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Recursos audiovisuais no ensino

ARTIGOS

Recursos audiovisuais no ensino

Izidoro Blikstein

Coordenador do Centro Audiovisual e professor, do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Gostaríamos de iniciar nossa exposição com um recurso audiovisual que utilizamos em classe, o circuito interno de televisão, tentando, na medida do possível, reproduzir aqui um exemplo daquilo que se passa em sala de aula.

Ao discutir problemas de comunicação administrativa, de motivação no trabalho, das relações entre escalões superiores e inferiores numa organização, temos utilizado um caso de organização, extraído de um programa de nossa televisão comercial. O fragmento que exibiremos corresponde à seguinte passagem da história: trata-se de uma organização bancária; entre os diversos funcionários, o caso focaliza particularmente dois individuos - um jovem, Ivan, e outro bem mais idoso, Gomes. Por ser idoso, Gomes tem um "repertório" que não está adequado ao ambiente de trabalho, composto, na sua grande maioria, de jovens. Gomes é considerado ultrapassado. Já Ivan, o jovem, é um tipo mais adequado às expectativas da organização bancária. Há a perspectiva de uma promoção. Alguém será promovido a subgerente de um certo departamento do banco. Gomes e Ivan disputam esse cargo. No fragmento a que iremos assistir, veremos o velho e o jovem sonhando com essa promoção, decisiva para a concretização de seus planos familiares. Esse fragmento, é claro, serviu para uma série de discussões em classe. Após a apresentação, tentaremos, de modo resumido, desenvolver a teoria que suporta a utilização desse recurso em sala de aula.

Começaremos por referir algumas atitudes muito comuns e, até certo ponto, estereotipadas, seja, às vezes, de alunos, seja de professores, a respeito da utilização de recursos audiovisuais. Uma atitude muito comum dos alunos, ao introduzirmos numa sala de aula o projetor e o filme, é a de imediatamente se congratularem, dizendo: "Oba, mestre, hoje tem filminho!" Ou então, ao tentarmos sensibilizar algum colega para a utilização de recursos audiovisuais, ouvirmos a seguinte resposta: "Bom, minha aula não é boate, nem comício. Eu tenho um recado a dar, e o dou a partir de mim mesmo." Ou, então, num plano mais geral, a própria sociedade costuma produzir depoimentos deste tipo: "Ah, os jovens de hoje! Uma geração sem palavras. A culpa é da TV, das revistas em quadrinhos." Parece, realmente, haver um certo mal-entendido a respeito do papel dos vários meios audiovisuais, não só no ensino, mas na própria sociedade.

A discussão a respeito de recursos audiovisuais pode começar pela observação de que, a rigor, o primeiro recurso audiovisual em aula é o próprio professor, quando fala e gesticula. E o professor pode ser considerado o mais eficiente "meio audiovisual". O fato é que, quando pensamos no mal-entendido a respeito desses recursos audiovisuais, devemos abordar alguns tópicos que nos ajudarão a explicar melhor a questão.

Com o advento dos recursos audiovisuais, criados pela tecnologia, pela eletrônica, como a TV, o rádio, o circuito interno de TV e o filme, parece ter-se estabelecido um debate entre o sistema tradicional de ensino, baseado numa lógica linear discursiva, e as novidades introduzidas por esses recursos audiovisuais, que se resumiriam em uma palavra: iconicidade. A lógica linear discursiva decorre de nossa exposição lingüística. Nossos cursos são concebidos linguisticamente: são cursos falados, que obedecem a um desenvolvimento linear. Não há nada contra essa lógica. Estamos usando-a agora, para expor nosso ponto de vista. Mas o fato é que a iconicidade, isto é, o produto desses recursos audiovisuais, representa hoje também uma forma de aprendizagem. Uma forma não elimina a outra, mas acontece que, talvez por falta dé esclarecimentos a respeito do papel dos recursos audiovisuais, uma tem sido colocada em oposição à outra, quando, na verdade, elas se encontram numa espécie de distribuição complementar. Podemos utilizar a lógica linear discursiva para expor um assunto, mas podemos usar também meios audiovisuais.

