, para as quais a concentração econômica é uma condição necessária e onde existe uma vasta gama de oportunidades para inter-relações industriais e tecnológicas entre as diferentes atividades produtoras. etc).

A inegável pujança da área metropolitana paulista - facilmente mensurável por meio de uma série de indicadores econômicos - funciona com uma dinâmica auto-alimentada, pela qual sempre novos recursos, privados e públicos são investidos, criando novos empregos e novos mercados, que aumentam a arrecadação dos poderes públicos resultando em novos recursos para obras e investimentos. As razões diretas e imediatas pela preferência da área metropolitana por parte de empresários nacionais e estrangeiros são amplamente conhecidas e não diferem sunstancialmente das condições estruturais favoráveis ao processo de industrializaçãourbanização encontradas na maioria dos países em desenvolvimento: existência de um mínimo de infra-estrutura, mercado de mão-de-obra diversificada; mercado consumidor; acesso à administração pública; existência de serviços bancários, de comunicações, etc, que atraem e facilitam sobremaneira a tarefa de instalação de novas empresas.

Encontrando na grande aglomeração urbana condições para realizar "economias de escala" e, por outro lado, conseguindo beneficiar-se das "economias externas", ou seja, dos investimentos realizados pelo poder público em matéria de infra-estrutura, serviços, habitação, etc., a empresa tenderá, em condições conjunturais normais, a um desempenho econômico lucrativo, o que reforçará a propensão à expansão e à concentração econômica.

A idéia da inevitabilidade da concentração urbanoindustrial e de suas vantagens para o processo de desenvolvimento é estreitamente associada à uma doutrina e conseqüente estratégia de desenvolvimento econômico, segundo as quais a concentração dos recursos no setor moderno levaria à rápida expansão deste e a posterior absorção e integração do chamado setor "tradicional".

Contudo, os teóricos e técnicos do desenvolvimento via industrialização-urbanização superconcentrada, quando confrontados com os efeitos negativos desse processo - marginalidade, subemprego e desemprego, carência dos setores habitacional e de saneamento básico - alegam a inevitabilidade desses fenômenos colaterais, a serem considerados como um "sacrifício", um preço a pagar pelo progresso. De qualquer forma, assim alegam que, num futuro mais ou menos próximo, ocorrerá uma reversão do processo, no sentido de permitir-se uma distribuição mais equitativa dos frutos do crescimento. Esquecem, porém, que para a maioria da população, justamente a mais sacrificada, essa fase "transitória", "de espera", coincide exatamente com o tempo que medeia entre a vida e a morte.

Este trabalho visa a testar a hipótese segundo a qual o crescimento excessivo e desordenado da área metropolitana é causa dos "custos sociais crescentes", dos quais resultam: a) deterioração da "qualidade de vida" para a população; b) ineficiência crescente do próprio sistema econômico da metrópole.

O aparente sucesso da politica de concentração urbano-industrial não nos deve ocultar alguns dos aspectos e problemas mais críticos das áreas metropolitanas, produtos desse mesmo crescimento desordenado. O empilhamento material e humano, por mais vantagens que tenha proporcionado em suas fases iniciais, permitindo a realização de economias externas e de escala, traz como resultado, em última análise, além de profundas alterações do equilíbrio ecológico e das próprias estruturas sociais da população, ineficiência crescente do sistema metropolitano. Muitos dos "custos sociais" originados da concentração urbano-industrial excessiva podem ser equacionados em perdas monetárias ou no aumento dos gastos orçamentários do poder público. Outros, contudo, tais como; estragos causados à saúde física e psíquica dos habitantes metropolitanos, ou ainda, a deterioração de valores estéticos e recreacionais, são de natureza menos tangível, exigindo formas de caracterização e avaliação diferentes daquela expressa em valores de mercado.

Áo tentarmos equacionar uma técnica de abordagem capaz de projetar luz sobre os custos sociais "ocultos" ou as deseconomias causadas pelo crescimento e expansão descontrolados da área metropolitana, procuramos, ao mesmo tempo, fornecer elementos para a elaboração de uma teoria e uma praxis diferentes, no trato dos problemas econômicos, sociais e espaciais da Grande São Paulo, dando ênfase à necessidade de:

a) evitar ou, pelo menos, reduzir os custos sociais do desenvolvimento urbano industrial;

b) orientar e coordenar as decisões de investimentos a longo prazo do poder público - admitindo-se que o setor privado seguirá as diretrizes gerais do setor público, a fim de obter rendimento ótimo;

c) distribuir, de maneira mais equitativa, os custos e os benefícios da aglomeração metropolitana.

2. ASPECTOS DA DINÂMICA DO CRESCIMENTO METROPOLITANO

Embora os urbanistas e planejadores não tenham conseguido ainda definir o tamanho ideal da aglomeração urbana, verifica-se empiricamente a necessidade de investimentos maciços em infra-estrutura, sobretudo em transporte de massas (metrô), uma vez ultrapassado o nível de meio milhão de habitantes.22 Os poucos estudos realizados até agora não permitem estabelecer com maior precisão esta dimensão critica da cidade, como, também, não é fácil determinar o tamanho ótimo de uma metrópole, que maximize as economias externas. Estimativas indicam uma certa gama de grandezas a partir de 500 mil habitantes, de acordo com as características especificas de cada centro urbano e seu meio-ambiente socioeconómico, geográfico e cultural. Mais importante, porém, de que o crescimento quantitativo da população se afiguram as mudanças estruturais e qualitativas introduzidas no habitat urbano pelo avanço rápido da industrialização. O setor industrial, em expansão, não encontrando mais terrenos baratos nas áreas mais centrais, desloca-se para os bairros periféricos e/ou municípios vizinhos da capital. Ao mesmo tempo, ocorre uma tendência inversa de adensamento e concentração de empresas de serviços - bancos, financeiras, consultoria, processamento de dados, restaurantes etc, nas áreas centrais da metrópole.

Ambos os movimentos provocam o deslocamento de fortes contingentes populacionais, obrigados a acompanhar as empresas a fim de manter seus empregos, ou ainda, forçados a buscar novas residências em locais distantes, porém ao alcance de seus parcos recursos.

O segundo fator responsável pela desorganização do espaço urbano foi a expansão contínua e não planejada da indústria automobilística.

O grande número de carros colocados nas ruas estreitas e sem estacionamento exige do poder público obras viárias de vulto, de elevado custo direto e indireto (desapropriações), todavia, sem perspectivas de restabelecer o espaço urbano destruído pelas inúmeras vias expressas e elevados que cortam bairros, ruas, vizinhanças, separando e afastando empregados de seus locais de trabalho, crianças de suas escolas e de suas áreas de recreação etc.

Em outras palavras, as necessidades impostas pela mobilidade do automóvel tendem a eliminar completamente as características de lugar de convívio, de encontro, de relações sociais face a face, típicas das cidades menores.

A expulsão e os deslocamentos não planejados de vastos contingentes populacionais de suas áreas de habitação anteriores para a periferia implicam pesados gastos do poder público, submetido às pressões e clamores dessa população acostumada a um padrão de vida apropriado ao habitat urbano. Em conseqüência, o deficit existente em moradias, ligações de água e esgoto, fornecimento de energia e transportes, e a incapacidade de estender serviços urbanos básicos, tais como coleta cie lixo, correio e telefones, escolas, centros de saúde e equipamentos recreativos, às áreas periféricas de grande densidade populacional levam forçosamente a uma deterioração da "qualidade de vida" urbana com ampla repercussão para o nível de bem-estar individual e coletivo.

3. DEFINIÇÃO CONCEITUAL: ECONOMIAS DE DESECONOMIAS DA ÁREA METROPOLITANA

Quanto às vantagens proporcionadas pelo aglomerado metropolitano, os manuais de economia demonstram e ilustram as economias de escala e economias externas proporcionadas a partir de um determinado nível e intensidade de concentração humana e material, na cidade.

Poucos são os trabalhos que procuram verificar os custos sociais - ou melhor - a transferência de certos custos, normalmente de obrigação das empresas, para o erário público, socializando gastos privados, com profundo impacto nos orçamentos do poder público e sua capacidade de inovar e planejar.

Ao tentarmos, portanto, assinalar aspectos das deseconomias da metrópole, convém distinguir inicialmente entre: "custos sociais ocultos", ou seja, gastos de responsabilidade das empresas, porém transferidos ao poder público - e deseconomias que resultam de forma direta ou indireta, em menor eficiência do sistema metropolitano, quando examinado sob o ângulo da "qualidade de vida" para seus habitantes.

O conceito básico de nosso estudo é o de custo social, entendido como parte do custo das atividades produtivas, cujo ônus se procura evitar ou transferir a terceiros: em outras palavras, todas as perdas ou prejuízos causados direta ou indiretamente a terceiros ou à comunidade, em conseqüência das atividades econômicas na aglomeração urbana-industrial. Embora essas atividades resultem em ganhos e "economias" para as empresas, devem ser considerados como a "deseconomias" ou custos sociais.

