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Os executivos autodidatas

ARTIGO

Os executivos autodidatas

Luc Boltanski

Diretor de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais

Atualmente, se fala muito dos "executivos".* * N. do T. A palavra original francesa, cadres, apresenta inúmeros problemas para uma tradução. Optamos por "executivos" porque representa a palavra nova, que nomeia um novo campo, dentro do espírito do artigo; entretanto, "executivo" traz uma conotação de cargo de cúpula, o que não é sempre o caso, para "cadres". Eles falam de si próprios e se empenham em ser discutidos, como se sua existência, que parecia evidente, dispensando comentários, se apresentasse agora como um "problema". Na origem deste documento de pesquisa figura a intenção de reunir elementos de informação e de reflexão que permitam esclarecer o sentido e a função de tanta falação. Tornar-se objetio de discurso, quando se trata de um grupo, acompanha freqüentemente um trabalho do grupo sobre si mesmo: o de dar forma a experiências até então fragmentadas e silenciosas, mediante o qual um grupo até então existente em estado prático dá a si mesmo uma configuração perceptível. Em outras palavras, trata-se de dividir um grupo existente e doravante volumoso demais, muito heterogêneo ou por demais conflituoso para que se mantenha um "consenso de trabalho", como diz Goffman, sobre as figuras e os substantivos que até então, sobretudo externamente, o representavam.

Optamos por organizar a documentação em torno de um caso, o de um executivo "autodidata" com suas esperanças e seus dissabores, o que é, sem dúvida, menos particular do que parece: seu discurso livre pode ser uma experiência genérica, comum a um grupo, no sentido em que ela seria paradigmática e se exprimiria nos esquemas produzidos por uma colaboração coletiva. As observações que, em forma de notas, o acompanham são extratos de duas dezenas de entrevistas, algumas das quais duraram mais de quatro horas, com os executivos da área técnico-comercial,** ** N. do T. Áreas comerciais incluem pessoal de marketing; agentes com preparo específico para as funções externas da empresa: direção comercial, publicidade, promoção de vendas, vendas etc. na maioria dos casos autodidatas, e as referências aos trabalhos disponíveis, principalmente estatísticos, esboçam a generalização do indivíduo à classe. A entrevista cujos trechos serão reproduzidos apresenta a particularidade de registrar o produto de um trabalho de enunciação que lhe preexiste. M., que define a si próprio como um "executivo", propôs-se a escrever uma obra autobiográfica: Eu, um executivo. Pretende relatar seus dissabores, expor sua "experiência", "partilhá-la", e prestar, assim, um testemunho sobre a "condição" do "executivo em nossa sociedade". Isso quer dizer que o próprio objeto da entrevista, aquilo em torno do qual ela está, como se costuma dizer, "centrada", sua "problemática" e a representação da identidade social que é apresentada como o discurso de M. - em parte pré-construído, em parte improvisado são os produtos de uma formulação quase sociológica que preexiste à interrogação.

A história de M. é mais ou menos a seguinte: filho único de um açougueiro de uma cidadezinha da região parisiense, fez os estudos técnicos num liceu técnico e depois numa pequena escola de engenheiros. Ao fim de seus estudos, entra como técnico numa primeira empresa e especializa-se em componentes eletrônicos. "Vegeta" alguns anos e depois chega a ingressar no serviço comercial da mesma empresa. Nesse novo posto ele se "revela", seu status na empresa se eleva, ele é o "rei". Mas se choca com a hostilidade de um novo "diretor" oriundo da HEC*** *** N. do T. HEC - Escola de Altos Estudos Comerciais. Inclui-se entre as "grandes escolas", muitas vezes mencionadas neste artigo. e decai novamente. A empresa procura, de início, fazê-lo pedir demissão e depois o despede. Entra, então, para uma empresa de porte médio com o título de diretor comercial e a promessa de um alto salário. Mas o título não passa de um engodo e o salário combinado não lhe é pago. Não consegue vender o que a empresa produz: perde mercados, entra em conflito com o "patrão" e é brutalmente despedido. Um amigo que possui e dirige uma pequena empresa, também no mesmo ramo, aceita empregá-lo. Mas a empresa vai mal. M. é pago irregularmente. Ao fim de um ano, vai embora. M. consegue, então, entrar, através de suas relações, numa grande organização multinacional, com o título de engenheiro técnico-comercial. M. ocupa esse novo posto há um ano e, após muitos dissabores, declara-se "plenamente satisfeito", pode, "enfim, dormir tranqüilo".

Esta versão puramente descritiva não dá conta, evidentemente, da intenção que anima o relato de M. Essas aventuras exemplares e "vividas" encerram uma "denúncia": os executivos não são protegidos, são "explorados" (" o executivo em nossa sociedade é o pobre diabo, o fim da escala social"). Numa primeira interpretação, quase óbvia, esta "confissão" é a expressão de uma "tomada de consciência". Um executivo "toma consciência" de sua posição "nas relações de produção" e, solidário com os outros assalariados, com os outros "explorados", abandona suas antigas crenças. Mas essa leitura deixa escapar o/que em M. motiva e domina a indignação: o "executivo" não é considerado em seu justo valor, nem tratado com o respeito ou a atenção que merece, aí está o escândalo. Ou melhor, seu tratamento, em todos os sentidos, não corresponde às promessas feitas: há uma defasagem entre uma definição de direito e uma condição de fato; daí a ambigüidade do relato. Para fazer-se entender, M. é obrigado a oscilar entre diferentes posições teóricas muito distanciadas: de um lado, o "executivo" e suas insígnias (a "roupa Cardin ou Ted Lapidus", a "404 conversível", a "viagem de negócios" etc.) e, de outro, o "pobre tipo", o "pobre-diabo", abatido, humilhado, o "pateta", o "pé de chinelo", esperto e, no entanto, enganado. Por um lado, o predador seguro de si, duro nos negócios, inteligente e ambicioso, e, por outro, a presa. Essas duas figuras correspondem a dois interesses expressivos contraditórios, que ele não pode nem abandonar, porque cada um deles restitui uma dimensão fundamental de sua existência profissional e social, nem fazê-las funcionar conjuntamente, porque elas se neutralizam. Preso entre dois esquemas incompatíveis, M. os ordena em sucessão e constrói sua vida sob o modelo do romance burlesco, seqüência imprevisível de golpes de sorte e de infortúnios, num universo de arbitrários.

Mas essa estratégia de verbalização desenha também o mapa de uma identidade. Desprovido de uma representação de si mesmo que se ajuste à posição que ocupa, hesitante acerca da natureza e das propriedades dessa posição, M. precisa, para se definir e existir socialmente, mobilizar zonas inteiras do espaço social e se deslocar aí dentro sem cessar, ao menos simbolicamente. M. apresenta, portanto, uma forma estruturalmente instável e, como nessas ilusões de ótica em que uma ligeira modificação do ângulo de percepção faz aparecer, de repente, uma outra face, basta um instante de relaxamento, de esquecimento, de "vulgaridade" - sem dúvida, parcialmente desejada - para fazer surgir nele qualquer coisa de popular, um comportamento que consente menos, e é menos cúmplice, de ser dominado. Por exemplo, quando deixando de definir-se como superior aos inferiores, ele se percebe como inferior aos superiores e fala dos "patrões": os controles lexicológicos e sintáticos relaxam-se, a palavra reencontra o tom da galhofa e do desafio. M. atinge, nesses momentos, os limites mínimos de sua zona de incerteza. Diante do patrão, o "executivo" é o "pobre-diabo" jogado de um lado para outro, sem proteção nem segurança. Não está longe do operário. Para restituir o peso da hierarquia, as distâncias no espaço da empresa e no espaço das propriedades simbólicas, M. não encontra nada melhor do que a metáfora militar ("estruturada como no exército; é camuflada, mas é parecida"). Ele é objeto, "súdito da empresa", do "Patrão com P maiúsculo", sempre objeto de ação, mas não ator, "convocado pela direção geral", "chamado pelo grande patrão", contratado por fantasia, despedido por capricho, abandonado à incerteza dos pequenos anúncios, submetido aos testes e entrevistas dos departamentos de seleção. As relações de classe são restituídas à sua simplicidade brutal de puras relações de força económica. O dinheiro mediatiza todas as relações entre agentes pertencentes a níveis hierárquicos diferentes (assim, um dos diretores, a quem ele havia prestado um serviço pessoal, "convoca-o à diretoria" e, à guisa de agradecimento, tira seu talão de cheques: "Quanto você quer?"). Igualmente, os acasos da vida, com seus altos e baixos, comandam a relação com os sindicatos. Mantidos à distância quando a conjuntura está em alta (todos os executivos interrogados insistem sobre os perigos da adesão sindical, mesmo a filiação à CGC,**** **** N. do T. Confederação Geral dos Executivos. ***** Extraído de: Gelinier, O. Fonctions et taches de direction générale. Paris, Editions Hommes et Techniques, 1969. p. 377-8. Octave Gelinier, engenheiro civil de minas, é diretor-geral da Comissão Geral de Organização Científica (CEGOS), uma das principais assessorias de organização, e membro fundador do movimento Ethic (Enteprise de taille humaine). o único sindicato aceitável, é "o melhor meio de ser posto de lado"), o sindicato readquire importância quando não há mais nada a perder e quando a única estratégia razoável é sair com a maior indenização possível. Para tentar compreender essa espécie de desorganização da relação com o espaço social, é preciso questionar a posição que M. ocupa, nova e ainda vaga, e a maneira hesitante, incerta e longa pela qual ele a atingiu.

