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O esgotamento dos recursos naturais: catástrofe interdependência?

ARTIGOS

O esgotamento dos recursos naturais: catástrofe interdependência?* * Conferência proferida no IX Congresso Pan-americano de Administração - PACCIOS - realizado no Rio de Janeiro, de 11 a 14 de outubro de 1976.

Henrique Rattner

Professor do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas

1. INTRODUÇÃO

O tema da escassez e do próximo esgotamento de recursos naturais é freqüente e insistentemente relacionado com a crise que atravessa o sistema econômico mundial, servindo de argumento de peso para as previsões pessimistas e catastróficas sobre o destino da humanidade.

A associação que se estabelece entre o crescimento a taxa geométrica das populações nos países em desenvolvimento - por um lado - e a demanda crescente por recursos naturais, especialmente energéticos, por outro, leva facilmente a predições de colapso de toda a "civilização industrial", se não forem tomadas de imediato medidas de contenção e mesmo de redução do crescimento econômico e de controle da natalidade nos países pobres. Este trabalho procura analisar criticamente alguns dos conceitos e raciocínios apresentados pela fauna crescente de profetas da "catástrofe" (doomsday), examinando e discutindo sua coerência lógica; sua aceitabilidade ao nível fenomenológico, para em seguida, apontar e expor as funções ideológicas que esses modelos e seus autores desempenham, na situação conflitiva da ordem mundial presente.

Em retrospectiva histórica, a década dos setenta seria certamente caracterizada como a das crises violentas e sucessivas que atingiram praticamente todos os países; crise monetária (cambial), iniciada com a desvalorização do dólar em 1971; crise de energia, em conseqüência do aumento brutal dos preços do petróleo pelos países-membros da Opep; escassez real ou manipulada de alimentos e de certas matérias-primas, sem falar das tensões e conflitos sociopolíticos que se alastram sobre todos os continentes: tudo isto concorreu para configurar uma situação de graves apreensões e de questionamento quanto ao futuro da ordem mundial existente.

Nos países em desenvolvimento, maiores vítimas da crise e que viram suas esperanças e expectativas rolarem por água abaixo, a preocupação e a discussão dos problemas são mais intensas. Por uma questão de sobrevivência, torna-se mister examinar várias das alternativas possíveis - mudanças internas e/ou externas, composição ao nível nacional e/ou internacional, isolacionismo ou integração porque a situação atual é percebida como obstáculo dos mais sérios ao pleno desenvolvimento das sociedades nacionais emergentes e, portanto, da maioria da humanidade.

2. ALGUNS ASPECTOS METODOLÓGICOS

A grande maioria dos estudos e modelos futurológicos pretende ser científica e "objetiva'', e suas conclusões são apresentadas de forma normativa, como única solução capaz de evitar a catástrofe e o colapso final.

Partindo de algumas premissas - em parte falaciosas, e em parte não verificadas empiricamente - formulam o problema fundamental enfrentado pela humanidade como sendo o da limitação dos recursos físico-materiais. Segundo esta versão, o crescimento exponencial da população e do consumo levaria a um esgotamento dos recursos de nosso planeta num futuro muito próximo. E mesmo que fosse possível encontrar novas reservas de recursos naturais, a contaminação e poluição do meio-ambiente, a um nível de consumo afluente generalizado, levaria também (e inevitavelmente) ao colapso da civilização, com retorno forçado a um estilo de vida pré-industrial.

Embora contrário a qualquer proposta de caráter normativo, este trabalho procura apontar alguns elementos que permitem uma visão mais realista dos problemas enfrentados atualmente pelas sociedades humanas, abrindo assim o caminho para "soluções" baseadas na capacidade de mudança e na criatividade dos homens, tantas vezes demonstrada em situações de crise na história remota e recente.

