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Gerência de produtos: a complexidade organizacional como variável determinante da função

COMENTÁRIOS

Gerência de produtos: a complexidade organizacional como variável determinante da função

Marcos Antonio Frota

Mestrando em administração de empresas na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas; analista de sistemas do Banco do Nordeste do Brasil S.A

Ao referir-se à necessidade de se estudar as variáveis em gerencia de produtos, (GP), D, J. Luck (1), sem dúvida, fala a respeito de variáveis endógenas, cujo estudo deve proporcionar o estabelecimento de princípios capazes de ensejar maior confiabilidade às decisões de um gerente. Obviamente o comportamento dessas variáveis seria observado a partir da experiência de muitos gerentes, administrando produtos distintos em mercados diversos. Nosso intuito é lançar algumas luzes para a melhor compreensão da função de GP, partindo de uma variável - complexidade organizacional - cuja importância transcende a essa tenção porque interessa à organização como um todo.

De um exame sumário da complexidade organizacional pretende-se derivar a análise e, verificar em que a teoria das organizações pode ser útil à compreensão que se busca. A conexão com a função de GP é feita a partir do papel do Prof. Eduardo A. Buarque de Almeida (2).

1. A COMPLEXIDADE ORGANIZACIONAL

A pesquisa indica que as organizações grandes são estruturalmente mais complexas do que as menores, e que a complexidade repercute fortemente no comportamento dos indivíduos, nos processos de trabalho e no relacionamento da organização com o seu meio.

Daí decorre que a complexidade é da máxima importância no estudo das organizações. Basicamente, são elementos da complexidade a diferenciação horizontal - que se refere as unidades administrativas em que a organização é dividida para o atingimento de seus objetivos; e a diferenciação vertical - que se vincula à profundidade da pirâmide organizacional, medida, em termos de níveis hierárquicos (3).

É fato que há correlacão positiva entre tamanho da empresa e a sua complexidade. Porém, como observação mais geral, pode-se concluir que a complexidade se vincula a diferentes forças internas e externas à organização, tais como: concorrência, desenvolvimento tecnológico, grau de profissionalização dos membros, governo e natureza da tarefa. No entanto, partindo do pressuposto de que o objetivo primordial da organização é a sobrevivência e o crescimento, e de que isso depende de transações favoráveis com o ambiente, a análise deve convergir para a estratégia adotada para que as forças ambientais sejam catalisadas positivamente.

Ao lidar com diferentes segmentos, do ambiente a empresa, adota uma forma funcional, diferenciando-se horizontalmente. Especializando as unidades de trabalho, a organização propende à maior eficiência. Não fosse assim, uma grande empresa não poderia operar eficazmente porque não estaria ajustada aos setores ambientais, cada um deles exigindo conhecimentos e habilidades diferentes. Tanto é que um setor de vendas preocupa-se com clientes e concorrentes, ao setor de pesquisa estão afetos a ciência e a tecnologia, enquanto que fornecedores de tecnologia e de equipamentos ficam a cargo do setor de produção e engenharia.

2. CONSEQÜÊNCIAS DA COMPLEXIDADE

Paralelamente, quando a organização especializa as suas unidades, crescem as dificuldades de coordenação. Isso porque a especialização gera nos setores da empresa uma certa "orientação", ou seja, "... estilos de trabalho e processos mentais especializados" (4); numa palavra, diferenças no modo de agir e de pensar. Assim, a presteza e disposição para enfrentar os problemas freqüentemente são divergentes, aumentando os conflitos e retardando as respostas às demandas do mercado.

Se considerarmos que as diferenças de atitudes ligam-se ao maior ou menor grau de certeza que os departamentos têm ao transacionar com os diferentes segmentos do ambiente, infere-se que, atualmente, sob condições de um ambiente extremamente dinâmico, o grau de incerteza das unidades da empresa é maior e, em princípio, a orientação de cada uma quanto à solução dos problemas.