A lógica linear discursiva supõe uma determinada atitude do aluno. Essa atitude é de captação linear daquilo que o professor expõe. O aluno só pode saber do significado geral da mensagem, na medida em que acompanhe linearmente a exposição: começo, meio e fim. A mensagem visual icônica, por sua vez, produz um efeito global imediato. Por exemplo, com o fragmento com o qual exemplificamos um dos recursos utilizados em classe, não podemos dizer que o resultado possa ser medido em termos lineares: a apreensão global do caso, a visão do funcionário acabrunhado, o sonho do funcionário jovem, o rosto humano crispado, o drama do indivíduo retratado em close-up, essas imagens que aparecem na TV, em primeiro plano, são imagens imperecíveis na memória dos alunos. Temos provas disso, porque muitas vezes alunos que nos encontram, dizem: "Ah, eu me lembro daquele filme que vi em seu curso há dez anos atrás." Talvez o aluno não se lembre de nada que dissemos, mas ele se lembra, certamente, das imagens do filme. Isto porque o produto audiovisual é icônico, global e imediato. Apesar de difícil de ser avaliado, o rendimento que terá produzido em aula é muito denso e indelével.

É claro que esses meios não podem ser utilizados sem o necessário envolvimento da lógica linear discursiva. Mas há certas passagens de aula que talvez possam ser, não substituídas, mas enriquecidas pelo emprego de recursos audiovisuais.

A respeito da lógica linear discursiva, lembremos que ela adquiriu um status de verdade nas exposições que fazemos. Isso significa que só é válido aquilo que é exposto pela linguagem Só tem prestígio na escola - falando em termos gerais - aquilo que é transmitido pela linguagem oral e escrita. Aquilo que é exposto visualmente, às vezes até mesmo a dramatização do professor - aquele momento em que o professor se afasta da matéria programada e resolve exemplificar dramatizando uma situação se não corresponde a notas no caderno escrito, descontenta o aluno: "Hoje ele não deu matéria, não falou nada. O mestre não dá matéria." No entanto, mal sabemos o resultado daquela dramatização para o futuro. Não que se deva dramatizar o tempo todo; mas que se possa utilizar esse recurso, mesmo que não corresponda a duas ou três Unhas no caderno de notas. Lembraríamos, ironicamente, o exemplo curioso dado pelo estudioso francês de comunicação, Michel Tardy, quando cita a história do professor de educação física que dava aulas ditando pontos. Então, para comprovar o valor da matéria, a aula de natação era ditada.

Outro ponto altamente polêmico, mas muito sugestivo, é o que se refere à comunicação hot versus comunicação cool, na proposta de Marshall McLuhan. McLuhan jogou a proposta, deixando uma série de dúvidas e problemas. Não vamos discutir aqui o mérito de sua teoria, mas gostaríamos de nos referir ao aproveitamento que pudemos desenvolver a partir de certas sugestões que ela contém. Essa oposição nos ajuda a compreender que há um tipo de comunicação realmente programada, que já vem pronta, contrapondo-se à comunicação não-programada, que deve ser completada. É o exemplo da fotografia, que seria um tipo de comunicação hot, em relação à caricatura, que seria um tipo de comunicação cool A fotografia tem grande número de pontos de informação visual, ao passo que a caricatura é um mero esboço. Para que possamos captar toda a mensagem da caricatura, é preciso que a completemos, ao passo que a fotografia já vem com a mensagem pronta. Assim, temos o Livro técnico como comunicação hot, e a mensagem pela televisão como uma comunicação cool. De um lado, temos a comunicação de alta definição, com grande número de informações que já vêm prontas, que não exigem participação do receptor da mensagem para completá-la. De outro, temos a comunicação que não vem tão programada, tão definida, e sugere uma participação do receptor da comunicação, que, no caso, seria o aluno.

Há, assim, um certo tipo de comunicação que envolveria a participação do aluno. É nesse sentido que entram os meios audiovisuais, pois eles podem representar um tipo de comunicação menos programada. No caso apresentado, podemos interromper a projeção a qualquer momento e perguntar ao aluno: "Como é que vai terminar a história? Qual seria a solução que você daria ao problema?" Podemos fazê-lo também com os filmes e a projeção de slides, provocando a participação.