Ao tentarmos identificar alguns elementos suscetíveis de mudança, convém esclarecer que não o fazemos sob o pretexto de "neutralidade científica": qualquer tentativa de analisar, discutir e projetar o futuro da humanidade, implica necessariamente a adoção de uma posição "ideológica"; a identificação implícita ou explícita de seu autor com certas imagens ou representações da sociedade "ideal". Ao explicitá-las, acreditamos facilitar a discussão e o diálogo a respeito do caminho a ser seguido, função essa essencial de todo e qualquer trabalho acadêmico.

2.1 Esta análise é frontalmente oposta a qualquer determinismo econômico, tecnológico, ecológico, etc, por considerar a história da humanidade um processo aberto, cujas manifestações concretas dependem da visão, da vontade e das ações conscientes dos homens, quando organizados e motivados coletivamente.

2.2 Os maiores obstáculos à emergência de uma nova ordem mundial não são de natureza demográfica, material ou técnica, mas sim de caráter sociopolítico, determinando a estrutura e distribuição de poder, em escalas nacional e internacional.

2.3 Por mais variados em seus efeitos que fossem os impactos da crise sobre os países em desenvolvimento, entendemos que sua natureza é universal, porque, pela primeira vez na história da humanidade, as forças produtivas e seu nível tecnológico tendem a uma integração em escala mundial, numa concretização do que Wendel Wilkie chamava "um mundo só".

2.4 Se a legitimação para as aspirações e ensaios de mudança está fundamentada na criação de uma ordem mundial harmoniosa e justa, baseada na igualdade de todos os homens e capaz de prover justiça e bem-estar, então os destinos dos países agrupados nos assim chamados primeiro, segundo e terceiro mundos, estão indissoluvelmente ligados e interdependentes, e a deterioração das condições de vida em uma parte do globo, terá efeitos castastróficos sobre as outras, inclusive os países "afluentes".

2.5 Finalmente, uma nova ordem global somente poderá ser implantada com a emergência de uma nova organização em escala mundial, a qual, respeitando a liberdade, soberania e as características culturais das nações, for capaz de promover sua integração econômica e política, como concretização de uma consciência solidária da humanidade.

3. A HIPÓTESE DA ESCASSEZ CRESCENTE E INEVITÁVEL DOS RECURSOS NATURAIS

Em todos os modelos futurológicos que terminam em catátrofes, a variável do esgotamento de recursos naturais não-renováveis desempenha um papel fundamental e central. Entretanto, se os recursos da terra são finitos isto não significa que são esgotáveis; e, sobretudo, o nível das reservas depende das condições econômico-tecnológicas disponíveis para sua exploração.

Convém, portanto, fazer uma rápida reflexão sobre a conhecida concepção de que sendo a terra finita, os recursos que ela contém também o são. Isto é aparentemente certo, porém a falácia que se introduz neste raciocínio, que é usado como um argumento irrefutável da catástrofe final, é equiparar finito com esgotável, apesar de se tratar de conceitos totalmente distintos.

O vasto volume de recursos minerais da terra, com muito poucas exceções, uma vez usado, continua sendo parte dos recursos do planeta, embora e apesar de que houvesse sido extraído do solo. Esses recursos naturais podem ser distribuídos na superfície da terra e nos mares, podem ser incorporados temporariamente a bens de capital ou de consumo, podem ser combinados quimicamente, porém são indestrutíveis.

Finalmente, a tecnologia, que tem mostrado sua capacidade de extrair recursos dos corpos geológicos mais variados, pode também recuperar materiais que já tenham sido usados uma ou 100 vezes pelos homens.

Assim, a definição do que deve ser considerado reserva mineral em termos econômicos, não pode ser baseada somente em cálculos econômicos e técnicos "momentâneos"; os termos da previsão dos mesmos devem ser formulados a prazo mais longo. Atualmente, estimativas das mesmas reservas, feitas por pessoas diferentes usando técnicas diferentes, fornecem resultados freqüentemente contraditórios.

A título de exemplificação, apresentamos alguns tipos de classificação das reservas em recursos naturais, usados atualmente.