Então, à medida que o ambiente é dinâmico e mutante, as informações que uma empresa dele recebe são menos confiáveis, exercendo uma pressão para que a organização se ajuste; o que é feito mediante mais especialização, que por sua vez aumenta a diferenciação e põe em risco a coordenação eficaz.

Um outro modo de pensar a diferenciação e seus efeitos sobre a coordenação é o fato de que departamentos diferenciados tendem a constituir-se verdadeiros organismos isolados do todo, cada um deles procurando subsistir pelo aumento de autonomia, o que é feito por via da geração de serviços de que dependem. Naturalmente, o efeito de tudo isso é o esfacelamento da empresa.

Para sobreviver carece a organização de corrigir este estado de coisas criando mecanismos integradores. A utilização de tais mecanismos está em função do grau de diferenciação dos departamentos. Além da hierarquia administrativa e do sistema de movimentação de papéis, a pesquisa identificou outros três tipos de mecanismos: departamento integrador; equipes permanentes, funcionalmente correlacionadas nos níveis da organização; e contato direto entre diretores. (4).

3. O GERENTE DE PRODUTOS

Visualizando um organograma, temos nas pessoas dos chefes dos diversos órgãos elementos integradores. No entanto, como foi discutido, a orientação diferenciada desses chefes exige a criação de novos mecanismos de integração. Imaginemos agora uma pessoa, um chefe, responsável não por um órgão da empresa e sim por um produto, com a função definida não em termos de uma parte da tarefa da empresa e sim de um conjunto de partes que diz respeito à tarefa inteira da empresa, desde que seja relacionada àquele produto, e teremos o gerente de produto.

Sinteticamente, a emergência dessa função deve-se ao fato de que "sobrecarregados, os executivos de cúpula dificilmente se acham em posição de enfrentar a tarefa adicional de absorver todos os detalhes e ponderar todas as considerações estratégicas envolvidas em cada linha ou marca de produto. Do mesmo modo, os executivos de linha não se situam melhor, já que tradicionalmente são orientados para as suas próprias áreas estritas e específicas de responsabilidade" (1).

4. A AUTORIDADE DO GERENTE DE PRODUTOS

Claro está que os limites da responsabilidade e autoridade do gerente de produtos pode variar de empresa para empresa que adota o sistema. O nosso pressuposto é de que a sua responsabilidade é integral quanto ao produto, ou produtos, que lhe competem. E isso nos leva a outras considerações.

Como as diversas partes em que a organização é dividida têm seus dirigentes, presume-se que não sobra poder a ser delegado ao gerente de produtos, a fim de que ele possa levar a cabo, com sucesso, a sua função. Se, contudo, abdicarmos do conceito de autoridade legal que se baseia na promulgação das normas e vige no modelo burocrático, segundo o qual a maioria das empresas é estruturada, e entendermos o poder como a capacidade de influenciar, esta importante questão, que se coloca pelo fato de o gerente de produtos ter elevada responsabilidade sem a contrapartida correspondente de autoridade poderá ser mais bem compreendida.

Parece que uma parte crítica da questão está na implementação do sistema. De resto, a etapa da implementação é importante para o sucesso de qualquer mudança. Porém, tratando-se de sistema dessa natureza, a cautela deve ser redobrada, uma vez que o exercício da função de GP exige que ele penetre em todos os "feudos" estabelecidos.

As organizações têm crenças culturais relacionadas às suas práticas. Tais crenças influenciam o comportamento das pessoas, de maneira que se a introdução do sistema conflitar com os valores estabelecidos cresce a probabilidade de fracasso. Deve-se levar em conta até mesmo uma aceitação pro forma do sistema, o qual posteriormente poderá ser hostilizado. Obviamente outros fatores contam, como por exemplo, se tradicionalmente a organização está afeita a mudanças, a implantação do sistema é mais fácil. Em todo caso, é fundamental um planejamento cuidadoso que garanta as mudanças comportamentais e obtenha a aceitação do papel de gerente de produtos, que forma a base de poder daquele que exercitará a função.