As causas do fenômeno devemos procurá-las na própria dinâmica do sistema econômico que confere um prêmio à minimização de custos de produção, aumentando, destarte a tendência à maximização dos custos sociais.

Os teóricos da economia neoclássica e contemporânea têm atribuído pouca importância aos "custos sociais", alegando que estes teriam um efeito colateral passageiro e de menor importância no processo de crescimento econômico acelerado. Sem entrar aqui no mérito dessa argumentação, parece óbvia a necessidade de se conhecer a aferir o "preço real do progresso" a fim de que a coletividade, por meio de processos políticos adequados, possa julgar e decidir sobre prioridades, projetos e planos de desenvolvimento.

As dificuldades inerentes à própria natureza do assunto, por colocarem em questão problemas de meiofim, valores sociais pouco tangíveis e aspectos políticos dé certas d«r*isões e práticas econômicas, não justificam a omissão e a negligência perante os fatos que evidenciam a magnitude dos "custos sociais", por um lado, e a ineficiência crescente do próprio sistema metropolitano, por outro. Compete aos estudiosos do assunto e aos administradores públicos pesquisar e demonstrar as eventuais relações causais entre determinados processos econômicos e espaciais e as conseqüentes perdas ou "deseconomias" para a coletividade, manifestas numa deterioração da "qualidade de vida".

4. ASPECTOS METODOLÓGICOS

4.1 Contrariamente aos modelos econômicos mais em uso, que dão ênfase à "tendência natural ao estado de equilíbrio", a hipótese metodológica fundamental deste estudo admite e pressupõe o princípio da "causação cumulativa" no estudo de processos econômicos e sociais.

De acordo com este modelo, o processo de crescimento metropolitano é caracterizado pela interação de diferentes variáveis - econômicas, espaciais e sociais - as quais, em seus efeitos combinados, tendem a impulsionar o sistema no sentido de afastamento de uma posição de equilíbrio para um desequilíbrio e discrepâncias crescentes. Assim, um impulso provocando mudanças em um setor não provoca, necessariamente, um movimento compensatório, visando ao restabelecimento da situação de equilíbrio do sistema como um todo. Ao contrário, em conseqüência da "causação cumulativa", tendem a agravar-se as discrepâncias entre os componentes ou setores do sistema.

Aplicando o princípio aos "custos sociais", dir-se-ia que não existe nenhum automatismo que assegure à coletividade a restituição ou o ressarcimento das perdas e prejuízos decorrentes da concentração urbano-industrial.

4.2 A segunda premissa metodológica refere-se ao caráter complexo do funcionamento do sistema urbano-industrial.

Contrariamente aos modelos causais diretos e lineares, o comportamento do sistema metropolitano é configurado por Multiloop non-linear feedback processos.33 Veja Cambridge, Mass. MIT Press, 1969. Forrestex, J. W. Urban Dinamics. Para a compreensão do sistema urbano complexo, a análise matemática não é muito apropriada, por causa das propriedades não lineares do sistema, que dificultam o equacionamento e o relacionamento dos diferentes variáveis. Como alternativa, sugere-se, freqüentemente, a experimentação e simulação, baseadas em representações mentais - imagens ou modelos - sobre o funcionamento do sistema metropolitano. Neste caso, uma vez definido o modelo operacional do sistema, são deduzidos todos os efeitos possíveis para, finalmente, confrontá-los com os objetivos e valores dos planejadores.

Contudo, sendo os problemas e disfunções de uma área metropolitana, produzidos, geralmente, pela interação dos componentes óbvios e conhecidos desse sistema, o raciocínio linear é incapaz de deduzir o comportamento dinâmico, a partir do conhecimento das partes do conjunto.

Consideramos, portanto, neste estudo, a metrópole como um sistema social complexo, cujo funcionamento é auto-regulador, resistindo a esforços vindos de fora do sistema, para mudar suas condições.

O funcionamento e a evolução de sistemas sociais complexos não correspondem a um raciocínio intuitivo e de "bom-senso". Freqüentemente, "soluções" apresentadas para melhorar o sistema tendem de fato a piorar a situação problemática ou, uma mudança de diretrizes no sistema pode produzir determinados efeitos a curto prazo, que são totalmente opostos às conseqüências a longo prazo. Ações e programas que ajudem a reduzir pressões imediatas podem sofrer inversões de seus efeitos posteriormente, causando maior deterioração e tensão dentro do sistema.

Em resumo, tentaremos demonstrar que:

a) os fatores que constituem a força de atração da metrópole - oportunidade de emprego, lucros, serviços públicos, habitações, vida cultural intensa, localização e acessibilidade facilitadas pelos serviços de transportes etc. - sofrem diminuição, à medida que a população total e a densidade demográfica ultrapassam certos níveis de agregação;

b) os mecanismos de mercado não ajudam a manter ou restabelecer o equilíbrio de uma área, a qual, em virtude da presença de numerosos fatores de atração, recebe recursos econômicos e humanos acima de sua capacidade de absorção;

c) uma intervenção do poder público, no sentido de corrigir certas disfunções, mesmo produzindo efeitos positivos a curto prazo, pode causar efeitos negativos a longo prazo, agravando a situação do sistema como um todo.

4.3 A terceira premissa admite que as atividades econômicas na área metropolitana podem ser agrupadas em duas categorias.44 Baumol, William J. Macroeconomics of unbalanced growth: the anatomy of urban crisis, AER - American Economic Review, p. 415 - 26, 1967. A primeira, caracterizada por atividades de alta densidade tecnológica, em que inovações, acumulação de capital e economias de escala produzem elevação sucessiva e cumulativa de produtividade.

A segunda categoria refere-se à atividade, as quais, por sua própria natureza, resultam apenas em aumentos pequenos e esporádicos de produtividade.

Como corolário da premissa anterior, admite-se que os salários básicos dos dois setores são mais ou menos iguais (salário minimo) e os reajustamentos se aplicam em proporções iguais a ambos. Portanto, um aumento de salários no setor dinâmico (industrial), em seguida à elevação proporcional da produtividade, não resultará em custos adicionais para as empresas. Ao contrário, uma elevação salarial idêntica no setor de serviços, onde os acréscimos em produtividade são mais lentos e esporádicos, resultaria em custos cada vez maiores para as empresas, afetando todo o sistema econômico.

A discrepância na evolução dos dois setores é perfeitamente perceptível na análise do funcionamento dos serviços coletivos, tais como, educação, policiamento, assistência social, etc.

Enquanto no setor de transformação industrial a mão-de-obra é insumo, meio para um fim, nos serviços mencionados, o trabalho é um fim em si, e a qualidade do serviço é avaliada diretamente em função da quantidade de recursos humanos aplicados.

Assim, por exemplo, a qualidade da instituição escolar depende, de um lado, do número de alunos por professor e da quantidade de horas/aulas em atividades extracurriculares realizados pelos alunos, na presença e sob orientação dos educadores. Por mais que se queira elevar a "produtividade" do sistema educacional, aumentando o número de alunos por classe e reduzindo o número de horas por turno, os limites a esse procedimento são óbvios, e seus efeitos negativos (alta taxa de reprovações, baixos níveis de conhecimento, etc.) não tardarão a aparecer.

Novamente, aplicando o modelo aos processos e problemas metropolitanos da Grande São Paulo, verificar-se-ía que os poderes públicos sofrem pressões no sentido de proporcionarem serviços cada vez mais caros, pela tendência de os custos de equipamento social e da infra-estrutura urbana crescerem mais rapidamente do que a população e as receitas tributárias.

A necessidade de ampliar os quadros do funcionalismo público, face à expansão demográfica ininterrupta, representada, basicamente, por populações carentes de recursos e dependentes de auxílios diretos ou indiretos dos governos municipal ou estadual e, ao mesmo tempo, a necessidade de reajustamentos periódicos dos vencimentos, em virtude do processo inflacionário, não permitem perspectivas otimistas quanto a melhorias qualitativas ou à extensão quantitativa dos serviços na área metropolitana.

As dificuldades financeiras das administrações municipais residem, basicamente, no volume crescente de serviços a serem proporcionados à população e cuja estrutura é do tipo "baixa produtividade". Lá, onde os orçamentos municipais e regionais refletem uma grande concentração de despesas em educação, saúde, segurança pública, serviço social, poucas são as oportunidades de poder-se contar com incrementos na "produtividade" desses serviços. À medida que continuam os processos de inovação e acumulação no setor dinâmico da economia, a elevação dos custos dos serviços urbanos à população é inevitável, mesmo controlando-se a espiral inflacionária.

4.4 Finalmente, quanto aos efeitos perniciosos das deseconomias na área metropolitana, parece haver uma relação estreita entre o tamanho da população afetada e o total dos custos sociais decorrentes.

Segundo Baumol,55 Baumol. op. cit. esses custos tendem a crescer não proporcionalmente, mas em progressão geométrica ao aumento da população da área.

