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A administração de recursos globais: o futuro dos negócios: norte ou sul?

COMENTÁRIOS

A administração de recursos globais: o futuro dos negócios: norte ou sul?* * Tradução do original em inglês, por Geni Goldschmidt e revisão técnica por Sebastião Alves Ferreira Santos.

André van Dam

Economista e planejador de empresas

A imprensa mundial acompanhou cortesmente o encerramento da Conferência sobre Cooperação Econômica Internacional1 1 Mais conhecido como o diálogo Norte-Sul, realizado em Paris, de dezembro de 1975 a junho de 1977. Este artigo foi inspirado em um trabalho sobre o futuro do diálogo Norte-Sul, patrocinado pelo Aspen Institute for Humanistic Studies e realizado em Teerã, em junho de 1977. e voltou sua atenção para manchetes mais tópicas: o violento fim do seqüestro do trem na Holanda pelos molucanos; o boato sobre a presença do Marechal Idi Amin na conferência do Commonwealth; a perda e recuperação do Earl Ray; as pressões políticas no delta do Mekong.

As publicações de caráter econômico podem ter razão em acompanhar com atenção as perspectivas decorrentes da evolução do diálogo Norte-Sul. Sob uma opaca camada de retórica, ocultam-se novos fatos na administração de muitos recursos globais: matérias-primas, tecnologia, mercados, capital. Nesta época de soluções ad hoc, os planejadores e administradores de empresas teriam muito a ganhar em prestar mais atenção ao Sul.

1. O DIÁLOGO NORTE-SUL

0 diálogo Norte-Sul foi originalmente proposto pelo presidente francês para rever o problema do fornecimento e do preço do petróleo entre as nações produtoras e consumidoras. Por sugestão dos membros da OPEP a agenda foi ampliada para englobar muitas questões econômicas que dividem a comunidade internacional: a dívida externa; a transferência de tecnologia; o mar territorial; as barreiras alfandegárias e não-alfandegárias do comércio internacional e toda a gama de produtos críticos - tais como bananas ou bauxita; chá, madeira ou estanho; cacau, café, algodão ou cobre.

O diálogo Norte-Sul prometia abrir novos rumos nas conversações internacionais. Pela primeira vez, as nações industriais reuniram-se longamente com as nações em desenvolvimento, na base de governo a governo, fora da estrutura das Nações Unidas.2 2 Participantes do Norte: Austrália, Canadá, Comunidade Econômica Européia, Japão, Espanha, Suécia, Suíça e Estados Unidos. Da OPEP. Argélia, Indonésia, Irã, Iraque, Nigéria, Arábia Saudita e Venezuela. Do Sul, não-exportadores de petróleo: Argentina, Brasil, Camarões, Egito, India, Jamaica, México, Paquistão, Peru, Iugoslávia, Zaire e Zâmbia. O encontro começou num clima de grande expectativa e estendeu-se por 18 meses até o esgotamento dos acordos, para discordar nas questões essenciais.

2. RAZÕES DO INSUCESSO

O diálogo Norte-Sul, embora confeitivo, será um processo irreversível. Ele tenta aliar a administração de recursos globais à luta contra a pobreza abjeta; a questão política das matérias-primas à esmagadora necessidade de garantir o crescimento econômico mundial e o nível de emprego. Não é de admirar que o prolongado encontro de cúpula tenha sido comparado a uma montanha que dá à luz um rato. No entanto, o diálogo Norte-Sul deve-se tornar um processo contínuo na busca de soluções positivas. Portanto, a administração de empresas (transnacionais) deveria estar profundamente preocupada pelo fracasso das conversações de Paris:

1. O diálogo incorporou um desafio revisionista do Sul quanto aos poderes estabelecidos do Norte.

2. As pretensões do Sul eram muito numerosas e muito vagas; as reações do Norte foram muito defensivas e chegaram tarde demais.

3. Poucas instituições nacionais e internacionais foram envolvidas na complexa e interligada problemática da agenda.

4. Nenhum dos lados tinha-se preparado meticulosamente com antecedência; houve poucos apartes nas discussões, poucas propostas imaginativas.

5. O espírito da Convenção Lomé, para não dizer o do Plano Marshall, não estava presente.

6. O Norte estava dividido entre gaviões, liderados pelos Estados Unidos e Alemanha Ocidental, e pombas, encabeçadas pelo Canadá e Suécia; o Sul estava dividido entre nações petrolíferas e não-petrolíferas, o pobre Quarto Mundo e as nações de renda média do Terceiro Mundo.