A) Classificação por reservas positivas, prováveis e possíveis

positivas: são delimitadas em três dimensões por perfuração e expressam um bom conhecimento das condições de exploração;

prováveis: nem sempre oferecem a mesma precisão como as reservas positivas. As perfurações são dispersas e existe incerteza quanto à continuidade e extensão das jazidas;

possíveis: quando as relações com a formação e a composição dos terrenos adjacentes e as estruturas geológicas permitem supor a presença de recursos naturais, porém, faltam dados de exploração que levem à quantificação das jazidas, em termos de seu volume.

Outra classificação procura avaliar os recursos totais, calculando a duração provável das reservas conhecidas e estimadas, com base numa tecnologia de exploração dinâmica e em constante progresso.

B) Estimativas das reservas de alguns recursos minerais

recursos atuais (RA): são os recursos que podem ser explorados nas condições tecnológicas e econômicas atuais;

recursos explorados (RE): são a quantidade de cada mineral extraída desde que se iniciou sua exploração até 1968 inclusive. As cifras que são apresentadas são indubitavelmente menores que as reais, devido à falta de informação estatística sobre o passado;

recursos totais atuais (RTA)1 1 Para avaliar as reservas, os recursos explorados sâo somados aos atuais a partir da premissa referente as possibilidades de reciclagem e reaproveitamento dos mesmos. : são o resultado da soma dos recursos atuais e os recursos explorados (RA + RE);

recursos totais estimados (RTE): são os recursos minerais totais explorados nas condições econômicas e tecnológicas atuais existentes na extração emergente até uma profundidade de 3.000m.

ferro 2 2 Os dados sobre as reservas de metais têm sido compilados de diversas fontes, tais como Mineral yearbook, Metal Statistics e Engeneering and Mining Journal, veja Herrera, A. O. op. cit. 50.

RA = 79.000 milhões t.

RE = 11.000 milhões t.

RTA = 90.000 milhões t.

RTE = 90.000 milhões x 2 x 10= 1.800.000.000.000 t.

Consumo (1968) = 573.000.000 t.

Duração das reservas do consumo atual = 3.140 anos.

cobre:

RA = 298.000.000 t.

RE = 154.000.000 t.

RTA = 452.000.000 t.

RTE = 9.040.000.000 t.

Consumo (1968) = 5.700.000 t.

Duração do consumo atual = 1.580 anos.

chumbo:

RA = 108.000.000 t.

RE = 110.000.000 t.

RTA = 219.000.000 t.

RTE = 4.360.000.000 t.

Consumo (1968) = 3.600.000 t.

Duração do consumo atual = 1.210 anos.

zinco:

RA = 152.500.000 t.

RE = 127.500.000 t.

RTE = 5.600.000.000 t.

RTA = 280.000.000 t.

Consumo (1968) = 4.800.000 t.

Duração do consumo atual = 1.166 anos.

Uma outra classificação3 3 Lasky, S. G. How tonnage and grade relations help predict ore reserves. Engeneering and Mining Journal Apr. 1950. do "potencial mineral" junta os recursos minerais explorados às reservas demonstradas e também às inferidas.

Em conclusão: parece recomendável a quantificação das reservas de recursos minerais, com relação às condições econômico-tecnológicas do momento em que se efetua a avaliação. Pois, sendo o significado do conceito "reservas" altamente dinâmico (quantidade e qualidade mudam com a evolução econômica e tecnológica), a riqueza em recursos naturais de uma área não pode ser expressa em termos absolutos e finitos, e sim, apenas com relação a uma determinada e específica situação técnico-econômica.

É lícito indagar, portanto, se a prevista e proclamada "escassez fatal" tem fundamento empírico, uma vez esclarecido o raciocínio falacioso que estabelece um sinónimo entre "finito" e "esgotável" quanto à evolução das reservas. Os dados apresentados a seguir sobre alguns minerais dos quais são extraídos metais não-ferrosos, são altamente expressivos.

