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A propósito da "sociedade organizacional"

ARTIGOS

A propósito da "sociedade organizacional"

Fernando C. Prestes Motta

Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Presthus inicia sua análise da sociedade organizacional assinalando que as grandes organizações parecem freqüentemente menos ocupadas com a auto-realização de seus membros do que com a importância de tais individuos para as metas organizacionais de tamanho, poder e sobrevivência, bem como pela aceitação, por parte dos membros, desta barganha instrumental. Espera-se desses indivíduos lealdade, um comportamento racionalmente de acordo com critérios técnicos e profissionais, e deferência à autoridade dos altos dirigentes. Isto, evidentemente, pressupõe um processo de acomodação pelo qual determinados valores são inculcados nos indivíduos, ocorrendo assim um processo de socialização intra-organizacional, no qual as pessoas procuram, de alguma forma, lidar com suas necessidades de autonomia, integridade, auto-realização, segurança, prestígio e lazer, que são, em princípio, estranhas ao universo organizacional.

Claramente, Presthus está atento para o fato de que tal problema torna-se sério no momento em que as opções extra-organizacionais dos indivíduos são cada vez menores, em que o indivíduo se obriga, no caso mais geral e na melhor das hipóteses, a optar por organizações mais ou menos gratificantes, mas em que, muito raramente, pode fugir à barganha instrumental. Tomando como base a sociedade norte-americana, o autor estuda a formação da sociedade organizacional e procura estabelecer uma tipologia de acomodação às características estruturais que considera mais importantes na grande organização: o próprio tamanho, a especialização, a hierarquia, o status, a autoridade, a oligarquia, a cooptação, a racionalidade e a eficiência.

Para Presthus, a formação da sociedade organizacional, nos Estados Unidos, pode ser historicamente situada, em termos definitivos, por volta dos anos 30. Por esta época, os preços determinados pela competição, os salários e a produção teriam passado a ser governados por um mercado imperfeito, caracterizado pela intervenção governamental, por decisões negociadas entre sindicato e empresa, preços artificiais e. por um pequeno número de vendedores em setores básicos da economia. Tudo isto teria sido acompanhado pelos setores não-industriais da sociedade, qué, como um todo, generalizavam poder e segurança como motivos altamente valorizados e atingíveis, por meios cada vez mais semelhantes. No plano ideológico, tais mudanças drásticas não teriam apresentado uma alteração significativa correspondente. "O mito do americano típico, como um indivíduo independente, auto-suficiente e orientado pelo lucro, persistiu, amplamente, não afetado pela evidência de que o tamanho e a tecnologia haviam aumentado em grande proporção a mão-de-obra empregada. Apesar da emergência dos sindicatos, a ficção do trabalhador individual, trabalhando para si próprio e movendo-se livremente, na procura de uma remuneração mais alta, permaneceu corrente."1 1 Presthus, Robert. The organizational society: an analysis and a theory. New York, Caravelle Edition, Vintage Books, A Division of Random House, 1965. Assim, uma ideologia fundamentada em uma sociedade de pequenas organizações teria permanecido praticamente intacta na sociedade organicional que se instalou nos anos 30.

A substituição da sociedade tradicional pela organizacional ter-se-ia tornado mais clara entre a I Guerra Mundial e 1930, aproximadamente, período em que cerca de 12.000 empresas desapareceram e, relativamente, poucos grupos passaram a controlar setores consideráveis da economia americana. No setor financeiro, por exemplo, de cerca de 30.000 bancos existentes em 1921 passou-se para cerca de 10.000 em 1931. Por outro lado, a cadeia varejista" A and I", que possuía 5.000 lojas em 1922, passou para 17.500 por volta de 1928.2 2 Veja Laidler, H. W .Concentration of control in american industry. New York, Thomas y Crowell, 1931. Apud Presthus, Robert, op. cit., p. 72. Durante a II Guerra Mundial, a sociedade organizacional ter-se-ia consolidado fortemente. A prosperidade, o governo conservador, a apatia e a desilusão, em face da legislação antitruste, a par de uma valorização sofisticada do grande, passaram a evidenciar-se novamente como motivos suficientemente legítimos para o crescimento organizacional. Tal tendência parece ter-se firmado cada vez mais, sendo que, no período posterior à II Guerra Mundial, ocorreu (em 1955) a fusão do Chase National Bank e do Bank of the Manhattan Company, dois estabelecimentos financeiros que, juntos, constituíram o segundo banco dos Estados Unidos entre os inúmeros que se evidenciaram nesta época.

