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Considerações sobre a evolução recente da distribuição de renda no Brasil: um comentário

COMENTÁRIOS

Considerações sobre a evolução recente da distribuição de renda no Brasil: um comentário* * O autor agradece as críticas de Carlos Osório e as sugestões do Conselho Redatorial da RAE.

Yony Sampaio

Professor do Departamento de Economia e do Curso de Mestrado em Economia da Universidade Federal de Pernambuco

1. INTRODUÇÃO

Em artigo sobre o processo de concentração de renda no Brasil (3), Hoffman pretende identificar as causas do processo de concentração de renda observado na década de 60. O nosso propósito, neste comentário ao artigo de Hoffman, consiste em criticar o uso de análise de regressão, neste caso, como modelo explicativo e, portanto, colocar em dúvida o valor e significância dos estimadores obtidos.

Hoffman desejava testar especificamente a relação entre grau de concentração da renda e salário mínimo (que deveria ser inversa) e entre grau de concentração e crescimento econômico, que deveria ser positiva, hipótese esta levantada por Langoni (3, p. 14; 5). Como modelo explicativo, Hoffman utilizou análise de regressão múltipla, onde a concentração de renda (tomada como concentração dos salários na indústria) era explicada pelo tempo (em meses), pelo salário mínimo real no mês de observação e pela taxa de crescimento do PIB, sendo incluída uma variável binária (dummy) para distinguir a fonte dos dados (SEPT e IBGE).

Verificou-se, de fato, que o parâmetro relacionando grau de concentração e salário mínimo era "negativo e estatisticamente diferente de zero ao nível de significância de 5%" (3, p. 14) e que os valores das estimativas dos coeficientes de regressão das medidas de crescimento econômico eram, em geral, negativos: "Em nenhuma vez obtivemos, para essas variáveis, um coeficiente positivo e estatisticamente diferente de zero" (3, p. 15). Como conclusão, Hoffman afirma que "... não se constata... a existência de uma relação positiva entre taxa de crescimento econômico (PIB) e grau de concentração de renda (dos salários na indústria, no caso), no período analisado" e "como as estimativas dos coeficientes em questão são geralmente negativas, há, inclusive, conflito com a mencionada tese de Langoni" (3, p. 15).

Tentaremos mostrar que a existência de multicolinearidade, indicativa de inter-relações entre as variáveis independentes, afeta os coeficientes de regressão, base para a refutação da tese de Langoni por parte de Hoffman. Porém, esta crítica apenas põe em dúvida o uso do modelo de regressão múltipla, não servindo isto como evidência às duas teses em conflito.

2. A ANÁLISE DE REGRESSÃO E MULTICOLINEARIDADE

Na análise de regressão efetuada, foram utilizados dados de concentração de renda de duas fontes alternativas, SEPT e IBGE. Na tabela 1 apresentamos os dados utilizados por Hoffman.

A simples observação dos dados da tabela 1 mostra existir relação inversa entre concentração e salário mínimo e relação direta entre concentração e crescimento, fato este já inadvertidamente reconhecido por Hoffman quando afirmou que "os resultados apresentados ... mostram que, ao menos em relação à renda recebida como salário no setor urbano, para a qual calculou-se a concentração, houve aumento de grau de concentração de renda depois de 1968" (p. 14). Ora, se o crescimento econômico acelerou após 1968, claramente poderia se apreender da última frase um reconhecimento de relação positiva entre concentração e crescimento econômico. Na verdade, esta afirmativa de Hoffman parece não apenas confirmar Langoni, mas contradiz Fishlow quando este atribui a maior concentração observada em 1970 às políticas de combate à inflação, principalmente no período 1964-1967 (1, 1972 e 1973). No entanto, o que todos parecem estar atrás é de relações de causalidade, e a correlação simples entre duas variáveis não implica relação causal.

Antes de falarmos de correlação e causalidade, cabe uma observação sobre os dados. As colunas 2, 3 e 4 apresentam dados mensais, enquanto a coluna 5 contém dados anuais. A possível conseqüência da combinação dos dados do IBGE com os do SEPT é diminuir a relação entre concentração e crescimento econômico desde que a dois valores correspondentes a meses diversos associaremos um mesmo índice de crescimento econômico. Além do mais, se as duas séries forem diferentes, o que parece ser indicado pela alta significância de variável binária (na verdade a variável estatisticamente mais significante da análise), pelo menos no que se refere à interseção, o custo do aumento dos graus de liberdade é a introdução de tendenciosidade na relação concentração-crescimento econômico. Isto significa que o aumento da amostra possibilitado com a combinação das duas séries, como visto bastante distintas, é diminuir o poder explicativo sobre a concentração da variável crescimento econômico.

Voltando às correlações, apresentamos na tabela 2 as correlações simples calculadas para o total de dados e apenas para os dados do SEPT.

Com base nas correlações calculadas, podemos constatar a existência de relação negativa entre grau de concentração e salário mínimo e também relação positiva altamente significante entre grau de concentração e o índice de crescimento econômico, embora esta correlação sofra a maior queda quando considerados conjuntamente os dados do IBGE e do SEPT, como aventado. A este ponto advertimos, mais uma vez, que correlação não implica causalidade.

Também com base na tabela 2 e observando os resultados das regressões efetuadas por Hoffman e por nós, verifica-se a existência de alta multicolinearidade. Os efeitos da multicolinearidade sobre os coeficientes e o valor de t calculado são por demais conhecidos e sabemos também da sua não influência sobre o R2 (4). Acreditamos, pois, que a existência de multicolinearidade põe em dúvida as conclusões de Hoffman, com base no modelo de regressão. O que, por um lado, não serve de evidência à tese de Langoni nem, por outro, torna inválidas as hipóteses defendidas pelo autor. Sugere-se, como geralmente ocorre, o uso de modelos causais que permitam a representação de interações entre as variáveis, como possível instrumento de analise para o teste das variáveis explicativas do processo concentrador de renda observado no Brasil.

  • 1. Fishlow, Albert. Brazilian income size distribution - another look 1972, mimeogr.
  • 2. ______. Algumas reflexões sobre a política econômica brasileira após 1964. Estudos Cebrap, n. 7, p. 7-65, jan./mar. 1974.
  • 3. Hoffman, Rodolfo. Considerações sobre a evolução recente da distribuição da renda no Brasil. Revista de Administração de Empresas, v. 13, n.4, p. 7-17, dez. 1973.
  • 4. Johnson, J. Econometric methods 2. ed. New York, McGraw-Hill, 1972.
  • 5. Langoni, Carlos Geraldo. Distribuição da renda e desenvolvimento econômico do Brasil Rio de Janeiro, Editora Expressão e Cultura, 1973.
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    O autor agradece as críticas de Carlos Osório e as sugestões do Conselho Redatorial da RAE.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1976
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