1. A PROFISSÃO DE ENGENHEIRO TÉCNICO-COMERCIAL

Os executivos técnico-comerciais, designação relativamente recente, como a indústria (de componentes eletrônicos) onde M. exerce suas funções, colocam, como seu nome indica, uma competência técnica a serviço do comércio de objetos técnicos, dos quais eles são encarregados de ressaltar as virtudes (quando vendem a outras empresas os produtos da empresa que os emprega) ou de avaliar a "confiabilidade", quando compram produtos já manufaturados (por exemplo, peças avulsas) para sua empresa. Esses agentes comerciais diferenciam-se, aliás, em graus muito diversos segundo os casos específicos,1 1 Ao querer definir com demasiada precisão o "executivo", o "engenheiro" ou o "agente técnico-comercial", arriscamo-nos a engendrar o artefato que consiste em "tentar encontrar a substância por trás do substantivo" (Wittgenstein, L. Le Cahier bleu et le cahier brun. Paris, Gallimard, 1965. p. 25). Destituído de "limites precisos" (id ibid. p. 52), no "uso habitual", como todos os nomes de profissão antes do ato de direito que os institui, o termo "técnico-comercial", do mesmo modo que inúmeras apelações utilizadas nas empresas, não possui definição oficial; constitui objeto de usos diferentes, segundo os diferentes ramos, e mesmo de uma empresa para outra; é ele mesmo objeto de conflitos entre categorias concorrentes (como é feqüentemente o caso, quando a aparição de novas funções, ou ainda, o acesso de novos agentes a funções antigas, introduzem um certo jogo na relação entre o sistema de títulos e o sistema de cargos (cf. Bourdieu, P. & Boltanski, L. Le titreet le poste. Actes de la Recherche, 2: 95-107 mars 1975. Assim, acontece que os executivos comerciais legitimados pelas escolas a usar o título de engenheiro definem-se como "e'ngenheiros de negócios" precisamente para se distinguirem dos simples "agentes técnicocomerciáis", que usurpam o título de engenheiro, com a cumplicidade de sua empresa. Igualmente, os múltiplos conflitos (dos quais, muitas vezes, se acham vestígios na imprensa sindical) parecem desenrolar-se nas zonas fronteiriças, ali onde o título de "executivo técnico-comercial" reencontra a denominação mais antiga e menos prestigiosa de VRP. dos representantes comerciais e dos simples "caixeiros" ou "vendedores", pela natureza dos produtos que eles oferecem, pela importância dos negócios de que tratam, pelas características de seus parceiros, que são grandes companhias, administrações etc. A função que desempenham é importante para a empresa, daí uma situação privilegiada e instável: cercados de atenções e inveja quando o volume de seus negócios está em alta, arriscam-se, caso não deixem a empresa ou não subam na hierarquia da mesma, a ver sua situação deteriorar-se com o tempo. Trata-se, com efeito, de uma profissão de jovens2 2 Segundo a enquéte da revista L 'Expansión sobre o "preço dos executivos em 1977", a média de idade dos técnico-comerciais nas grandes empresas (com mais de um bilhão de volume de negócios) era de 31 anos, com um salário médio de Fr. 6.700 e uma variação de salários indo de menos de Fr. 5 mil (15%) a mais de Fr. 9 mil (15%) contra 34 anos para os executivos do serviço de pessoal, 35 anos para os executivos de direção geral, 36 anos para os responsáveis pela promoção de vendas e diretores de marketing, 37 anos para os executivos de direção comercial (os titulares desses diferentes postos beneficiam-se, do mesmo modo, de salários nitidamente mais elevados do que os dos técnico-comerciais). Enfim, inversamente ao que se pode verificar pela maioria dos cargos analisados, a idade média dos técnico-comerciais aumenta quando se passa das grandes empresas para as pequenas: ela é de 35 anos para as empresas com menos de 100 milhões em volume de negócios (cf. Beaudeux, P. Le prix des cadres en 1977. L 'Expansión, 108:125-56 juin 1977. na qual as qualidades de representação desempenham um grande papel e as gratificações, sobretudo simbólicas, não são negligenciáveis: o executivo técnico-comercial, que tem muito trabalho fora da empresa, é menos submetido às obrigações de horários do que os outros empregados (habitualmente, ele não bate ponto). Encarregado de negociar com um cliente, ele viaja, recebe e é recebido, convida para o restaurante ou é convidado. Beneficia-se pessoalmente das vantagens que são postas à sua disposição enquanto representante de sua empresa, vantagens essas que são tanto mais importantes quanto maior, mais prestigiada ou mais ambiciosa é a empresa: o poderio de uma empresa também é medido pelo standing de seu executivo. Pelas mesmas razões, o "técnico-comercial" beneficia-se muitas vezes de uma mais-valia nominal: a empresa lhe atribui o título de executivo ou de engenheiro sem que, necessariamente, ele seja formado por uma escola de engenheiros; a relação entre o título na empresa e o título escolar se torna, então, relativamente arbitrária. Nessa profissão, também, se ignora praticamente a diferença entre técnicos e engenheiros, que é tão marcada nas seções de produção e nos escritórios. A empresa trataria mal seu cliente enviando-lhe um simples "técnico". Assim, exercendo uma função que não requer necessariamente uma grande competência técnica (se bem que isso possa ocorrer), não tendo, na maioria das vezes, ninguém sob suas ordens, o "técnico-comercial" ascende, no entanto, a um título que implica habitualmente participação na concepção técnica dos produtos e autoridade sobre os subalternos.

Essas não são as únicas razões pelas quais o engenheiro técnico-comercial é levado a ser solidário com a empresa que o emprega: encarregado de vender os produtos da empresa, ele o fará tanto melhor quanto esses produtos sejam mais fáceis de "sair", isto_ é, a igual preço e com melhor qualidade. Há sempre interesse em crer e fazer crer que sua empresa é a melhor, e esse efeito de crenças tem, na opinião de todos os entrevistados, um papel importante para o êxito. Reciprocamente, a empresa deve zelar bem de perto pela honestidade e fidelidade daqueles que ela coloca nesses cargos, nesses "postos avançados". Além de eles a representarem e comprometerem, estão particularmente expostos à traição e ao suborno (passa-se facilmente da caixa de Bordeaux, presente habitual e admitido, às "gratificações"). A empresa deve, portanto, assegurar a dedicação de seus agentes técnico-comerciais, simbolicamente - desenvolvendo o espírito de "igrejinha", o orgulho de pertencer à empresa etc. - e materialmente oferecendo participação nos lucros, prêmios, gratificações etc. Mas deve, também, zelar pelo "moral" de seus homens e não correr o risco de conservar nessas posições agentes que se sentem instáveis, predispostos ao ressentimento e à crítica. Por essas diferentes razões, os cargos técnico-comerciais, que mantêm relações com o exterior, são muitas vezes posições de início de carreira nas quais os futuros quadros dirigentes são postos à prova. Mas isso nem sempre é o caso, e essas posições, ainda mal definidas, acolhem indivíduos diferentes pela natureza e o nível de seus estudos, pela origem social e pelas expectativas de carreira. Ao lado dos jovens engenheiros saídos das escolas, e que aprendem "na prática", na própria empresa, o ofício dos negócios antes de ascenderem às posições de poder, é possível encontrar nesses empregos jovens executivos comerciais saídos das business schools, ou das faculdades de direito, mas também, como é o caso de M, antigos técnicos de produção que, para "continuar na corrida", devem dar provas, sem cessar, de seu "dom" excepcional para as vendas, de sua fidelidade e de seu "dinamismo". Assim, sendo aprendizagem na própria fábrica para os futuros diretores, a venda é para os técnicos precisamente o que, em relação à sua condição anterior, lhes confere uma diferença.

2. OS ANOS DE APRENDIZAGEM

Para M., tornar-se executivo não era algo natural. Deixa a escola nos anos que precedem imediatamente o peiríodo de crescimento muito rápido dos efetivos escolares, o período da reestruturação das formas de acesso ao ensino superior (tem 20 anos em 1960). Ele não se beneficia da expansão escolar (o que não quer dizer que não tenha vindo a sofrer, em seguida, a concorrência dos novos diplomados e os efeitos da desvalorização geral dos títulos); jovem, ele sen e-se atraído por profissões dificilmente acessíveis ("sonha" tornar-se piloto de linha), mas, ao mesmo tempo, visivelmente não tem ilusões: assim, recorre à estratégia prudente que consiste em acumular diplomas ao longo da escolaridade (sabe-se que isso é muito frequente quando a família é despida de capital cultural e social). A escola na qual seus estudos prosseguem, depois do liceu técnico, é ambígua: confere um diploma de engenheiro que não é reconhecido pelo Estado e que não conduz, necessariamente, a cargos de engenheiros; presta-se a diferentes leituras, a diferentes interpretações; como arma de dois gumes, ela pode desqualificar socialmente aquele que ela qualifica profissionalmente (uma gozação de seu primeiro empregador, no momento da admissão: "Você vem da escola dos pequeno-burgueses"). Aliás, M. só dará o nome da "Escola Violet" ao final da conversa, quando percebe o tipo de interesse (atento, mas não da maneira habitual) que guia a entrevista; (ele freqüentou também a Artes e Ofícios durante um ano, parece, no momento em que já era executivo comercial há muitos anos e sofreu um primeiro revés profissional). A carreira escolar torna-se, então, objeto de uma evocação impressionista: a indicação dos estabelecimentos e títulos é incerta; faz alusão a diplomas situados nos extremos da hierarquia. A imprecisão nominal tem por efeito apagar as diferenças de nível escolar e social em proveito das homologias de conteúdo ou de ramo (por exemplo, na referência a "todas as carreiras técnicas") e, portanto, dispor sobre um mesmo eixo e numa relação de causa e efeito, como nas carreiras canônicas, o curso escolar e a vida profissional.

A mesma incerteza domina o início da vida profissional. M. entra para a empresa (uma grande organização francesa que produz principalmente componentes para a indústria de armamento), na qual cumpre seus estágios, na qualidade de "subengenheiro": é um título desusado e quase equivalente, ao que parece, ao de técnico superior e que só é atraente pelas promessas que evoca a referência ao título de nível superior. No entanto, permanece cinco anos nesse posto, que ele só descreve e define negativamente: ele não é o que os engenheiros de títulos são, e cumpre as tarefas que eles não querem cumprir. Deve, finalmente, a um "concurso de circunstâncias" (incompreensível, se se ignora que M. é franco-maçom) o fato de ter-se voltado para o serviço comercial, mudança de setor que, ao menos nesse caso, equivale a uma mudança de nível:3 3 Na maioria das empresas existe, de fato, uma hierarquia objetiva de funções que coloca em primeiro lugar as funções de direção e de gestão e em último as funções de produção, ocupando o "comercial" uma posição intermediária. Pode-se achar um indício dessa hierarquia no fato de que a parcela dos executivos oriundos das grandes escolas é nitidamente mais forte entre os executivos de gestão e de "direção" do que entre os de produção. Além disso, a passagem do técnico ao comercial (como, num segundo tempo, do comercial à gestão) constitui mais geralmente uma espécie de promoção. a simbologia do trabalho técnico, ainda que próxima da simbologia operária, com suas roupas cinzentas e seus instrumentos, é substituída pela simbologia dos negócios, que marca o "executivo chique" e seus ternos impecáveis, suas camisas brancas, seus carros, sua eficiência, suas refeições, suas viagens. E objetivamente o futuro se amplia, mas ao preço de um aumento da incerteza e da insegurança. Ascendendo ao título de "executivo" num período de alta conjuntura, de crescimento econômico e de inflação nominal que favorece a multiplicação dos portadores do título, particularmente no setor de- "ponta", onde ele está alocado,4 4 Todas as fontes'disponíveis mostram um aumento muito importante e muito rápido do volume de executivos durante o período (em torno de 6% ao ano). Isso se aplica em particular para os executivos comerciais e técnico-comerciais, cujo número aumentou mais sensivelmente que o do resto da categoria (cf., por exemplo, Thévcnot, L. Les catégories sociales en 1975: l'extension du salariat. Economie et Statistique, 91: 3-31, juil.-aout. 1977). A expansão da categoria explica, sem dúvida, porque a parte dos executivos "autodidatas" (em torno de 40% do conjunto) não tenha diminuído, apesar do crescimento igualmente muito rápido do número de diplomados no ensino superior, durante o período (cf. particularmente Cézard, M. Les cadres et leus diplomes. Economie et Statistique, 42: 25-40 fév. 1973). M. tende a creditar a esse título um valor que, precisamente, ele está começando a perder. Do mesmo modo, ele associa, ao que parece, ao título as representações que reproduzem sob uma forma esquemática, emblemática e estilizada, um conjunto de propriedades, valores e expectativas não necessariamente correspondentes a sua posição e aos meios, materiais simbólicos, de que dispõe. M. avaliou mal sua posição no espaço da empresa e, mais ainda, no espaço social, como se o astenia de seus sinais, espécie de esquema social interiorizado, tivesse sido desorganizado pela interferência de seus próprios deslocamentos e pela deformação dos referenciais com relação aos quais ele teria podido se situar.5 5 Cf. Bourdieu. P. & Boltanski, L. Le titre et le poste: rapports entre système de production et système de reproduction, op. cit.; e Bourdieu. P.. Boltanski, L. & Sain-Martin, M. de. Les stratégies de reconversion, les classes sociales et le système d'ensignement. Information sur les Sciences Sociales, 12 (5): 61-113, 1973. Sobre os aspectos de que se revestiu a deformação do espaço institucional correlativa ao acréscimo do número de agentes, quase na mesma época, na universidade, cf. P. Bourdieu, P., Boltanski, L. & Maldidier, P. La défense du corps. Information sur les Sciences Sociales, 10(4): 45-86,1971. A seqüência das aventuras profissionais de M. pode ser lida como um conjunto de tentativas (e muitas vezes de erros) de fazer o inventário das propriedades sociais associadas ao título que lhe foi concedido e ao qual ele se agarra, daí por diante, com unhas e dentes. Ele não sabe bem o que se espera dele, nem o que ele pode esperar e ignora, particularmente, até onde ele pode chegar, isto é, ao mesmo tempo, suas oportunidades de carreira e a parcela de autoridade permitida, o grau de liberdade, a margem de jogo aceitável na posição que ocupa, principalmente na área das relações hierárquicas. Assim, lentamente, M. toma conhecimento de seus limites através da série de tentativas infrutíferas de superá-los e, mais precisamente, na interação com aqueles - "executivos" das grandes escolas ou "patrões" - que o mantêm na expectativa de uma promoção, alimentam seu "dinamismo", colocando-o em concorrência com seus parceiros e incitando-o a se "superar", a se "sobrepujar", mas que, ao mesmo tempo, querem que ele continue em seu lugar; fazem-no alcançar um posto e, se ele se destaca demais, rebaixam-no. Assim, é através das próprias experiências que M. aprende seu ofício de "executivo", no sentido em que interioriza os valores que dominam a ordem industrial, indispensáveis para "encontrar sua posição" e adquire os modelos de excelência aos quais ele não poderá mais renunciar - e descobre que ele não é "executivo" ou que não está no mesmo título nem no mesmo grau que os outros.