Paralelamente, ocorria um aumento sem precedentes no número de empregos profissionais e administrativos, ao lado de um declínio drástico no número de proprietários de terras e de trabalhadores independentes. Em 1910, 33070 da força de trabalho norteamericana eram independentes; em 1959, tal porcentagem passa para 15070. No que diz respeito aos trabalhadores semiqualificados, de 14070 da força de trabalho, em 1910, chegou-se a 20070 em 1940. De um modo mais geral, apenas na indústria manufatureira o número de operários aumentou em cerca de 87070, neste século, até 1947, enquanto que, no mesmo período, o número de administradores aumentou em cerca de 244%.3 3 Veja Woytinoki, W. S. & Associates. Employment and wagens in the United States. New York, Twentieth Century, 1953. Apud Presthus, Robert, op. cit., p. 78. Não foram, todavia, apenas as empresas que cresceram consideravelmente, nem tampouco apenas o número de empregados em relação a trabalhadores e proprietários independentes. Cresceram, também, a administração pública, os sindicatos, os partidos e associações de todos os tipos, configurando a sociedade americana de nossos dias, caracterizada pelas organizações de larga escala em praticamente todos os setores da vida social. Segundo Presthus, tal transformação reflete-se no aparecimento de uma personalidade organizacional.

Baseado especialmente, embora não unicamente, em H.S. Sullivan, o autor assume que a organização, e, portanto, a sociedade organizacional, é um ambiente desagradável para os indivíduos dotados de personalidade idealista, visto que, estes dificilmente poderão compatibilizar-se com a aceitação tácita das metas organizacionais, com as relações interpessoais estruturadas, com a tomada coletiva de decisão, com a responsabilidade difusa, com a obediência e com as relações pessoais de tipo manipulador. Por outro lado, o autor aceita que a situação organizacional fornece um ambiente confortável para os indivíduos dotados de personalidade pragmática, "os quais procuram a acomodação por meio da certeza e do poder".4 4 Presthus, Robert, op. cit., p. 131.

Esse tipo particular de personalidade é por Presthus chamado de upward-mobile, que pode ser traduzido por orientado para a ascensão. O autor acredita que desta forma os indivíduos têm, na organização, a oportunidade de verificar que seu auto-sistema é funcional nas relações ímerpessoaís "complexas e peculiarmente caracterizadas", que ali têm lugar. Ele personifica os valores organizacionais, as metas latentes de poder, crescimento e sobrevivência. Para ele, o tipo pragmático impõe tendências muito fortes à dominação, à submissão, bem como a uma baixa tolerância em relação à ambigüidade; e, mais uma vez, a situação organizacional lhe é extremamente favorável. Para nós, a organização não se caracteriza, especialmente, por fornecer certeza a seus participantes, e as relações interpessoais ali presentes estão muito longe de eliminar a ambigüidade. Tais indivíduos podem criar um universo de certeza, onde a ambigüidade não esteja presente. Esse universo é, todavia, mental e sem correspondência na realidade, a qual é simplificada num processo de racionalização que não deixa de constituir uma negação do mundo, ainda que inconsciente. Este é o tipo de indivíduo que consegue melhor adaptação à organização e à sociedade organizacional, nos termos do autor. Entretanto, tal adaptação é falsa, porque se baseia em uma visão idealizada e simplificada no mundo.