Outra fonte de poder está no plano anual de produtos (ou de marketing). Como esse plano é elaborado de comum acordo com os órgãos interessados e aprovado pela cúpula da organização, o gerente tem nele um forte apoio; em particular quando, tratando com os demais órgãos, cinge-se às questões pertinentes ao plano. Contudo a principal fonte de poder do gerente é outra, sem a qual as duas anteriormente citadas praticamente são nulas.

Está claro que o gerente de produtos não tem a capacidade de premiar ou punir. Também não tem o poder legítimo (burocrático), ou o tem ambiguamente definido.

De onde provém, então, a capacidade de influenciação do gerente? Tal capacidade está implícita na própria função e no modo como é exercida.

As atividades desenvolvidas pelo gerente de produtos, no sentido de atender às necessidades de integração e coordenação, são notadas, pela sua importância, no âmbito inteiro da organização. A função em si guarda características conducentes à admiração e que são transferidas àquele que a exerce. Assim é que o largo espaço organizacional onde o gerente atua, o conhecimento especial que detém e o nível de informação de que dispõe são geradores de influência. Essa influência cresce na medida do desempenho e na medida em que o próprio gerente é capaz de, por empatia, manter um relacionamento pessoal produtivo (5).

Dessa descrição da procedência do poder do gerente de produtos, pode-se inferir, como um aspecto crucial, a capacidade de persuação como requisito de sucesso.

Já adiantamos que a integração não se dá automaticamente. Por outro lado, a efetivação (e também a elaboração) do plano anual de produto - independentemente de ajustes ao longo do tempo de implementação - requer, por parte do gerente de produtos, o estabelecimento de contatos e a intermediação, que, em última instância, objetivam viabilizar o plano nas condições e prazos preestabelecidos. Tais atividades são desempenhadas pelo gerente em situação em que não se configura a relação superior versus subordinado, e em atmosfera carregada de emoções e sentimentos, exigindo, portanto, elevada capacidade interpessoal e obrigando o gerente a "... recorrer quase sempre a métodos de persuasão para obter a cooperação ... "(2). Para dispor dessa habilidade como negociador "... o gerente de produtos precisa aliar boa formação teórica e prática a uma personalidade sociável, aberta, com senso quase inato para motivar e persuadir" (2).

5. A ESTRUTURA DA EMPRESA E O SISTEMA DE GP

Como entender a estrutura de uma organização que emprega o sistema de GP?

Pode-se supor o arranjo de dois critérios de departamentalização. De um lado, a empresa é segmentada e dirigida segundo as funções relevantes, levando em conta a natureza da tarefa e a situação ambiental. De outro, a empresa é entendida como uma série de produtos que, para serem produzidos, precisam passar pelas unidades funcionais, como numa linha de montagem. Temos, então, uma estrutura funcional e superposta a ela uma estrutura por produtos. Tal junção de critérios é inusitada. O que quase sempre ocorre é a empresa ser organizada segundo um critério até determinado nível, usando depois um critério diferente. Nesse último caso tem-se mais um acoplamento do que superposição de critérios de departamentalização.

Vale destacar a imperfeição estrutural que ocorre quando os critérios são superpostos: definem-se as responsabilidades para o gerente de produtos sem que seja previsto o controle sobre os recursos, o que constitui o aspecto mais controvertido dessa função.

Partindo do plano anual de produtos obtém-se uma explicação alternativa para facilitar o entendimento do modelo estrutural. Lembremos que numa empresa complexa a interdependência das partes é maior, exigindo mais coordenação. O grau de interdependência em uma linha de montagem e, analogamente, em uma empresa que conta com departamentos de pesquisa de mercado, pesquisa e desenvolvimento de produtos, engenharia e produção, propaganda e promoções, vendas, etc, requer coordenação que "envolve a instituição de uma programação para as unidades interdependentes, por meio da qual suas ações poderão então ser governadas. A coordenação por planos não exige o mesmo elevado grau de estabilidade e rotinização necessário à coordenação por padronização, sendo por isso mais indicada para situações mais dinâmicas, principalmente quando um ambiente de tarefa mutável afeta a empresa" (6).