Para avaliar corretamente a dureza dessa aprendizagem, é preciso ver que ela é o espaço de um conflito entre a experiência vivida e a experiência lingüística do mundo social. Tudo se passa como se a consciência que os agentes têm de sua condição social fosse mediatizada pela rede de nomes e de representações que lhe está associada, se bem que o espaço dos lugares nomeados e representados não seja senão grosseiramente isomorfo em relação ao espaço das situações sociais objetivas. Segue-se que a experiência das condições sociais instáveis, para as quais não existe nome particular e/ou representações coletivas claramente diferenciadas, não pode ser facilmente inscrita na ordem do discurso, ao menos em sua especificidade, e por isso é praticamente excluída dos níveis coletivos e legítimos de consciência, rechaçada ao universo do indizível e da particularidade privada e condenada a não se exprimir senão numa linguagem emprestada que a disfarça. Impõe-se, assim, a todos os que sofrem a atração de um mesmo campo de formas estilizadas e etiquetadas da experiência social que se ajustam somente a algumas posições privilegiadas: no nosso caso, aqueles que ocupam os quadros titulares com pleno direito, detentores de diplomas incontestáveis e, mais geralmente, do conjunto de "características auxiliares" associada as posições antigas e reconhecidas. A interiorização das disposições correspondentes à posição e à exibição dos emblemas que lhe são associados pode assumir entre eles uma forma estereotipada e triunfante, sem ser aparente, nem, na maioria das vezes, ser percebida como "caricatural", porque encarna uma das maneiras coletivamente reconhecidas (e, neste caso, dominante) de existir socialmente.

Aos indivíduos "autênticos", providos de uma forma subjetivamente identificável e representada na linguagem por um substantivo, portadores de todas as propriedades que o conceito supõe, e apenas dessas, "íntegros" e "direitos", capazes de se fazerem conhecer com uma palavra, sem circunlóquios nem rodeios, porque estão por inteiro em sua identidade oficial e legal, opõem-se, portanto, todos aqueles cuja indeterminação relativa torna "ambíguos", sem "clareza" nem "transparência"; não indicáveis para uma posição reconhecida; "inautênticos", precisamente porque parecem olhar para um lado e olham para outro ou olham para os dois lados ao mesmo tempo: desprovidos do conceito de seu estado objetivo e socialmente desorientados, sofrem, ao mesmo tempo, a atração por diferentes posições prototípicas, "autênticas", reconhecidas e nomeadas. Para os agentes situados nas linhas divisórias de diferentes círculos, campos ou classes sociais, essas posições desempenham, assim, o papel de atrativos, sem dúvida porque elas possuem certas características da "boa forma", no sentido em que elas apresentam constelações organizadas e admitidas de propriedades socialmente vistas como em harmonia umas com as outras, ao mesmo tempo estatisticamente (espera-se vê-las reunidas) e sociologicamente (sente-se que elas vão "bem juntas", ou, ao menos, que elas não são contraditórias).

3. PROVAÇÕES

Nessas situações confusas e incertas, onde tudo, desde o título até as propriedades que entram em sua definição, permanece ambíguo, a menor ação está cercada de uma aura de incerteza que a torna embaraçosa e inquietante: a relação com o mundo objetivo tende a tomar a forma de uma prova. De uma parte, o "executivo" autodidata é constantemente posto à prova: para obter o "melhor de si mesmo", fazê-lo "render" ao "máximo", tornar rentável o investimento que se fez nele (por exemplo, sob a forma de curso na escola de vendas da empresa), é preciso "ver se ele tem garra", pô-lo à prova apresentando-lhe situações novas às quais ele deve "adaptar-se" e tarefas para as quais ele não está necessariamente preparado. Em sua prática profissional, M. não dispõe sempre da informação que lhe seria necessária para comportar-se de acordo com as expectativas inscritas em sua posição. Mas talvez faça parte da definição de sua posição o fato de incluir expectativas diferentes e até mesmo contraditórias: a ordem explícita de se ater às diretrizes e à definição oficial do cargo (a "seriedade", o "senso de hierarquia", a "pontualidade") não exclui a incitação implícita à superação e à transgressão (o "dinamismo", o "espírito de iniciativa" etc). Enfim, a competência exigida para ocupar o cargo, parcialmente técnico (o conhecimento dos produtos, o estabelecimento de contratos etc.) e parcialmente social (as maneiras, o estilo, a "classe" etc) , é tal que M. nem sempre tem os meios de avaliar sua atitude ao cumprir corretamente, isto é, de uma maneira que agrade seus superiores, as tarefas que lhe são propostas ou que ele pode reivindicar.

Nesse estado de incertezas, tudo se torna sinal e indício de eleição ou rejeição; tudo é registrado e interpretado. Mas o foco dessa busca não é totalmente redutível ao interesse imediato ou diferenciado - fazer-se bem visto, agradar, ser escolhido, fazer carreira etc. O que está em causa é também o valor e a realidade do título e, através disso, a representação de si. À realidade é insustentável quando ela é muito incompatível com as representações que o título subentende e que mantêm seu valor: assim, quando M. é contratado por uma empresa de porte médio, com "o título pomposo de diretor comercial", chega no primeiro dia com seu "terninho Ted Lapidus" e parte à tardinha desiludido, "enojado" com "manchas deste tamanho" em seu terno. A situação que lhe é apresentada nessa empresa só pode ser interpretada de duas maneiras: ou bem o título que lhe é conferido não corresponde a "nada", e ele é um diretor "de fachada" ou, então, solução mais aceitável, ao menos no momento, ele é "com justa razão" diretor de pleno direito; mas, então, o tratamento ao qual ele é submetido é escandaloso porque não está de acordo com sua função e porque nega as expectativas inscritas no título, única realidade intangível à qual M. talvez ainda possa se agarrar. Os que se esforçaram para a conquista de um título e que recebem em troca palavras são, assim, levados a abandonar aquela espécie de desconfiança com relação à linguagem, espécie de relatividade lingüística em funcionamento, que nas classes populares domina freqüentemente a relação com os bens e com as gratificações simbólicas, e a creditar às palavras uma autoridade e uma seriedade bastante acentuadas para reprimir aquilo que, na experiência imediata, as contradiz.

Mas essa relação fiel à linguagem é também, parcialmente, o produto da incerteza e da ansiedade que lhe estão ligadas: divididos, nas situações mais banais, entre o abandono dos impulsos dos hábitos produzidos pela primeira educação e à obediência aos controles mais ou menos fortemente interiorizados, adquiridos pela aprendizagem tardia de normas, aliás freqüentemente incertas e ambíguas; divididos entre a identidade original e a identidade visada, os executivos autodidatas são conduzidos, como todos aqueles cujo universo não é mais inquestionável, a procurar o reconforto das regras estabelecidas e formuladas, a apegar-se, ao pé da letra, às "recomendações" e instruções. Assim, é talvez na necessidade de compensar pela adesão às formulações explícitas os déficits Ligados à perda dos automatismos que reside um dos princípios da "rigidez" que impregna, amiúde, a relação que a pequeno-burguesia em ascensão mantém com o mundo social; aquilo que foi nomeado, categorizado, etiquetado deve-se apresentar sob o aspecto definido e não desmentir as palavras.

Ser posto à prova em situação de incerteza pode impregnar todo o campo da existência cotidiana e estreitá-lo. As situações deploráveis são numerosas e tanto quanto possível evitadas. Medo das situações triviais (como o metrô às horas de rush), onde, na proximidade com as classes populares, perde-se o sentimento de sua própria diferença: lábil, a identidade procurada tende a se diluir quando não recebe mais a sustentação do ambiente do "executivo", como dizem os folhetos das agências imobiliárias, desses executivos especialmente concebidos para os executivos, apartamentos modernos (M. mora num prédio, no 15º),5* 5* N. do T. A cidade de Paris é dividida em arrondissements (circunscrições, distritos), que tendem a apresentar uma fisionomia própria. O 15º é uma das regiões onde ocorreram projetos de renovação urbana, com a construção de "torres" (conjuntos de edifícios muito altos c modernos, discrepantes da paisagem da cidade). Trata-se de um bairro residencial típico da classe média. fortalezas às quais se têm acesso diretamente pelo estacionamento, protegidas por portas com fechaduras automáticas, por guardas e com comunicação com a rua por interfone, vilas residenciais em parques privados, clubes de férias (M. conheceu sua esposa no Clube Mediterranée), novas estações de esportes de inverno, escritórios à prova de som, corredores carpetados, carros "silenciosos" (M. e sua esposa possuem um carro cada um e não circulam jamais de outro modo), aviões, cadeias de hotéis ou de restaurantes "confortáveis" e "calmos", "complexos integrados" onde tudo pode ser encontrado no próprio local e que tornam inútil o contato com o exterior; medo do metrô, das estações, dos subúrbios (M. e sua esposa são obcecados pelo temor às agressões), os micróbios, os animais - moscas, pulgas, percevejos, baratas etc. - da sujeira; horror aos hotéis pobres, miseráveis, das "baiúcas" que estavam destinadas a M. quando ele viajava para a empresa dirigida pelo "homem de terno xadrez". Mas, medo também das situações de classe e classificantes (coquetéis, seminários etc.) que não se pode enfrentar porque se ignora o modo legítimo de se comportar, dado o que elas são e o que se é; medo diante das tarefas percebidas como impossíveis, porque não se é mais capaz de cumpri-las segundo a gramática dos hábitos, e porque se ignora como seria preciso fazer para comportar-se como agiria aquele que representa completa, legítima e "autenticamente" aquilo para o que a identidade está voltada.

