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Nossa experiência com o círculo de controle da qualidade: aspectos humanos

NOTAS E COMENTÁRIOS

Nossa experiência com o círculo de controle da qualidade - aspectos humanos* * Trabalho realizado para o Seminário sobre Produtividade e Controle de Qualidade - Hay do Brasil, em abril de 1982.

Regina Coeli Chassim Drumond

Psicóloga, chefe de Seção de Desenvolvimento de Pessoal do Departamento de Relações Industriais - Divisão de Trefilaria, na Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira

1. O PROGRAMA CCQ

Nossa empresa iniciou o programa em julho de 1979 com a implantação de três círculos, estando hoje com 16 círculos em funcionamento, envolvendo 206 pessoas. Nossa política de qualidade previa ações na mão-de-obra, na máquina, na matéria-prima e nos métodos de trabalho. São os 4 Ms-ferramentas do CCQ.

Tornou-se, portanto, necessário buscar um programa de conscientizasse o emprego para suas atitudes de qualidade de trabalho e de produto, ter orgulho pelo trabalho que faz e pela sua empresa. Dentro destes objetivos, o círculo de controle da qualidade foi aprovado como modelo eficaz.

Acreditamos que o produto deve ser tão bem padronizado como produzido e que motivando os empregados a se envolverem nos CCQ's eles tomarão parte na melhoria da qualidade e dos processos de fabricação, dando continuidade ao que criaram. Assim, ficarão mais motivados como membros da força de trabalho, crescendo individualmente e fazendo a empresa crescer. Por outro lado, ambos se beneficiarão com este programa - nós os empregados e nossa empresa.

Alvin Tofler em seu livro, A 3ª onda, provocou muitas discussões sobre o choque do futuro. Ele caracterizou o processo de civilização em três ondas: a da agricultura, a da revolução industrial e a da nova civilização, que está criando sinais de mudanças na sociedade e no mundo. Ele prevê que os operários terão, a cada dia, mais responsabilidades e serão mais requisitados a usar suas habilidades no trabalho. Buscarão, a cada dia, ficar mais "ligados" ao que acontece à sua volta, O homem de hoje não é mais um mero apertador de botões e parafusos; é autodirigido como se tivesse um radar, voltando a toda hora sua antena para as atitudes e ações dos outros à sua volta. O taylorismo de nosso trabalho tem, geralmente, nos levado a buscar as economias de custo na produção, fazendo-nos esquecer de utilizar o nosso maior índice de custo, valor e de melhoria da produtividade - o homem.

Círculo de controle da qualidade é a participação ativa, voluntária, entre empregados e empregadores, que envolve satisfação e responsabilidades mútuas, visando a melhoria da qualidade de vida, e, conseqüentemente, da produtividade. O programa CCQ serve também para reduzir os custos operacionais e melhorar as condições de trabalho e a qualidade, tanto dos produtos como da vida daqueles que os fazem. Os resultados são medidos e os lucros são facilmente calculados. Mas como medir a satisfação dos empregados? Como medir seu desenvolvimento pessoal? Para que isto possa acontecer é necessário haver compromisso mútuo entre a empresa e seus empregados. Estes se dispõem a fazer tudo pela empresa e esta a retribuir-lhes, melhorando sua qualidade de vida.

A participação do pessoal na discussão de problemas que lhes afetam diretamente, os tornam co-autores das idéias e assim interessados e motivados para os resultados.

Tudo isto é muito fácil de dizer, mas não é tão fácil de ser praticado. É necessário que a empresa tenha clima propício ao CCQ. É necessário que o empresário e as chefias se interessem e apóiem o CCQ. É necessário que a empresa esteja disposta a ouvir seus recursos humanos e a valorizar suas sugestões; é a abertura empresa-empregado para atendimento de objetivos comuns, através da cooperação mútua. Se isto não acontecer, o programa CCQ fracassa.