7. Os políticos do Norte estavam muito absorvidos por problemas domésticos (crescimento lento, desemprego, inflação) para responder ao pedido do Sul de mudança dos pólos de industrialização, comércio preferencial, perdão dos débitos estrangeiros.

Além de tudo, a imprensa deu pouca atenção aos verdadeiros problemas em pauta.3 3 A agenda do diálogo Norte-Sul abrange sete aspectos especíeos, embora bastante inter-relacionados: 1) petróleo; 2) matérias-primas agrícolas e minerais; 3) acumulação de estoques de produtos estratégicos; 4) remoção de barreiras comerciais alfandegárias e não-alfandegárias; 5) reciclagem do endividamento externo; 6) transferência de tecnologia apropriada; 7) o papel das empresas transnacionais. 4 Fonte: United Nations Commitee for Trade and Development ;UNCTAD), Nairobi. Dentre as 14 associações de produtores podemos citar as de produtores de bauxita, cacau, café, cobre, algodão, petróleo, borracha, açúcar, chá, estanho e trigo. Isto reflete o estado de espírito do Norte: quase sempre as concessões são gradual e relutantemente feitas em face de crise ou conflitos.

O diálogo Norte-Sul dificilmente terá êxito, a menos que as iniciativas privadas gradualmente passem das pessoas comuns e das elites para os políticos; isto é, até que alcance aqueles que têm o poder de persuasão e de ação nos setores públicos e privados.

O diálogo Norte-Sul precisa cruzar as fronteiras entre o setor público e privado; entre os grupos de produtores e consumidores; entre subdivisões do Norte e do Sul e finalmente entre empresas e sindicatos trabalhistas.

3. O NÚCLEO DOS PROBLEMAS: MATÉRIAS-PRIMAS E INDUSTRIALIZAÇÃO

A administração de recursos globais envolve produtos críticos. Por exemplo, o Norte depende vitalmente de matérias-primas importadas, das quais o Sul em geral é o principal fornecedor.

Por sua vez, o Sul depende vitalmente de matérias-primas para sua receita de exportação, orçamentos governamentais, projetos de desenvolvimento. Alguns países dependem de um único produto como fonte da maior parte de sua receita externa: Bangladesh (juta), Cuba (cana-de-açúcar), Gâmbia (amendoim), Jamaica (bauxita), Uganda (café), Zaire (cobre). Grandes flutuações nos preços desses produtos - devido a condições climáticas, escassez ou especulações de mercado - podem arruinar a balança de pagamentos de uma nação e sua capacidade de financiar bens decapital para infra-estrutura e industrialização.

O tremendo sucesso da OPEP induz o Sul a engendrar a solidariedade e o poder político-econômico por intermédio de outros cartéis de produtores. Estes provêm de associações de produtores, cujo número chega a 14. Depois da OPEP, a mais conhecida é a Associação Internacional da Bauxita, liderada pela Jamaica, que tem três pontos fracos: a bauxita é apenas uma das muitas matérias-primas do alumínio; ela é responsável por apenas 10% do custo dos lingotes de alumínio; em muitos casos ela pode ser substituída por cobre. No entanto, o Conselho Intergovernamental dos Países Exportadores de Cobre não conseguiu impor um preço remunerativo e estável.

O Sul procura estender os acordos de preço e fornecimento de 10 produtos para 18; 7 na área extrativa e 11 no setor agrícola. Para isso o Sul propôs váriosinstrumentos: a) estoques de reserva; b) financiamento total por um fundo comum; c) com aumento da refinação e processamento in loco; d) remoção gradual de barreiras alfandegárias e não-alfandegárias para produtos processados.

4. A BUSCA DE ORDEM NO MERCADO

Estranhamente, o Sul procura estabelecer pactos entre produtores e consumidores e acordos de comércio preferencial, numa época em que o Norte assume uma nova posição no sentido de criar mercados tranqüilos para bens manufaturados.5 5 Veja Business Week, May 9, 1977, relatório especial sobre cartéis.

A fim de proteger o emprego e a participação no mercado, o Norte procura estabelecer acordos de comercialização para itens como: automóveis, artigos eletrônicos, calçados, aço, produtos têxteis. Teoricamente, os políticos e os administradores de empresas apoiam a liberalização do comércio sob o guarda-chuva do GATT. Na prática, preferem as restrições voluntárias às quotas e tarifas rígidas. Isto, naturalmente, é um problema Norte-Sul.

