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Livros-textos de marketing: um confronto crítico

ARTIGOS

Livros-textos de marketing: um confronto crítico

Raimar Richers

Professor do Departamento de Mercadologia, da EAESP/FGV

Um dos indícios mais acentuados do interesse pelo marketing no mundo inteiro é o número cada vez maior de livros didáticos que têm sido lançados no mercado nestes últimos 10 a 15 anos.

Evidentemente, a maioria desses livros é publicada nos EUA, de onde são difundidos pelo mundo inteiro por meio de traduções. Hoje em dia, somente no Brasil, dispomos de pelo menos 10 livros-textos sobre marketing, que concorrem entre si pela preferência do consumidor, como qualquer outro produto.

Recentemente, ocorreu-me a idéia de realizar um confronto analítico entre os livros-textos mais conhecidos na área de marketing, em parte para satisfazer uma mera curiosidade, em parte também porque a divulgação desse tipo de análise pode ser útil para professores, alunos e executivos. Acontece que o bom livro-texto é fonte riquíssima de informações objetivas, que tratam dos principais ângulos de uma dada matéria. Por ser, acima de tudo, uma obra didática, o livro-texto não pretende, nem precisa estar preocupado em revolucionar o pensamento científico. Para ser bem sucedido no mercado, é até preferível que esse tipo de publicação evite assuntos controvertidos e se concentre em "princípios" largamente aceitos pelos especialistas de seu campo.

1. OS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Os principais resultados de nossa análise bibliográfica figuram na matriz representada no quadro 1. Ela confronta um total de 18 livros-textos de marketing, dos quais 10 estão disponíveis em português, enquanto que os outros oito, escritos em inglês, espanhol e alemão, não foram traduzidos.


As referências bibliográficas básicas destas 18 obras figuram na bibliografia deste texto.

Os critérios utilizados para a montagem da matriz são, em essência, os seguintes:

Parti de uma listagem dos tópicos e das áreas que, no meu entender, podem ou até devem ser cobertos, para que um livro-texto de marketing seja razoavelmente completo em termos de conteúdo e informação quanto aos principais aspectos da disciplina. Para esta triagem de tópicos, parti dos próprios textos escolhidos e os classifiquei em função do esquema dos "quatro As do marketing", exposto em artigo anterior.1 1 Richers, R. Um conceito funcional de integração mercadológica. In: ______; coord. Ensaios de administração mercadológica. 2. ed. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1978. Daí resultaram seis áreas às quais atribuí os seguintes pesos:

Pesos Aspectos introdutórios e gerais do marketing

10

Os instrumentos de análise

20

Os instrumentos de adaptação

20

Os instrumentos da ativação

30

Os instrumentos de avaliação

10

Aspectos complementares de interesse para o estudioso de marketing

10

O desdobramento de cada uma dessas áreas em tópicos mais específicos figura na própria matriz. Em termos ideais, portanto, e de acordo com esses tópicos e pesos, um livro "completo" de marketing deveria cobrir todos os tópicos, respeitando, todavia, mais ou menos os pesos atribuídos a cada área em termos do número de páginas reservadas para cada item dentro de um total 100. Por exemplo, um bom livro abordaria a maior parte ou até a totalidade dos 11 tópicos mencionados como aspectos complementares, sem, no entanto, atribuir-lhe mais do que cerca de 10% do seu espaço total.

A partir destas normas gerais, avaliei cada um dos livros em função de dois aspectos: a) o tipo de abordagem; b) a cobertura das áreas e dos tópicos em função dos critérios acima discutidos.

Por sua vez, o tipo de abordagem envolve dois aspectos, a saber: o principal enfoque da abordagem e a forma de apresentação do livro.

Os enfoques considerados são os quatro a seguir:

• O enfoque sistêmico (S), que parte da intenção do autor de subordinar as diversas partes do livro a um sistema integrado.

• O enfoque administrativo (A), que deriva da preocupação do autor de se colocar na posição de um executivo de marketing e analisar a área sob o ponto de vista do processo decisório.