Até poucas décadas atrás, o cobre produzido com minério de teor de 6% (Zaire - ex-Congo Belga) e de aproximadamente 2% (Chile) contava com reservas conhecidas e estimadas em 200.000.000 t. Com o aperfeiçoamento da tecnologia de refinação, usa-se hoje minério com teor 0,4-0,5% e, em conseqüência, as reservas conhecidas se elevaram para mais de 1.000 milhões de toneladas.

Nos casos de chumbo, zinco e estanho, verifica-se fenômeno semelhante: na década dos vinte, o teor mínimo dos respectivos minérios era de 2,1%, 2,75% e 1,2%. Na década dos setenta, produz-se chumbo, zinco e estanho com minérios contendo o metal em proporção de 0,6%, 0,6% e 0,015%, respectivamente.

Contrariamente ao que seria de supor, estudos sobre os custos de produção4 4 Barnett, H. J. & Morse, C. Scarcity and growth. Baltimore, Resources for the Future. The Johns Hopkins Press, 1963. demonstraram que estes, em termos de insumos físicos (capital e trabalho) diminuíram substancialmente, de 1870 a 1960. Segundo Barnett e Morse, o conjunto dos insumos caiu nesses 90 anos para mais ou menos 20% do inicial, sendo a queda do custo da força de trabalho mais acentuada: 3,2% ao ano, para uma taxa de 1,2% ao ano de queda no custo do capital. As implicações para os termos de troca, o balanço de pagamentos, e a remuneração da mão-de-obra são óbvias, embora não nos seja possível aprofundar a análise neste contexto.

Contudo, o espectro do esgotamento dos recursos naturais é usado sistematicamente para advogar e legitimar soluções "científicas" para os problemas do desenvolvimento.

Em The limits to growth, D. Meadows5 5 D. Meadows etalii. The limits to growth. New York, Universe Books, 1971. e sua equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT) exigem uma redução de 75% do consumo atual de certas matériasprimas, e o controle do crescimento demográfico ao nível zero, para evitar o colapso.

As premissas básicas do modelo desenvolvido pela equipe do MIT incorporam idéias de Malthus (escassez de recursos naturais, especialmente da terra, para produção de alimentos) e de Ricardo (lei dos rendimentos decrescentes). Contudo, conforme já argumentamos, cada avanço tecnológico modifica os critérios de utilização de recursos naturais, de um ponto de vista de sua rentabilidade econômica. Outro exemplo típico a respeito é a produção de nitrogênio, que há algumas décadas atrás só era possível com base nos depósitos de nitrato natural, enquanto hoje se realiza, por processos industriais tendo como matéria-prima o ar.

Alem do mais, é preciso mencionar as reservas em recursos naturais e minerais existentes nos fundos dos mares e que apenas começam a ser levantadas sistematicamente. Estimativas preliminares situam as reservas em manganês (obtido a partir de algas marinhas), proteínas (a serem produzidas também a partir de algas), em níquel, cobalto e outros minerais em níveis suficientemente altos para justificar as pesquisas exploratórias.

Finalmente, existe a possibilidade de criarem-se processos de reciclagem de, praticamente, todas as matérias-primas minerais, e cuja aplicação em escalas comerciais pode ser implantada por questões estratégicas ou de preservação do meio-ambiente.

Entretanto, mesmo que o esgotamento das reservas de minerais e de outros recursos naturais não seja um problema de prazo imediato, isto não significa que podemos ou devemos ignorar o problema. É importante ressaltar que a preservação dos recursos naturais e seu uso mais racional dependem do tipo de sociedade a que aspiramos e que pretendemos criar: uma sociedade que seja compatível com seu meio-ambiente e que tenha condições de produzir os bens e serviços básicos que são realmente necessários para a existência e a sobrevivência dos seres humanos, sem recorrer ao desperdício e à política de obsoletismo compulsivo, características da sociedade de consumo contemporânea.