Assim, se os atrasos numa rodovia congestionada são aproximadamente proporcionais ao número de veículos que nela trafegam, o numero total de horas/homem perdidas crescerá à razão de n2, porque o número de passageiros também aumenta proporcionalmente ao número de carros. A lógica do argumento é a seguinte: se cada habitante da área impõe um custo social a todos os outros e, se a magnitude dos custos assumidos, habitante por habitante, é mais ou menos proporcional ao tamanho da população, ou melhor, sua densidade, então o custo social irá variar à razão de n2, pois nele incorrem todas as pessoas envolvidas. Sem pretender generalizações precipitadas, as implicações deste raciocínio são óbvias: sugerem que, com os aumentos progressivos da população em determinadas áreas, os "custos sociais" devem crescer mais do que proporcionalmente, provocando pressões cada vez maiores sobre as autoridades, no sentido de corrigir situações disfuncionais.

5. DESECONOMIAS

5.1 Transportes

Um dos aspectos mais visíveis, porém não quantificado das deseconomias causadas pela concentração urbanoindustrial, refere-se ao empenamento progressivo do sistema de transportes de carga e passageiros na área metropolitana.

O fluxo cada vez mais lento e difícil de tráfico representa, além do aspecto antieconômico para as empresas (aumento do custo por unidade transportada), um problema dos mais sérios para milhões de pessoas - trabalhadores, empregados, estudantes e donas de casa, cuja mobilidade vem sendo reduzida, com a conseqüente perda de tempo e aumento de cansaço que, por sua vez, reduz a produtividade no trabalho, e também, a capacidade de usufruir adequadamente, das horas de lazer.

Os dados a seguir apresentados são confessadamente precários. Permitem, contudo, qualificar e, às vezes, quantificar os principais problemas neste setor.

Estrutura dos transportes e viária

O numero de veículos, registrado na capital, em 1974, chegou a quase 1 milhão (988 mil), sendo o número de veículos novos, licenciados diariamente aproximadamente 600. A continuar neste ritmo, teremos o número atual duplicado em, mais ou menos cinco anos.

Ora, a rede viária atual da capital simplesmente não comporta o fluxo de veículos em circulação, apresentando um quadro permanente de ruas e zonas congestionadas.

Na ausência de indicadores, sistematicamente levantados, apontamos os seguintes aspectos que caracterizam um sistema de transportes ineficiente e caro:

1. Diminuição constante da velocidade média dos veículos. Os ônibus da CMTC tiveram suas velocidades médias reduzidas de forma quase ininterrupta de 1950 a 1970. Contudo, informações oficiosas apontam uma velocidade média atual dos 7 mil ônibus da capital (frota total: CMTC + empresas particulares) de 8 km/hora, reduzida a 5 km/hora no centro.

2. A redução paulatina da velocidade média por veículo resulta inevitavelmente em aumento proporcional e à razão inversa do consumo de combustível - com graves efeitos no Balanço de Pagamentos da Nação, por um lado, e sua produção progressiva de meio-ambiente metropolitano, por outro.

Redução da velocidade média e aumento do consumo de combustível podem ser quantificados como prejuízos diretos e mensuráveis em unidades monetárias.

Ocorrem, todavia, em conseqüência da ineficiência dos transportes, perdas indiretas, de mais difícil quantificação, porém bastante sérias para a economia e sociedade da área metropolitana.

3. Perda de tempo pelos usuários do sistema de transportes, em seus deslocamentos. Admitindo-se 6 milhões de deslocamentos por dia na capital, com uma perda de, em média, 1/2 hora por viagem/passageiro, em virtude da baixa velocidade, teríamos uma perda global de três milhões de horas por dia, sem contar as horas perdidas pelos usuários de transportes coletivos, à espera dos veículos. Multiplicado por 300 dias úteis, teríamos uma perda de 900 milhões de horas por ano, somente no município da capital.

A custo médio de Cr$ 5,00 por hora, obtemos um total de Cr$ 4,5 bilhões/ano quantia superior ao orçamento da Prefeitura de São Paulo para 1974.

Contudo, a importância anterior ainda não reflete o custo social real resultante da ineficiência do sistema de transportes.

Para configurar esse custo, seria necessário incluir: a) os prejuízos decorrentes de acidentes de trânsito (em elevação constante nos últimos anos), causando danos materiais e humanos;

b) a redução da produtividade no trabalho da população usuária de transportes coletivos e individuais;

c) a poluição sonora e atmosférica, e seus efeitos sobre a saúde física e mental da população;

d) finalmente, a tensão nervosa dos usuários resultando em agressividade, e a deterioração do relacionamento humano, em geral, não podem ser omitidos de um cômputo sistemático dos custos sociais da concentração excessiva na área metropolitana.

Várias observações nos levam a inferir sobre o agravamento da situação a curto e médio prazo:

a) o aumento constante do número de veículos licenciados, atualmente à razão de ± 20% ao ano;

b) o aumento, também constante da população, portanto dos usuários de transporte, a uma taxa média de 5 a 5,5% a.a.;

c) dada a própria dinâmica de expansão da metrópole - as indústrias se deslocam para a periferia e os escritórios concentram-se nas áreas mais centrais - haverá um aumento constante do número de viagens realizadas pela população. Segundo levantamento realizado pela Secretaria de Transportes da PMSP, em 1968, verificouse um índice médio de 1,1 viagem por habitante/dia. Em 1974, este índice elevar-se-ía a 1,4 viagens por habitante/dia, devendo atingir 2,0 viagens por habitante/dia na década de 80;

d) as desapropriações de terrenos e casas pelo poder público, a fim de realizarem-se obras'de infra-estrutura para o sistema de transportes - avenidas, vias expressas, elevados etc. - freqüentemente têm efeitos contrários aos esperados: a valorização especulativa dos terrenos ao longo das novas avenidas, ou a desvalorização de propriedades imobiliárias ao longo de vias elevadas tendem a expulsar seus habitantes tradicionais para a periferia, criando assim uma demanda adicional de transportes, numa rede já sobrecarregada;

e) os custos absolutamente proibitivos da instalação de um sistema moderno de transportes de massa (metrô), agravados pela inflação e o deficit crônico do balanço de pagamentos, numa área de alta densidade demográfica e com um traçado urbano desfigurado pela ocupação caótica do solo e pela especulação imobiliária.

De fato, o custo direto muito elevado da instalação da primeira linha do metrô, ao qual se devem adicionar as despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos obtidos no país e no exterior, dificilmente poderá ser amortizado em um prazo previsível, mesmo com a tarifa de Cr$ 1,50 (o dobro da tarifa de ônibus) fixada inicialmente.

5.2 Energia elétrica

O crescimento ininterrupto da área metropolitana, sobretudo de seu parque industrial, tem exigido o suprimento de energia, em quantidades sempre crescentes.

O aproveitamento paulatino dos recursos hidrelétricos próximos tem levado o poder público a atender as necessidades em expansão constante com soluções viáveis a um prazo mais curto, porém economicamente menos eficientes (usinas termoelétricas) ou a construir usinas hidrelétricas cada vez mais distantes, estendendo assim as linhas de transmissão de energia por centenas de quilômetros.

Em conseqüência, o custo unitário por kw fornecido tende a aumentar, à medida que se alongam as distâncias entre a fonte de geração da energia e o ponto de seu consumo.

Sem entrar, aqui, em detalhes, ficam óbvias as vantagens de uma politica econômica que, visando a desenvolver e a valorizar todas as regiões, procure exportar produtos e não a energia elétrica, ou seja, esta deveria ser aproveitada na proximidade relativa dos locais de sua geração, para produzir aquelas matérias-primas, para as quais ela constitui o maior insumo, como, por exemplo, alumínio, cobre, etc.

5.3 Saneamento básico: água

Fenômenos análogos ao mencionado no item "Energia elétrica" ocorrem também neste setor de serviços urbanos básicos.

O consumo constantemente crescente de água, por uma população cada vez mais numerosa, parte da qual atingiu um padrão relativamente elevado de vida durante as últimas décadas, levou ao pleno aproveitamento dos recursos hídricos "próximos" - aliás insuficientes para atenderem a demanda de toda a população.

Em conseqüência, os planos que visam ao abastecimento com água da área metropolitana, para os anos 1980 e 90, recorrem a projetos nos quais as linhas adutoras serão estendidas a distâncias de mais de 100 km, resultando inevitavelmente em aumento do custo por unidade suprida.

Contudo, há outro aspecto a ser considerado na expansão da rede de abastecimento de água para a metrópole, muito além de suas fronteiras geográficas e administrativas. A execução dos projetos em função das necessidades da área metropolitana deixa desfalcadas as áreas próximas às fontes, sem possibilidades de obterem quantidades suficientes do precioso líquido, seja para fins industriais, residenciais ou agrícolas, reduzindo assim seu potencial de desenvolvimento como pólos de equilíbrio.

Cogita-se, atualmente, e em conseqüência de escassez cada vez maior de água potável, da introdução de processos de reciclagem de água como meio de fazer frente à demanda básica de aproximadamente 40% da população da região metropolitana da GSP, não ligada à rede de abastecimento de água encanada.

