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Redistribution with growth: policies to improve income distribution in developing countries in the context of economic growth

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Alkimar R. Moura

Redistribution with growth: policies to improve income distribution in developing countries in the context of economic growth

Por Hollis Chenery e outros. Oxford University Press, 1974, XX, 304 p.

Este livro pretende ser um relatório de pesquisas em andamento, com o objetivo de estudar a relação entre o crescimento e a distribuição de renda nos países subdesenvolvidos. Tais pesquisas estão sendo conduzidas por um grupo de economistas do Banco Mundial e do Institute of Development Studies da Universidade de Sussex, Inglaterra. Pela leitura do prefácio, verifica-se que o livro experimentou um processo de gestação consideravelmente longo, Um conjunto de trabalhos, descrevendo o estado da arte, foi apresentado em uma mesa-redonda realizada no Centro de Conferências da Fundação Rockefeller, em Bellagio, na Itália, em abril de 1973. Esta reunião deu origem a uma primeira versão do. trabalho, preparada por cinco participantes, a qual foi posteriormente discutida em conferências e seminários nas Universidades de Sussex e Harvard, bem como no Banco Mundial.

O livro, editado recentemente, procurou sintetizar as idéias iniciais, expandi-las e colocá-las dentro de um esquema analítico mais sólido. Esta prudência, que alguns poderiam considerar excessiva, em divulgar o relatório final, é compreensível, já que o livro trata de assuntos que, até há bem poucos anos, eram considerados explosivos e não-respeitáveís o bastante para serem analisados pelos praticantes da chamada teoria econômica convencional. Se o próprio economista acadêmico relutou em admitir a importância do problema da distribuição de renda, não é de se admirar que uma instituição financeira internacional, como o Banco Mundial tenha revelado grande cuidado no preparo do livro. Afinal, seus autores chegam a advogar abertamente medidas para redistribuir a renda e a riqueza entre nações, regiões, setores e grupos de pessoas. Estas medidas certamente não se enquadram dentro da postura tradicional daquela instituição financeira, mais preocupada, juntamente com o Fundo Monetário Internacional, em se apresentar como sendo o guardião internacional de princípios econômicos bastante conservadores.

O livro consiste de um conjunto de vinte e um artigos, escritos individualmente ou em colaboração, distribuídos por três partes. Os ensaios da primeira parte discutem inicialmente o problema da pobreza nos países. subdesenvolvidos. Segue-se a isto uma análise dos instrumentos de política econômica, que poderiam ser utilizados pelos governos para alterar o padrão de distribuição de renda. Várias estratégias são propostas para se atingir os grupos pobres nas zonas urbanas e rurais. A primeira parte termina com um exame da dimensão internacional do problema da desigualdade de renda entre nações e das modificações de políticas que se fazem necessárias para alterar a tendência em direção a diferenciais de renda crescente entre países.

A segunda parte, que leva o título de Quantificação e Modelação, procura elaborar e expandir o acervo existente de modelos de crescimento econômico, com a preocupação de incorporar padrões de distribuição de ativos e fluxos de renda para diferentes grupos' socioeconómicos. Finalmente, a terceira parte revê brevemente a experiência de seis países, que foram razoavelmente bem sucedidos na implementação de políticas visando alcançar uma distribuição ampla dos benefícios do processo de desenvolvimento (índia, Guba, Tanzânia, Ceilão, Coréia do Sul e Formosa). A omissão da China desta última lista de países, embora compreensível, é lamentável, pois a experiência chinesa parece ser daquelas que tiveram mais êxito na criação de uma sociedade em bases bem igualitárias.

Ao invés de rever cada um dos artigos individualmente, este trabalho concentrar-se-á no exame de três capítulos, a saber, o capítulo I, que reúne a evidência empírica disponível sobre a questão da desigualdade de renda e níveis de pobreza entre países; o capítulo II, que representa um esforço teórico para analisar a relação entre o processo de crescimento econômico e distribuição de renda; e o capítulo IV, que trata dos instrumentos de política econômica disponíveis para que os governos possam reorientar a trajetória de crescimento econômico, no sentido de torná-lo mais democrático na distribuição dos seus benefícios.