Mas, a possibilidade de uma sociedade mundial "racional" em que todos poderiam alcançar um padrão de vida aceitável e adequado, é implícita e ás vezes explicitamente negada com o argumento das limitações físicas futurológicas.6 6 Veja J. W. Forrester, D. Meadows et alii.

4. CATÁSTROFE OU INTERDEPENDÊNCIA?

Contrariamente aos modelos e previsões futurológicos, que acenam com o perigo iminente do colapso da ordem mundial atual, seja pelo esgotamento dos recursos naturais, ou pelo crescimento populacional a taxas exponenciais nos países pobres, argumentaremos, nesta parte do trabalho, que os maiores obstáculos a uma ordem mundial mais equilibrada e justa não são de natureza econômica ou técnica: são as estruturas sociais e políticas que estão na origem do sistema de distribuição desigual de riquezas e de poder, em níveis nacional e internacional.

Há exatamente 200 anos, Adam Smith, em seu Inquiry into the origins of the wealth of nations esboçou uma visão extremamente otimista da evolução da economia e da própria humanidade.

Homem típico do racionalismo do século XVIII, A. Smith explica o funcionamento da sociedade de uma forma ordenada e harmoniosa, em que as leis do mercado ("a mão invisível") encarregar-se-iam de ajustar e conciliar os interesses e ambições individuais, resultando no bem-estar coletivo. Ao observar as vantagens da divisão de trabalho, da especialização e o conseqüente aumento da produtividade, Smith previu o incremento contínuo das riquezas, sob forma de máquinas e equipamentos, que ampliam e multiplicam a capacidade produtiva dos homens, num ciclo de acumulação infinito. A única ameaça a essa evolução "natural" seria a queda da taxa de lucros, causada por aumentos excessivos dos salários. Todavia, as "leis" do mercado assegurariam também aqui o equilíbrio, pois na ordem natural, sem caos e arbitrariedades, a população trabalhadora é produzida como qualquer outro bem ou serviço: altos salários, devido a uma demanda excessiva, estimulariam a procriação e o aumento da força de trabalho até o ponto em que o excedente pressionasse a remuneração para baixo, reduzindo os meios para a sua reprodução e sobrevivência.

Sem querer negar a acumulação contínua e a multiplicação das riquezas, nos 200 anos desde a publicação de A riqueza das nações, a análise histórica e da realidade atual nos mostra um processo de crescimento desequilibrado, caracterizado por polarizações e, portanto, tensões e conflitos sociais e políticos, também em escala e intensidade crescentes.

Em meados da década dos sessenta - a "primeira década de desenvolvimento das Nações Unidas" - verificou-se que 25% da população mundial, concentrados nos países "ricos" ou desenvolvidos (incluindo nestes também a União Soviética) controlavam 75% do estoque de capita existente no mundo, enquanto os 75% restantes, habitantes dos países "subdesenvolvidos" ou em vias de desenvolvimento, possuíam em conjunto apenas 25% de todos os bens de produção existentes. Extrapolando esses dados para 1980 com base nas taxas de crescimento demográfico diferenciais, a proporção torna-se mais desfavorável ainda (80%: 20% e vice-versa) ao correr dos anos. Tendo em vista que metade da população nos países "pobres" está com menos de 20 anos de idade - e constitui, portanto, uma imensa demanda insatisfeita por emprego, habitação, educação ou, simplesmente, alimentação adequada - , compreende-se o inesgotável potencial "revolucionário" e explosivo do mundo contemporâneo.