É inegável, entretanto, que tal solução implicaria em vultosos investimentos adicionais na área metropolitana, elevando também o custo unitário por m3 suprido.

5.4 Esgotos

A carência de água encanada é agravada pela absoluta inadequação do sistema de esgotos. Estimativas moderadas estabelecem o nível de atendimento desse serviço básico em 32,0% na RMGSP e de 36,2% na capital, sendo que em vários municípios da área metropolitana não existem redes de captação e estação de tratamento de esgotos, servindo-se a população de fossas localizadas a poucos metros de distância dos poços abastecedores de água.

A ampliação da rede nem sempre acompanhou o crescimento demográfico, de modo que a situação sanitária e de saúde da população "periférica" (isto é, não servida pelas redes de água e esgoto, e pelos serviços de coleta de lixo) deve ter piorado nesta última década.

Por outro lado, com o espraiamento da população metropolitana e a ocupação desordenada dos solos, a instalação de redes coletoras e de estações de tratamento de esgotos tornam-se cada vez mais complexas e onerosas, diminuindo também, face à escassez de recursos orçamentários, cada vez mais as possibilidades da extensão desses serviços básicos à toda a população.

Na ausência completa de indicadores apropriados, a partir dos quais se pudessem avaliar os "custos sociais" de tal situação, apontamos apenas indicadores indiretos, tais como:

a) elevação da taxa de mortalidade infantil;

b) alta incidência de moléstias, infecto-contagiosas, em termos absolutos e relativos, entre a população "periférica" infantil e adulta;

c) perda de dias de trabalho devida às moléstias e diminuição da produtividade da força-de-trabalho residente nessas áreas;

d) gastos excessivos com remédios etc, diminuindo a disponibilidade de recursos para alimentos, enfraquecendo novamente o organismo já debilitado.

5.5 Coleta de lixo

Uma das características das populações urbanas é a produção em quantidades sempre crescentes de resíduos e materiais "biodegradáveis" ou não, comumente denominados "lixo".

Não sendo empregados em nosso meio processos de "reciclagem", pelo menos da matéria orgânica e, sendo pouco usados incineradores, quantidades cada vez maiores de lixo devem ser recolhidas, transportadas e depositadas em terrenos especificamente designados para esse fim.

Ora, os depósitos de lixo a céu aberto constituem ameaça constante à saúde da população nas redondezas, trazendo perigo de contaminação, mau cheiro, favorecendo a proliferação de verminoses e de ratos.

Ademais, com a urbanização em expansão contínua, os terrenos onde podem ser depositados os resíduos de "lixo" são encontrados a distâncias cada vez maiores das áreas centrais, maiores produtoras de lixo.

Em conseqüência, esses serviços tornam-se cada vez mais onerosos para o poder público, não somente em termos absolutos, mas também em termos relativos isto é, por tonelada ou m3 de lixo recolhido, transportado e depositado.

Novamente, embora carecendo de dados estatísticos a respeito, parece óbvio que as verbas destinadas a esse serviço e os eventuais acréscimos de verba serão gastos no mesmo volume de serviços, porém a um custo unitário sempre mais elevado.

Como resultado, as áreas não alcançadas pelos serviços de limpeza pública poucas oportunidades têm de serem beneficiadas, mesmo quando houver uma hipotética elevação da verba orçamentária do setor. Somado aos efeitos da carência de água potável e de canalização de esgotos, o despejo do lixo nas ruas só pode trazer conseqüências desastrosas para o nível de saúde e a situação sanitária das populações desprivilegiadas.

6. CUSTOS SOCIAIS TRANSFERIDOS

6.1 Poluição do ar

Pretendemos, nesta parte do trabalho, traduzir os danos sofridos pela coletividade em conseqüência da poluição crescente do ar, em termos econômico-financeiros.

Em outras palavras, o desgaste dos bens e da saúde dos habitantes metropolitanos representa uma carga pesada no orçamento das famílias e, sobretudo, nas finanças públicas, exigindo o desvio de recursos que seriam aplicados em serviços de infra-estrutura básica, educação, etc.

Para fins de nossa análise, conviria considerar dois aspectos do custo da poluição:

a) o custo das perdas econômicas em virtude da poluição;

b) o custo das medidas e projetos do poder público, visando a diminuir os efeitos da poluição.

Procuramos caracterizar as maiores fontes de poluição e sua evolução na última década.

Segundo estudo e relatório da SUSAM (Superintendência de Saneamento Ambiental da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo), os principais poluentes do ar na RMGSP são: dióxido de enxofre, monóxido de carbono, hidrocarbonetos e poeira em suspensão.

Ainda de acordo com os relatórios da SUSAM, as taxas médias de sulfatação e de poeira sedimentável na região do ABCM e da região metropolitana da GSP aumentaram de forma constante, nos últimos 10 anos.

Os maiores emissores de material poluente são os veículos a motor de combustão (gasolina e óleo diesel) e certo tipo de indústria. Quanto aos primeiros, sabendose o número de veículos licenciados e o consumo (venda) de combustíveis, é possível calcular o consumo médio de combustível por veículo/km rodado. Estudos efetuados nos EUA chegam a precisar as taxas médias de emissão de material poluente em kg/10 mil litros de combustível e também, em kg/1000 km percorridos.66 Apenas passageiros de coletivos. Os índices norte-americanos de emissão de poluentes assim obtidos, quando comparados com os locais, seriam certamente inferiores, em virtude da desregulagem dos carburadores e injetores a diesel, da qualidade inferior do combustível e, sobretudo, da completa ausência de equipamento antipoluente nos veículos, no Brasil.

Vejamos o que representam as quantidades estimadas, em termos de perdas e custos para os habitantes da capital.

A fim de simplificar nossa exposição, referir-nos-emos apenas a:

a) perdas econômicas causadas a terceiros;

b) perdas relativas a efeitos sobre a saúde humana.

Quanto às primeiras, seria necessário calcular os efeitos da poluição do ar sobre os materiais - danificados por processos químicos e físicos. Mencionamos, a título de exemplo, apenas, a corrosão de metais; descoloração e enfraquecimento de tecidos; diminuição da elasticidade e resistência de artigos de borracha, etc, sobre os quais não se têm quaisquer dados e informações para cálculos. Estudos feitos na França em 1957 estimaram os custos da conservação e pintura dos edifícios, em conseqüência da poluição do ar, em 750 milhões de francos, ou seja, mais de 1 bilhão de cruzeiros, à taxa de câmbio atual.

Nos EUA, em 1949, estimava-se o custo total dos danos causados pela poluição do ar em 1,5 bilhão de dólares ao ano. Na década dos sessenta, contudo, a estimativa do custo anual elevou-se a US$ 16,5 bilhões, ou seja, mais de Cr$ 100 bilhões, à taxa de câmbio atual.

Por outro lado, os custos das medidas e equipamentos necessários para reduzir de 2/3 os prejuízos citados (para US$ 5,5 bilhões ao ano) exigiriam investimentos" não inferiores a US$ 3 bilhões.

Quanto aos efeitos nocivos sobre a saúde dos habitantes, os especialistas os classificam desde:

a) desconforto, prejuízos à visibilidade, etc, podendo levar à mudança de domicílio;

b) sintomas diversos de irritação sensorial, podendo levar à necessidade de procurar atendimento médico;

c) alterações de funções fisiológicas diversas;

d) doenças crônicas, com danos permanentes ao desenvolvimento do indivíduo;

e) doenças agudas e fatais.

Novamente, não dispomos de estatísticas apropriadas para documentar adequadamente os prejuízos à saúde dos habitantes metropolitanos, em conseqüência da poluição do ar.

Estudos isolados realizados em países industrializados apontam: "desenvolvimento físico menor, anemia hipocrômica, redução da relação albumina-globulina", etc, em crianças que viviam nas áreas poluídas.77Inventory of Air Pollutant Emissions in the San Francisco Bay Area, 1971. Bay Area Pollution Control District San Francisco.

Outro estudo demonstra alta incidência de esclerose pulmonar difusa, entre crianças de 10 a 15 anos, moradores de cidades poluídas.88 Nogueira, Diogo Pupo. Efeitos da poluição do ar sobre a saúde. Seminário sobre a Poluição do Ar. São Paulo, FHSP/USP, OPS, OMS, p. 2,3-8,9, 1966.

Finalmente, na França, em 1957, estimou-se que o custo dos serviços médicos decorrentes da poluição se elevou naquele ano a 650 milhões de francos, ou seja, 1 bilhão de cruzeiros.

Em uma pesquisa desenvolvida pela Fundação de Assistência à Infância de Santo André, entre 1966 e 69, foi verificado que as doenças respiratórias representavam 44,8% dos casos atendidos por aquela entidade em 1967, e 47,1% dos atendimentos, em 1968.

Outro dado constatado foi o aumento progressivo da incidência de bronquites asmáticas entre as crianças de Santo André, área altamente industrializada e, portanto, poluída, ocorrendo essa moléstia com maior freqüência nos meses de março até julho, período em que ocorrem as inversões de temperatura.