• O enfoque interdisciplinar (I), que procura inspirar-se em áreas ligadas, mas externas, ao marketing, como a economia e/ou as ciências do comportamento, como a sociologia e a psicologia.

• O enfoque didático (D), que não segue nenhuma das três linhas acima, mas está primordialmente voltado a transmitir conhecimentos para alunos de marketing e/ou de administração em geral.

Quanto à forma de apresentação, distingui as três seguintes:

• A forma descritiva (D), que se preocupa em transmitir um máximo de informações objetivas com respeito a cada um dos tópicos escolhidos sem necessariamente relacioná-los entre si.

• A forma analítica (A), que se concentra em tentativas de relacionar diversos conceitos entre si, além de descrevê-los.

• A forma ilustrativa (I), que, além de descrever e, ao menos parcialmente, analisar os tópicos, ilustra a sua aplicabilidade através de desenhos, gráficos e exemplos.

Na matriz, a primeira linha refere-se ao confronto desses dois aspectos, ou seja, ao tipo de abordagem. Assim, por exemplo, um livro que é sistêmico quanto ao seu principal enfoque e analítico quanto à sua maneira de apresentação é codificado como tendo uma abordagem S/A.

A apreciação propriamente dita obedece aos seguintes critérios quanto a cada um dos tópicos mencionados na matriz:

• = pouca ênfase é dada ao tópico;

•• = alguma ênfase é dada ao tópico;

••• = muita ênfase é dada ao tópico.

Quando o quadrinho não é preenchido, o autor ou não faz nenhuma referência ao tópico, ou se contenta com apenas algumas considerações muito ligeiras.

A principal finalidade da matriz consiste em facilitar a identificação rápida quanto à extensão e, até certo ponto também, à profundidade com que cada um dos autores trata das diversas áreas e os tópicos que são abordados em seu livro. Então, por exemplo, se um professor pretende escolher um livro-texto para preparar um curso de marketing que, digamos, deverá dar ênfase especial aos problemas ligados à distribuição de bens, praticamente todos os livros citados poderão ser úteis para o seu curso. Se, todavia, o principal enfoque teria que ser dado a aspectos estratégicos do marketing, a seleção já deveria ser mais cautelosa.

Tecnicamente, é claro, seria possível somar-se a totalidade dos pontos atribuídos a cada um dos autores para confrontar todos os livros. Evitamos, contudo, esse tipo de procedimento porque nosso principal intuito não foi o de avaliar a qualidade dos livros, mas o grau de cobertura que cada obra dá aos tópicos escolhidos. Ademais, o confronto entre a somatória dos pontos não seria justo por três razões pelo menos. Em primeiro lugar, tanto a escolha dos tópicos, quanto também a atribuição de pesos é, até certo ponto ao menos, subjetiva. Alguém, por exemplo, poderia argumentar que o desdobramento (no item Análise) entre ambiente e potencial de mercado não se justificaria e que, de outro lado, certos aspectos de interesse para os estudiosos de marketing não foram considerados como itens isolados, tais como a teoria econômica como base para o apreçamento de produtos, ou o uso de dados secundários para descrever tamanhos e características dos mercados.

A segunda razão refere-se ao tamanho bem distinto dos livros. É evidente que uma obra como a de McCarthy é bem mais rica em informações nos seus dois volumes da edição brasileira (que atingem 1.300 páginas) do que, digamos, o trabalho de Simões (com apenas 330 páginas). Em média, por sinal, um livro "típico" de marketing, editado em inglês, gira em torno de 500 a 700 páginas.

A terceira e talvez principal das razões, que tornam um confronto direto dos pontos atribuídos bastante inadequado, é a própria intenção dos autores quanto aos objetivos a serem alcançados pela sua obra. O melhor exemplo da série é o livro de Narver e Savitt. Em sua introdução os autores mencionam que o fato de a maioria dos livros de marketing ser dirigida a problemas ligados a processos de decisão decepcionou-os de tal forma que resolveram publicar um livro sobre os porquês do marketing. E, de fato, sob esse ângulo, conseguiram produzir um trabalho inteligente e criativo.

