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Latifúndio e proletariado: formação da empresa e relações de trabalho no Brasil rural

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Eloisa Elena Bortoleto

Gnaccarini, José César. Latifúndio e proletariado - formação da empresa e relações de trabalho no Brasil rural. Tese apresentada em 1966 à cadeira de Sociologia I, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

Neste trabalho, o autor tem como preocupação fundamental analisar as transformações qualitativas na estrutura econômico-social da sociedade escravocrata, que resultaram na introdução do "trabalho livre assalariado" na economia brasileira.

Para tanto, ele identifica dois períodos, considerados qualitativamente diferentes. O primeiro inicia-se com a vinda da família real, até os primeiros anos do II Reinado, coma política de modernização urbana, a nova política financeira do Império, a implantação das vias férreas e o começo da imigração européia; o segundo, que se inicia nas últimas décadas do século XIX , é marcado pela recomposição da atividade estatal, por mudanças nas relações de produção e reordenação das relações com o exterior.

No início de sua análise, Gnaccarini levanta duas questões:

1. Por que motivos a classe dos senhores de escravos cindiu-se com relação à questão da escravidão, uma fração sendo favorável e outra contrária à abolição?

2. Quais os interesses que estavam exigindo a expansão do regime assalariado, preservando, contudo, formas "arcaicas" de produção?

Apesar de o trabalho assalariado ter-se desenvolvido na atividade de mineração, em meados do século XVIII , o primeiro grande momento do processo de transformação na estrutura sócio-econômica ocorre em seguida à mudança da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, por força de uma transferência maciça de capitais. O fato, porém, de neste período (fins do século XVII I e início do século XIX ) as cidades estarem deixando de ser meras extensões do domínio rural patrimonialista escravista não alterou drasticamente as bases desse tipo de civilização.

A "grande imigração" de 1880, planejada por um grupo de fazendeiros paulistas, com o respaldo do governo imperial e principalmente do governo de São Paulo, marca uma nova era para a sociedade brasileira, alerando o ritmo de abertura da nova frente pioneira da cafeicultura. Com a expansão do sistema de crédito e a implantação da ferrovia, os grandes proprietários tinham nas mãos os instrumentos que permitiriam o acesso a terras de alta fertilidade.

Segundo o autor, o surgimento da nova oligarquia cafeeira do "oeste" paulista só pode ser compreendido dentro de um amplo quadro de transformações históricas envolvendo toda a economia mundial.

Se por um lado, diz ele, essa "burguesia cafeeira" representa uma nova era para o Brasil, por outro a sua atuação histórica manteve o desenvolvimento das "forças produtivas" sob o mais completo domínio externo, resultando na manutenção de relações sociais conflitantes.

Para o autor, esse processo é decorrente da especificidade histórica do desenvolvimento capitalista brasileiro, que contou com a importação de mão-de-obra assalariada de países em estágios mais avançados de industrialização. Porém, o que esses não podiam exportar eram as "correspondentes forças produtivas".

A solução encontrada pelos grandes proprietários foi o colonato, que consistia numa combinação de parceria com o trabalho assalariado. Essa modalidade de colonato criava um mercado para a força de trabalho, ajustado às exigências de reprodução do capital na cafeicultura.

Quando analisa a questão da diferenciação do proletariado rural, Gnaccarini se interessa sobretudo em mostrar os efeitos que essa combinação de relações novas e "arcaicas" teve sobre a "composição e diferenciação da população e sobre a polarização dos comportamentos e a formação de consciência social, no meio rural".

Ele explora detidamente alguns trabalhos empíricos sobre a parceria no Brasil, -tentando mostrar que a estrutura interna específica dos parceiros em cada caso estudado é fundamental para explicar o caráter diferenciado que as reações coletivas assumem em cada grupo, quando sentem sua estabilidade interna ameaçada.

Enfim, Gnaccarini mostra o caráter híbrido e complexo das relações sociais e econômicas prevalescentes.

Apesar de este estudo ter sido apresentado em 1966, vindo a público somente 14 anos depois, não perdeu o seu mérito. É relevante neste trabalho a maneira como o autor analisa a agricultura brasileira, tentando apresentar suas características, inserindo-as no contexto mais amplo da formação histórica do Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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