Não dispomos de dados sobre as quantidades de poluentes expelidos pelos diversos tipos e estabelecimentos da indústria de transformação, chegando, todavia, a estimativa ao equivalente ou mais, da poluição causada pelos veículos a motor.

Os cálculos, confessadamente superficiais, dos prejuízos decorrentes da poluição do ar, devem ser considerados como uma primeira tentativa de equacionar o problema e traduzir as perdas em termos econômicos. Tal procedimento deve capacitar o poder público a melhor avaliar custos e benefícios de certos projetos, bem como estabelecer critérios mais racionais, em função do bem-estar coletivo, para a alocação de recursos, em serviços básicos para a coletividade. Entre estes, o controle do meio ambiental, evitando-se a depredação de recursos irrecuperáveis, fomentando o reflorestamento e a conservação de áreas verdes; o uso racional e a reciclagem da água, e a eliminação progressiva dos poluentes do ar e da água, afiguram-se como tarefas urgentes e inadiáveis. E os recursos para tais medidas saneadoras, donde viriam?

Em um sistema econômico racional, esses custos deveriam recair sobre os diretamente beneficiados, ou seja, as empresas produtoras e, eventualmente, sobre os consumidores de seus produtos.

6.2 Acidentes de trabalho

Um dos custos sociais mais óbvios e confessos do sistema urbano-industrial é representado pelos prejuízos causados à saúde física e mental dos trabalhadores.

Poder-se-ia argumentar que:

a) a legislação social existente procura evitar esses acidentes ou indenizar as vítimas e suas famílias, em casos de morte ou invalidez permanente;

b) esses acidentes de trabalho acontecem também em áreas urbanas de menor concentração industrial e, assim, a responsabüidade por sua ocorrência não pode ser atribuída à área metropolitana.

Quanto ao primeiro argumento, mesmo supondo que todos os empregados fossem registrados no INPS e no gozo dos benefícios da legislação, é mister admitir que, em inúmeros casos, os prejuízos decorrentes de acidentes de trabalho são transferidos principalmente aos empregados acidentados e suas famílias.

Contrariamente às providências tomadas para proteger e impedir a depreciação prematura do equipamento e bens de capital duráveis, poucas são as preocupações quanto à saúde física e mental dos empregados, 'sobretudo quando o mercado de trabalho parece oferecer quantidades ilimitadas de mão-de-obra para substituir os acidentados.

Neste caso, a deterioração e mesmo a destruição de uma parcela apreciável da força-de-trabalho pode tornar-se um aspecto crônico do sistema econômico.

Quanto ao segundo argumento, embora não disponhamos de dados estatísticos suficientemente desagregados ao nível da RMGSP e da Capital - seria difícil não constatar as condições de vida adversas, de efeitos multiplicadores e acumulativos, na área metropolitana. Mesmo não sendo possível apontar uma relação causal linear direta, parece óbvio que as frustrações da vida na metrópole - baixas rendas vs. grandes aspirações - e as tensões decorrentes de problemas, tais como, alimentação, habitação, transporte, saúde, segurança física, tendem a provocar, além de cansaço, atitudes propícias à ocorrência de acidentes.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de acidentes de trabalho no Brasil em 1973 teria sido de 20,41% sobre o total da mão-de-obra registrado, contra apenas 9,6% na Alemanha e 8,5% na França.

De 1969 a 73, esse índice sofreu elevação constante, de 14,57 para 20,41%, ou seja, enquanto o total da mão-deobra registrado no INPS cresceu em 10,1%, o número de acidentados passou, no mesmo período, de 1 059 2% para 1 630 000, ou seja, um acréscimo de 54%.

Em 1972 e 73, o número de acidentes/dia útil registrado nos primeiros semestres elevou-se no Brasil de 5 370 para 5 768, um aumento de 7,4%.

No mesmo período, o número de acidentes de trabalho/dia útil, em São Paulo, aumentou de 2 354 para 2 582, ou seja, um incremento de 9,7%.

Além do aspecto humano do problema para o acidentado e sua família, para os quais ia perda é irreparável, são profundos os efeitos dos acidentes de trabalho para' a economia, sobretudo quando se considerarem as perdas em horas de trabalho perdidas, repercutindo nos níveis de produtividade das empresas e em seus custos diretos e indiretos.

Segundo as estatisticas do INPS, em 1972 o Instituto Nacional de Previdência Social procedeu à liquidação de acidentes que determinaram a morte ou invalidez permanente de cerca de 50 mil trabalhadores, geralmente das camadas mais humildes da população urbana, cujas condições normais de vida, já bastante precárias, são tremendamente agravadas pela incapacitação física de seu arrimo.

No mesmo ano, o total de horas de trabalho perdidas por motivo de acidentes atingia 22 616 000 horas. Multiplicadas por um salário médio de Cr$ 5,00/hora, teríamos um custo indireto de mais de Cr$ 113 milhões.

Em 1973, o custo direto médio por acidente, calculado pelo INPS, foi de Cr$ 653,00 resultando num dispêndio global de Cr$ 1 066 150 488,00.

Considerando, contudo, que o custo indireto para cada acidente representa quatro vezes a importância gasta em custos diretos, chegamos a um total dos custos indiretos de Cr$ 4 264 601 952,00, os quais, somados aos custos diretos, equivalem a um prejuízo monetário global de mais de 5 bilhões de cruzeiros para a economia nacional.

De um total de 1 632 6% acidentes de trabalho em 1973, 712 mil foram registrados no Estado de São Paulo e 360 mil na sua capital, tendo sido os índices mais altos verificados nos seguintes setores:

Há boas razões para se acreditar que essas cifras, por mais dramáticas, que sejam, não traduzem toda a realidade e todos os custos sociais dos acidentes de trabalho. Com base nos levantamentos feitos sobre a irregularidade profissional dos trabalhadores na construção civil, o INPS admite que, além das dezenas de milhares de operários acidentados, há ainda um número não compilado dos sem registro profissional.

7. INDICADORES DA DETERIORAÇÃO DA "QUALIDADE DE VIDA" NA ÁREA METROPOLITANA

Ao tentarmos apontar alguns indicadores referentes, a nosso ver, à qualidade de vida numa metrópole paulista, estamos conscientes de seu caráter hipotético, dada à dificuldade de estabelecer conexões causais diretas com a dinâmica do crescimento metropolitano. Trata-se, freqüentemente, de efeitos resultantes de processos "multiloop non-linear feedback" induzidos e multiplicados por determinados vetores do sistema urbano industrial. Contudo, as dificuldades presentes de traçar as causas e de estabelecer índices quantitativos ou calcular correlação de fenômenos relacionados com a "qualidade de vida" devem servir de estímulo para estudos e pesquisas, cujos resultados possam orientar os planejadores e administradores da RMGSP.

7.1 Desocupação e delinqüência juvenil

Em que pese a dinâmica do mercado de trabalho da RMGSP, indubitavelmente o "pólo de crescimento" da economia nacional, um exame simples dos dados censitários revela graves distorções na absorção da mão-de-obra.

Enquanto a força-de-trabalho cresceu de 5,4% ao ano, entre 1950/70, a taxa correspondente de crescimento do emprego industrial foi de apenas 4,1% ao ano, durante o mesmo período. Face à capacidade de absorção limitada do setor industrial, uma parcela substancial da mão-de-obra procurou e aparentemente encontrou ocupação nas atividades do chamado setor terciário. Os dados estatísticos sobre este setor, todavia, são bastante precários e contraditórios.

De fato, o Departamento Nacional de Mão-de-Obra (DNMO), do Ministério do Trabalho e Previdência Social (hoje, desmembrado), baseando-se no levantamento das "listas de 2/3", estimou em 967 800 o total dos empregados nos setores "serviços e comércio" no Estado de São Paulo, em 1970. Contudo, o Anuário Estatístico do IBGE, com base no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar) calcula esse contingente em 3 347 990 pessoas, para o mesmo ano.

A diferença enorme entre esses dois informes sugere, além da necessidade de estudos mais aprofundados, a ocorrência de práticas ilícitas, tais como a falta de registro do empregado, privando-o dos benefícios da legislação social trabalhista. Na hipótese de se verem confirmados os dados do IBGE, estaríamos diante de um vasto contingente de mão-de-obra (aproximadamente 2 400 mil pessoas) trabalhando em empregos ou ocupações "não-institucionalizados", com baixíssima produtividade e, portanto, com um nível de renda correspondente.

Uma das conseqüências mais sérias de uma oferta bastante seletiva de empregos, especialmente quando conjugada com um sistema educacional deficiente e deficitário, é o aumento constante do número de menores completamente ou semi-abandonados em busca de sobrevivência numa sociedade que os marginaliza. Não existem estatísticas sobre o número de engraxates, limpadores de parabrisas, vendedores de frutas ou flanelas, todos menores de idade, no município da capital e na área da Grande São Paulo.