Dentro do contexto de relações Norte-Sul a cartelização do mercado de bens manufaturados pode acelerar os acordos sobre produtos básicos. O Norte já reconhece a necessidade de estoques de reserva, mas recusa-se terminantemente a financiá-los. Seguindo o sucesso do Acordo Internacional do Estanho, os estoques de reserva de matérias-primas não-perecíveis deveriam ser feitos com lucro, embora só no papel. O obstáculo está nos preços máximos e mínimos, em que os produtores e consumidores têm interesses opostos.

A administração de empresas pode perceber o estoque de reserva como um ponto de estabilidade entre o mecanismo de eficiência do mercado e a eqüidade de o Sul receber preços estáveis e remunerativos por seus produtos.

5. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS

A oferta de produtos críticos a preços remunerativos constitui uma transferência de recursos do Norte para o Sul. Atualmente, o Norte não está disposto a repartir seu futuro crescimento econômico com o Sul - além do nível já aceito na concessão de créditos e empréstimos fornecidos pelo Fundo de Assistência dos Países Desenvolvidos.

A indisposição do Norte explica a morosidade das conversações na área do endividamento externo por parte do Sul. Este passou de US$ 70 bilhões em meados de 1973 para um nível previsto de USS 200 bilhões no fim de 1977.6 6 O montante é expresso em dólares correntes. A soma de 1973 é arredondada, tirada de informações do Banco Mundial em comunicado à imprensa, em Manilha. Os dados de 1977 são uma estimativa do autor, extrapolada de publicações da imprensa por ocasião da conferência de Paris. O fenômeno notável é o aumento dos empréstimos e créditos concedidos nos últimos 10 anos por bancos estrangeiros privados - freqüentemente a taxas de juros mais altas e a prazos mais curtos do que muitas nações não-petrolíferas em desenvolvimento poderiam suportar.

Em vista das exportações globais no valor de US$ 1,2 trilhão,7 7 O comércio global, segundo dados do GATT (Genebra), excedeu USS 1,050 bilhão no ano de 1976. Dada a inflação de 1977 e a substancial expansão do comércio depois de dois anos de estagnação, os USS 1,2 trilhão estimados pelo autor para todo o ano de 1977 parecem razoáveis. os US$ 200 bilhões de dívida externa não são demasiados. A preocupação é com a duvidosa capacidade do Sul de pagar os encargos e liquidar a dívida externa com as receitas de exportação. As empresas transnacionais e as instituições financeiras deveriam apoiar o Sul em sua busca de um programa integral na área de produtos agrícolas. Isto envolve, por exemplo, ambiciosos projetos agroindustriais no Sul e garantias de termos preferenciais de comercialização no Norte.

A refinação e processamento in loco dos produtos do Sul exigem um pronto acesso, se necessário em termos concessionais, a tecnologia apropriada - tanto em maquinaria quanto em processos. Apropriada significa aqui adequada às necessidades, clima, costumes, mercados, mão-de-obra, fontes de financiamento, transportes e comunicações do Sul.

Por exemplo, as empresas transnacionais podem vir a desempenhar um papel catalizador nos preparativos para a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Ciência e Tecnologia no Desenvolvimento, que será realizada em 1979. Da mesma forma, podem apoiar a proposta dos Estados Unidos à UNCTAD de formulação de um Instituto Internacional de Industrialização, a fim de encorajar e financiar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia apropriada.8 8 Veja The Futurist, June 1977, e Cooperation Canada, Mar. 1975, para conceitos e ilustrações detalhadas. : As empresas em conjunto podem ser solicitadas a cooperar com o projeto de pesquisa de USS 4 milhões, patrocinado e realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Paris), nas relações futuras entre Norte e Sul.

6. PLANEJAMENTO E PESQUISA EM CONJUNTO

O fracasso inicial em Paris não impedirá o diálogo Norte-Sul de tomar rumo firme. Isto resultará da percepção de interesses próprios, a menos que o progresso seja uma vez mais forjado sob a força, como, por exemplo, os cubanos marchando em direção à África; um endurecimento do conflito árabe-israelense; chantagens atômicas por parte dos setores nacionalistas militantes. Nem os governos nem as empresas podem fazer planos para o caos. Entretanto, a esta altura, a administração das empresas pode querer colaborar com seus governos, que participam do diálogo Norte-Sul sobre recursos globais.

O encontro de cúpula de Londres (maio de 1977), que reuniu os presidentes das sete mais poderosas nações do Oeste, confirmou a prática de procurar melhorar em conjunto a economia mundial. Neste mesmo sentido a Comunidade Econômica Européia foi um participante da Conferência sobre a Cooperação Econômica Internacional.