Mas, por terem escolhido um enfoque distinto do comum, muitos dos aspectos listados na matriz não foram abordados por Narver e Savitt, o que, na somatória dos pontos, os deixaria em desvantagem com relação aos seus "concorrentes".

Mas, em que pese as limitações das subjetividade dos critérios, não posso deixar de fazer alguns comentários de natureza reconhecidamente pessoal e avaliativa quanto ao conjunto das obras e quanto a cada uma delas isoladamente.

2. APRECIAÇÃO GERAL DAS OBRAS

Em termos genéricos, quer-me parecer que os livros que melhor atendem a seu mercado básico (sobretudo alunos de administração que querem ter uma visão geral da matéria) são aqueles que reúnem as seguintes qualidades:

1. Abordagem de todos os aspectos fundamentais do marketing, seja em termos de conhecimento quanto a conceitos e técnicas, seja com respeito a sua aplicabilidade na prática.

2. Estruturação simples que facilita a identificação dos tópicos abordados em termos visuais das seções e dos capítulos, da subdivisão em itens específicos claramente identificados, do uso de ilustrações e exemplos esclarecedores, da composição clara de um índice geral e da disponibilidade de um índice remissivo bem detalhado.

3. Uso de uma linguagem direta e algo "autoritária" que explica os conceitos e as técnicas como se fossem incontestes.

4. Uso de um esquema que orienta o trabalho quanto ao seu conjunto e "amarra" os diversos capítulos.

De maneira geral, pode-se dizer que os livros aqui discutidos atendem bastante bem aos dois primeiros requisitos, mas divergem bastante quanto aos outros dois. Por exemplo, por mais fascinante que seja uma abordagem mais científica que analisa os prós e os contras de determinados conceitos e métodos, para um livro-texto esta forma de comunicação é pouco recomendável, pois, tanto os professores quanto os alunos, normalmente estão pouco interessados na "dialética" do assunto. O que eles querem é conhecimento direto e útil. Livros como os de Kotler (1974), McCarthy (1976) e de Stanton (1980) atendem muito melhor a esse tipo de expectativa do que as obras de Staudt & Taylor (1965) ou de Kollat e seus colegas (1972). Daí, aqueles vendem mais do que estes.

De outro lado, pode-se dizer que os livros que são estruturados a partir de uma "filosofia" básica, como a sistêmica ou administrativa, tendem a ser mais convincentes do que aqueles que não obedecem a um modelo de estrutura básica. Entre os livros de nossa seleção, os que menos me satisfazem nesse sentido são os de Costa Lieste (1975), Levy (1970) e, sobretudo, o de Zober (1964).

Independentemente dos seus méritos individuais, o conjunto dos livros apresenta, no meu entender, algumas falhas e limitações, que se explicam, ao menos em parte, pelo fato de que certos tópicos, hoje amplamente aceitos em marketing, ainda não eram bem "aceitáveis" na época da edição desses livros (dos quais nenhum é realmente muito recente). Concordo, por exemplo, que a descrição, mesmo que sumária, de aspectos históricos do marketing não faz parte necessariamente de um livro-texto e que, portanto, ela é rejeitada pela maioria dos autores. Em contrapartida, todavia, sinto falta, em todos os livros apresentados, de alguns temas que poderiam ter sido abordados com algum destaque. Estes temas incluem uma maior ênfase na discussão de problemas ligados à segmentação dos mercados, como também da estratégia global e, particularmente, da estratégia de produtos, tais como a descrição e avaliação do critério de portfolios e de opções de expansão e de diversificação da empresa. É estranho também que nenhum dos livros se preocupe com a extensão do marketing para as organizações não-lucrativas enquanto que apenas um deles (Stanton) dedica um capítulo ao marketing de serviços (fora a breve abordagem de Cundiff et alii).

A principal limitação que verifico, todavia, com respeito a todas as obras citadas, em maior ou menor escala, é a sua pouca preocupação com as áreas correlatas da empresa com que o marketing precisa integrar-se no dia-a-dia. Pouquíssimos são os textos que fazem referências à área financeira ao mostrarem, por exemplo, a relação entre previsão de vendas e orçamento, entre receitas e o retorno sobre o investimento, ou que mostrem quão importante é a análise da contribuição marginal para o planejamento e controle das linhas de produtos e dos segmentos geográficos de mercado.