Mas Presthus admite que as organizações incluem outros tipos de personalidade, que se poderiam classificar em dois tipos: os indiferentes e os ambivalentes. O indiferente típico tenderia a rejeitar compromisso de lealdade, trabalho intenso e identificação com os valores organizacionais, em troca de autoridade, prestígio, status e dinheiro. Separaria seu trabalho dos aspectos que considerasse dotados de significado em sua vida. Optaria, em determinados casos, pela identificação profissional mais do que pela organizacional. Tal posicionamento implicaria, como qualquer outro, influências de classe social e educação, que configurariam valores conflitantes com os da organização, e que levariam à demissão, à rejeição dos valores da maioria, à recusa e à competição neles baseada. Tenderia ainda, além da empresa, a rejeitar o sindicato, o partido político e as outras organizações voluntárias. Pessoalmente, acreditamos que mais importante do que essas possíveis variáveis sociais e educacionais, na formação desse tipo de personalidade, é o próprio fato de que, na indústria, o processo de trabalho determina o papel do trabalhador; que na universidade, a técnica de investigação tende a determinar a investigação acadêmica; que na sociedade organizacional, como um todo, a forma é mais importante do que o conteúdo e a coerência entre meios e fins, mais importante do que a coerência dos próprios meios e dos próprios fins.

Finalmente, o ambivalente, o cavalheiro de triste figura, seria aquele que pretende o sucesso organizacional, mas se recusa a pagar seu preço, assumindo um comportamento coletivo legitimado. O ambivalente não é apenas, a nosso ver, um tipo especial de personalidade interagindo na organização. Ele é, isto sim, o fruto mais elaborado da sociedade organizacional - o mais trágico - visto que percebe e age em função de seus valores, mas se deixa levar pelas seduções organizacionais, que mais e mais o distanciam de aspirações mais profundas, de liberdade e autonomia. Ele só interessa à organização na medida em que tende a ser crítico e, portanto, agente de mudança. Por outro lado, a organização só lhe interessa porque nela vê uma forma de libertação pelo poder, prestígio e renda. Entretanto não são tantas as organizações que valorizam os críticos e também são poucos os que conseguem renunciar às benesses organizacionais em idade de ainda poder reencontrar a liberdade e aprender a viver com ela.

A conclusão final de Presthus é que os papéis organizacionais precisam constituir-se em um meio auxiliar de estímulo à criatividade individual. Como? a resposta não nos é dada. Coisas tais como enriquecimento do cargo, dinâmica de grupo, etc, evidentemente, não tornarão a organização voltada para o homem, e isto pode ser generalizado para a sociedade organizacional. A organização formal é, em principio, criada pelo homem para satisfazer suas necessidades. O problema é que ela faz exatamente o contrário, reprimindo-as ou deslocando-as, porque não está voltada para as necessidades de todos os homens que emprega.

William H. Whyte trata também da personalidade organizacional. Seu primeiro passo é a delimitação de seu objeto de estudo. Para o autor, existem operários e funcionários que trabalham para uma organização, mas isto não faz deles homens organizacionais. Estes últimos, a seu ver, são aqueles que pertencem à organização mais do que trabalham para ela. Pertencer à organização é, nesta colocação, uma opção e uma ideologia comuns na classe média norte-americana, que inclui o deslocamento não apenas físico, mas espiritual do lar para a organização e a defesa da perpetuação das grandes instituições norte-americanas. Embora Whyte reconheça que nem todos os participantes de organizações possam ser enquadrados nesse tipo, tem como um dado que os que ali se enquadram constituem, indiscutivelmente, o grupo predominante na sociedade americana.