Outro aspecto a ser considerado é o de que a aula é, antes de tudo, um ato de comunicação e, sendo um ato de comunicação, envolve um remetente (que seria, em princípio, o professor), um destinatário (que seria, em princípio, o aluno), a mensagem (o conteúdo da aula), o código (que justamente permite o entendimento entre professor e aluno) e o veículo a ser utilizado. As vezes, o veículo, como dissemos, é o próprio professor, como entidade pedagógica. Ele fala, gesticula, escreve no quadro-negro, e isso já é uma forma de veicular a mensagem. O professor pode utilizar o microfone, e esse é um veículo também; pode utilizar o cinema, o aparelho de televisão, o retroprojetor de transparências, ou o projetor de slides; pode utilizar o flanelógrafo; ou um veículo um pouco ultrapassado e pesado, o epidiascopio, em que, numa sala escura, colocase a imagem sobre, uma prancha e essa imagem é refletida numa tela. Temos, então, uma série de recursos, que funcionam como veículos na comunicação.

Ora, gostaríamos de observar que o meio audiovisual não pode ser considerado simples apoio de aula e que podemos adotar uma tática audiovisual, um comportamento audiovisual. Nesse caso, os recursos audiovisuais passariam a fazer parte integrante do método de exposição e de persuasão.

No sistema que poderíamos chamar de sistema tradicional de ensino, existem certos pressupostos que impedem, talvez, a maior participação do aluno em classe, e que se resumem mais ou menos no seguinte ponto: por ser linear e discursivo, baseado na linguagem, esse sistema também está associado a uma sala de aula que, pela própria disposição, sugere que a pessoa aqui colocada seja o professor e os que estão lá sentados sejam os alunos. Esta distribuição já contém em si um elemento significativo de separação entre o remetente e o destinatário, isto é, o professor vem com uma imagem indiscutível de verdade. E o aluno é o receptor dessa verdade.

Assim, no sistema tradicional de ensino, o professor, na verdade, está defendido pelas quatro paredes da sala de aula: os alunos estão entregues à sua vontade. Não sabemos exatamente o que se passa dentro da sala de aula. Sabemos que muitas vezes os alunos, por inibição, dizem que entendem o que o professor expõe, mas, ao vê-lo virar-se, confessam aos colegas: "Não entendi nada, mas não adianta discutir."

A própria disposição da sala de aula já conduz, portanto, a uma atitude de repressão do aluno diante do professor. Este, por sua vez, quer dar conta do recado, dar a sua mensagem e encerrar a aula O fato é que a credibilidade do sistema tradicional tem sido, hoje, posta em questão (vale lembrar, de passagem, que, aqui na EAESP, por exemplo, na medida em que se desencadeiam os processos de avaliação, hoje é o professor que entra assustado e tremendo em classe, indagando: "Como é que os alunos vão me avaliar? "). Mas, dizíamos que a credibilidade do sistema linear discursivo é altamente prejudicial, na medida em que inibe o aluno e o impede de ter participação mais intensa, o que, com a utilização de alguns recursos audiovisuais, pode modificar-se. Por quê? Aludiríamos aqui ao chamado método de exposição brechtiano. Bertold Brecht diz que, no teatro, a gente deve distanciar-se um pouco do objeto. Talvez o professor não deva envolver-se tanto com o objeto da exposição. O objeto da exposição está lá, é o caso que ele pretende demonstrar. Ele e os alunos participam da análise daquele objeto. Esse distanciamento parece ser muito fecundo, em termos didáticos, porque não é o professor o responsável por aquilo que está expondo, e, portanto, não se confunde com o objeto: sua tarefa é orientar, sugerir, desencadear a crítica e a reflexão.

Chegamos, por esse caminho, à idéia de uma comunicação no ensino que deve ser integral e dialógica. Na verdade, o professor não comunica unicamente pela linguagem Ele comunica através de tudo: roupa, gestos, atitudes, disposição que estabelece numa sala de aula, voz, entoação, maior ou menor agressividade. Tudo isso poderá constituir um prejudicial conjunto de "ruídos", a bloquear a comunicação. Os alunos poderão dizer, então: "Ele sabe muito, mas tem um tom agressivo." Vemos que a entoação, a gesticulação, tudo isso compõe um complexo que é a comunicação integral.