2. A TÉCNICA - TRANSFORMANDO IDÉIAS EM FATOS

As ferramentas do CCQ - 4 Ms, Ishikawa seqüencial e Pareto - são simples e eficientes. Colocá-las nas mãos de operários de nível, primário não é tarefa difícil. Sua compreensão é assimilada sem dificuldades e com rapidez.

O método é simples, prático, objetivo e criativo para solução de problemas. A oportunidade para o trabalho em grupo desenvolve as pessoas, dá-lhes a oportunidade de criar algo novo e colocar para fora as idéias que tinham há mais tempo sobre o trabalho, mas que não tinham oportunidades de fazê-lo, por não haver um programa que propiciasse ouvir as idéias de cada um, e aplicá-las em seu próprio trabalho. Observamos empregados que antes se preocupavam apenas em produzir quantidade, através do CCQ passam a produzir com qualidade, valorizam mais seu trabalho, aprendem a solucionar problemas com os quais, ás vezes, já estavam até habituados, ou que as chefias consideravam até sem solução, através de uma atitude participativa, envolvente e criativa.

Com suas técnicas - o método clássico - informações antes desconhecidas de todos vêm à tona e sugestões de melhorias necessárias são ouvidas pela direção e implantadas. Todos contribuem com suas idéias, através das discussões do problema em grupo, para a solução do mesmo, porque todos fazem parte do problema. E nada melhor que as próprias pessoas que executam o trabalho para emitirem suas opiniões sobre todos os tipos de problemas que lhes afetam diretamente, relacionados não só com a qualidade dos produtos que fabricam, mas também com sua segurança no trabalho; com a melhoria de suas condições ambientais e, por que não dizer, de sua saúde física e psíquica.

É nos encontros dos círculos, através de suas reuniões periódicas, que todos esses tipos de problemas afloram, são discutidos, apresentados e resolvidos pelo grupo e pela empresa. As técnicas do CCQ, transformando as idéias dos membros de cada círculo em fatos, são visíveis a todos na empresa. A técnica dá ao empregado a oportunidade de envolvimento, participação maior em seu trabalho, maiores desafios e oportunidades de crescimento.

3. RESULTADOS - COMPROVADOS ATRAVÉS DE FATOS

A avaliação numérica não suplanta a avaliação individual dos, participantes do CCQ. Se os números mostram valores, às vezes até assustadores, os membros do CCQ a cada dia nos surpreendem com suas atitudes e indagações. É verdade que é oneroso organizar o programa e manter um cronograma de reuniões periódicas e de programas motivacionais para os círculos. Mas os benefícios resultantes, em termos de melhoria de qualidade, da produtividade, do ambiente físico e pessoal, da segurança, da equipe e do crescimento pessoal e profissional dos participantes, cobrem de longe esses custos. E, como já disse um membro de CCQ, "os resultados que ainda virão superarão as expectativas mais otimistas".

Como resultado de nosso programa de CCQ, podemos dizer que ele propicia treinamento e experiências para todos - supervisores, supervisionados e coordenadores. Os frutos disso são melhores pessoas, melhores profissionais. O CCQ tem proporcionado oportunidades para desenvolvimento de atividades desafiadoras e uma chance de descoberta de novos valores dentro de nossa empresa. É na comunicação face a face com a direção que duas de nossas necessidades básicas - reconhecimento e realização - são atendidas. Isto provoca entusiasmo e motivação pela procura de novos programas.

Nosso ego é satisfeito nas oportunidades que nascem em nosso trabalho, no reconhecimento e na publicidade pessoal. Vemos em cada um dos empregados alguém que leva estas necessidades para o trabalho e espera satisfazer muitas delas com o seu trabalho. Encontrando soluções de problemas pelas técnicas do CCQ, as pessoas se gratificam tanto pessoalmente como em grupo. Através da comunicação com a direção, a mensagem para o empregado fica clara: nós o reconhecemos como pessoa produtiva, capaz de administrar seu próprio trabalho. Pelo CCQ os empregados ganham a oportunidade de compor uma equipe que busca objetivos comuns: as necessidades individuais, sociais e da empresa se complementam. Temos observado que, a cada dia, o empregado procura mudar a idéia de ser apenas uma pessoa que recebe a remuneração da empresa pelos serviços prestados, para ser uma pessoa que busca sua realização pessoal pelo seu trabalho. Nosso padrão de vida tem sido a cada dia uma luta contra a frustração, e estamos a cada dia insatisfeitos, numa sociedade cheia de hostilidade, inseguranças e ansiedades.