O homem organizacional não é um tipo exclusivo da empresa, da administração pública, do hospital, do sindicato, ou de qualquer grande organização presente na sociedade, embora, para Whyte, seja na grande empresa que ele aparece de forma mais clara. Intrinsicamente, todavia, ele não difere muito de seus correspondentes em outras grandes organizações. "Quaisquer que sejam as diferenças, no que tange a suas ligações organizacionais, são os problemas comuns do trabalho coletivo que dominam suas atenções, e quando o homem da Du Pont fala ao químico de pesquisa e este ao militar, são esses os problemas mais importantes. "5 5 Whyte Jr. & William, H. The organization man. New York, Doubleday and Company, Garden City, 1956, p. 4. Para Whyte, o reconhecimento de que vivemos uma era da organização obrigar-nos-ia a pensar não apenas em como cooperar, mas também em como resistir. Isto implicaria admitir que o reconhecimento dos dilemas da sociedade organizacional não seria inconsistente com a premissa de que tal sociedade possa ser tão compatível para o indivíduo como qualquer outra que lhe tenha antecedido. Todavia, isto não seria viável se alguns valores americanos não tivessem entrado em decadência. Fundamentalmente, segundo o autor, é necessário admitir a decadência da ética protestante. A seu ver, a I Guerra Mundial representou um golpe para tais valores, golpe este do qual jamais se recuperariam. "O individualismo ferrenho e o trabalho intenso fizeram maravilhas para aqueles a quem Deus, em sua infinita sabedoria, como se costuma dizer, deu o controle da sociedade, Mas isto não foi tão maravilhoso para muitas pessoas e estas, bem como os intelectuais, tornaram-se bastante conscientes do fato."6 6 Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 24.

Na verdade, a idéia do homem organizacional faria parte de uma ideologia mais ampla, da qual o cientificismo parece ser um dos denominadores importantes. Parece bastante difundida, nos Estados Unidos, a idéia de que podemos criar uma ciência quase exata do homem, utilizando as técnicas das ciências físicas. A ciência teria sido aplicada às coisas, mas não às pessoas, na extensão do possível e do desejável. Tal posição, freqüentemente, contrapõe ciência a humanismo, e espera das pessoas uma opção em termos de valores. A escolha entre a ciência e o humanismo é falsa e, por isto, até ela é feita em termos ideológicos. A idéia de uma elite científica dominante pode mesmo chegar a seduzir muitos, mas ela não passa de uma utopia. "Como afirmou Gunnar Myrdal, discorrendo sobre seu próprio modelo em Um dilema americano, emprestando a noção de equilíbrio da física, muitos cientistas sociais passaram a pensar em apenas um tipo de equilíbrio, o equilíbrio estável, o que leva geralmente a uma aceitação da harmonia social",7 7 Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 32. da organização como um sistema e do homem organizacional.

Outro denominador importante dessa ideologia seria o senso de pertencer. Para muitos americanos, a sociedade que está sendo criada restaura a harmonia social perdida, dando a todos o sentido de ter, nela, o seu lugar ao sol. Élton Mayo, o papa da Escola de Relações Humanas, seria, neste sentido, um profeta. A organização seria, nessa linha, o paraíso da harmonía e, para tanto, as técnicas de grupo seriam de enorme utilidade. Todos os intelectuais que trabalharam nessa linha, inclusive Frank Tannenbaum e Lloyd Warner, de uma forma ou de outra aceitaram o pressuposto de que o homem precisa ser dotado do sentimento de pertencer, e que, sem isto, ele é infeliz.8 8 Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 50. Sem discutir a validade de tal pressuposto, é preciso lamentar o fato de que sua aceitação estimule a dependência, a renúncia à própria responsabilidade, bem como o homem organizacional.

Finalmente, um terceiro denominador comum dessa ideologia seria a crença de que não basta ao homem o senso de pertencer; ele precisa sentir que pertence conjuntamente com outras pessoas. Existem duas basessuportes para tal crença: a primeira é de ordem científica e se expressa na idéia de que a ciência provou que o grupo é superior ao indivíduo. Trata-se de uma justificação falsa, visto que tal superioridade manifesta-se para o desempenho de determinadas tarefas sob determinadas circunstâncias. A segunda, todavia, de ordem moral, parece ser bem mais forte. "Para o homem organizacional, a procura das melhores técnicas de grupo é algo semelhante a uma cruzada, uma cruzada contra o autoritarismo, por maior liberdade, por maior reconhecimento do administrador de nível médio. A palavra-chave é 'democrático', com alguma justificação o homem organizacional argumenta que o individualista do velho estilo ... constitui uma inibição ao fluxo de idéias na moderna organização"9 9 Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 51. e ao bem-estar geral. Em última análise, este tipo de argumentação parece absolutamente correto. Ocorre, porém, que a independência individual é, também, algo importante e que pode, igualmente, ser justificada científica e moralmente. Ocorre, também, que a falsa coletivização pode ser apenas uma forma a mais de autoritarismo, repressão e controle. Considerações desse gênero não parecem, entretanto, compor a ideologia do homem organizacional.