Um tema comum une todos os capítulos do livro. Ele pode ser resumido na constatação de que a ênfase em políticas de crescimento. por parte dos países subdesenvolvidos, nas duas últimas décadas, apresentou um sucesso acima das expectativas; no entanto,. esse mesmo processo trouxe pouco ou quase nenhum benefício para os: grupos de mais baixa renda naqueles países. Esta foi a evidência dramática com que osformuladores de política e os economistas confrontaram-se, ao final daquela que deveria ter sido ar primeira década de desenvolvimento. Tornou-se claro que a aceleração do crescimento da renda per capita não era suficiente para gerar uma difusão automática das benesses associadas à expansão da economia/entre todos os grupos socioeconómicos.

No capítulo I, M.S. Ahluwalia procura dar um conteúdo empírico a algumas questões que são suscitadas pela constatação acima. A primeira questão se relaciona à mensuração da desigualdade econômica, vale dizer, como medir pobreza absoluta e relativa. Utilizando dados de 66 países, classificados pela renda per capita e pelo nível de desigualdade (este foi medido pela fração da renda nacional apropriada por 40% das famílias mais pobres, por 40% das famílias médias e por 20% das famílias mais ricas), o autor foi capaz de identificar alguns padrões genéricos. Assim é que os países socialistas apresentaram o mais elevado índice de igualdade de renda; os países desenvolvidos distribuemse mais ou menos equitativamente entre grupos de baixa e moderada concentração. De outro lado, grande maioria dos países subdesenvolvidos situou-se nas categorias de moderada e alta desigualdade.

A importância da desigualdade aparece também na comparação do nível absoluto de pobreza nos países subdesenvolvidos, já que fica demonstrado que o grau de concentração de renda e o nível de renda per capita influenciam o nível absoluto de pobreza. No que diz respeito à relação entre taxa de crescimento do PNB e modificações na distribuição dos rendimentos, não se pode extrair nenhuma conclusão sobre o sentido da causalidade entre os dois fenômenos (embora o autor não tenha procurado testar a hipótese estatisticamente, devido à inexistência ou pequena confiabilidade nos dados históricos de distribuição de renda). Assim sendo, Ahluwalia conclui que "existe uma base empírica muito frouxa para justificar a proposição de que altas taxas de crescimento geram inevitavelmente uma maior desigualdade" (p. 13).

A segunda questão empírica discutida neste capítulo se relaciona com os fatores que determinam o grau de desigualdade de renda em vários países. Aqui, a resposta sugerida pelo autor está longe de ser satisfatória. Sabe-se que a análise econômica não foi ainda capaz de oferecer uma teoria para explicar a distribuição por tamanho das rendas individuais. As explicações ou se baseiam numa aplicação simplista da teoria marginalista, ou se constituem apenas em generalizações empíricas do tipo da equação de Pareto. Em vista disso, o autor procurou extrair relações de associação entre variáveis que, no seu entender, poderiam explicar variações no grau de desigualdade entre países. Estimou-se, pois, uma regressão múltipla, tendo como variável dependente a fração de renda e, como variáveis independentes, as seguintes: PNB per capita, taxa de crescimento do PNB, matrículas nas escolas primária e secundária, crescimento populacional, a parcela da agricultura na produção total e uma vairávei dummy para países desenvolvidos e socialistas. Os resultados desse exercício econométrico não foram muito encorajadores, no sentido de que o modelo explicou muito pouco das variações observadas na distribuição de renda. Obviamente, torna-se quase impossível avaliar o significado econômico de qualquer empreendimento empírico semelhante ao realizado pelo autor, pois não se dispõe do modelo teórico que serviu de base às estimativas econométricas. Qualquer resultado pode, então, ser racionalizado a posteriori, o que significa que o modelo nada explica. Além disso, este tipo de abordagem deixa de considerar um importante determinante da concentração de renda, ou seja, as políticas econômicas de curto e médio prazos. Tais medidas que os governos geralmente implementam, visando atingir objetivos macroeconômicos aparentemente razoáveis, podem ter impactos fortemente regressivos sobre o perfil de distribuição de. renda. Existem exemplos abundantes - e aí se inclui a própria experiência brasileira recente - que mostram como a implementação de políticas monetárias, fiscais, financeiras, comerciais e de salários pode atuar de maneira discriminatória contra os grupos mais pobres,, provocando um processo de transferência de renda que agrava a concentração não somente dos rendimentos, mas também da riqueza. O efeito destas políticas tem sido, quase sempre, negligenciado na análise dos fatores responsáveis pelo grau de desigualdade econômica observado em muitos países subdesenvolvidos. Seria desejável que os economistas que se preocupam com tais problemas dessem mais atenção à análise dos efeitos de políticas macroeconômicas de curto e médio prazos sobre a distribuição da renda.