4. PUNIÇÕES

Em muitos momentos de sua carreira, M. foi objeto de punições. Duas dentre elas consistiram em deixá-lo um ano sem lhe dar nada para fazer. A segunda punição precedeu de pouco sua demissão: é lentamente humilhado, exasperado depois e, muitos meses mais tarde, convidado a se demitir. Resiste, batalha e obtém, cansado de lutar, que o despeçam com indenização (ele tem 13 anos de casa). Trata-se de uma aventura que nada tem de excepcional e parece que, em vários casos, processos lentos de dispensa tendem a substituir os processos explícitos de demissão: a desmoralização, coletivamente orquestrada, por vezes até o desabamento da imagem de si, constitui o substituto institucional da demissão, o meio mais econômico, ao mesmo tempo material e simbolicamente, da "compressão" ou, como se diz ainda nas empresas, da "limpeza".6 6 É preciso confiar aqui no saber dos entrevistados e na experiência daqueles que nos sindicatos analisam os mecanismos de defesa que, infalivelmente, todo avanço no domínio da legislação do trabalho suscita. As estatísticas sobre emprego distinguem bem as dispensas das demissões, mas não podem evidentemente dizer nada sobre o processo que conduziu à demissão. Por outro lado, esses mecanismos parecem ter por função tanto extorquir uma demissão quanto, mais simplesmente, preparar uma dispensa e torná-la aceitável. Acham-se igualmente traços dos processos de dispensa na literatura profissional (cf. o texto de Octave Gelinicr transcrito adiante) ou ainda nos relatórios dos serviços de pessoal. Assim, por exemplo, numa nota interna de setembro de 1977 concernente á "gestão de engenheiros e executivos" emitida pela direção de uma grande empresa aeronáutica, acham-se mencionadas as "medidas de incitação â saída de engenheiros e executivos para os quais isso pareça desejável". Vinculada à elevação do limiar de tolerância às mais brutais e, sobretudo, mais visíveis formas de exploração (nos escritórios, mais que nas fábricas), em defesa da imagem do produto da empresa e do patronato em geral, ao desenvolvimento da legislação do trabalho e ao controle sindical (indenizações de demissão etc.),7 7 A lei de 13 de julho de 1973 subordina o fato de uma dispensa ser lícita ou não á existência de uma "causa real e séria", podendo a empresa ser condenada a pagar ao assalariado as indenizações da demissão quando essa cláusula não for cumprida. Um dos meios de contornar a lei (que não dá uma definição do que seja uma causa real e séria) é invocar a "peida de confiança" (cf. Option, 116, avr. 1977). esta forma paradoxal de "humanização" (ou, como se diz atualmente, das acomodações feitas no exercício do poder nas instituições totalitárias) poderia ser relacionada a uma tendência mais geral em diferentes campos: a que substitui os atos diretos de autoridade ou, se se quiser, de violência (exclusão da herança, excomunhão, expulsão, exclusão, expulsão de um estabelecimento escolar etc), exercidos explicitamente por uma pessoa física agindo em nome de uma instituição mas, todavia, responsável por seus atos, por processos de aparência impes soai e inelutável, especialmente porque eles se exercem a longo prazo e envolvem grande número de agentes que dão um grande número de "golpes".

Se os processos de dispensa não podem ser interpretados na lógica da "maquinação" gratuita, registro favorito de suas vítimas, seria sem dúvida igualmente ingênuo conferir-lhes o caráter de inocência "perversa" dos mecanismos cegos com que se comprazem a economia e, agora, a sociologia "liberais".8 8 Cf. por exemplo, Bourricaud, F. Contre le sociologisme: une critique et des propositions. Revue française de sociologie, 16: 583-604, suplemento 1975; ou Boudon, R. La logique de la frustration relative. Archives Européenes de Sociologie, 18 (1): 3-26,1977. Constituem um dos instrumentos (utilizados, às vezes, de modo semi-explícito - tal é a "arte social" de que fala Mauss),9 9 Mauss, M. Divisions et proportions des divisions de la sociologie. Oeuvres. Paris, Editions de Minuit, 1969. T.3, p. 233-7. de que dispõem os dirigentes de empresa para administrar as contradições inscritas a título de potencialidades objetivas em certos tipos de trajetórias. Vê-se bem isso no caso dos "executivos" técnico-comerciais autodidatas. As obrigações que regem sua carreira tornam a "crise dos quarentões" muito provável, sem que ela possa, mesmo assim, ser objeto de uma previsão racional, ao menos por parte daqueles que são suas vítimas: uma única via de promoção lhes é aberta, de modo que não podem subir na hierarquia sem se expor aos riscos que ela comporta, porque o próprio êxito é a causa de sua ruína; por outro lado, o mecanismo que rege a carreira, produto da agregação de um grande número de componentes, tem toda a aparência de um mecanismo estatístico no qual a dispersão das trajetórias encarnadas pelos indivíduos presentes no campo da empresa tende a ocultar as oportunidades atribuídas a cada tipo de trajetória para cada agente dotado de determinadas propriedades. Tanto mais que a distância entre as posições dos agentes dotados de diplomas de valor desigual não é, certamente, idêntica nas diferentes idades, nem nos diferentes pontos da trajetória. Importante para a entrada na vida ativa, ela parece muitas vezes atenuar-se durante os primeiros anos da carreira (em torno de 30 anos) para aumentar fortemente em seguida. Assim, "executivos" de idade idêntica, mas muito desigualmente dotados de capital (cultural ou social) e fadados a destinos sociais muito diversos podem ocupar, na primeira metade de sua vida profissional, posições suficientemente próximas para que se instaure entre eles uma relação de concorrência e que os mais desprotegidos invistam todas as suas forças numa competição na qual, no entanto, têm poucas oportunidades de sair vencedores.10 10 Seria preciso, para verificar essas hipóteses, dispor, para uma amostra representativa de executivos, do conjunto de informações pertinentes à carreira. De qualquer modo, os dados disponíveis, particularmente sobre a relação entre o diploma, a idade e o salário, parecem mostrar bem que as diferenças de salários que separam os detentores de diplomas de valor desigual crescem com a idade (cf. Pohl, R. Thélot C. & Jousset, M.F. L'Enquête formation-qualification profissionelle de 1970. Coleções do INSEE (Instituto Nacional de Ciências Econômicas e Estatísticas), série D, n? 32, em especial p. 172). Ë igualmente o que parece confirmar o levantamento realizado pela revista L'Expansion sobre o "preço dos quadros": com título idêntico, portanto com carreira nominalmente equivalente, as disparidades de salário ligadas ao diploma aumentam nitidamente com a idade, sobretudo, parece, a partir de 35-39 anos (cf. Beaudeux.P. Le prix des cadres.. .op. cit.).

É preciso lembrar rapidamente as etapas desse processo de ascensão e queda:

1. A parcela dos técnicos que ascende ao estatuto de executivo, passando da produção para o setor comercial, é pequena, de modo que os raros eleitos têm, às vezes, tendência a superinvestir em suas tarefas e a projetar todas as esperanças na empresa em que tiveram a "sua oportunidade".

2. Eles ascendem aos serviços comerciais numa idade nitidamente mais elevada que os "executivos" para os quais o departamento comercial constitui muitas vezes uma posição de partida, e demoram aí muito mais tempo que estes. Chega um momento em que eles não são mais julgados suficientemente "jovens", "dinâmicos" e "com bom desempenho" para ocupar os postos que a empresa teme existe, por outro lado, a necessidade de testar jovens diplomados "cheios de futuro" e constituir o que se chama, por vezes, na empresa, um "viveiro".11 11 A empresa é um espaço finito no qual o número de posições não é indefinidamente multiplicável. Para que a empresa possa engajar pessoal dotado de uma competência nova e testá-lo, é preciso liberar os cargos. Uma das funções da mobilidade ascendente é, precisamente, engendrar o que Harrisson C. White chama de "chains of opportunity " e que ele compara,por vezes, ao movimento das cadeias musicais. A relação entre uma população de agentes e uma população de cargos pode ser analisada como um sistema de união (matchmaking system), na qual a liberação de certos cargos está perpetuamente na origem de vacancy chains. Uma vez que os modelos de mobilidade supõem sempre nos agentes uma espécie de "desejo" ou "necessidade" de mobilidade, White levanta a hipótese segundo a qual, sob certas condições, a mobilidade poderia ser um componente estrutural do sistema de cargos, no qual os job controllers (sem dúvida, os que ocupam no sistema as posições dominantes) devem gerir o investimento das posições vacantes criadas por forças que podem ser estranhas ao próprio processo de mobilidade, (cf. White, H.C. Chains of opportunity. Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1970). Enfim, os que pertencem ao "departamento comercial", sobretudo quando conheceram o sucesso, atingem com o tempo salários bastante elevados: se eles não sobem na hierarquia dos cargos e das funções, tornam-se demasiado caros pelos postos que ocupam. Além disso, os dirigentes da empresa tendem a tornar-se mais e mais exigentes em relação a eles, à medida que avançam em idade e que a função que desempenham pode ser assegurada, a um custo nitidamente menos elevado, por um jovem "comercial" mais diplomado. Mas esse ponto da carreira é igualmente aquele no qual o executivo "da casa" não pode mais deixar a empresa, porque suas oportunidades de encontrar em algum outro lugar um posto equivalente e um mesmo nível de salário são muito pequenas.

3. Os "executivos" autodidatas, sobretudo os de origem popular ou de classe média, não têm praticamente acesso às posições de poder, monopolizadas pelos "executivos" diplomados (grandes escolas) e/ou pelos membros oriundos das classes superiores que dispõem de um apoio dentro da empresa.

4. Vê-se que, nesse "ponto sem retorno", os "executivos" comerciais autodidatas não podem nem subir na empresa, nem deixá-la, nem permanecer em segurança na posição que ocupam. Quanto à empresa, ela não pode despedi-los sem correr o risco de abalar sua imagem externa e "desmoralizar" o conjunto de seus quadros, nem demiti-los brutalmente sem motivos, nem fazê-los regredir a posições inferiores (o que representa ainda um privilégio com relação aos operários qualificados, ou mesmo aos técnicos, cuja trajetória é, muitas vezes, declinante na segunda metade da vida profissional). Se as soluções discretas, que permitem ao cooling out operar-se na própria empresa, não tiverem sido instituídas (o que, certamente, só é possível em empresas muito grandes, conforme se verá a seguir), a derrota do indivíduo, ao final, é um desenlace necessário.12 12 Pelas mesmas razões, os executivos autodidatas de mais de 40 anos parecem ter sido as principais vítimas do "processo de reorganização estrutural" dos anos 1960-1970. Vinculados a uma empresa particular, geralmente média ou pequena, a um estabelecimento, e até mesmo a um homem, os executivos autodidatas têm sido liquidados, em numerosos casos, por ocasião da absorção de sua empresa por um grupo mais potente. Assim, ao que parece, eles constituíram o essencial dos executivos desempregados durante o período de pleno emprego relativo que precedeu à crise. A pesquisa realizada em 1971 pela Unedic mostra, com efeito, que 87% dos desempregados que recebiam pensão tinham nessa data mais de 40 anos. Apenas 22% deles eram titulares de um diploma de ensino superior ou de grande escola, 35% não tinham nenhum diploma, ou tinham um diploma inferior ao baccalauriat (prova de fim do curso de 2? grau - colegial), 15% possuíam o baccalauréat, e 28% um diploma técnico. A maior parte (79%) não tinha iniciado num cargo de executivo, mas num posto de funcionário (45%), de operário (21%) ou de técnico (13%). Esses autodidatas (47% declaram ter completado sua formação ao longo de sua vida profissional) freqüentemente haviam feito toda a sua carreira profissional na mesma empresa (e isso tanto mais fossem menos diplomados e mais idosos), na qual ocupavam freqüentemente uma posição bastante elevada: 65% eram ao menos chefes de seção, e 37% ocupavam uma direção. Pertencendo, sobretudo, a pequenas ou médias empresas, eles parecem, na maior parte, ter perdido seu trabalho em virtude de reorganizações, concentrações e fusões que acarretaram dispensas coletivas, o que explica o número relativamente fraco das demissões espontâneas (11% do conjunto e 17% de executivos com idades entre 40 e 50 anos). Mas, em 40% dos casos, a demissão, segundo os executivos interrogados, foi obtida por coação. A mesma pesquisa mostra que os executivos autodidatas dispensados na segunda metade de sua vida profissional encontraram, desde 1971, grandes dificuldades para achar um emprego, e isso,.certamente, tanto mais quanto fossem mais idosos. Os executivos reclassificados quando da recepção do questionário (155 respostas) estavam em 50% dos casos com um salário inferior a seu salário anterior e, em 38% dos casos, com responsabilidades menores. O tempo desempenha aqui um papel essencial: o processo é necessariamente lento e custoso porque ele deve, para assegurar suas funções de dissimulação, engendrar o inevitável. É preciso, para tanto, conter ou destruir os investimentos anteriores e corroer o sistema de crenças, do qual depende, a um duplo título, a "cotação" de um agente. Com efeito, a crença coletiva determina, ao mesmo tempo, a apreciação subjetiva que os outros têm dele e, ao menos em larga medida, seu nível de desempenhos objetivos. Como nos efeitos da profecia auto-realizadora, a deterioração do prestígio de um "executivo" é o produto da relação dialética entre as ações dos superiores e concorrentes e as reações do agente ameaçado: aos primeiros sinais de que estão sendo postos de lado (que podem consistir simplesmente na privação de privilégios anteriormente consentidos), respondem com reações de defesa, tanto mais perigosamente autodestrutivas quanto o agente tende, por um efeito retardado, a superestimar o valor que lhe é reconhecido no mercado de trabalho interno. Assim, o processo de exclusão engendra, por sua dinâmica própria, os erros e os revezes que lhes servem de motivos. Vê-se que o tempo é também o preço que é preciso pagar para assegurar a neutralidade, muitas vezes constatada, do grupo dos pares: os "executivos" que poderiam opor-se à demissão arbitrária e brutal de um dos seus, que significa uma ameaça para sua existência e sua honra, são levados a constatar por si próprios o mau procedimento do excluído e a admitir a inevitabilidade das medidas que "se impõem". Não resta, então, mais do que justificar, por um trabalho coletivo de reinstauração da ordem comum, uma condenação à qual lhes será muito custoso não aderir e da qual, às vezes, eles esperam algum proveito ("ele não fazia nada", "ele relaxou", "um tipo liquidado" etc).