Há teóricos que dizem, até muito "bem, que o ato de expor - o ato da fala - é um esforço do corpo inteiro. Então, é nesse sentido que, na comunicação, não podemos isolar apenas uma parte, que é a linguagem, colocá-la na hierarquia das comunicações e dizer: "Só tem valor a fala ou a escrita." Devemos privilegiar também os outros meios de comunicação, os outros sentidos do aluno. Vemos que, freqüentemente, há alunos que chegam ao final do curso e dizem: "Olhe, professor, o meu grande problema é expor em público." Eles escrevem muito bem, falam muito bem, mas, na hora de expor têm problemas de gesticulação, de movimentação, de saber como segurar um microfone, etc. Toda a comunicação, que deveria ser integral, é prejudicada porque os outros sentidos, isto é, a visão, o tato, o olfato, não foram suficientemente estimulados.

Temos tentado algumas experiências aqui, na EAESP. Ainda recentemente, orientamos um trabalho de seminário sobre cultura de elite e cultura de massa, em que os alunos simularam uma dramatização, interpretando o comportamento da massa e o comportamento da elite. Toda a teoria foi vazada no próprio seminário, de modo que, quando se chegou ao final, os alunos haviam passado por uma vivência integral do tema.

Não queremos dizer que uma forma deva substituir a outra, mas que, através dos meios audiovisuais, devamos estimular os sentidos do aluno. Há uma tendência de, talvez por elitização, considerar-se que o aluno da universidade não precise propriamente de didática. Disse-me, uma vez, um aluno: "Eu acho suas aulas muito boas, mas o senhor é muito didático." A didática era um defeito. Essa tendência de dizer: "O importante é o recado que o professor dá, o importante é a mensagem, o conteúdo da mensagem", parece-nos exagerada porque, repetimos, o ensino não é apenas o conteúdo do programa; é também a atitude geral do professor em classe. Aliás, pelo fato de só fazer provas e escrever - embora o escrever seja importante, seguramente - e pelo fato de não expor, não desenvolver a comunicação integral, o aluno sai da universidade como um indivíduo inibido. Ao chegar, assim, à empresa, para participar de uma reunião ou mesa-redonda, ele não tem condições de eloqüência suficientes para convencer os outros de seu ponto de vista. Por essa razão, o treinamento nos vários recursos audiovisuais deve atender à necessidade de comunicação integral, dialógica.

Quando são considerados meros meios de apoio, os recursos audiovisuais não atendem a esse requisito. Exibir-se um filme para ilustrar apenas uma noção, sem extrair a vivência dessa experiência audiovisual, significa que não se aproveita integralmente o recurso audiovisual. O aproveitamento integral só se dá quando se realiza como uma pedagogia diferente da linear discursiva. Chegaríamos mesmo a eliminar a expressão "recurso audiovisual". Parece-nos que o verdadeiro modo de empregar um meio audiovisual é adotar um comportamento audiovisual em classe. Nesse sentido, a TV pode ajudar muito. Mas, também, pode-se dispensá-la. Se não transmitirmos nada de interessante, não adianta utilizá-la; terá sido uma mistificação no uso do recurso.

Por outro lado, mesmo sem a TV, mesmo sem o aparato tecnológico, o próprio indivíduo, com sua comunicação gestual, sua movimentação, também adota um comportamento audiovisual. Já se disse muitas vezes que o professor é um ator, ou que, pelo menos, deve, em certo sentido, ser um ator, na medida em que dramatiza sua exemplificação. Parece-nos que, só através de uma exemplificação dramática, podemos sensibilizar os alunos para o problema em foco. O exemplo dado teoricamente, numa lógica linear discursiva, está destituído de significado, de vida. É calado e "incolor".

Por essa razão é que falamos de recursos audiovisuais não como substitutos da exposição linear discursiva, mas como elementos a mais a utilizar, pressupondo um relacionamento didático diferente entre professor e aluno. O relacionamento didático diferente dá um resultado também diferente, porque a apreensão do aluno passa a ser global, gestáltica.

Nesse sentido, quando falamos do professor-ator, ficamos pensando na proposta do pensador Huizinga, em seu livro Homo ludens. Ele diz que realmente há um nomo sapiens, há um homo faber, mas parece que, fundamentalmente, o homem é ludens, isto é, "jogador" por excelência. Parece-nos que,, particularmente no ensino, devamos ativar as potencialidades lúdicas pelo exercício da comunicação integral.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1977
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