A busca da paz e do significado de viver não pode ser somente limitada às nossas horas de trabalho; entretando, os valores básicos de nossa sociedade industrial permeiam toda a nossa cultura e nossa vida. Os líderes industriais do passado insistiam em que "serviço é serviço", e nada tinha a ver com a vida da pessoa individualmente.

Os resultados já alcançados, evidenciados através dos fatos, nos mostram e nos levam hoje a acreditar que, no programa CCQ, o mais importante é seu aspecto de valorização do homem, dos recursos humanos da empresa. Os círculos permitem que os empregados mostrem seus valores e potencialidades, e sintam mais de perto e façam os outros sentirem sua capacidade profissional, seus valores e sua criatividade na solução de problemas que eles conhecem melhor que ninguém.

Para os membros de CCQ o mais importante é a participação na vida industrial, a oportunidade de serem reconhecidos pelo trabalho que fazem, seu crescimento profissional e, conseqüentemente, o aparecimento de novas oportunidades na empresa.

4. CONCLUSÕES

Durante nossa exposição fizemos questão de fazer uma avaliação das causas de sucesso do programa CCQ, valorizando o recurso humano. Sabemos que muitas causas contribuem para seu fracasso dentro da empresa. Preferimos abordar apenas os aspectos positivos deste programa, por acreditarmos no seu valor, desde que bem conduzido.

As áreas-chave de maior importância para o sucesso do CCQ são:

• apoio e participação da direção da empresa;

• apoio e participação das chefias;

• política de recursos humanos adotada pela empresa;

• política de participação do empregado, acreditando em sua criatividade e sua participação como solucionador de problemas;

• conscientização de que o CCQ é compromisso mútuo e funciona com sinceridade e confiança entre empresa e empregados;

• ser bem administrado e acompanhado; etc.

Se alguma destas áreas falhar, o CCQ fica fadado ao insucesso.

Acreditamos, portanto, que é hora de promover o CCQ em nossas empresas, sob a coordenação daqueles que cuidam da produção e de pessoas que cuidam de recursos humanos, que poderão não só ajudar a fazer com que os círculos tenham programas com objetivos específicos de redução de custos, melhoria da qualidade e da produtividade, mas que contribuam para o crescimento pessoal dos participantes e sua melhor qualidade de vida. Intervenções organizacionais como CCQ são incentivos para gerentes e trabalhadores, porque ajudam a melhorar o atendimento aos clientes, oferecendo produtos com melhor qualidade e, principalmente, melhorar o que não pode ser medido, nem expresso por números; a qualidade de vida, a atitude e a moral da equipe de trabalho.

A palavra qualidade dentro do nome círculo de controle da qualidade deve ser vista por todos nós como qualidade de vida, e qualidade de vida significa maior humanização do trabalho, uma sociedade mais descentralizada e participativa.

Para citar novamente Alvin Tofler, terminamos com suas palavras: "Os empregadores da 3ª onda precisam, cada vez mais, de homens e mulheres que aceitem responsabilidades, que compreendam como o seu trabalho se combina com o dos outros, que possam manejar tarefas cada vez maiores, que se adaptem rapidamente a circunstâncias modificadas e que estejam sensivelmente afinados com as pessoas em volta deles". A empresa da 3ª onda exige pessoas que sejam menos programadas e mais criativas, que tipifiquem a força de trabalho desmassificada, que sejam reconhecidas como gente e não como máquinas.

  • *
    Trabalho realizado para o Seminário sobre Produtividade e Controle de Qualidade - Hay do Brasil, em abril de 1982.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1983
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