Também a relação entre inovação tecnológica e política de produtos é quase que esquecida pela grande maioria dos autores. Em muitos ramos de atividade (como, por exemplo, no de processamento de dados, equipamentos para escritórios, biogenética e muitos outros), o grau de sucesso da política mercadológica das empresas depende, em larga escala, da sua capacidade de acompanharem o avanço tecnológico de seu ramo. Quase todos os livros citados partem um pouco do pressuposto de que o marketing seria uma área isolada no contexto da empresa, o que certamente não corresponde à realidade administrativa. Por todas estas razões, convém que livros futuros de marketing ao menos sensibilizem seus leitores para a importância e os principais pontos de convergência das relações interdepartamentais, sem que isto implique obrigatoriamente análises profundas destas relações.

3. APRECIAÇÃO INDIVIDUAL DAS OBRAS

Mas falemos um pouco de cada um dos livros individualmente. Em primeiro lugar, acredito ser útil dividir os 18 títulos nas seguintes três categorias:

1. Livros-textos básicos, antes descritivos do que analíticos e que se destinam sobretudo aos cursos de graduação nas faculdades.

2. Livros-textos menos voltados aos conceitos e às técnicas do marketing do que às funções administrativas que o executivo de marketing pode e deve exercer em uma empresa e que, por conseguinte, se prestam mais para cursos de pós-graduação, mas também para o uso em cursos a homens de empresas.

3. Livros que não se enquadram facilmente em uma das duas classes anteriores, por mais diversos que possam ser os motivos disto.

Comecemos pela parte (1). Para tal, partirei da seguinte pergunta genérica: Quais são os livros da nossa relação mais adequados para adoção em um curso geral e introdutório de marketing? Pela ordem de prioridade, eu responderia a esta pergunta da seguinte forma: Kotler (1977); McCarthy (1971); Stanton (1975);Cundiff, Still & Govoni (1976), bem como a coletânea dos professores da EAESP/FGV.

O livro de Kotler (1977) está na ponta desta relação porque é o que melhor atende aos quatro requisitos acima mencionados. Ele não só aborda os principais tópicos com clareza e muito conhecimento de causa, como apresenta também excelente equilíbrio entre os tópicos, auxiliado por uma seleção racional de exemplos e uma grande riqueza de demonstrações gráficas e diagramáticas simplificadas que facilitam enormemente a visualização dos conceitos. Talvez a única restrição, quanto à abordagem dos tópicos, que se deve fazer a este livro, é a sua pouca preocupação com a área de pesquisa de mercado. Evidentemente, para criar uma obra tão ampla e equilibrada, o livro não escapa da desvantagem de ser muito volumoso e extenso.

A edição inicial brasileira compreende três volumes. Para atender a essa restrição, o autor preparou uma edição resumida que a Editora Atlas lançou em nosso mercado, em 1980, como "edição compacta", para diferenciá-la da edição maior.

Para o meu gosto, o livro de McCarthy, (1971) destaca-se sobretudo devido à sua enorme riqueza de informações. São inúmeros tópicos e subtópicos, divididos em itens e subitens que o autor coloca para formar um mosaico bastante coeso em torno dos seus quatro Ps e cujo detalhamento, confesso, por vezes, chega até a incomodar. É uma obra sem muita sofisticação intelectual, excelente para um curso minucioso de informações básicas em marketing e também um excelente referencial , para esclarecer dúvidas. Nesse sentido é particularmente lamentável que a editora brasileira tenha seguido a cômoda praxe de muitas de nossas editoras de não anexar um índice remissivo ao texto.

