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Administração da dívida pública

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Olga Maroso Hajj

Administração da dívida pública* * Este trabalho foi elaborado sob a supervisão acadêmica do professor Eurico Korf, a quem a autora agradece a colaboração.

Por Treuherz, Rolf M. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios, 1979.

O assunto dívida pública tem constituído, ultimamente, um dos pratos de resistência das discussões de economistas e leigos em torno de aspectos peculiares da economia brasileira. Inter-relacionada sempre com o problema do controle da inflação, a dívida pública tem sido abordada sob diversos ângulos, evidenciando-se, contudo, uma preocupação fundamental: a tentativa de identificá-la ou não como uma das principais fontes do processo inflacionário em fase de recrudescimento.

Interessante lembrar, a respeito, que até bem pouco tempo a dívida pública - especialmente sob a forma de emissão de títulos públicos era apresentada como meio não-inflacionário de financiar os déficits do Tesouro Público, déficits estes considerados benéficos e necessários à promoção do desenvolvimento, com relativa estabilidade monetária, da economia nacional.

Até 1964, o mercado de títulos públicos no Brasil era praticamente inexistente. Aliás, esta verificação é verdadeira também em relação aos títulos - ou haveres não-monetários - privados. Nestas condições, o mercado financeiro brasileiro anterior a 1964 fundava-se na quase exclusiva manipulação dos haveres monetários: papel-moeda em poder do público e depósitos a vista no sistema bancário. Segundo dados constantes do trabalho em epígrafe (p. 11), em 1962 o sistema financeiro contava com nada menos que 94% de haveres monetários e apenas 6% de haveres não-monetários - instrumentos de crédito público e privado. Em outubro de 1978 a situação apresenta-se radicalmente mudada, com os haveres não-monetários representando 69% dos haveres financeiros do sistema, ficando os restantes 31 % com os haveres monetários. Esta mudança significativa na composição dos haveres do mercado financeiro nacional é conseqüência, obviamente, da reforma institucional promovida após a revolução de 1964, cuja política econômica enfatizava o desenvolvimento do mercado financeiro e da poupança interna, por meio da instituição de vários mecanismos, entre os quais a correção monetária.1 1 O mercado de títulos públicos foi, na verdade, recriado a partir de 1964, já que tais títulos, importantes mecanismos de captação de poupança durante a República Velha, haviam sido esvaziados na década de 1940, exatamente pela ausência de correção monetária numa época de inflação crescente.

Observando-se os dados desagregados relativos aos haveres não-monetários também constantes do trabalho ora enfocado (p. 12), verifica-se:

a) o crescimento espetacular da participação relativa dos títulos da dívida pública, que aumentaram, em percentagem, cerca de 26 vezes, se considerado o período de 1962 a outubro de 1978 (em termos absolutos, os títulos públicos passaram de Cr$ 3 bilhões em 1962 para Cr$ 370 bilhões em outubro de 1978);

b) em outubro de 1978, os títulos da dívida pública já representavam mais de 37% do total dos haveres não-monetários do sistema financeiro, indicando uma clara predominância destes títulos na preferência dos investidores, em detrimento de outros tipos de instrumentos de crédito, entre os quais os depósitos a prazo fixo, os aceites cambiais e as letras imobiliárias; apenas os depósitos de poupança tiveram desempenho satisfatório, se comparados com os títulos públicos;

c) a predominância quase absoluta da dívida pública federal (ORTN e LTN) no contexto da dívida pública; as dívidas públicas estaduais e municipais, praticamente inexistentes até 1972, em outubro de 1978 representavam apenas cerca de 11% do total da dívida pública;

d) o crescimento ainda mais expressivo dos títulos de curto prazo da dívida pública federal (LTN), em detrimento dos títulos de longo prazo (ORTN), que apresentaram um crescimento negativo, em termos relativos, desde o seu lançamento em 1967 até outubro de 1978.

Estes dados parecem indicar algumas características importantes do desenvolvimento do aludido sistema financeiro institucionalizado após as reformas de 1964.