Mas para compreender o poder das pressões e vexames, entretanto puramente simbólicas, e que - para os agentes menos identificados com a representação que a empresa lhes deu de si mesmos, e por isso menos cúmplices das forças que os dominam - poderiam não aparecer sob um aspecto desagradável (o salário é mantido sem outra contrapartida além da "presença") e aos quais, no entanto, "ninguém resiste por muito tempo", é preciso perceber que a manipulação na baixa não passa da contrapartida da manipulação na alta: é o poder do investimento obtido que faz do desinvestimento forçado esse ritual de anulação ("acreditei que eu não servia para mais nada"), ou, como se expressa muito bem na linguagem militar, de degradação, a grande provação. Deixar a esses "executivos", já incertos de sua identidade, seu salário e seu título, mas privá-los das tarefas correspondentes, não é o melhor meio de fazê-los perceber que seu título não vale nada e que por isso mesmo eles próprios não são nada? Tais momentos de crise revelam, melhor do que quaisquer outros, o poder dos que ocupam na empresa as posições dominantes: poder de constituição simbólica e, correlativamente, de destruição, que domina até a representação que os agentes têm deles mesmos, ou seja, a imagem de si e a auto-estima.

Assim, é privando os "executivos" do poder que lhes confere o fato de pertencerem à empresa, que se manifesta melhor o poder dos que realmente têm poder na empresa. A incerteza da posição não se exprime, certamente, em parte alguma tão bem como no campo das relações de poder, porque a ocupação de uma posição dominada na empresa corre muitas vezes paralela ao acesso aos sinais exteriores do poder nas relações de negócios fora da empresa: o "executivo" comercial, para se manter à tona, deve saber mudar diante de disposições de "caráter", como a postura corporal, e passar, por exemplo, da arrogância ao retraimento, conforme ele expresse a autoridade da empresa no exterior ou esteja submetida a ela no interior. O executivo comercial de uma empresa importante, que de fato se beneficia, a título pessoal, da posição que sua organização ocupa no mercado,está predisposto, como todos os homens de aparelho, a esquecer que seu "poder", produto de uma simples delegação que lhe pode ser retirada a qualquer momento, não lhe confere nenhuma autoridade real, e sobretudo na empresa. Para mostrar seu lugar aos que levam seu papel demasiadamente a sério e os interesses da empresa com excesso de zelo, que se apaixonam pelo "cineminha dos negócios", ou que se deixam levar pelo que acreditam ser a "embriaguez do poder", pelo gozo das "crises de autoridade" e das "crises de bronca", basta operar um curto-circuito em suas decisões, substituindo as relações profissionais entre "executivos" pelas relações sociais de patrão a patrão, ou, em último aviso, retirar-lhes ostensivamente a delegação no campo das relações externas.

5. MULTINACIONALISMO

M. está hoje empregado numa grande companhia multinacional de origem norte-americana. Alimentando o culto do espírito pioneiro e da ética protestante, esta companhia permaneceu familiar, malgrado seu gigantismo e a despeito de uma gestão ostensivamente gerencial (seus dirigentes de nível mais elevado pertencem à família ou ao círculo direto do fundador) e que gosta de definir-se como "uma grande família", com "excelente clima social" (segundo os dirigentes da filial francesa, a greve é nela praticamente desconhecida). A companhia tende a dar aos que se ligam a ela uma situação, isto é, não somente um emprego, um cargo remunerador, regular e estável, mas também um lugar, uma posição no espaço de referência com relação ao qual os executivos em ascensão e com aspirações podem situar-se, definir-se e orientar-se.

M. gosta da Companhia e se sente bem nela. O entusiasmo um pouco forçado com o qual ele fala de seu novo cargo trai, talvez, o esforço de reinvestimento que, como recém-chegado já relativamente idoso, deve exercer sobre si mesmo para se inserir na empresa e criar para si próprio uma posição. Sem dúvida, é levado a reprimir tudo aquilo que em sua condição contradiz a representação que é preciso adotar de sua condição, a fim de mobilizar as forças indispensáveis à sua sobrevivência profissional. Acontece que o ardor voluntarista pode apoiar-se na organização formal da companhia. Ela lhe oferece numerosas vantagens e, acima de tudo, a "segurança" em diferentes aspectos, todos ligados, de um modo ou de outro, às dimensões da companhia, à sua potência, às técnicas de manipulação que ela coloca em ação e que favorecem a racionalização, a padronização e a estabilização do ambiente social. Por um lado, a tarefa propriamente profissional do agente comercial de uma grande companhia que ocupa uma posição, de quase monopólio no mercado é objetivamente mais fácil, mais segura e mais atraente do que aquela do representante de uma empresa pequena ou média. A certeza de "serem os melhores", de oferecerem produtos que "duram", "desenvolvidos por pessoas competentes", o orgulho de pertencer a "uma das 10 mais importantes organizações mundiais", de ter sido escolhido por ela, e a espécie de autoridade delegada que o poderio do empregador dá ao mais humilde de seus empregados, conferem aos "homens da companhia" um "espírito superior" e favorecem a identificação com as representações mais respeitáveis e mais lisonjeiras da profissão. Os costumes conforme ás instruções contidas no "Guia dos negócios", que a companhia envia a seus executivos comerciais, excluem os "pequenos conchavos" "lamentáveis" das "batalhas das vendas", a "concorrência de baixo nível" entre colegas, os golpes baixos, a trapaça, tudo o que faz desse ofício, "tão freqüentemente", um "ofício de prostitutas", e dos que o exercem, os "idiotas" que "comprometem o título de engenheiro". Por outro lado, a racionalização e a formalização das relações no interior da empresa e, particularmente, as relações hierárquicas, tendem igualmente a reduzir o sentimento de insegurança e sobretudo do arbitrário que muitas vezes domina a relação com o "patrão" nas pequenas e médias empresas a multiplicidade das instâncias de controle e de decisão nos diferentes níveis hierárquicos, a igualdade ostensiva e formal ("aqui, é um pouco um sistema socialista") impedem o ressentimento (tão bem, aliás, quanto a devoção) de fixar-se sobre um indivíduo particular e aí concentrar-se, desviam-no, diluem-no, facilitando, assim, a formação dessa espécie de paternalismo sem pai que define a "política social" da companhia. "Aqui diz M. para opor a companhia à pequena empresa 'paternalista' onde sofreu dissabores - as pessoas de terno cinza substituíram as pessoas em traje de golfe." Existe maneira melhor de exprimir uma adesão sem reservas à ideologia da substituição do mérito à herança, da legitimidade fundada sobre o dinheiro, dos dirigentes aos proprietários? Sobretudo, a companhia é um espaço no qual M. não se sente deslocado. Por um lado, ele encontra aí a sociedade de agentes dotados de propriedades próximas às suas, ou seja, está cercado de "executivos" precariamente diplomados e selecionados através de testes; por outro lado, a companhia é bastante potente para fazer prevalecer, ao menos aparentemente, suas próprias hierarquias sobre os princípios de hierarquização que dominam no exterior: ao valor que confere o diploma, e que jamais deve ser tomado por uma "aquisição definitiva", como se diz, são ostensivamente preferidos o "valor pessoal" e as "capacidades reais", aquelas que se adquirem nas escolas internas de venda e de graduação, onde a companhia forma, instrui e corrige os "executivos" que ela molda (costuma-se dizer, no meio, que se reconhecem imediatamente os empregados da companhia) e que ela mantém, comumente, pela vida inteira. Enfim, a empresa é bastante grande para que se possa cumprir um percurso: assim, por exemplo, o abandono da venda direta, de "campo", freqüente em torno dos 40 anos, e a reconversão, a outros cargos que não exigem as mesmas "qualidades" de "apresentação" e de "dinamismo", são quase institucionalizadas, de sorte que tomam formas menos dramáticas do que em outras empresas, muitas vezes menores, onde ,não existem outras alternativas a não ser subir na hierarquia ou partir. Desde sua entrada na companhia, M. volta a alimentar a expectativa de uma promoção. Mas as esperanças que o fazem viver e trabalhar são mais razoáveis do que antes. Com efeito, sustentada por todo um aparelho, a manipulação das aspirações pode operar-se aqui de modo mais regular e mais sutil, sem acelerações nem freadas bruscas: tal é o papel dos "planos de carreira", que regulam, como se pode ler na brochura que a companhia envia a seus quadros, "o acesso a um emprego diferente ou superior em função das qualidades profissionais, intelectuais ou morais", ou ainda do "Programa de Avaliação e de Conselhos Profissionais" que prevê uma entrevista por ano com o "chefe". Além disso, a combinação entre a instigação à concorrência e a eqüidade ostensiva que impregna a ideologia da promoção desenvolvida pela companhia (formar o espírito esportivo dos executivos, um pouco como no exército) tende a reforçar as disposições meritocráticas que os executivos autodidatas devem, mais freqüentemente, à sua origem social e a toda sua trajetória escolar e pós-escolar. E isso, certamente, tanto mais quanto seu êxito foi maior. Como diz um "executivo" comercial, cuja trajetória foi relativamente rápida , apesar de uma origem popular e dos começos no setor técnico (ele fez Artes e Ofícios), tudo não é afinal uma questão de "teto de competência"?

Mas o êxito da companhia na administração de seu "potencial humano" prende-se certamente, sobretudo, ao fato de que, mesmo na ausência de uma "carreira" real, a companhia pode sempre oferecer a seus pequenos "executivos" a possibilidade de superar as etapas de um processo de integração; assim, por exemplo, dentro de nove anos, M. poderá entrar no "clube dos 10 anos" (nesta ocasião, "uma festa será dada em sua honra, durante a qual lhe entregarão um diploma e uma medalha, e um prêmio lhe será concedido"); 15 anos mais tarde, se ele ainda pertencer à companhia, entrará no clube dos 25 anos e terá direito a usar a insígnia "Quarter century club"; e se seu filho, atualmente com a idade de 10 anos, entrar para a companhia enquanto ele próprio ainda for membro, entrarão ambos no "clube das duas gerações" etc. O jornal da empresa faz-se, a cada mês, o "eco" dessas comemorações que marcam a vida da companhia.