O livro de Cundiff, Still & Govoni (1976) é o mais recente de todos e foi escrito claramente com o intuito de penetrar no mercado dos cursos básicos de marketing até então dominado pela obra de McCarthy (1971), com o qual ele tem bastante em comum. A sua linha editorial consiste em tentar transmitir um máximo de conceitos em um mínimo de espaço, o que consegue fazer de maneira bastante feliz, sobretudo graças a uma linguagem simples e direta, anotações marginais para destacar os principais conceitos e o uso de exemplos e pequenos problemas para ilustrar e exercitar as aplicações desses conceitos. Os seus pontos mais frágeis são o total descuido da função Avaliação e a fragilidade de seu capítulo final sobre Estratégia, que transmite impressão não apenas superficial, mas errônea, com relação aos problemas centrais desta área de decisão. Em contrapartida, os capítulos que lidam com os elementos do composto de marketing (de oito a 19) talvez representem a condensação mais densa de todos os livros analisados.

Os dois volumes de Stanton (1975), lançados no Brasil pela Pioneira, em 1980 (a partir da 4.ª edição, americana revista), é um concorrente sério da obra de McCarthy (1971) e de outras que visam primordialmente o mercado didático elementar. Para o meu gosto, ele supera McCarthy (1971) nos capítulos dedicados à Adaptação, mas é menos pormenorizado quando da sua abordagem da função Ativação. Dos livros básicos, ele é também o que mais espaço dedica aos "aspectos complementares". Por exemplo, Stanton é o único autor que dedica um capítulo ao marketing de serviços e é também aquele que aborda as áreas de marketing internacional ou marketing industrial com maior minúcia do que a grande maioria de seus colegas. Como um instrumento de ensino, Stanton (1975) oferece ademais, com exclusividade entre as obras citadas, uma série de casos breves e ilustrativos de situações específicas. Todos os seus capítulos concluem com "Questões e Problemas" os quais, acredito, ninguém jamais lê ou procura responder, a não ser quando obrigado a fazê-lo em provas e exames. Para tal, estas questões constituem excelente fonte de referência, sobretudo para os docentes menos inclinados à criatividade. O ponto mais frágil deste livro é sua pouca preocupação com os aspectos de planejamento e estratégia de marketing que, mesmo em se tratando de um livro para iniciantes, e sobretudo tendo em vista a extensão da obra, mereceriam um tratamento mais pormenorizado.

A coletânea identificada sob a sigla EAESP (por ter sido escrita por oito professores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV) faz parte desta seleção de livros destinados primordialmente a cursos de formação básica, porque aborda muitos dos aspectos fundamentais do marketing com bastante propriedade (ao menos na modesta opinião de um de seus co-autores) e porque enfoca, ao menos parcialmente, a realidade brasileira. Dizem as más línguas que este é o "Antigo Testamento", pesado e volumoso, distinto do "Novo Testamento" da autoria de Kotler (1977). De fato, é preciso reconhecer que o nosso trabalho mereceria ser revisto substancialmente, sobretudo para nele incluir aspectos mais modernos do marketing e, também, para adaptá-lo melhor às condições especiais de nosso mercado.

Holloway & Hancock (1968) escreveram um livro que foge aos padrões normais desse tipo de trabalho. Certas áreas do marketing parecem simplesmente não existir para esses dois autores. Entre elas se destaca a distribuição e a venda pessoal. Outras são enfocadas sob um ângulo unilateral, como, por exemplo, a publicidade que é para eles um problema essencialmente de persuasão. Em contrapartida, todos os outros aspectos do marketing são tratados com especial carinho. Entre eles se destaca o comportamento, tanto das empresas quanto do consumidor, perante a sociedade. Parece que, ao planejarem seu livro,"Holloway e Hancock resolveram abordar somente aqueles aspectos que pessoalmente mais lhes agradavam. Disto resultou um trabalho incompleto em termos de livro-texto, mas também muito menos seco do que a maioria das outras obras, pois a abordagem dos assuntos escolhidos é algo subjetiva e redigida em linguagem bastante fluente e atrativa.

Finalmente, cabe mencionar a pequena obra de Simões (1976) que não pretende ser mais do que uma coletânea de conceitos básicos do marketing, apresentados dentro de um contexto descritivo, mas ordenado. Particularmente simpáticas neste livro são os chamarizes que abrem alguns capítulos como o de "Variáveis Mercadológicas" que não resisto em reproduzir:

"Pra variar

me empreste

a sua mulher

e arranje

outra qualquer

pra dançar

e também

pra variar".