Sob esse prisma, o sistema de GP é antes um fenômeno de coordenação que de estrutura. Trata-se de mecanismo coordenador e não de uma unidade funcional da empresa. O que está de acordo com a descrição do cargo de gerente de produtos que inclui a tarefa de integrar como preponderante.

6. CONCLUSÕES

Neste ponto somos tentados a extrair alguma síntese, principiando por uma definição do que se constitui GP, ou estabelecendo os limites para a atuação do gerente de produtos, ou seja, especificar as suas atividades.

Alguns problemas, porém, obstaculizam essa pretensão. Quando comparamos o gerente de produtos a um chefe, responsável por um produto, procuramos facilitar a compreensão da função, mas não levamos na devida conta a escassez de autoridade do gerente sobre os recursos humanos, materiais e financeiros da empresa.

Além disso, ao discriminar as atividades do gerente de produtos, devemos considerar que elas podem variar, dependendo, por exemplo, de como a empresa incorpora o sistema e do bem econômico com que lida.

O fato é que GP está em evolução e tem assumido diversas formas. Uma alternativa para o impasse é comparar, mutatis mutandis, a função de gerente de produtos com a função de executivo de cúpula. Sob essa perspectiva, é proveitoso conceituá-lo como "... um pequeno gerente-geral responsável pela administração global de um produto ou grupo de produtos, e não apenas de seus aspectos mercadológicos" (2).

Ainda sob essa perspectiva, o gerente de produtos deve executar funções análogas às de um executivo de cúpula, abrangendo, pois, atividades voltadas para o ambiente, onde se incluem consumidores, intermediários, fornecedores de insumos básicos e de serviços, como pesquisa de mercado e propaganda, e atividades voltadas para a empresa, onde se situam as diversas unidades funcionais.

Compete salientar que, enquanto a tônica das atividades de natureza interna é a coordenação, com respeito ao ambiente o gerente de produtos adota uma postura de analista para que possa determinar, objetivamente, as possibilidades do produto que gerencia.

Como síntese da análise realizada podemos formular as seguintes conclusões:

a) a função de gerente de produtos atende a duas demandas, pois diferencia a organização e é também instrumento integrador;

b) a natureza de tal função se ajusta precipuamente à organização, cujo número de produtos e tamanho acarretam elevado grau de complexidade;

c) o gerente de produtos coordena parte das funções mercadológicas e não mercadológicas que se vincula aos produtos que gerencia;

d) a autoridade do gerente de produtos é ambígua e de difícil formalização, o seu poder deriva da correta implementação do sistema, da excelência do plano de trabalho e de características da função e da personalidade;

e) o exercício de múltiplas funções exige do gerente de produtos conhecimentos diversificados, bem como características pessoais que facilitem o relacionamento interpessoal produtivo;

f) agindo na empresa e em seu ambiente, o gerente de produtos deve capacitar a organização a responder mais rapidamente às exigências ambientais;

g) a complexidade pressiona a organização a fim de que aprimore seus mecanismos de coordenação, dentre os quais se inclui o sistema de gerência de produtos.

BIBLIOGRAFIA

  • Luck, David J. Política e estratégia de produtos. São Paulo, Ed. Atlas, 1975.
  • Buarque de Almeida, Eduardo A. Paper. Gerência de produtos. São Paulo, EAESP/FGV
  • Hall, Richard H. Organizaciones: estructura y proceso Madrid, Ed. Prentice Hall Internacional, 1973.
  • Lawrence, Paul R. & Lorsch, Jay W. As empresas e o ambiente. Petrópolis, Ed. Vozes, 1973.
  • Bennis, Warren G. Organizações em mudança. São Paulo, Ed. Atlas, 1976.
  • Thompson, James D. Dinâmica organizacional. São Paulo, Ed. McGraw Hill do Brasil, 1976.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1978
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