Num trabalho escrito há 10 anos atrás,7 7 Rattner, H. A luta pela hegemonia mundial. Revista Comentário, Rio, 4. trim. 1968. chamamos a atenção para os resultados de uma pesquisa realizada na época por uma equipe interdisciplinar, e publicada na revista La Vie Françoise. Segundo seus autores, no período de 1958 até 1966, teriam ocorrido no mundo nada menos de 164 manifestações de violência, que ameaçaram a existência de governos legalmente constituídos, e eclodiram 15 conflitos armados entre países, sem uma única declaração de guerra. 0 número desses conflitos e, provavelmente, também sua intensidade, tendem a aumentar: enquanto em princípios de 1958 existiam 25 países em estado de comoção interna, em 1966 esse número se elevava a 40. A freqüência e a violência desses conflitos parecem aumentar numa relação proporcional inversa à situação econômica dos países envolvidos: dos 38 países mais pobres, cuja renda per capita não ultrapassa os US$ 100,00, 32 sofreram comoções internas nos oito anos (1958-1966), com uma média de duas explosões de violência por país.

Embora os países "ricos" estivessem fora do perigo - nenhuma mudança violenta do regime foi tentada - a ameaça à sua estabilidade e segurança está representada e configurada pelas condições de miséria e de subdesenvolvimento das regiões pobres do globo e, dado à expansão e ao aperfeiçoamento constante dos arsenais e equipamentos bélicos, o espectro do "acidente" fatal se torna cada vez mais realista.

Robert Heilbronner, num ensaio recente,8 8 Heilbronner, Robert L. An inquiry into the human prospect New York, W. W. Norton & Comp. 1974, p. 43. admite, a título de hipótese, o uso da chantagem atômica por alguns dos governos mais radicais nos países "pobres" ou em desenvolvimento, para obterem a ajuda maciça de que necessitam ou de que se acham com o direito de obter dos "ricos".

Analisando o "grande despertar" das massas, alimentado pelos meios de comunicação modernos, e as frustrações que experimentam com o lento ritmo de crescimento ou, mesmo a deterioração de suas condições de vida, Heilbronner, numa visão profundamente pessimista do futuro da humanidade, caracteriza a década dos setenta como a da "perda das esperanças"; os anos de oitenta - como os de "desespero"; 1990 em diante traria a catástrofe, podendo levar, no início do próximo século, ao aniquilamento completo da espécie...

Incontestavelmente, vivemos numa época que poderia ser caracterizada como neomercantilista, e os estudiosos da história dos séculos XVI ao XVIII encontrarão analogias marcantes nas duas épocas: em ambas ocorreu rápida expansão do sistema econômico, acompanhada por um processo inflacionário persistente, que resultou em deterioração das condições de vida da população trabalhadora. Naqueles dias, como na época atual, praticava-se o export-drive - uma política forçada de exportações, enquanto todos procuravam limitar e controlar as importações, o que levou - a guerra sendo a continuação da política exterior, apenas com outros meios - a freqüentes conflitos armados entre as nações emergentes.

A ameaça de guerras "locais" e sua extensão em escala global é uma conseqüência da emergência e dos problemas que enfrentam os Estados nacionais, na medida em que se tornaram a principal forma de organização sociopolítica do mundo contemporâneo. Como num ciclo vicioso, a precariedade das condições de vida das populações leva a reivindicações nacionalistas. O fortalecimento e a expansão dos Estados nacionais, contudo, traz em seu bojo a ameaça de conflitos e guerras entre as nações emergentes, como o demonstram os conflitos periódicos no Extremo e Médio Oriente, na África e, também, na América Latina.

Mas, enquanto as lutas dos séculos XVII e XVIII terminaram com a hegemonia e a "Pax Britânica", que assegurava uma relativa estabilidade ao sistema mundial, o envolvimento e a diversidade de interesses de tantos Estados nacionais torna difícil, senão impossível, o controle da situação mesmo pelas superpotências.

Por outro lado, é exatamente essa multiplicidade de interesses nacionais - impossíveis de serem realizados concomitantemente - que torna imperativa uma planificação e integração da economia em escala mundial, objetivando uma redistribuição mais equitativa dos recursos naturais e produtivos.