Um segundo tipo de obra são as que se destinam a cursos mais avançados como os de pós-graduação, por serem mais analíticas, críticas e intelectualmente ambiciosas. Nelas eu incluiria os livros de Boyd & Massy (1972), Kollat et alii (1972), Staudt & Taylor (1965), Lazer (1971), Sturdivant et alii (1970), bem como o clássico Howard (1970). Comecemos por este.

Fiquei inicialmente em dúvida se deveria ou não incluir o livro de Howard (1970), por ser antigo (a sua primeira edição americana é de 1957 e o seu lançamento no Brasil realizou-se em 1970) e, por conseguinte, não resistir talvez ao confronto com obras mais modernas. Todavia, ainda hoje a leitura de Howard compensa pela sua excepcional abordagem. Ela focaliza, com grande habilidade e inteligência, o aspecto do "Managerial Marketing", que procura desenvolver toda a conceituação da área sob o enfoque da responsabilidade administrativa da gerência de marketing. Uma das conseqüências desta abordagem é que Howard (1970) dedica-se pouco à discussão de técnicas específicas (como a de pesquisa de mercado). Em contrapartida, o autor desenvolve uma análise, algo abstrata talvez, mas bastante convincente sobre os problemas com que se defronta o executivo de marketing à luz de variáveis externas, sobretudo às ligadas ao sistema econômico e particularmente à formação da demanda sob condições competitivas. Graças a este enfoque do posicionamento micro da gerência em face do ambiente macro da economia como um todo, o livro estabelece algumas relações entre variáveis mercadológicas que normalmente não se encontram em um livro-texto, mesmo para cursos avançados, tais como a ligação entre o lançamento de produtos novos e a escolha de vias de distribuição ou a influência que fatores exógenos, como tecnologia e comportamento do consumidor, podem exercer sobre as previsões de vendas a médio e a longo prazos.

Além de ter a vantagem de ter sido traduzida e publicada no Brasil (pela Saraiva e com índice remissivo!), a obra de Boyd e Massy me é bastante simpática apesar de algumas limitações até curiosas. Os autores praticamente não se referem à função Avaliação e também não se preocupam o suficiente com a política de produtos. De outro lado, eles são particularmente felizes na abordagem da função Análise. Por exemplo, é este o único livro da série que dedica dois capítulos à segmentação, além de ser um dos dois livros (o outro é o da EASEP) que aborda, com bastante minúcia, a problemática da determinação de potenciais de mercado. O que, além disso, me agrada neste livro é o tratamento lógico dos assuntos dentro da conceituação sistêmica, bem como a ênfase dada aos aspectos estratégicos voltados ao processo decisório.

O livro de Kollat et alii (1972) adota uma linha algo semelhante à de Boyd & Massy (1972). Ele também peca em algumas poucas áreas (sobretudo em previsão de vendas), mas se impõe graças a sua autêntica preocupação em oferecer um enfoque estratégico em toda a sua extensão. Ademais, a compreensão da interligação das diversas áreas é facilitada através de abordagens sistêmicas concisas e convincentes. Considero-o um livro fora de série.

O texto de Staudt & Taylor (1965) ocupa uma posição sui generis na literatura de marketing. Para o meu gosto, ele exagera na ênfase em algumas áreas (sobretudo na pormenorização das vias de distribuição) em detrimento de outros tópicos que mereceriam maior destaque (como o de controles e custos mercadológicos, a administração da força de vendas, a previsão de vendas e aspectos sistêmicos e quantitativos do marketing). No entanto, em um sentido ao menos esta é a obra mais criativa de toda a série aqui analisada, graças aos seus capítulos 8 a 11, que lidam essencialmente com opções de políticas de produtos sob o enfoque de ambientes em mudança. Esta abordagem, além de original, contém elementos de ordem estratégica de fundamental importância para o comportamento de qualquer empresa que opere no ambiente moderno, mas que os livros-textos evitam como tópico, como, por exemplo, a relação entre inovação tecnológica e mudança da linha de produtos. Seria oportuno que alguém traduzisse esses capítulos e os apresentasse (talvez com uma breve introdução) ao mercado brasileiro como um estudo à parte.2 2 Para tal, os autores - por sinal bastante ligados ao Brasil e por via das relações entre a EAESP e a Universidade Estadual de Michigan - talvez se prontifiquem a fazer uma revisão do texto.

