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Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Denice Barbara Catani

Ideologia e educação brasileira - católicos e liberais

Por Carlos Roberto Jamil Cury. São Paulo, Cortez e Moraes, 1978. 201 p.

A recente explosão do mercado editorial nacional e o significativo aumento das publicações na área de ciências humanas trouxeram, também, um acréscimo aos estudos editados sobre educação. Os últimos lançamentos da tradicional Livraria Editora Francisco Alves e os da nova editora Cortez e Moraes evidenciam notória concentração de temas ligados ao ensino. Incluindo análises históricas, sociológicas e metodológicas das questões educacionais, apresentam coleções integradas por Bourdieu e Passeron, ou por jovens estudiosos que lançam os trabalhos acadêmicos que lhes valeram o grau de Mestre nos cursos de pós-graduação, como é o caso do presente ensaio de Carlos Roberto Jamil Cury. As duas editoras lançaram, entre 1977 e 1978, aproximadamente 15 títulos sobre educação, e isto parece indicar simultaneamente a expansão do mercado consumidor da literatura pedagógica e o aumento do interesse acadêmico sobre as questões relativas ao ensino.

Nesse quadro, surgiram vários estudos sobre a história da educação brasileira, e o tema da participação da Igreja como força ideológica nos debates e reformas educacionais no país mereceu duas publicações relevantes: a de Danilo Lima, Educação, Igreja e ideologia, que analisa a participação da Igreja no processo de aprovação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 1961), uma das nossas leis mais controvertidas, cuja elaboração suscitou ardentes polêmicas; e, mais recentemente, Ideologia e educação brasileira - católicos e liberais, de C. R. Jamil Cury. Nesta, encontramos um estudo histórico-crítico das posturas ideológicas de católicos e liberais expressas nos debates travados por volta de 1930-34, quando foram ventilados os princípios educacionais que deveriam figurar na nova Constituição. Esses princípios, formulados a partir das posições de dois grupos - o dos católicos e o dos chamados "pioneiros da Escola Nova" - foram fruto, principalmente, do embate entre as idéias do Pe. Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima, de um lado, e de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, de outro.

E a história das representações opostas que os dois grupos criaram para alicerçar e justificar suas reivindicações para a educação brasileira, que Jamil Cury apresenta por meio do exame dos discursos dos intelectuais envolvidos no processo. Dividido em cinco capítulos, o livro traz uma breve introdução onde se delimita o tema do trabalho e se examina a noção da ideologia, baseada em Berger, Lukács e Sohaff. Nos dois capítulos iniciais, busca-se discutir, respectivamente, as "versões ideológicas" do grupo católico e dos pioneiros da Escola Nova. Tais grupos partiam do pressuposto segundo o qual o mundo encontrava-se em crise - para os católicos, uma crise das consciências que vacilam entre seus deveres, e para os pioneiros uma crise da civilização em mudança, devido às transformações causadas pelo avanço científico e tecnológico.

Com base nesse pressuposto, são forjadas as idéias educacionais que se articulam em ambos os casos, o dos pioneiros e o dos católicos, com concepções de homem e de mundo bem diversas e específicas. Para os católicos, a educação deve ser tarefa da Igreja, incumbida de elevar as consciências à sua verdadeira destinação espiritual, preparando-as para a vida em sociedade. Para os pioneiros da Escola Nova, no mundo em crise, a educação, baseada em métodos apoiados nas ciências, tem por fim integrar as gerações às novas condições de vida do mundo em mudança. Assim, princípios como obrigatoriedade, gratuidade, laicidade e co-educação passam a constituir as bandeiras da luta dos educadores reformistas.

O terceiro capítulo, diga-se de passagem o mais arguto, destina-se ao exame da "versão ideológica" do Estado, visto pelo autor como mediador das posições da Igreja e do grupo dos reformadores, e que consegue conciliar parte das reivindicações de cada um dos grupos e incorporá-las à nova Constituição. Observações bastante originais são feitas pelo autor nesse capítulo, evidenciando a tendência "mediadora" do Estado, pela qual o governo de Vargas pôde fazer concessão aos anseios reformistas dos pioneiros, aos quais não poderia desagradar de todo, uma vez que entre eles se encontravam membros importantes da estrutura burocrática de seus ministérios e secretarias de Estado. Igualmente, não poderia contrariar de frente as reivindicações dos setores católicos, importantes enquanto segmentos da classe dominante. Daí ter sido necessário ceder-lhes, também, terreno para inspirar os preceitos constitucionais. No capítulo seguinte, em que são confrontadas as duas versões, a dos católicos e a dos pioneiros, realça-se ainda mais esse papel conciliador do Estado.

O capítulo final estabelece conclusões gerais sobre a problemática da educação na década de 30 e chama a atenção para aspectos relevantes, tais como o fato dos pioneiros e dos católicos não terem baseado suas propostas para a educação em necessidades existentes e sim em modelos normativos, como foi tradicional em nossa história da educação. Assim, é a elucidação dos meandros percorridos pelas idéias e propósitos reformistas da educação brasileira nos anos 30 que faz com que o livro de C. R. Jamil Cury se torne leitura importante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1979
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