Estimativas oficiosas falam ora de 60 mil, ora de 110 mil jovens, somente na capital, que constituiriam uma faixa marginalizada no mercado de trabalho, por carecerem de instrução e qualificações mínimas.

Ainda segundo as mesmas fontes, 60% dos menores marginalizados, em São Paulo, seriam oriundos do interior do Estado, do norte e do nordeste. Vivendo em famílias com prole numerosa, as privações, a subalimentação, a higiene escassa, a ignorância dos pais e a promiscuidade, tudo leva o jovem a buscar saídas ilícitas.

7.2 Rotatividade da mão-de-obra na RMGSP

Reputamos importantes as informações sobre a mobilidade da mão-de-obra, pois além de suas implicações para os custos e a produtividade das empresas, têm profunda influência sobre o estado de equilíbrio emocional dos indivíduos empregados e, portanto, sua capacidade de ajustamento satisfatório ao habitat metropolitano. Os dados estatísticos disponíveis a respeito são escassos.

Verifica-se que o volume médio da substituição de empregados nas empresas industriais de São Paulo era de 40% aproximadamente em 1950/51 e de 36% no período entre 1961/62. Infere-se, portanto, que, ao continuar nesse ritmo a rotação da mão-de-obra, haveria uma renovação completa dos quadros de empregados industriais após 2,5 anos, em média.99 Veja Figueiredo. O. Rotação da mão-de-obra. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, n. 12, p. 29-44, set. 1964.

Pois bem, os dados disponíveis para o período de janeiro/março de 19701010 Ministério do Trabalho e Previdência Social - DNMO - Mercado de Trabalho - março, 1970. revelam um índice de rotação de mão-de-obra de 13,5% sobre o total oficialmente registrado, o que resultaria num índice anual de mais de 50% para os setores de indústria e comércio combinados. Convém assinalar, neste contexto, que uma parte substancial da mão-de-obra não está registrada no MTPS, e portanto, por não ser protegida pela CLT, deve apresentar índices de mobilidade mais elevados. Esses índices gerais, bastante elevados, tornam-se mais graves quando desdobrados por ramos de atividades industrial e comercial. Assim, os setores de construção civil, indústria de produtos alimentícios, mecânica e material elétrico-eletrônico apresentam taxas de admissão e demissão de empregados bastante significativas.

Não possuímos dados baseados em estudos recentes que demonstrassem o custo monetário e social para empregados, empresas e a economia nacional, ocasionado pela alta rotação da mão-de-obra.

O maior problema reside, a nosso ver, na impossibilidade de essas pessoas, em boa parte migrantes, e portanto, desarraigadas de seu meio-ambiente nativo, social e culturalmente diferente, criarem raízes e encontrarem estabilidade, quer na atividade profissional, quer na procura de uma morada adequada, integrando-se, através deles, na sociedade adotiva.

Novamente, as estatísticas a respeito, além de precárias, falam apenas dos casos de ajustamentos bem sucedidos e são omissas a respeito das "casualidades" do processo.

7.3 Condições de vida e criminalidade

A área metropolitana é considerada, a justo titulo, como a região mais próspera e dinâmica do País. Entretanto, isto não impede que também nela se verifiquem vastos contingentes de sua população vivendo num padrão abaixo do nível de pobreza tolerável.

Casos de famílias que residem num único cômodo, ou residências sem ligação elétrica, sem água encanada e, sobretudo, sem esgotos, são aspectos comuns da Grande Metrópole. Segundo o censo demográfico de 1970, havia na RMGSP 34,68% do total das pessoas economicamente ativas, com uma renda mensal de até Cr$ 200,00. O que agrava, todavia, o estado de penúria material, são as expectativas, geralmente frustradas, com as quais os migrantes aqui chegam e, ainda mais, os poderosos estímulos de mass media, aos quais se encontram expostos incessantemente, insinuando e motivando para uma participação, embora ilusória, no mercado de consumo afluente.

A combinação dessas circunstâncias - a pobreza material face à opulência ostentada e as frustrações repetidas e cumulativas nas tentativas de "ascender" - deve resultar em alta incidência de comportamento associai e dissociativo. Dos dados da Secretaria de Segurança Pública extraímos a verificação de que os roubos, tentativas de roubos e assaltos, na RMGSP, sofreram um aumento de 149,3%, entre 1970 e 73. O total de ocorrências policiais registradas no município da capital aumentou de 123 812 para 195 022, ou seja um aumento de 57,5% em quatro anos. Porém, nos outros municípios da RMGSP, o número total de ocorrências subiu de 6 791 para 43 210, ou seja, um aumento de 530%, no mesmo período.

Correspondentemente, aumentou e continua a aumentar a média diária de ocorrências policiais (de 339 em 1970 para mais de 600 em 1974), revelando claramente o agravamento da situação econômica e social, por um lado, e a falta de preparo e de recursos para lidar adequadamente com a situação, por parte dos órgãos de Segurança Pública.

Um tipo de ocorrência que maior incremento experimentou no período de 1970 a 1973 foram os acidentes de trânsito, com vítimas: de 1970 para 1971, o aumento foi de 90,4%; de 1971 para 1972, de 158,0% e de 1972 para 1973, de 186,1%. Esses dados, conquanto difiram do tipo de criminalidade relacionado com privação material e social, são bastante significativos quanto ao estado de espírito, à mentalidade agressiva e violenta dos paulistanos.

O clima de violência, talvez em conseqüência do agravamento constante das condições de vida na área metropolitana, tende a alastrar-se: segundo informação oficiosa, somente nos primeiros 17 dias de outubro (1974) ocorreram 48 homicídios na capital, ou seja, quase três por dia, e o número de ocorrências atendidas pelas guarnições da radiopatrulha ter-se-ia elevado a mais de mil por dia, entre desordens e agressões.

A não ser nos casos de acidentes de trânsito, cujos danos podem ser equacionados em termos monetários, seria extremamente difícil calcular as perdas causadas à coletividade pela violência e criminalidade crescentes na área metropolitana. Talvez o custo da manutenção e da expansão dos serviços de Segurança Pública - embora insuficiente por si só para resolver o problema, por não ser apenas uma questão de aparelhamento melhor das forças repressivas ao crime pudesse constituir um indicador do preço pago por essa disfunção da concentração metropolitana.

8. ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA E MUDANÇAS DA MORFOLOGIA URBANA

A acumulação contínua do potencial econômico e humano na área metropolitana tem alterado profundamente a estrutura social e a distribuição espacial dos seus habitantes, à medida que as novas camadas sociais procuravam áreas residenciais condizentes com seus status.

A ascensão econômica da classe média urbana em conseqüência do desenvolvimento industrial, que leva muitos estabelecimentos a transferirem suas sedes para fora do município da capital, coincidiu com a implantação e expansão da indústria automobilística, cujos produtos aumentaram grandemente a mobilidade individual.

É nestes dois processos - a expansão e transferência de estabelecimentos industriais para os municípios limítrofes da capital e a inundação do mercado com veículos de transporte particular - que devemos procurar as origens do caos e da maioria dos problemas que assolam a metrópole atualmente.

O "êxodo" das indústrias era acompanhado pela centralização das empresas de serviços (bancos, comércio, etc), criando demanda de transportes por parte dos empregados, absolutamente imprevista pela administração pública.

Por outro lado, a política de "desapropriação" para fins de "modernização" do sistema viário - sobretudo em função do número sempre crescente de carros particulares - contribui para expulsar para a "periferia" contingentes crescentes de habitantes, distanciados assim de seus antigos lugares de trabalho, tendo como efeito a intensificação da demanda de transportes.

O afluxo de populações de baixa renda, expulsas das áreas centrais e de migrantes para os bairros periféricos, teve entre outros, o efeito de elevar os preços de terrenos e propriedades imobiliárias, afastando ainda mais para a periferia os economicamente menos aptos.

Ambos os movimentos exercem tremenda pressão sobre o poder público, no sentido de alocar recursos ora para extensão da infra-estrutura e de serviços básicos nas áreas periféricas, ora para melhoramento do sistema viário na área central, cujo acesso se torna cada vez mais difícil, tanto para veículos de transporte coletivo quanto para os particulares.

O aspecto curioso desse dilema é o de que qualquer medida tomada ou projeto implantado para resolver um aspecto do problema tende a agravar ou criar outros, às vezes mais graves.

Assim, o planejamento e a abertura de novas avenidas que provocou uma super valorização dos terrenos adquiridos pelas grandes construtoras para fins de edificação de prédios de escritórios, num espaço urbano reduzido, resultaram numa saturação e congestionamento das novas avenidas, construídas a um custo astronômico. Por outro lado, a população expulsa pelo boom de construção, pressiona os preços de terrenos e moradias nos bairros periféricos, com reflexos em todo o mercado imobiliário da área metropolitana.

As áreas periféricas são menos providas de equipamentos sociocultural do que as que se aproximam do centro e seus habitantes têm menos acesso às informações sobre oportunidades de educação e de emprego, donde seu nivel de renda será baixo e suas possibilidades de ascensão social e econômica praticamente reduzidas.