O livro de Lazer (1971) se diferencia dos demais em três sentidos. Um deles é sua especial ênfase e consistência na abordagem sistêmica. Outro é a sua preocupação, incomum para esse tipo de publicação, com os aspectos psicossociais do marketing, sobretudo os que relacionam o comportamento do consumidor com fatores ambientais. Finalmente, Lazer (1971) é o único dos nossos autores que dedica vários capítulos de seu livro a problemas de ordem teórica e conceitual, ou àquilo que ele denomina "dimensões amplas" do marketing e que inclui aspectos de ordem social, as relações com o governo e o marketing internacional. São essas partes finais de seu trabalho que mais merecem ser lidas e analisadas, face ao seu ineditismo.

A obra de Sturdivant et alii (1970) é quase que uma antologia, porque foi preparada por 10 autores, se bem que claramente a partir de um plano editorial pré-definido. A conseqüência desse esforço em grupo é que o livro não apresenta uma unidade conceitual tão rígida quanto outras obras do nosso conjunto. Em contrapartida, a leitura de cada um dos capítulos tem o mérito de apresentar o assunto de maneira fechada e geralmente sob uma abordagem bastante fluente e rica em informações.

Os livros do terceiro grupo não têm muito em comum entre si, mas foram agrupados, não só porque, em parte, não se enquadraram facilmente nas duas categorias acima, mas também porque, na sua elaboração, partiram de premissas diferentes das utilizadas para selecionar os tópicos da nossa matriz. A conseqüência inevitável desse não-enquadramento é que eles não abordam uma série de tópicos que fazem parte da nossa classificação básica, mas, em contrapartida, tocam em assuntos ao menos parcialmente interessantes.

Já fizemos referências anteriores ao trabalho de Narver & Savitt (1971), que consiste na tentativa, bastante bem sucedida, de encarar o marketing, de um lado, sob o enfoque do sistema econômico da livre iniciativa, e, do outro lado, a partir da psicologia social. Isto conduz a uma abordagem bastante analítica e objetiva de assuntos tão diversos quanto a mensuração da produtividade mercadológica, ou a análise de aspectos psicossociais que influem no comportamento do consumidor.

A obra dos autores alemães Nieschlag, Dichtl & Hörschgen (1971) parte claramente de um mundo bem distinto do que caracteriza a grande maioria das outras obras aqui citadas. Embora pesado (e, além disso, escrito em alemão!), citamos esse trabalho mais para lembrar que existem outros enfoques do marketing, além da visão dominante norte-americana. O objetivo desses três autores é, sem dúvida, produzir uma obra eminentemente didática para seus alunos em termos rigidamente conceituais e minuciosamente descritivos quanto ao funcionamento de determinados mecanismos comerciais (como o de distribuição e de organização) que fazem parte do sistema econômico europeu e sobretudo do alemão. A noção de que o marketing pode também ser um instrumental de ação administrativa pouco parece incomodar e influenciar a redação e a estrutura do trabalho desses três autores amigos.

Quanto aos dois autores argentinos, parecem-me ser representantes daquela escola que ainda acredita que o marketing é uma espécie de filho adotivo da teoria econômica e que, por conseguinte, a melhor forma de explicá-lo é através da lente dos neoclássicos. Dos dois autores Levy (1970) é o menos afetado por este posicionamento tradicional, já que ele se esforça em criar abordagens sistêmicas por vezes bastante sugestivas em sua concepção inicial, mas que no fim sempre desembocam em conclusões abstratas e voltadas à lógica e linguagem do economista. O trabalho de Costa Lieste (1975) divide-se em duas partes, das quais a segunda trata do marketing como "análise gerencial", aí predominam os conceitos. A primeira parte, todavia, merece destaque especial pela tentativa bastante feliz e, parece-me original, de proceder a um confronto entre os sistemas econômicos capitalistas e coletivistas, interpretados à luz da filosofia de marketing.