Enfim, a companhia é bastante rica para oferecer a M. precisamente aquilo de que ele não pode apropriar-se com o salário que ela lhe dá e que, no entanto, ele deseja: os signos de uma vida "superior", o "charme" de uma vida de "executivo", os objetos e serviços ajustados à representação fantasmática da posição, o que quer dizer também que ela pode retirá-los quando se oferecer a ocasião: as salas confortáveis, "impecáveis", os hotéis de "standing", os castelos de "categoria", "com piscina", para "seminários" de trabalho e de "repouso", as noitadas "chiques" onde se pode estar entre "pares", os clubes de esporte, os clubes de bridge etc. E, última recompensa, apogeu da vida profissional, a transferência para a sede da companhia, o estágio nos EUA, geralmente com a família e "todas as despesas pagas pela companhia". Instrumento fundamental de integração, a viagem aos EUA reforça o sentimento de filiação ao grupo: ter estado "lá" é "ser um deles" realmente, fazer parte daqueles "nos quais se confia", ter "participado das decisões" ou ao menos ter estado ao lado daqueles que "decidem". Adiada até o dia em que o executivo está suficientemente integrado para não poder mais recuar, a viagem consuma e fixa a conversão e, assim, por um efeito de reforço circular, fortifica, ao mesmo tempo, o reconhecimento dos valores americanos - já aureolados pelo prestígio da companhia - e o reconhecimento para com a companhia - elemento do poderio americano.

Tudo se passa, assim, como se o acesso ao conjunto das comodidades que a companhia oferece - vantagens em espécie e instrumentos de ocupação do tempo Livre - pudesse exercer um duplo efeito de investimento e desinvestimento: por um lado, ele favorece o investimento na companhia, no que ela é e no que ela representa; mas, por outro lado, pode também favorecer o desinvestimento na carreira, substituindo o gosto e o hábito das satisfações imediatas pelo adiamento do prazer e da busca de satisfações diferenciadas que, sobretudo no caso dos executivos sem capital (econômico, cultural ou social), acompanham quase necessariamente a competição pelas posições elevadas. Em troca, a companhia não exige praticamente nada a não ser a adesão ao que ela é e ao que ela representa; o conservadorismo político, uma vida profissional e privada (conhecida e controlada de muitas maneiras) conforme aos princípios morais da ética protestante, uma participação ativa e familiar na "vida da empresa" (onde a "esposa" também tem seu "papel a desempenhar"), o orgulho de pertencer a ela, a lealdade para com seus interesses, numa palavra, aquilo que certos executivos chamam, às vezes, por gozação, de um "bom temperamento". Ela o obtém, parece, facilmente: selecionando severamente os agentes,13 13 Se a seleção na entrada para a companhia e nos primeiros meses de contrato é objetivamente dura, parece que é igualmente objeto de uma espécie de acentuação simbólica ou de dramatização. E esse i, sem dúvida, um dos mecanismos pelos quais os admitidos assumem a crença. Sabe-se que um dos efeitos de um recrutamento rigoroso e de uma iniciação severa consiste em aumentar o valor que os eleitos atribuem à instituição e sua lealdade para com ela (cf. Aronson, E. & Mills, J. The effects of severity of initiation on liking for a group. Journal of Abnormal and Social Psychohgy, 59: 177-81, 1959. Apud Hirschman, A.O. Exit, voice and byalty. Cambridge, Más., Harvard University Press, 1970. p. 94). que podem ter sido rejeitados por outros mecanismos de seleção, dando-lhes, aliás, o que lhes foi recusado, ou dando-lhes mais do que lhes havia sido oferecido em outro lugar, propondo-lhes gratificações e valores ajustados às suas expectativas, a companhia se provê de homens reputados no mercado por sua arrogância, sua tenacidade e sua fidelidade. O apego desses homens aos valores da ordem, sua docilidade, seu espírito de corporação e, mais geralmente, o conjunto das disposições que eles empenham em seu trabalho não são tão distanciadas das disposições que fazem o bom soldado, o bom oficial. Como o exército, a companhia é um corpo à margem do mundo comum, que pretende conciliar a segurança e o espírito de iniciativa, o senso de hierarquia e o igualitarismo.14 14 Os membros da companhia empregam freqüentemente a expressão "na vida civil" para designar a parte de sua vida que não é regida pela companhia. Por exemplo: "Agente tem pouco tempo para ocupar-se de associações na vida civil." Mas, nessa empresa "moderna", com tecnologia "avançada", os expedientes em vigor no exército americano tendem a substituir-se pelos modelos de autoridade, um pouco >em desuso, que as empresas tradicionais (que contam freqüentemente, entre seus quadros, com antigos militares, particularmente nos serviços de pessoal) tomam de empréstimo, de bom grado, às tradições do exército francês.15 15 Sobre a comparação entre o exército e as empresas e sobre a utilização, no exército americano, de métodos de gestão racional (identific management) em uso nas grandes companhias, cf. Lang, K. Technology and career management in the military establishment, in: Janowitz M. ed. The New Military, New York, The Norton Library, 1969. p. 39-82. Assim, todo o discurso que M. enuncia sobre a empresa, sobre os negócios e, talvez mais genericamente, sobre o mundo social, é reconstruído sobre a base da oposição entre as pequenas e médias empresas, onde ele sofreu, e a companhia, que faz sua felicidade. De um lado, ele coloca a injustiça, o arbitrário patronal, as "máfias", as castas ("os politécnicos, os franco-maçons, a confraria, toda espécie de grupelhos"), os "tecnocratas" abusivos e incapazes, a desordem, a incompetência, a preguiça, o escândalo (máximas nas empresas nacionalizadas: "é o caos, e somos nós que pagamos") e, de outro lado, a eficácia, a seriedade, o trabalho e as oportunidades de êxito exatamente ajustadas ao mérito de cada um. E, em escala mundial, de um lado ele coloca a França, onde "o amor ao trabalho se perdeu" por culpa de um "sistema" absurdo e injusto, e, de outro, os EUA, o Japão (onde "a empresa é uma parte de si mesmo") e, sobretudo, a Alemanha Ocidental, generalização em escala nacional do espaço ordenado e confortável da companhia. Essa oposição fundamental tende a organizar o conjunto da experiência cotidiana do mundo social e a concretizar-se nas mais simples atividades, como, por exemplo, na compra de um certo carro, cujo relato novamente mobiliza, pela oposição entre a Citroen e a Mercedes, o conjunto dos esquemas que serviram para construir a história da vida.

Tudo se passa como se o nacionalismo que fornecia à pequeno-burguesia tradicional um meio de sublimar seu ressentimento de classe e um princípio de identidade, tendesse a substituir-se, nessas frações em formação das classes médias, por uma espécie de "multinacionalismo", meio dado aos executivos em promoção de exprimir sua adesão implícita, através de um estilo de vida e uma prática profissional, aos valores sobre os quais repousam as organizações que os integraram e que estão sempre prontas a lembrar-lhes de que eles não seriam nada sem elas. As grandes companhias, sem dúvida, têm contribuído assim para favorecer a cristalização de um novo agregado, fornecendo aos agentes ainda relativamente marginais, dispersos e distintos (excluídos ou fracassados nos sistemas dominantes de reprodução) os quadros institucionais onde eles possam concentrar-se e, ao homogeneizar-se pelo contato e a interação com a instituição, desabrochar e tomar forma. Seria necessário poder definir, na estrutura das classes médias, a posição e o peso desse agregado, determinar as relações pelas quais ele se opõe a outras frações igualmente assalariadas e igualmente dotadas de capital cultural (como os funcionários administrativos ou, de outros pontos de vista, os que se ocupam de trabalhos sociais) 15* 15* N. do T. Conjunto de categorias profissionais que inclui assistentes sociais, professores primários ou secundários, religiosos e pessoal auxiliar etc. e tentar ver o que seus membros devem às características do mercado no qual as competências técnicas e comerciais de que são dotados têm valor, aos modelos de excelência, às éticas políticas e aos estilos de vida que são dominantes aí. Um dos aspectos marcantes do funcionamento das multinacionais não deixa de ser a atitude dessas companhias, de achar ou constituir, em países dotados de estruturas sociais e de tradições culturais, relativamente diferentes, um pessoal e, particularmente, um pessoal intermediário suficientemente homogêneo para tornar possível uma orquestração de políticas internas e de regras de gestão de pessoal e, além disso, certamente, também do habitus profissional16 16 Sobre as estratégias desenvolvidas pelas firmas multinacionais americanas na organização de filiais nacionais, o recrutamento e a formação dos quadros locais, a gestão do pessoal, etc., cf. Brooke, M. Z. & Remmers, H. L. The Strategy of multinacional enterprise, London, Longman, 1970, particularmente a primeira parte, caps. 2 e 5. A maioria das estratégias descritas visam obter a homogeneização máxima das políticas das formas de organização e mesmo do habitus dos executivos, "efeito de espelho" que garante o respeito à organização-mãe, o reconhecimento dos valores que a fundamentam e a interiorização da posição subordinada que é a da filial. Mas, para conduzir bem essa politica e torná-la aceitável, é preciso também ter em conta o ponto de honra da nação. Assim, a organização-mãe dá, muitas vezes, como ordem a seus missionários, adotar os costumes do país (going native), ao menos nas pequenas coisas da vida: a imposição de formas de organização, de valores e de políticas importadas passa pelo respeito ao folclore local. (e isso a despeito do aumento, nesses tempos de crise, da autoridade das sedes sociais sobre as filiais nacionais, cujo grau de autonomia diminui incessantemente). A análise dos efeitos da dependência cultural,17 17 Mas, previamente a essas análises, seria sem dúvida necessário que fosse desenvolvida uma sociologia da nação esboçada pelo durkheimnianos e particularmente por Mauss, Marcel. Oeuvres. Paris, Editions de Minuit, 1969. v. 3, 573-639) e que fossem superados os tabus ideológicos que, associando com razão a idéia de nação ao militarismo e ao chauvinismo da direita tradicional, tenderam a limitar o uso legítimo do conceito ao estudo dos países que conseguiram sua independência (sem dúvida porque, nesse caso, nação tinha a conotação de revolução). Não se trata, certamente, de retornar às aporias do "caráter nacional", mas de analisar, por exemplo, a relação entre a dependência cultural (que é desigual nos diferentes campos) e as estruturas nacionais de dominação entre as classes. Como a antropologia não tem cessado de mostrar, o empréstimo seletivo de esquemas culturais descontextualizados e importados e sua imposição prática num estilo de vida estão constantemente associados à destruição dos sistemas de defesa interiorizados, produtos de uma tradição local de luta e de solidariedades de grupo que fazem a força dos fracos. que a dependência econômica também exerce, permitiria ver em que medida a multinacionalização, isto é, de fato, a americanização do quadro de referência em relação ao qual se situam os executivos (incluindo os pequenos executivos, cujo espaço objetivo de ação é nacional e até mesmo provincial) constitui-se num dos fatores de divisão social e política das frações ascendentes das classes médias.