O segundo artigo, de autoria de M. S. Ahluwalia e H.Chenery, é, sob vários aspectos, o mais importante do livro. Nele, os autores fazem uma tentativa de justificar, teoricamente, uma reformulação nos esquemas de análise de políticas governamentais, no sentido de se incorporar o impacto diferencial daquelas políticas sobre o bemestar dos vários grupos socioeconómicos. Aceitando-se a necessidade de uma estratégia de crescimento com eqüidade para os países em desenvolvimento, a função de bem-estar da coletividade deveria refletir esta decisão de maneira contundente. Um dos modos de se alcançar este objetivo seria a atribuição de diferentes ponderações aos aumentos de renda para os vários grupos sociais, de acordo com o grau de redistribuição que se julgar desejável.

Na medida em que o formulador d õe um sistema de ponderações, diferente daquele gerado pela atuação das forças de mercado, ele se dispõe a enunciar juízos de valor sobre a desejabilidade de aumentos de renda para diferentes grupos sociais. Isto representa, de fato, uma alteração profunda do papel que os livros-textos de economia atribuem ao economista encarregado de formular políticas. Este, segundo a visão convencional, enquanto economista, não deve fazer nenhum juízo de valor acerca de modificações de bem-estar da sociedade, a não ser que as alterações constituam uma melhoria no sentido paretiano.

Obviamente, modificações na distribuição de renda não se enquadram naquela categoria. Ahluwalia e Chenery mostram, no entanto, a falácia da visão convencional. Ao se negarem a emitir juízos éticos sobre os efeitos distributivos de qualquer política, os economistas estão, de fato, aceitando um julgamento valorativo, ou um sistema de ponderações implícito, onde os pesos são determinados pelo padrão existente de distribuição de renda. Para exemplificar, a aceitação do crescimento do PNB como um indicador de sucesso econômico constitui-se em um caso especial de uma função social de bem-estar. As ponderações aí implícitas são a fração de renda que cada grupo socioeconómico detém na renda nacional.

No caso de um país subdesenvolvido típico, onde os 40% mais ricos da população recebem cerca de três quartos da renda nacional, isto significa que a taxa de crescimento do PNB mede essencialmente o crescimento da renda daqueles 40%, não sendo, portanto, afetada pelo que acontece com a renda dos 60% mais pobres da população. Assim, eles recomendam que se deva medir a performance econômica de um país por um índice ponderado pela pobreza, o qual atribuiria maior peso ao crescimento da renda dos grupos mais pobres e, em contrapartida, daria pouca importância ao acréscimo de rendimentos da minoria mais bem aquinhoada. Não há dúvida de que tal índice representa um avanço em relação às práticas correntes que enfatizam o crescimento da renda per capita. De outro lado, aquela modificação ainda não toca no problema da decisão coletiva de que pesos escolher, como escolhê-los e quem deverá selecioná-los. Embora importantes., estas perguntas não são sequer mencionadas no livro.

No mesmo capítulo, os autores tentam integrar os elementos mais importantes das teorias de crescimento e de distribuição, com o objetivo de explicar as inter-relações entre a manipulação dos instrumentos de política econômica e os seus efeitos sobre o aumento de renda da parcela mais pobre da população. Estas mesmas idéias são desenvolvidas também no capítulo XI.

Neste último, os autores exploram, por meio de um modelo de simulação e análise de sensitividade, os efeitos de três diferentes alternativas de política econômica sobre o padrão de crescimento e sobre adistribuição de renda. As alternativas examinadas são as seguintes: redistribuição do consumo, redistribuição de investimento e restrições salariais.