Deixei a obra de Zober (1964) para o fim por me parecer a menos recomendável de todas. No fundo, esta obra, apesar de ser de um só autor, não passa de uma antologia de artigos sobre marketing, cujos capítulos se inspiram em fontes diversas, sem que isto conduza a uma unidade conceitual e estrutural que considero o mínimo necessário para que um livro-texto possa servir de instrumento adequado de comunicação para os estudiosos de marketing.

Espero que esses comentários gerais e individualizados, se conjugados à matriz, facilitem aos nossos leitores a tarefa da escolha de títulos de obras e capítulos, seja para fins didáticos, seja para a elaboração de algum trabalho prático.

BIBLIOGRAFIA

Livros disponíveis em português

Livros em línguas estrangeiras

  • Boyd, H. W. & Massy, W. F. Marketing management. New York, Harcourt Brace Javanovich, 1972. Trad. bras. Administração de marketing. São Paulo, Saraiva, 1978.
  • EAESP (Professores do Depto. de Mercadologia). Administração mercadológica: princípios e métodos. 2.ed. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1975.
  • Cundiff, E. W.; Still, R. R. & Govoni, N. A. P. Fundamentals of modern marketing. N. J., Prentice-Hall, 1976. Trad. bras. Marketing básico, fundamentos 2. tir. São Paulo, Atlas, 1979.
  • Holloway, R. J. & Hancock, R. S. Marketing in a changing environment. New York, John Wiley, 1968. Trad. bras. Marketing para o desenvolvimento. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1973.
  • Howard, J. A. Marketing management, analysis and planning. Homewood, R. D. Irwin, 1963. Trad. bras. Gerência de marketing. São Paulo, Pioneira, 1970.
  • Kotler, P. Marketing management, analysis, planning, and control. 2. ed. N. J. Prentice-Hall, 1972. Trad. bras. Administração de marketing, análise, planejamento e controle. São Paulo, Atlas, 1974. 3.v.; e Edição compacta: Marketing. 1980. 1.v.
  • McCarthy, E. J. Basic marketing, a managerial approach. 4. ed. Homewood, R. D. Irwin, 1971. Trad. bras. Marketing básico, uma visão gerencial. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
  • Simões, R. Marketing básico. São Paulo, Saraiva, 1976.
  • Stanton, W. J. Fundamentals of marketing. 4. ed. New York, McGraw-Hill, 1975. Trad. bras. Fundamentos de marketing. São Paulo, Pioneira, 1980.
  • Zober, M. Marketing management. New York, John Wiley, 1964. Trad. bras. Administração mercadológica. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1969.
  • Costa Lieste, E. G. Marketing, análisis econômico-comparativo y gerencial 3. ed. Buenos Ayres, Sudamericana, 1975.
  • Kollat, D. T.; Blackwell, R. D. & Robeson, J. F. Strategic marketing. New York, Holt, Rinehart & Winston, 1972.
  • Lazer, W. Marketing management, a systems perspective. New York, John Wiley, 1971.
  • Levy, A. R. Estrategia de comercialización. Córdoba, Macchi, 1970.
  • Narver, J.C. & Savitt, R. The Marketing economy, an analytical approach. New York, Holt, Rinehart & Winston, 1971.
  • Nieschlag, R.; Dichtl, E. & Horschgen, W. Marketing, ein Entscheidungstheoretischer Ansatz. 4. ed. Berlin, Duncker & Humblot, 1971.
  • Staudt, T. A. & Taylor, D. A. A managerial introduction to marketing. N. J., Prentice-Hall, 1965.
  • Sturdivant, F. D. et alii. Managerial analysis in marketing. Illinois, Scott, Foreman, 1970.
  • 1
    Richers, R. Um conceito funcional de integração mercadológica. In: ______; coord.
    Ensaios de administração mercadológica. 2. ed. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1978.
  • 2
    Para tal, os autores - por sinal bastante ligados ao Brasil e por via das relações entre a EAESP e a Universidade Estadual de Michigan - talvez se prontifiquem a fazer uma revisão do texto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1981
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