Em última instância, a figura do homem organizacional encontra sua explicação necessária na figura de sociedade organizacional. A idéia, claramente, parece ser a de que uma sociedade moderna, caracterizada pela existência de um grande número de grandes organizações, a ponto de se poder afirmar que o homem passa a delas depender para nascer, viver e morrer, requer um tipo todo especial de personalidade, no qual estejam presentes a flexibilidade, a resistência à frustração, a capacidade de adiar recompensas e o desejo permanente de realização. São estas as características que permitem a participação simultânea em vários sistemas sociais, nos quais os papéis desempenhados variam, podendo mesmo chegar à inversão, bem como a desligamentos bruscos de organização e de pessoas e aos conseqüentes novos relacionamentos, sem grandes desgastes emocionais. A flexibilidade torna-se mais do que uma necessidade, em um tipo de vida em que tudo se transforma rapidamente.10 10 Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 435. A grande tolerância à frustração e a capacidade de adiar recompensas agem como compensações à necessidade que o homem tem de se entregar a tarefas rotineiras na organização, esquecendo-se, de preferência, de laços pessoais. A mediação dos conflitos que, inevitavelmente, surgem como manifestação de um conflito maior entre necessidades organizacionais e necessidades individuais, é procurada nas normas racionais, escritas e exaustivas que pairam sobre as organizações como divindades onipotentes. O desejo permanente de realização, por seu turno, garante a conformidade com tais normas, que asseguram o acesso a posições de carreira, estabelecidas em ordem crescente pela alta administração. Desta forma, a cooperação é conseguida em função do desejo intenso de obtenção de recompensas sociais e materiais, o qual também é responsável pela submissão do indivíduo ao processo, muitas vezes doloroso, de socialização que lhe é imposto pela organização para o desempenho de vários de seus papéis, especialmente daqueles mais especializados. Uma observação importante, que se faz necessária, refere-se ao fato de que as organizações não exigem a presença de tais qualificações maximizadas. Sua complexidade torna úteis composições diversas de personalidade para o preenchimento de seus cargos altamente diferenciados.

À primeira vista, e nisso estamos de acordo com Whyte, o homem organizacional, dotado de tais características, parece liberto da ética protestante, a qual, segundo Max Weber, tem relação estreita com o espírito do capitalismo moderno.11 11 Weber, Max. A ética protestante e o espirito do capitalismo. Säo Paulo, Pioneira, 1917. Tal distanciamento, a nosso ver mais aparente do que real, vem do fato de que enquanto a personalidade requerida pela sociedade moderna é cooperativa, a ética protestante exalta o individualismo. Parece-nos, entretanto, que algumas das virtudes menores do protestantismo ascético, tais como integridade, conformismo e realização, desempenham um papel de enorme relevância na determinação do comportamento do homem organizacional. É indiscutivel que um grande número de pessoas que participam de organizações ressente-se do conformismo exigido. As forças que determinam tal conformidade não são, entretanto, tão poderosas a ponto de impedir a explosão lenta das potencialidades criadoras do homem, e o próprio desejo permanente de realização acaba por se constituir em poderoso agente de mudança. Tal fato, ainda que excepcional, apenas vem reforçar o caráter natural e, muitas vezes, dinâmico do conflito organizacional.

O homem organizacional não é nem mais nem menos do que a própria organização e a sociedade organizacional. Ele não tem identidade porque não age em nome de motivos próprios reais, mas, sim, em nome de uma fantasia. Sua existência, como a da organização e da sociedade organizacional, baseia-se na repressão e no autoritarismo, mesmo quando parece lutar com isso. Sua figura, embora extremamente característica de uma época, não é menos transitória do que esta.