Em primeiro lugar, chama a atenção o excessivo peso da política econômica federal no comportamento do mercado financeiro, mediante a participação relativamente grande dos títulos da dívida pública federal. Em outras palavras, os mecanismos tradicionais do mercado, que agem através das preferências dos investidores, têm poucas oportunidades de atuar significativamente num sistema em que a concorrência é quase anulada pela predominância de um único título.

Em segundo lugar, o próprio perfil da dívida pública federal, em que predominam os títulos de curto prazo, parece indicar que as dificuldades enfrentadas na condução da política econômica têm reflexos negativos sobre o funcionamento do mercado financeiro. Em decorrência, a forma como vem sendo financiado o giro da dívida pública federal estabelece certos parâmetros de comportamento do mercado - a taxa de juros, por exemplo - que nada tem a ver com a livre concorrência, desvirtuando-se, desta forma, o clássico mecanismo de mercado, em favor da especulação pura e simples. É neste sentido que, nos últimos tempos, a dívida pública vem sendo apontada como fator de realimentação da inflação, pois, dadas as características reais assumidas pelos títulos públicos, num mercado distorcido e altamente especulativo, eles pouco diferem da moeda, cuja emissão é em geral apontada como causa de inflação.

As considerações iniciais procuram evidenciar a atualidade e a importância do tema abordado pelo Prof. Rolf M. Treuherz. Sendo o trabalho essencialmente descritivo do sistema institucional, adotado para a gerência da dívida pública do estado de São Paulo, não discute os aspectos específicos do funcionamento do mercado em que estes títulos devem concorrer com os demais na obtenção de recursos adicionais para o financiamento das despesas do Tesouro paulista. A grande preocupação do autor, contudo, expressa logo nas páginas iniciais do livro, gira em torno da administração inteligente da dívida, num contexto em que os recursos provenientes do endividamento são cruciais, dadas a estrutura tributária e a discriminação de rendas vigentes no país, que privilegiam com receitas tributárias o Governo central.

A administração inteligente da dívida implica a manipulação dos instrumentos do mercado financeiro, de forma a garantir o fluxo adequado dos recursos ao menor custo possível para o tomador (no caso, o Governo do estado de São Paulo), custo este associado à remuneração esperada e desejada, não só pelos investidores finais, como também pelos intermediários que operam no sistema.

Rememorando as considerações iniciais, ocorre-nos a pergunta: quais são as reais possibilidades de realizar uma administração inteligente da dívida pública estadual, num mercado cujo comportamento é praticamente determinado pelos títulos do Governo federal? Isto sem contar as restrições impostas pela centralização, a nível de Governo-federal, das principais decisões relativas ao controle da dívida pública dos três níveis de governo, como bem demonstra o livro do Prof. Rolf M. Treuherz.

Neste sentido, o trabalho em apreço coloca-se como importante introdução ao estudo da dívida pública, com informações pormenorizadas, fruto da vivência do autor, não só sobre o próprio sistema paulista de administração da dívida, como sobre os títulos públicos em geral, de real interesse para estudiosos e investidores em geral. Além disso, sendo obra organizada de forma bastante didática, pode ser de grande utilidade como texto em cursos de finanças públicas, área carente de trabalhos nacionais.

Resta-nos a expectativa de que o autor que teve sua larga experiência de administrador da dívida pública atestada, na apresentação do livro, pelo então Secretário da Fazenda do estado de São Paulo, Sr. Murillo Macedo - possa oferecer-nos novos trabalhos, analisando outras questões relacionadas com o mercado dos títulos públicos, de forma a contribuir para o esclarecimento, não só dos mecanismos que regem o endividamento público, mas também de seu relacionamento com as demais variáveis da economia nacional.

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    Este trabalho foi elaborado sob a supervisão acadêmica do professor Eurico Korf, a quem a autora agradece a colaboração.
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    O mercado de títulos públicos foi, na verdade, recriado a partir de 1964, já que tais títulos, importantes mecanismos de captação de poupança durante a República Velha, haviam sido esvaziados na década de 1940, exatamente pela ausência de correção monetária numa época de inflação crescente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1980
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