6. UM DISCURSO POSSÍVEL

Os relatos de vida aqui analisados levantam a questão das suas próprias condições de possibilidade. O discurso que M. profere é, com efeito, um discurso difícil, porque não foi, com freqüência, construído no passado por gente como romancistas, jornalistas, cineastas etc, cujo ofício consiste particularmente em alçar à ordem do discurso as maneiras de ser e os modos de vida que definem uma condição social. Destituído do charme da burguesia, do pitoresco camponês ou popular, da miséria subproletária e até mesmo da maioria dos traços "repelentes" que os intelectuais se aprazem em reconhecer nos "pequeno-burgueses", repressivos ou fascistizantes, logo fascinantes (o tipo do antigo combatente de boina, leitmotiv de Charlie Hebdo, 17* 17* N. do T. Publicação semanal humorística, tablóide, extremamente crítica. talvez porque ele simboliza a geração e a classe de que seus leitores são originários). Destituído de tudo, o pequeno "executivo" comercial foi, ao menos até data recente, aquele que nada tinha a dizer. Igualmente, a alienação do "executivo" comercial, esse homem sem qualidades, permanecia sem verbalização.

Para que a volta sobre si mesmo que M. opera se tornasse possível e para que ele .pudesse restituir de modo explícito e sob a forma de um relato organizado uma condição que outrora ele só conhecera na prática, para que se formasse nele a própria intenção de falar, de "desabafar", ou como ele ainda, às vezes, diz de "testemunhar" e também para que ele se atrevesse a falar do que havia ocultado antigamente - seus sofrimentos e suas humilhações - foi, sem dúvida, necessário que se constituíssem novas representações coletivas dos "executivos", paralelamente à multiplicação dos portadores do título e à formação de agregados relativamente homogêneos nas grandes companhias.