Vivemos, realmente, em uma sociedade de organizações, porque o capitalismo evolui, como era de se esperar que evoluísse. A produção e distribuição de mercadorias estão cada vez mais desenvolvidas. O Estado e as organizações oligopolistas internacionais conduzem o processo de acumulação.

O capital se integra e, no seu processo de expansão, não conhece fronteiras nacionais. As grandes empresas estão voltadas não só para a reprodução do capital, mas também para a reprodução da força de trabalho. Esta função é repartida com a escola, que fornece mão-de-obra de acordo com a divisão social e técnica do trabalho.

As formações sociais modernas, realmente, são caracterizadas por um complexo organizacional diversificado, mas logicamente articulado. Além da empresa e da escola e, sem nem de longe esgotar o complexo, estão organizações voltadas para a reeducação ou isolamento dos elementos dissidentes do corpo social. Quase todas as instituições totais têm essas características, mas as prisões talvez constituam as mais típicas e historicamente estáveis dessas organizações. Há, ainda, entre tantas outras, os partidos políticos, que se voltam para as articulações, em torno do poder político, e, também, para sua derrubada.

O homem, diante da organização e da sociedade organizacional assim entendida, tem necessariamente que ser visto em termos de suas relações com seu semelhante. Essas relações não são simples e precisam ser vistas como um processo de ampla reciprocidade na cooperação e na competição. O homem, diante da sociedade organizacional, vê as relações de dominação serem reproduzidas diante dele, através dele e por meio dele. É o homem que faz. da empresa e do Estado, a sua vida e a sua obra, ou que nega qualquer convivência com a dominação. Continua, porém, a ser agente da história, continua precisando viver uma prática que implica ideais, certamente, mas não um idealismo fantástico e estéril. O ideal sem fantasia é algo que implica uma concepção crítica da própria ação; uma depuração contínua, que só o homem pode fazer; uma percepção de que apenas em conjunto com os outros homens poderá construir a história e superar a repressão que se edifica sob seus olhos e ameaça o seu chão.

A sociedade organizacional é a sociedade da burocracia que, nascida na produção e no Estado, expandese para todas as esferas da vida social. A burocracia contemporânea, no nível de formações sociais concretas, implica uma política econômica e uma economia política. A superação histórica da sociedade altamente burocratizada não pode estar divorciada da superação das bases materiais e institucionais em*que ela floresce, nem da moral que amadurece seus frutos.

  • 1 Presthus, Robert. The organizational society: an analysis and a theory. New York, Caravelle Edition, Vintage Books, A Division of Random House, 1965.
  • 5 Whyte Jr. & William, H. The organization man. New York, Doubleday and Company, Garden City, 1956, p. 4.
  • 11 Weber, Max. A ética protestante e o espirito do capitalismo. Säo Paulo, Pioneira, 1917.
  • 1
    Presthus, Robert.
    The organizational society: an analysis and a theory. New York, Caravelle Edition, Vintage Books, A Division of Random House, 1965.
  • 2
    Veja Laidler, H. W
    .Concentration of control in american industry. New York, Thomas y Crowell, 1931. Apud Presthus, Robert, op. cit., p. 72.
  • 3
    Veja Woytinoki, W. S. & Associates.
    Employment and wagens in the United States. New York, Twentieth Century, 1953. Apud Presthus, Robert, op. cit., p. 78.
  • 4
    Presthus, Robert, op. cit., p. 131.
  • 5
    Whyte Jr. & William, H.
    The organization man. New York, Doubleday and Company, Garden City, 1956, p. 4.
  • 6
    Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 24.
  • 7
    Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 32.
  • 8
    Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 50.
  • 9
    Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 51.
  • 10
    Whyte Jr. & William, H. op. cit., p. 435.
  • 11
    Weber, Max.
    A ética protestante e o espirito do capitalismo. Säo Paulo, Pioneira, 1917.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1978
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