Os autores reconhecem, explicitamente, que a distribuição de renda para os grupos de rendimentos mais baixos depende, em larga medida, da maior ou menor concentração de quatro tipos de ativos: terra, capital de propriedade privada, capital humano e acesso aos bens de capital coletivos. Esta dependência, contudo, coloca alguns problemas para o analista econômico, já que a teoria econômica, pelo menos na sua versão mais tradicional, ainda não foi capaz de formular uma moldura teórica que explique a distribuição pessoal de ativos. Apesar disto, os autores recomendam que as políticas governamentais deveriam tentar modificar o padrão de concentração de ativos. Para tanto, justifica-se o redirecionamento dos gastos de investimento para beneficiar as camadas mais pobres da população, além de uma combinação de medidas como educação, acesso ao crédito, reforma agrária e aumento da disponibilidade de bens coletivos.

Alguns comentários devem ser feitos sobre o conteúdo do capítulo IV, que discute os instrumentos de política econômica que existem para reorientar o processo de desenvolvimento no sentido de maior igualdade.

M. S. Ahluwalia apresenta uma lista bastante ampla das seguintes áreas de intervenção: mercado de fatores de produção, propriedade e controle de ativos (ativos físicos e também habilidade humana), tributação sobre a riqueza e renda pessoais, provisão de bens de consumo coletivo, mercados de produtos, tecnologia. Os aspectos positivos e negativos de cada uma delas são então analisados. Segundo o autor, não existe um único instrumento de política que assegure sucesso na obtenção dos objetivos distributivistas. Além disso, alguns instrumentos implicam claramente um trade off entre crescimento e eqüidade, como, por exemplo, quando se decide canalizar recursos para investimentos de baixa produtividade e com longos períodos de gestação, com o objetivo de ajudar os grupos de mais baixa renda.

É interessante salientar que os resultados das simulações de política, discutidos no capítulo XI, favorecem uma abordagem que o' autor chama de eclética para o problema da estratégia de crescimento com eqüidade. Naqueles exercícios, três alternativas foram consideradas: a) redistribuição do consumo em favor dos grupos mais pobres, igual a 2% do PNB em cada ano; b) uma redistribuição dos investimentos públicos, para aumentar os estoques de capital disponível para a parcela da população de mais baixa renda - também igual a 2% do PNB em um período de 25 anos; c) congelamento dos salários reais no setor moderno da economia, de modo a provocar uma transferência de renda dos assalariados para os empresários.

De acordo com os resultados das simulações, a transferência de investimento revelou-se o melhor instrumento redistributivista. Todavia, mesmo esta alternativa não foi capaz de produzir alterações substanciais no padrão de distribuição de renda ao longo do tempo. Em verdade, seria necessário um prazo de 40 anos para que a fração de renda detida pelos 40% mais pobres aumentasse de 14,6% para 18,9%. Isto sugere claramente qué, se se pretende melhorar a distribuição de renda a um ritmo mais rápido, uma combinação de uma transferência de fluxos e transferência de estoques deve ser implementada. Esta é exatamente a essência da abordagem eclética sugerida por M. S. Ahluwalia

Seria desejável que este livro provocasse um impacto na literatura sobre desenvolvimento econômico nos próximos anos. E que este impacto não ficasse limitado à comunidade acadêmica, mas que se estendesse até os formuladores de política, políticos, planejadores e outros atores responsáveis pela formulação de estratégias de desenvolvimento para os países subdesenvolvidos. O livro é de fácil leitura e, mesmo os capítulos mais técnicos, são escritos numa linguagem clara, evitando cuidadosamente o jargão esotérico dos construtores de modelos. Em resumo, embora o livro não possa ser considerado um marco na literatura sobre desenvolvimento, a força de suas idéias é suficientemente robusta para catalizar novos esforços de pesquisa sobre o assunto. E, mais do que isto, seria desejável que o livro pudesse desencadear um conjunto de políticas que pudessem contribuir para melhorar o perfil de distribuição de renda nos países subdesenvolvidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1978
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