Em conseqüência, à medida que cresce e se desenvolve a metrópole, aumentam os contrastes em seu seio, com a fuga e a segregação das camadas mais abastadas em áreas residenciais privilegiadas e a concentração dos pobres na "periferia".

É nesta nova polarização da sociedade urbana que reside o maior, embora intangível, custo social do modelo de crescimento, fundamentado na acumulação e concentração de recursos produtivos na metrópole, pois, dificilmente nascerá em seu bojo a semente de uma sociedade aberta, em que a igualdade de oportunidades seja condição para um relacionamento harmonioso entre seus membros.

8.1 Distribuição desigual dos custos e dos benefícios da RMGSP

A parte final deste estudo procura verificar a validade das afirmações segundo as quais os custos sociais do crescimento metropolitano seriam um sacrifício necessário e passageiro, compensados posteriormente pelos benefícios advindos, sob forma de bens e serviços baratos e abundantes, resultantes das economias externas e de escala, proporcionados pela área metropolitana.

Recorrendo a dados estatísticos, tentaremos demonstrar que a prometida "reversão" do processo de acumulação, ou seja, a extensão dos benefícios do progresso técnico e econômico aos menos afortunados é fundamentalmente contrária à própria dinâmica do sistema econômico e, portanto, inviável sem a intervenção consciente e dirigida do poder público.

As evidências estatísticas assinaladas, em que pesem sua precariedade e a falta de séries históricas, devem constituir os primeiros indicadores para uma reformulação de projetos e prioridades na solução dos problemas metropolitanos.

A metodologia adotada para tal fim é extremamente simples: em vez de usar as médias aritméticas referentes a uma área e população tão heterogêneas como as da metrópole paulista, foram selecionados quatro municípios - dois ricos e dois pobres - e quatro bairros da capital - novamente dois ricos e dois pobres - a fim de se verificarem, por meio de indicadores demográficos, econômicos e sociais disponíveis, as eventuais semelhanças ou diferenças em sua participação nos benefícios e nos custos do desenvolvimento metropolitano.

Os quadros anexos são bastante elucidativos a respeito da situação em diversas áreas da região metropolitana, em 1970. Assim, verificamos pelo quadro 1 que nos bairros centrais, praticamente toda a população tem água encanada e ligações à rede de esgotos, enquanto nos periféricos, mais ou menos um quarto dos prédios tem água, e apenas 3 a 6% estão ligados à rede de esgotos. Desproporções semelhantes verificamos ao comparar os respectivos índices de dois municípios "ricos" (São Bernardo e Santo André) com os dois "pobres" (Osasco e Guarulhos).


Não foi possível obter os diferentes índices de nível de consumo, ou seja, a quantidade de água e energia elétrica consumida por domicílio, em cada uma das áreas.

Os dados estatísticos disponíveis não permitem sempre esse tipo de comparação e análise e, sobretudo, é quase impossível obter informações sobre períodos anteriores, coletados de acordo com critérios comparáveis que permitam, assim, a construção de séries históricas de indicadores sociais.

Ficou patente, todavia, que as médias aritméticas referentes à capital e à RMGSP são irrelevantes e enganadoras, quanto à precariedade dos serviços e a imensidão dos problemas e das tarefas na área metropolitana de São Paulo.

9. BENEFÍCIOS E CUSTOS DA AGLOMERAÇÃO METROPOLITANA

Na parte anterior do trabalho, tentamos demonstrar o elevado "custo social" da região metropolitana da Grande São Paulo, custo este não alocado aos seus produtores e, portanto, transferido para a coletividade.

Tentaremos, a seguir, apresentar alguns dados que reforçam o argumento das "deseconomias" da metrópole, confrontando custos da infra-estrutura com os benefícios decorrentes da concentração urbano-industrial.

Entende-se como benefícios os níveis mais elevados de produtividade, salário e renda familiar incontestavelmente melhores verificados entre as populações das maiores metrópoles, quando comparados com os de centros urbanos menores.

Quanto aos custos da infra-estrutura, convém dividirse em infra-estrutura econômica - referente a transporte, energia, água etc. cuja função precípua é de apoio às atividades diretamente produtivas - e a infra-estrutura social, compreendendo educação, saúde e previdência, relacionadas com a formação de recursos humanos e o bem-estar da coletividade. Enquanto o investimento nesta é função da população urbana da densidade demográfica e da distribuição de renda, o investimento com a infra-estrutura econômica depende do nível da renda urbana agregada, ou ainda do produto e da estrutura industrial da cidade.

Nos quadros seguintes são apresentadas as despesas per capita, segundo três tipos de infra-estruturas, nos centros urbanos brasileiros, segundo classes de tamanho.

As duas colunas de infra-estrutura econômica incluem transportes, comunicações e serviços urbanos, tais como agua, esgotos e iluminação. A coluna referente à infra-estrutura social compreende os serviços de assistência médica e hospitalar, ensino primário, etc.

Os gastos per capita foram calculados a partir dos balanços municipais, não incluindo os gastos estaduais e federais. Assim, os valores per capita nos estratos inferiores de tamanho tendem a ser subestimados, enquanto que os das áreas metropolitanas aproximam-se dos gastos com infra-estrutura nas três esferas de governo.1111 Veja Tolosa Hamilton C. Macroeconomia da urbanização brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 3, n. 3, out. 1973 p. 633/9.

Os serviços de viação, transporte e comunicações e serviços urbanos são atribuições tipicamente municipais. As despesas per capita nessas duas funções descrevem uma curva em U, atingindo o seu ponto mínimo na classe de áreas metropolitanas de segunda ordem.

Nos serviços urbanos, a relação entre os valores maior e menor per capita é aproximadamente de 4:1, e na viação, transportes e comunicações de 3:1.

Quanto à educação e saúde, a discrepância nos valores é de 7:1, o que seria devido, em parte, aos efeitos depressivos da periferia nas áreas metropolitanas de segunda ordem.

Verifica-se pelo quadro 8, que as diferenças de gastos ocorrem sobretudo entre às periferias das áreas, metropolitanas.


 


A região metropolitana do Grande Rio, formada por cidades-dormitórios, pressiona a média da área metropolitana global para baixo. A periferia da Grande São Paulo, por sua vez, é constituída por municípios industrializados e ricos com receitas próprias, alguns dos quais chegam a superar em seus gastos per capita os índices da capital.

O quadro 9 oferece dois índices médios para os serviços urbanos; per capita e por unidade de área, admitindo-se que o segundo reflita melhor os efeitos das deseconomias da concentração metropolitana. De fato, as diferenças entre os índices de São Paulo (capital) e Rio de Janeiro (Guanabara) são bem maiores quando calculados por unidade de área.


A conclusão que parece impor-se é a de que os investimentos maciços da infra-estrutura econômica podem exercer inicialmente forte efeito indutor sobre novas atividades produtivas. Porém, este efeito seria progressivamente amortecido à medida que aumenta a concentração dos recursos produtivos na área. Da mesma forma, também os efeitos de indução pela infra-estrutura social seriam bastante limitados, sendo muito mais relevantes para o nível de bem-estar da população do que para as atividades produtivas propriamente.

Em resumo, os indicadores dos benefícios médios proporcionados pela aglomeração metropolitana, em termos de produtividade, renda familiar e salário, são de 50 a 100% mais elevados nas grandes concentrações urbanas do que nas menores.

Por outro lado, os valores das despesas per capita em infra-estrutura econômica variam de três a quatro vezes e as de infra-estrutura social, de até sete vezes, nas maiores metrópoles.

Embora os dados disponíveis não permitam conclusões definitivas sobre o grau de eficiência (ou ineficiência) das áreas metropolitanas, parece configurada a ocorrência de deseconomias de aglomeração, ou seja, uma desproporção cada vez maior entre os benefícios e os custos do crescimento metropolitano.

A tendência verificada nos últimos anos, de deslocamento de novas indústrias para a região de Campinas ou de São José dos Campos e outras cidades do Vale do Paraíba reforça o argumento das deseconomias crescentes da Região Metropolitana, de uma forma empírica.

A verificação do aumento paulatino dos custos da infra-estrutura econômica e social das grandes metrópoles é inferida também pela aplicação do modelo de Baumol,1212 Veja Baumol, W. J. op. cit.. classificando em dois tipos de atividades com produtividade bastante discrepante, os setores de infraestrutura e das atividades produtivas.

Seguindo o raciocínio de Baumol sobre os diferenciais na produtividade dos dois setores e a tendência à igualação das remunerações, chega-se forçosamente à conclusão de que haverá necessidade - a fim de manter um padrão mínimo dos serviços de alocar recursos humanos cada vez maiores ao setor de serviços (infra-estrutura), de produtividade mais ou menos constante. Inexoravelmente, os custos unitários tenderão a subir, coincidindo com a tendência à diminuição não-proporcional dos benefícios.

