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A imigração e a crise do Brasil agrário

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Marina Brasil Rocha

Martins, José de Souza. A imigração e a crise do Brasil agrário. São Paulo, Pioneira, 1973.

O autor dedica-se ao estudo de um grupo de imigrantes italianos estabelecidos no núcleo colonial de São Caetano que abrangia grande parte do atual município industrial de São Caetano do Sul.

Acompanhando sua trajetória desde a desorganização das condições de produção no norte da Itália - resultante da penetração do capitalismo naquele país - Martins procura apreender o processo de assimilação do imigrante na sociedade brasileira.

Recorrendo a estória da implantação desse núcleo colonial, revela a relação existente entre a formação desse campesinato e a instituição de um mercado de trabalho livre para a grande lavoura, em crise desde a supressão do tráfico de escravos. A escassez de mão-de-obra-obra na grande lavoura cafeeira, colocando em risco a própria economia colonial, levou o Estado a intervir na solução do problema, através da organização de núcleos oficiais de colonização. Estes deveriam não só atrair imigrantes para a província, mas também solucionar os problemas de abastecimento de gêneros alimentícios, decorrentes da utilização intensiva da mão-de-obra escrava nas lavouras de café, o que impedia a produção paralela de alimentos. Deveriam, ainda, servir de canal de difusão da ideologia do trabalho, elaborada pela grande lavoura, e que subordinava a ascensão do trabalhador à condição de proprietário ao trabalho prévio nas lavouras de café.

O atendimento a esses requisitos refletiu-se na escolha do local de implantação do núcleo colonial de São Caetano. A sua proximidade à estrada de ferro permitiria a comercialização dos gêneros alimentícios aí produzidos.

O autor descreve, em seguida, as condições em meio as quais se desenvolveram as práticas camponesas: a discriminação da posse da terra na área escolhida para a formação do núcleo e o reconhecimento das áreas devolutas, apossadas ou não por particulares. A valorização das terras, que daí se segue, suscita conflitos entre capitalistas, atraídos pela possibilidade de investimentos lucrativos, e a população original da região, seja por questões de limites, seja por questões de posse. É o resultado imediato da mercantilização do uso do solo.

A universalização jurídica da propriedade privada da terra já se fazia sentir no modo de viver da população anterior à do núcleo colonial. Sem recursos para intervir na grande lavoura, dedicavam-se à extração da madeira e ao seu comércio, para abastecimento da população e da cidade de São Paulo.

Com essa descrição da economia da região, o autor conclui um estudo sobre as condições que precederam a chegada do colono imigrante. Em seguida, passa a analisar a vida do colono no núcleo colonial, revelando os fatores que contribuíram para a pauperização desse campesinato: a baixa fertilidade das terras que cerceava a produtividade do trabalho e comprimia a renda da terra e, principalmente, a concorrência da grande lavoura consorciada, que se viabilizava novamente, devido à mudança no regime de trabalho - de parceria passando a empreitada.

Mostra ainda que os núcleos coloniais procuraram, em geral, resistir à proletarização. No caso particular do núcleo colonial de São Caetano, este fato se evidenciou na mudança da composição da produção agropecuária; o cultivo de gêneros alimentícios básicos foi substituído pela pecuária e seu comércio, pelo cultivo da batata e da uva.

A desorganização efetiva dos fundamentos agrários do núcleo se inicia em 1887, sendo apressada pelo surgimento de doenças e pragas nas videiras. A concorrência de outras bebidas populares ao vinho, a chegada de novos imigrantes ao núcleo e condições climáticas adversas, apenas intensificariam esse processo, que tinha sua raiz na persistência da agricultura de exportação como fundamento de toda a economia.

A transformação das atividades agrícolas em atividades complementares se faz então necessária para a sobrevivência dos colonos. Estes, tal como os antigos ocupantes da área colonial, voltám-se para a extração da madeira e do carvão, assegurando, desta forma, sua aspiração de trabalho independente.

A pauperização crescente dos colonos refletiu-se ainda na venda de terras a empresários, ligados a grandes empreendimentos interessados em investimentos no setor industrial.

A instalação de indústrias (olaria e fábricas) na região, proporcionou aos colonos uma nova alternativa ocupacional, embora o número reduzido destas não fosse suficiente para absorver integralmente a mão-de-obra local. Além disso, devido à competição desigual de seus produtos com os importados, trabalhavam com capacidade ociosa. As flutuações na produção refletiam-se no emprego da mão-de-obra, através da redução do número de trabalhadores e da redução das horas semanais de trabalho. Neste último caso, o emprego industrial assumia, para o trabalhador, um caráter quase que meramente simbólico.

Os colonos foram, portanto, compelidos a uma inserção marginal na sociedade brasileira, uma vez que não se enquadravam nem como pequenos produtores, nem como operários industriais.

Os colonos que permaneceram no núcleo colonial de São Caetano constituíam-se numa população com características homogêneas e acabaram de algum modo se sujeitando à situação que lhes era imposta pela grande lavoura. Na vivência dessa "sujeição", o colono descobria-se como italiano. Isto se torna claro à medida que o autor descreve a formação de uma associação de auxílio mútuo formada pelos colonos e seus descendentes. Entretanto, a identidade como italiano defrontava-se com uma barreira, qual seja, a de uma autoconcepção que se expressava no relacionamento comunitário, restrito à localidade, e que constituía uma forma de resistência pacífica às mudanças no seu modo de viver.

Assim, a situação e a consciência do camponês, definidas pela mediação da grande lavoura, revelam-se como a contrapartida das tendências e necessidades do capitalismo periférico.

Esse campesinato, condenado à marginalidade pelo modo peculiar como foi assimilado pela sociedade brasileira, mostra-se fadado, na ótica do autor, a desaparecer. Contrapondo-se a essa análise, estudos recentes atestam a permanência da pequena produção familiar no Brasil e em países mais desenvolvidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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