Esta não é apenas uma questão de caridade e de sentimento moral mas, como dizia François Perroux:9 9 F. Perroux. Esquisse d'une théorie de l'économie dominante in économie appliquée. Paris, 1948.

"Progresso e crescimento da economia mundial têm sido alcançados até agora, por meio de desigualdades. O progresso futuro não dependerá de maior igualdade, mas da eliminação de todas as desigualdades improdutivas".

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A urgência de encontrar soluções para os problemas das populações em países pobres é dramaticamente perceptível, tanto pela fome que atinge a dezenas de milhões de seres humanos, quanto pela relativa inocuidade dos meios propostos, tais como o controle da natalidade. O alívio sobre a pressão demográfica é mínimo, mesmo em países que aplicaram recursos de vulto nesses programas, porque as estruturas etárias das populações subdesenvolvidas tendem a modificar-se a médio-longo prazo somente. Durante mais de três décadas, os arautos do "desenvolvimento" acenaram com a possibilidade de se elevarem as condições de vida das populações do Terceiro Mundo ao nível dos habitantes dos Estados Unidos e dos países da Europa Ocidental.

Era, sem dúvida, um falso problema que, assim formulado, levou a "soluções" improdutivas e, muitas vezes, detrimentais para as massas desprivilegiadas.

Mais correto e condizente com a realidade seria admitir que o nível de consumo alcançado pela sociedade ocidental (the american way of life) não é generalizável ao conjunto da humanidade. Seu custo social e econômico em termos de recursos, inclusive os não-renováveis é de tal ordem que sua extensão em escala mundial levaria inevitavelmente ao colapso da civilização industrial.

Então, se coloca o seguinte dilema: como alterar as tendências atuais que levam ao agravamento das desigualdades entre países ricos e pobres e dentre estes últimos, a uma distância cada vez maior entre as condições de vida das minorias privilegiadas que ostentam padrões de consumo dos países ricos e os das massas deserdadas da população?

Mais uma vez, é mister insistir no destino comum e interdependente da humanidade. Em épocas passadas, civilizações se expandiram e floresceram, outras se desintegraram ou desapareceram, sem que o destino de uma afetasse necessariamente as outras. Na época atual, o desenvolvimento dos meios de comunicação, o aperfeiçoamento dos engenhos mortíferos e, last but not least, a integração de todos os países e rincões mais distantes numa economia mundial, têm criado condições irreversíveis para a emergência de uma organização econômica e política, em escala mundial, capaz de orientar e coordenar a evolução futura da humanidade.

Os modelos e as previsões futurológicos, divulgados nestes últimos anos (Forrester, Meadows, Mesarovic-Pestel, H. Kahn etc.)10 10 Forrester, J. W. World dynamics. Cambridge, Wright Allen Press, 1971; Meadows, D. et alii. The limits to growth. New York, Universe Books, 1972; Mesarovic, M. & Pestel, E. Momento de decisão: o segundo informe ao Clube de Roma. S. Paulo-Rio, Livraria Agir Editora, 1975; Kahn, H. & Wiener, A. J. The year 2000: A framework for speculation on the next 33 years. New York, Macmillan, 1968. acenam com o colapso fatal, se continuar a tendência atual de crescimento econômico exponencial. Entretanto, as previsões negras dos magos do apocalipse já são realidade para a maior parte da população do globo: fome, mortalidade infantil elevada, falta de habitação, de oportunidades educacionais e de empregos, são características comuns do destino da maioria dos habitantes nos países "pobres".

Imaginemos por um instante: um navio que está naufragando e os passageiros correndo para os botes salva-vidas; como seria aceito um aviso do capitão do navio de que somente aqueles com renda per capita mais alta seriam salvos em primeiro lugar e os com renda per capita menor que US$ 200,00 nem se cogitaria para serem salvos? Parece um princípio ético inadmissível e, contudo, é isto exatamente que está acontecendo diariamente em escala mundial: taxas de mortalidade, freqüência elevada de endemias e epidemias estão estreitamente associadas a baixos níveis de renda, a subnutrição e a falta de habitação, dentre e entre os países.