A consulta ad hoc e a pesquisa se tornaram moda no setor privado, basicamente para influências os tomadores de decisões políticas. Por exemplo, a Comissão Trilateral constitui um grupo de influência de 150 cidadãos influentes dentro de empresas privadas, no governo, escolas e sindicatos - da América do Norte, Europa Ocidental e Japão. O Clube de Roma excita a opinião pública mundial. Nos Estados Unidos, o Common Cause e o New Directions, dois grupos civis ad hoc, procuram influenciar questões nacionais e internacionais, em Washington, D.C. e outros lugares. O Foro do Terceiro Mundo, a Brandt Commission proposta por McNamara e a Comissão Norte-Sul, de 120 sábios, sob o guarda-chuva da Sociedade Internacional para o Desenvolvimento, todos apontam para uma ampliação do interesse público e privado pelo diálogo Norte-Sul.

Assim, as empresas (transnacionais) podem muito bem decidir constituir um ou mais grupos de trabalho ad hoc, a fim de entrarem no circuito de redes privado-públicas envolvidas no diálogo Norte-Sul. Nem a posição competitiva das empresas privadas nem a própria natureza da pesquisa e desenvolvimento devem impedir a consulta e planejamento ad hoc, em que o futuro papel da empresa privada no Terceiro Mundo está em jogo.

Está sendo percebida uma necessidade cada vez maior de instrumentos poderosos de cooperação internacional do tipo do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do GATT. Esses novos instrumentos, sejam o Banco de Recursos Internacionais ou o Instituto Internacional de Energia, são todos do interesse potencial das empresas (transnacionais). A energia, os minerais, os alimentos, a transferência de tecnologia, a remoção de barreiras alfandegárias e não-alfandegárias são questões que afetam diretamente o destino das empresas. Afinal, 1/4 de seu ativo estrangeiro e 1/3 de seu "com exterior" estão no Sul.

A administração das empresas, com grande experiência em barganhar com sindicatos trabalhistas, pode-se envolver lucrativamente na próxima "barganha planetária" sobre administração de recursos globais com o Sul. As conversações de Paris, na realidade, constituem uma advertência precoce não muito remota.

  • 8 Veja The Futurist, June 1977, e Cooperation Canada, Mar. 1975, para conceitos e ilustrações detalhadas.
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    Tradução do original em inglês, por Geni Goldschmidt e revisão técnica por Sebastião Alves Ferreira Santos.
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    Mais conhecido como o diálogo Norte-Sul, realizado em Paris, de dezembro de 1975 a junho de 1977. Este artigo foi inspirado em um trabalho sobre o futuro do diálogo Norte-Sul, patrocinado pelo Aspen Institute for Humanistic Studies e realizado em Teerã, em junho de 1977.
  • 2
    Participantes do Norte: Austrália, Canadá, Comunidade Econômica Européia, Japão, Espanha, Suécia, Suíça e Estados Unidos. Da OPEP. Argélia, Indonésia, Irã, Iraque, Nigéria, Arábia Saudita e Venezuela. Do Sul, não-exportadores de petróleo: Argentina, Brasil, Camarões, Egito, India, Jamaica, México, Paquistão, Peru, Iugoslávia, Zaire e Zâmbia.
  • 3
    A agenda do diálogo Norte-Sul abrange sete aspectos especíeos, embora bastante inter-relacionados: 1) petróleo; 2) matérias-primas agrícolas e minerais; 3) acumulação de estoques de produtos estratégicos; 4) remoção de barreiras comerciais alfandegárias e não-alfandegárias; 5) reciclagem do endividamento externo; 6) transferência de tecnologia apropriada; 7) o papel das empresas transnacionais.
    4 Fonte: United Nations Commitee for Trade and Development ;UNCTAD), Nairobi. Dentre as 14 associações de produtores podemos citar as de produtores de bauxita, cacau, café, cobre, algodão, petróleo, borracha, açúcar, chá, estanho e trigo.
  • 5
    Veja
    Business Week, May 9, 1977, relatório especial sobre cartéis.
  • 6
    O montante é expresso em dólares correntes. A soma de 1973 é arredondada, tirada de informações do Banco Mundial em comunicado à imprensa, em Manilha. Os dados de 1977 são uma estimativa do autor, extrapolada de publicações da imprensa por ocasião da conferência de Paris.
  • 7
    O comércio global, segundo dados do GATT (Genebra), excedeu USS 1,050 bilhão no ano de 1976. Dada a inflação de 1977 e a substancial expansão do comércio depois de dois anos de estagnação, os USS 1,2 trilhão estimados pelo autor para todo o ano de 1977 parecem razoáveis.
  • 8
    Veja
    The Futurist, June 1977, e
    Cooperation Canada, Mar. 1975, para conceitos e ilustrações detalhadas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1978
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