Do que precede, parece indicado para o poder público dedicar atenção crescente às cidades de tamanho médio, às quais caberia a função de centros regionais de irradiação de inovação tecnológica e de mudanças econômicas e sociais, ao mesmo tempo diminuindo a pressão migratória e, assim, a obrigação de efetuar despesas crescentes - embora nunca suficientes - na área metropolitana da região da Grande São Paulo.

Relação dos quadros comparativos anexos:

1. População, área, densidade e n.º de domicílios, na RMGSP - 1960/70

2. População e empregos na RMGSP -1967 e 1975

3. Prédios por utilização - 1970

4. Prédios por utilização - 1970, em percentagens

5. Prédios por instalações existentes - 1970 - na RMGSP

6. Prédio por instalações existentes na RMGSP - 1970, em percentagem

7. Domicílios - infra-estrutura - 1970 - na RMGSP

8. Domicílios - infra-estrutura de consumo - 1970

9. Carros por 100 habitantes 1967 - 1970

10. Nível de instrução: curso completo das pessoas com 10 anos e mais na RMGSP - 1970

11. Movimento bancário no município de São Paulo: depósitos e aplicações. Saldos em 30 de junho de 1973

12. Índices comparativos de acidentes de trabalho: Brasil e São Paulo - 1973.

Quadro comparativo 1 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 2 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 3 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 4 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 5 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 6 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 7 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 9 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 10 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 11 - Clique para ampliar


Quadro comparativo 12 - Clique para ampliar


BIBLIOGRAFIA

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2 Baumol, W. J. Macroeconomic of unbalanced growth: The anatomy of urban crisis. American Economic Review, p. 415-26, May 1967.

3 Baumol, W. J. On the social rate of discount. American Economic Review, Sept. 1968.

4 Chisholm, M. In search of a basis for location - theory: Microeconomics or welfare economics? Progress in Geography - International Review of Current Research, London, E. Arnold, v. 3, 1971.

5 Eckstein, O. Benefit - cost analysis and regional development. In: Isard, W. & Cumberland, J. Regional Economic Planning, c. 15, p. 359-74.

6 Hermansen, Tonmod. Development poles and development centers . National and Regional Development, Elements of Theoretical Framework for a Synthetical Approach, UNRISD, GE. 69-26981, Geneva, 1969.

7 Huxley, Aldous. Over-organization. In: Burke J. The New Technology and Human Values, Belmont, Cal. Wadsworth Publishing Co., 1966.

8 Ilchman, W. F., & R. C. Bhargava, Balanced thought and economic growth. EDCC, v. 14, n. 4, July 1966.

9 Kapp, W. The social costs of private enterprise. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1950.

10 Klaassen, L. W. Growth poles in economic theory and policy. A Review of the Concepts and Theories of Growth Poles and Growth Centres. Geneva, United Nations Research Institute for Social Development. Nov. 1970.

11 McKee, D. L. & D. H. Leahy Urbanization, dualism and disparities in regional economic development. Lands Economics, Feb. 1970.

12 Mishan, E. J. Cost-benefits analysis. London, Ed. Allen-Unwin, 1971.

13 Mishan, E. J. Economic for social decisions. New York, Ed. Praeger, 1973.

14 Mishan, E. J. The postwar literature on externalities: an interpretative essay. Journal of Economic Literature, v. 9, Mar. 1971.

15 Myrdal, G. National planning for healthy cities: two challenges to affluence. In: Warner Jr. S. Bass. Planning for a nation of cities, Ed. The MIT Press, Cambridge, Mass., 1966.

16 Myrdal, G. Economic theory and underdeveloped regions. London, 1957.

17 Perloff, H. S. & L. Wingo Jr. Planning and development in metropolitan areas Journal of the American Institute of Planners, p. 67-90, May, 1962.

18 Rattner, H. Planejamento urbano e regional. S&o Paulo, Editora Nacional, 1974.

19 Rivkin, M. & R. R. Nathan Urbanization and national development. The Report of the United Nations Inter-Regional Seminar on Development: Policies and Planning in Relation to Urbanization. Pettsburgh, Pa., USA, 24/X-4/XI 1966 (ST/TAO/SER. C/97), New York, 1967.

20 Scitovsky, T. Two concepts of external economics. Journal of Political Economy, v. 62, p. 143-51, Apr. 1954.

  • 1 Alonso, W. Urban and regional inbalances in economic development. Economic Development and Cultural Change, v. 17, n. 1, Oct. 1968.
  • 2 Baumol, W. J. Macroeconomic of unbalanced growth: The anatomy of urban crisis. American Economic Review, p. 415-26, May 1967.
  • 3 Baumol, W. J. On the social rate of discount. American Economic Review, Sept. 1968.
  • 4 Chisholm, M. In search of a basis for location - theory: Microeconomics or welfare economics? Progress in Geography - International Review of Current Research, London, E. Arnold, v. 3, 1971.
  • 6 Hermansen, Tonmod. Development poles and development centers . National and Regional Development, Elements of Theoretical Framework for a Synthetical Approach, UNRISD, GE. 69-26981, Geneva, 1969.
  • 8 Ilchman, W. F., & R. C. Bhargava, Balanced thought and economic growth. EDCC, v. 14, n. 4, July 1966.
  • 9 Kapp, W. The social costs of private enterprise. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1950.
  • 10 Klaassen, L. W. Growth poles in economic theory and policy. A Review of the Concepts and Theories of Growth Poles and Growth Centres. Geneva, United Nations Research Institute for Social Development. Nov. 1970.
  • 11 McKee, D. L. & D. H. Leahy Urbanization, dualism and disparities in regional economic development. Lands Economics, Feb. 1970.
  • 12 Mishan, E. J. Cost-benefits analysis. London, Ed. Allen-Unwin, 1971.
  • 13 Mishan, E. J. Economic for social decisions. New York, Ed. Praeger, 1973.
  • 14 Mishan, E. J. The postwar literature on externalities: an interpretative essay. Journal of Economic Literature, v. 9, Mar. 1971.
  • 16 Myrdal, G. Economic theory and underdeveloped regions. London, 1957.
  • 17 Perloff, H. S. & L. Wingo Jr. Planning and development in metropolitan areas Journal of the American Institute of Planners, p. 67-90, May, 1962.
  • 18 Rattner, H. Planejamento urbano e regional. S&o Paulo, Editora Nacional, 1974.
  • 19 Rivkin, M. & R. R. Nathan Urbanization and national development. The Report of the United Nations Inter-Regional Seminar on Development: Policies and Planning in Relation to Urbanization. Pettsburgh, Pa., USA, 24/X-4/XI 1966 (ST/TAO/SER. C/97), New York, 1967.
  • 20 Scitovsky, T. Two concepts of external economics. Journal of Political Economy, v. 62, p. 143-51, Apr. 1954.
  • 1
    L. Wingo The Metropolitan City in National Development, Israel, Rehovoth Conference, 1971. Analisando tentativas de descentralização, Wingo aponta muitas atividades do setor moderno que se caracterizam pela especialização, serviços
    è requisitos do mercado que não poderiam ser atendidos em países em desenvolvimento, a não ser que se juntassem recursos em um ou dois pontos do território nacional, onde os fatores de produção usufruem de maiores benefícios, ou seja, a região metropolitana, onde se encontram as instituições de mercado altamente especializadas e diferenciadas, para as quais a concentração econômica é uma condição necessária e onde existe uma vasta gama de oportunidades para inter-relações industriais e tecnológicas entre as diferentes atividades produtoras.
  • 2
    Os poucos estudos realizados até agora não permitem estabelecer com maior precisão esta dimensão critica da cidade, como, também, não é fácil determinar o tamanho ótimo de uma metrópole, que maximize as economias externas. Estimativas indicam uma certa gama de grandezas a partir de 500 mil habitantes, de acordo com as características especificas de cada centro urbano e seu meio-ambiente socioeconómico, geográfico e cultural.
  • 3
    Veja Cambridge, Mass. MIT Press, 1969. Forrestex, J. W.
    Urban Dinamics.
  • 4
    Baumol, William J. Macroeconomics of unbalanced growth: the anatomy of urban crisis,
    AER - American Economic Review, p. 415 - 26, 1967.
  • 5
    Baumol. op. cit.
  • 6
    Apenas passageiros de coletivos.
  • 7
    Inventory of Air Pollutant Emissions in the San Francisco Bay Area, 1971. Bay Area Pollution Control District San Francisco.
  • 8
    Nogueira, Diogo Pupo. Efeitos da poluição do ar sobre a saúde.
    Seminário sobre a Poluição do Ar. São Paulo, FHSP/USP, OPS, OMS, p. 2,3-8,9, 1966.
  • 9
    Veja
    Figueiredo. O. Rotação da mão-de-obra.
    Revista de Administração de Empresas, São Paulo, n. 12, p. 29-44, set. 1964.
  • 10
    Ministério do Trabalho e Previdência Social - DNMO - Mercado de Trabalho - março, 1970.
  • 11
    Veja Tolosa Hamilton C. Macroeconomia da urbanização brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 3, n. 3, out. 1973 p. 633/9.
  • 12
    Veja Baumol, W. J. op. cit..
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1975
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