A bem da verdade, parece que a "nave espacial terra" cone sem rumo e sem capitão! Significa isto, então, que seriam em vão os nossos esforços de pensarmos o futuro, e de tentarmos criar uma sociedade mais justa e equilibrada?

Mesmo que a organização atual das Nações Unidas sirva apenas de tribuna para discursos e de palco para a concretização de interesses hegemônicos das grandes potências, com muito poucas ações práticas a favor dos países pobres, parece evidente que a conscientização dos problemas cruciais da humanidade deve preceder à formulação dos instrumentos e à criação de organizações para sua solução, à semelhança do que ocorreu em épocas passadas, com a emergência das reivindicações e aspirações das nacionalidades em conflito, antes que criassem seus respectivos Estados nacionais.

Como conclusão, os problemas da escassez real ou imaginária de recursos naturais, do crescimento e/ou controle demográfico e do "desenvolvimento", devem ser analisados e equacionados em seu contexto global, ou seja, eles ultrapassam o âmbito estreito das respectivas sociedades nacionais.

Entre os administradores, economistas e planejadores, nos setores privado e estatal da economia penetra cada vez mais a convicção de que a desigualdade constitui uma fonte fundamental do conflito e que devem ser encontrados caminhos e meios para reduzi-la e, finalmente, eliminá-la. Se a redução das desigualdades, entre e dentre cada país, for o problema fundamental - e não o crescimento econômico em si - então é importante firmar os seguintes pontos de vista como possíveis diretrizes:

a) Os países "pobres" não podem resolver seus problemas repetindo a experiência e trilhando o mesmo caminho dos atuais países desenvolvidos. Mesmo que isto fosse viável nas condições sociopolíticas atuais, não seria desejável repetir os mesmos erros de consumo de desperdício e de deterioração irracional do meio-ambiente - produtos de um sistema de valores altamente negativo para o grau de evolução alcançado pela humanidade.

b) Qualquer diretriz que vise proteger o meio-ambiente, incluindo a redução do consumo de recursos materiais, somente será viável se for formulada em escala mundial e somente quando cada ser humano tiver alcançado um padrão de vida decente. De nada adiantaria exigir das massas desprivilegiadas dos países "pobres" que mal sobrevivem o dia-a-dia, preocupar-se com o futuro distante e, sobretudo, do destino das sociedades "afluentes".

c) Os setores privilegiados da humanidade nos países "pobres" e a maioria dos países "ricos" devem reduzir sua taxa de crescimento econômico, aliviando as pressões sobre os recursos materiais e o meio-ambiente. Parte de seu excedente deve ser canalizada para os países menos desenvolvidos, a fim de que possam superar seu nível de estagnação, conseqüência de um processo secular de dominação colonial e de dependência econômico-tecnológica.

Em resumo, se não podemos mais aceitar a visão otimista dos iluministas e racionalistas dos séculos XVIII e XIX, também rejeitamos as previsões catastróficas dos profetas do apocalipse contemporâneos.

Mais uma vez consideramos a história um processo aberto cujo resultado é indeterminado ou, em outras palavras, depende de nós, de nossa ação consciente e coletiva, de ultrapassarmos o limiar de uma época de crise, para criarmos uma sociedade mundial pluralista, de homens livres, uma sociedade capaz de proprorcionar o pleno desabrochamento de cada um, enquanto exerce o controle em comum sobre seu potencial produtivo e as riquezas coletivas.

BIBLIOGRAFIA

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    Conferência proferida no IX Congresso Pan-americano de Administração - PACCIOS - realizado no Rio de Janeiro, de 11 a 14 de outubro de 1976.
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    Para avaliar as reservas, os recursos explorados sâo somados aos atuais a partir da premissa referente as possibilidades de reciclagem e reaproveitamento dos mesmos.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 1977
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