Às imagens soberanas do êxito dos "executivos", nos anos 60, sustentavam sozinhas a emblemática da posição e tendiam a ocultar, reprimindo no inconsciente coletivo tudo o que, na condição dos "executivos", não se conciliasse com o discurso otimista, vieram se juntar, principalmente no fim do período de otimismo econômico, outras figuras e outros discursos menos reluzentes e, entretanto, bastante potentes e suficientemente fundamentados para pretender, por sua vez, dar uma nova representação legítima da posição: tal é o caso dos discursos sobre os executivos em dificuldades e desempregados,18 18 Apesar de o índice de desemprego, no caso dos executivos, permanecer inferior ao que é para outras categorias, o número dos que procuram emprego, executivos e similares, não cessou de aumentar desde 1968: 7.170 em 1965, 16.900 em 1968, 28.800 em 1972, 41.500 em 1974, 81 mil em 1975, 100 mil em 1976 (Seys, B. & Laulhé, P. Emquéte sur l'emploi de 1976. Coleções do INSEE (Instituto Nacional de Ciências Econômicas e Estatísticas), série D, n? 48, novembro de 1976). Em 1976, 19.511 executivos se inscreveram na Associação para Emprego dos Executivos, dos quais, 11.276 sem emprego, 1.824 em atividade e 6.411 recém-diplomados. (L.'Expansión, 108: 208, jul. 1977). sobre os problemas que emergem por volta dos 40 anos, idade das desilusões na época da depressão, que se disputam hoje os aparelhos políticos. Os executivos constituem objetivamente um móvel de luta: ocupando uma posição ambígua nas estruturas de dominação na empresa e, sob certos aspectos, na estrutura de classes; contribuindo para o poder do capital, mas praticamente destituídos de poder sobre o capital e sendo eles próprios dominados pela ordem que lhes delega o controle sobre as classes dominadas, os pequenos "executivos" podem adotar, praticamente, tantas tomadas de posição diferentes quantas são as diferentes definições de sua posição. A representação que a eles se impõe de seus interesses e de sua vontade, do grupo social ao qual eles devem uma lealdade dominante e da 'família" política que melhor pode representá-los depende, assim, muito marcadamente de suas categorias de percepção do mundo social. Isto significa que a manipulação das categorias de que dispõem os agentes para definir-se e as representações às quais eles podem chegar constituem, talvez, nesse caso, o instrumento fundamental de mobilização política: às definições que ligam o destino dos "executivos" àquele da fração inovadora do grande patronato (todos "managers"), os "executivos" podem opor agora os discursos politicamente constituídos que privilegiam os pontos comuns-entre sua condição e a de "todos os outros assalariados". Mas o discurso de mobilização que, por definição, se dirige ao grupo mais amplo possível, deve talvez seus limites ao fato de que ele não pode colocar a questão dos limites da categoria que ele designa e, menos ainda, a de suas clivagens internas. Ora, antes de encarar como expressão de uma mudança da "posição dos executivos na sociedade" (o tema dos "novos proletários"),19 19 O tema dos "novos proletários" nem sempre é um tema "proletário". Em algumas de suas variantes, ele parece traduzir a reação de defesa dos executivos muito bem diplomados, contra o rebaixamento do nível escolar e social da corporação, correlativo ao seu crescimento. Assim, numa enquéte realizada pelo Centro Nacional dos Jovens Executivos sobre "os jovens executivos e o sindicalismo" e que se valeu de uma amostra composta por 88% de executivos saídos de grandes escolas, "a desaparição progressiva da distinção executivo-funcionário é citada espontaneamente em mais de um terço de respostas". Se deve haver um "nivelamento", dizem os que responderam a essa enquête, "é preciso cuidar para que seja um nivelamento por cima, e não por baixo. O nivelamento por baixo é a fragmentação das tarefas e das responsabilidades dos executivos, que os leva a não serem muito mais que os operários intelectuais de uma burocracia", (as aspas são do orfeinal). (Cf. CNJC - Centro Nacional dos Jovens Executivos). Les Jeunes cadres et te syndicalisme. Paris, 1977. p. 12-13, mimeogr. é preciso ver, talvez, na aparição das novas representações dos "executivos" (que não abalam necessariamente as representações já adquiridas, mas se superpõem a elas) um primeiro indício de uma tendência à partição subjetiva da categoria. A dispersão da categoria dos executivos, especialmente sob o aspecto do salário (e, sem dúvida, mais ainda das rendas), assim como sob o aspecto do diploma, não é uma coisa nova, ainda que só muito recentemente ela tenha-se tornado objeto de um discurso público (jornais, organismos profissionais etc). Mas, durante muito tempo, as forças de coesão, relacionadas com o fato de pertencerem a uma mesma corporação (o órgão da CGC chamou-se durante muito tempo "Le Creuset"),19* 19* N. do T. A caldeira. com o fato de ocuparem uma posição relativamente homogénea na divisão do trabalho, incluindo a dominação relativa das classes sem capital e sem poder (operários e pequenos empregados), parece que levaram a melhor sobre os fatores de diferenciação interna. Esses fatores, sem dúvida ligados à evolução morfológica da corporação,20 20 Tudo se passa como se, do mesmo modo que no caso da universidade (Bourdieu, P., Boltanski, L. & Maldidier, P. op cit.) o aparecimento, no interior da corporação, de agentes e de grupos em condições de alcançar a consciência de sua diferença e de sua desvantagem fosse solidário a um crescimento do volume da corporação e, sem dúvida, dentro dela, da parte relativa aos mais desprovidos. Mas a análise morfológica tropeça aqui em numerosos obstáculos: a heterogeneidade do campo das empresas, principalmente conforme o setor, a relação entre a evolução técnica do trabalho e a evolução da divisão do trabalho de nível intermediário, a relação entre o sistema de produção e o sistema de ensino etc. tende agora a transformar a distribuição relativamente contínua dos privilégios e do poder num sistema descontínuo de oposições. E isso é feito, especialmente, transpondo, por um discurso explícito à ordem da consciência, a bipolarização objetiva do grupo com seus dominados e seus dominadores: os "executivos" autodidatas ou originários das pequenas escolas, muitas vezes de origem popular ou média, e os executivos saídos das grandes escolas, mais freqüentemente originários das classes superiores. Assim, os novos estereótipos são, talvez, uma manifestação do trabalho de invenção coletiva que a produção de uma nova definição social e a formação de representações mais toleráveis do que as representações dominantes, porque melhor ajustadas à posição que é hoje a dos pequenos executivos, supõem. Mas certamente seria imprudente profetizar, a partir desses sintomas, a cristalização próxima das divisões tendenciais da corporação, a objetivação destas em organizações e denominações diferentes e até mesmo antagônicas; processo que toda a tecnologia social utilizada de modo explícito ("a engenharia organizacional") ou implícito nas grandes empresas tende, ao contrário, a frear. Entre as forças postas em ação figuram não somente pressões explícitas ou incitações ideológicas,21 21 O interesse crescente concedido aos executivos pelo patronato é um indício, entre outros, das mudanças e tensões das quais a categoria é a sede. Prova disso, por exemplo, é a necessidade de enunciar explicitamente o que num estado anterior da relação entre o patronato e o pessoal intermediário era inquestionável e tacitamente evidente. Perante a empresa - lê-se numa nota de serviço destinada aos gerentes de uma grande empresa de automóveis -o executivo tem um compromisso (...) . Sua filiação à empresa e seu engajamento pessoal (...) excluem todo desacordo fundamental entre as orientações gerais da empresa e suas opções pessoais (...) , ele deve assumir como suas as decisões tomadas (mesmo que sua opinião anterior fosse diferente) e levar seu apoio autêntico à sua execução. Outro indício: os temas dominantes do último Congresso Nacional das Empresas, organizado peio CNPF (Confederação Nacional do Patronato Francês) em outubro de 1977 (comunicação na empresa, informação de executivos, participação, "gestão participativa" etc), que tinha como um de seus objetivos, com toda evidência, a retomada de controle e a mobilização de executivos. mas também outros mecanismos: viu-se como a manipulação das carreiras (por exemplo, com a coexistência ocasional numa mesma posição de agentes destinados a trajetórias diferentes) tendia a retardar a idade na qual os "executivos" chegam ao conhecimento de seus limites. O mesmo ocorre com a multiplicação das posições de dominação relativa que, segundo a relação sob a qual as posições sejam encaradas e o lugar da empresa a partir do qual são observadas, podem-se apresentar como dominantes ou como dominadas. Os executivos entrevistad os falam, muitas vezes, dos "patrões". Mas é fenômeno bem conhecido o fato de que lhes é muito difícil traçar num organograma as linhas de clivagem que separam, de modo nítido, as posições dominantes das posições dominadas e eles designam sob esse mesmo termo todos os que têm poder sobre eles, inclusive ou sobretudo seu chefe de serviço direto, que pode estar, ele próprio, sob outros aspectos, em posição incerta ou ameaçada.22 22 A esses mecanismos seria preciso acrescentar, sem dúvida, o desenvolvimento da formação permanente, da qual começamos a poder compreender os efeitos. Num artigo recente (L'éducation permanente et la promotion des classes moyennes Sociobgie du Trovan, 19 (3): 243-65, juil.-sep. 1977), Christian.de Montlibert mostra que os alunos da formação permanente, técnicos em sua maioria, que tentam ascender ao estatuto de executivos (freqüentemente originários das classes médias e dotados de um nível de instrução superior ao da média dos técnicos) são nitidamente menos solidários que os assalariados de mesmo nível hierárquico e nitidamente menos favoráveis à ação coletiva, desvalorizada em proveito da concorrência individual, do que oconjunto dos membros de sua categoria. Assim, 24% declaram já ter acompanhado as ordens de um sindicato contra 43% num grupo de controle; 32% acham que se pode confiar em seus colegas de trabalho, enquanto a proporção é de 43% no grupo de controle; 33% preferem o trabalho em equipe, contra 50% dos indivíduos do grupo de controle. 23 A manipulação das aspirações, tal como é vista por um comprador de 3 3 anos, sem diploma e relativamente mal pago (em torno de Fr. 6 mil por mês): "O que me agrada é que tenho poder. É extraordinário, isso me diverte. Almoço regularmente com chefes de empresa que têm 60- anos e eles me fazem passar diante deles, me enchem de pequenas atenções, isto me agrada, eu me divirto. Um tipo que tem 60 anos lhe faz mesuras, ele que ganha Fr. 40 mil por mês, é agradável! Tenho o .poder, posso descompor as pessoas, é agradável (...) . Tenho opoder de dar bronca nas pessoas, é agradável! Saber que você pode descompor é. formidável. É por isso que você só pode se superar, você não pode mais retroceder. Atualmente, entre nós, os patrões, - quando querem puni-los, rebaixam os diretores ao grau de subdiretores, com o mesmo salário; os "caras" ficam loucos O dinheiro não conta; você varreria as ruas, você, com o mesmo salário? Não por muito tempo (...) , Quando não se está mais de vento em popa, é o fim. O patrão decide "encher seu saco", ou isto é feito pela pessoa intermediária, mas é extremamente calculado, isto faz parte de um certo plano; é preciso saturar o "cara" até que ele vá embora. Por exemplo, te mudam várias vezes, em vários serviços. Ou, então, te obrigam a fazer trabalhos que não são do seu nível; você tem responsabilidades e te obrigam a fazer um trabalho de aprendiz. Se eles têm contas a ajustar com alguém que é fraco de caráter, esse acaba se demitindo. Para resistir é preciso ter uma força de caráter enorme. Te "podam" de reuniões, conferências, não te colocam mais a par do que se faz, então você passa por um imbecil (...) . Quanto a mim, isso não me aconteceu ainda. Mas eu sou jovem, os golpes virão aos 40, 45 anos, é em torno dessa idade que isso ocorre, quando você não pode mais ir embora. Tua relação salário/idade faz com que você não possa mais achar o equivalente em outro lugar. Eu tive uma formação na casa, que não é válida noutra empresa, sou como que moldado. Agora, eu ainda poderia partir. Mas digo para mim mesmo: Vou esperar porque tenho a esperança de uma situação mais importante'; e daqui há 10 anos, quando eu não tiver mais, será tarde demais para partir. Nesse momento, me colocarão de escanteio e eu- farei de tudo para ficar." 23* N. do T. Diplomado pela Escola de Altos Estudos Comerciais. 24 Como se demite um delegado sindical (nesse caso, um "executivo" pertencente à CGT): "De inicio, prometeramme várias coisas para que eu abandonasse a organização sindical. Depois, como isso não ocorresse, retiraram-me toda a responsabilidade. De início, o diretor veio ver-me: 'Você, um diplomado de grande valor, que tem relações (porque meu pai tinha pertencido à direção de uma grande empresa) Você deveria abandonar a CGT, estamos falando entre homens, um engenheiro como você' etc. Não sei por que, continuei. Não porque fosse mais corajoso que qualquer outro (...) . Como não deixasse o sindicato, depois, durante um ano retiraram-me toda responsabilidade. E para tentar me desencorajar, para que eu pedisse minha demissão, deram-me como trabalho fiscalizar os termômetros da empresa. Durante três meses, fiquei girando, supervisionando os termômetros. Quando chegava de manhã, eu dizia: "Olha, gostaria de ter outro trabalho', e eles me diziam: 'Você tem certeza de que aquela sonda funciona? Vá verificar se a tal sonda funcional' Voltava no dia seguinte: 'Sim, ela funciona'." 'Mas, espere, você verificou bem se as sondas da fábrica," etc. (...) . Muitas vezes, os colegas não reagem. Há uma espécie de pressão no meio que os leva a pensar que a direção das empresas tem o direito de esperar que os executivos sejam fiéis servidores; 'ele é sindicalista, é bem feito para ele, ele não tinha nada que se descaracterizar.' E depois há o medo, o medo vulgar, todo mundo se sente ameaçado (...) . Há tipos que não vêm mais te cumprimentar. A única que pode fazer qualquer coisa é a organização sindical enquanto tal. Normalmente, há sempre meios de se mostrar que houve vontade de prejudicar, mas como é o executivo que tem que apresentar as provas, isso não é fácil. 25 A demissão numa empresa de eletrônica: "Conheci um tipo na empresa onde estive antes; queriam que ele pedisse demissão. E ele ficava. Mas acabou afinal pedindo sua demissão. Era,aliás, bastante repugnante. Ele já tinha 40 anos; então, veja você o problema. Não era mau, trabalhava bem, mas era um tipo que falava sem papas na língua, e terminaram por lhe dizer: 'Quando é que você vai se mandar; não estamos ligando para você', etc. Enchiam o tempo todo. E ele agarrava-se dizendo: 'Não é possível, não devo ceder a essa espécie de ameaças, é preciso que eu não faça isso.' E depois, houve um ' novo 'caia' que chegou ao serviço de pessoal e que se ocupou desse caso, um antigo militar, aliás, um refinado porcalhão também. Ele teve ganho de causa e da seguinte maneira, foi o 'cara' em questão que me contou a história e que me disse: 'Bem, olha, fui vê-lo, ele me ofereceu um cigarro, discutiu comigo e me disse: - Vooê sabe, isso como está não pode durar mais, todo mundo está sofrendo, é preciso que você faça qualquer coisa, seria preciso que você fizesse um esforço,' etc. O 'cara' tinha sido completamente saturado, e eis um tipo que lhe oferece um cigarro, que fala gentilmente. . . ele assinou sua demissão." 26 Um funcionário de uma empresa francesa fala do patrão: "Um presidente é pior que o Deus-pai. Aqui, o presidente não vê ninguém. É o poder invisível. Eu me dou por feliz porque um dia lhe apertei a mão! As pessoas importantes são os diretores gerais, porque eles estão ao lado do presidente. Para vê-lo, é preciso marcar uma audiência, é como se fosse o presidente da Republica (...) . Não se pede nada ao presidente: é ele que te sustenta, então não é para ninguém perturbar a paz dele. Mas, penso que o desejo secreto de 90% das pessoas seria passar um dia frente a frente com ele. Eu sou o primeiro. Gostaria muito de lhe dizei um dia: "Bom dia, senhor, o que acha da situação?' Porque ele não nos ignora, mas transmite tudo por pessoas intermediárias. A gente ouve que o presidente disse isso, que pensa aquilo, que, portanto, convém que se pense da mesma maneira. Por exemplo, houve uma época em que o patrão emitiu o desejo de que alguns executivos se sindicalizassem, à CGC certamente, se não seria a catástrofe, a queda certa! Então, imediatamente, houve muitas adesões à CGC (...) . De tempos em tempos assiste-se a uma reunião na qual o presidente faz um discurso, todo mundo está lá, é como a missa. £ assim que eles conseguem fazer com que o patronato seja algo de seres excepcionais, e elite (...) . Não sou socialista, na medida que não nego o que é deles. Mas sou pela idéia de que a direção das empresas não esteja a cargo de proprietários. Que eles tenham o lucro é suficiente, mas não o poder, porque o poder, este se merece. Que o cara que tem o poder seja o filho do patrão, mas não forçosamente ele. Podem ser pessoas formadas na área. Posso ser eu, afinal de contas." 27 Comentários de um comprador sobre a moral e o dinheiro: "Sou permanentemente solicitado. Poderia passar o dinheiro da mão deles para a minha todos os dias, já que tenho o poder de fazer trabalhos ou não. Recebo algumas vezes envelopes cheios de notas de Fr. 500, me faz mal ao coração devolvê-los. Há os que aceitam, até a hora em que se descobre e eles têm que se virar de um dia para o outro. Os patrões comentam entre si, e eles não arranjam mais trabalho. É inadmissível, porque teoricamente é desonesto mas, de qualquer modo, que fosse eu que pegasse esse dinheiro ou meu patrão pessoalmente, eu prefiriria que fosse eu. Se é uma questão de moral, meu patrão recebe as propinas, talvez não sob a forma de propinas, mas é a mesma coisa. Quando eu o faço ganhar dinheiro, é uma forma de propina, é o dinheiro que entra em caixa e que ele não me devolve, mas não há ninguém acima dele para reprová-lo. No entanto, do ponto de vista moral, é extremamente discutível (...) . Todo o tempo, se desperdiça dinheiro. Quando se convida alguém em nome da empresa é melhor comer codorna do que comer cachorro-quente. Se a gente convida um 'cara' para que me disse: 'Bem, olha, fui comer foie gras' ele fica contente e lisonjeado. E, além disso, ele tem sua justificativa, nada a pagar e ele vai ficar contente. A empresa para ele fica muito contente porque vai poder deduzir isso de seus impostos, o restaurante fica radiante, todo mundo fica feliz, portanto, é preciso gastar dinheiro (...) . Um cara que pensa que pode fazer um negócio importante, o que-custa para ele paga ruma moça? Vai lhe custai uns Fr 200 ou Fr 300 e o cara está garantido de que na manhã seguinte vai fechar o negócio. O que é preciso é conhecer a fraqueza das pessoas, seus desejos. Que o cara te convide três vezes para um restaurante fino, isso não quer dizer nada, idem quanto às despesas. O que vai contar é o resultado. Para alguns, é preciso levar ao restaurante o que é que isso importa?" 28 A companhia vista por um engenheiro técnico-comercial de 34 anos, diplomado em direito e ciências econômicas e originário de frações tradicionais das classes superiores, e que pertence a uma . sociedade rival: "Conheço as pessoas de XXX , não entrei para XXX um pouco por isso, aliás. Antes era o terno azul e o colarinho duro, durante muito tempo, agora isso não é mais assim, mas (...). Na companhia onde estou, há esse lado um pouco puritano, do respeito às regras, tradições, a certas tradições, mas creio que a contestação, ainda que não admitida, existe um pouquinho. Mas, na XXX , é outra coisa, há exemplos de pessoas que entram para XXX e que são completamente modificadas, que se tornam, mas realmente, pessoas de XXX , pessoas especiais. Aconteceu com um de meus amigos. São muito seguros de si, aliás, isso é uma de suas forças. Dizem-lhes todo o tempo que eles são os mais belos os mais fortes, XXX joga muito com isso. Os caras ficam convencidos que eles não podem deixar de vendei e isso conta muito a seu favor (...) . Seria interessante conhecer a escola de vendas deles. Têm uma escola de vendas que elimina as pessoas, principalmente do ponto de vista do caráter; aqueles com os quais eles imaginam que vão ter dificuldades, porque não são suficientemente dóceis (...) . Recrutam facilmente; pagam bem e são mais bem organizados do ponto de vista da progressão da carreira dentro da empresa. O cara da área comercial, se não passa pelo funil da hierarquia, ao fim de algum tempo está acabado, é posto para fora, não é mais nada, nada de nada. Tanto que na XX X eles encontraram uma saída para isso; para conservar os da área comercial; para manter a atração desse cargo lá, ao fim de um certo número de anos, eles lhes propõem evoluir em outros serviços e digamos que eles não perdem tanto a sua imagem quanto ás vantagens da posição hierárquica," 28* N. do T. Avião a jato de pequeno porte. 28** N. do T. Subúrbio de Paris, onde se localiza o maior aeroporto da cidade. 29 Uma esposa "mal vista", casada com um executivo semelhante a M., no que diz respeito às propriedades sociais, escolares e profissionais, comenta a vida privada de uma grande companhia: "R. (seu marido) está perdido, tudo aquilo está perdido, meu caro. Se ele não se submete docilmente, aí é como num internato, não tem saída, a pessoa fica visada e está ferrada. Forçosamente isto se sabe. Não sei até onde essas coisas chegam, talvez vão à direção, não sei, jamais pus os pés em XXX, mas sei que sou mal vista. Não sou absolutamente mulher XXX. Porque XXX é uma família, então normalmente eu deveria fazer parte da família: Há coquetéis, nos convidam; a gente deveria convidar mais as pessoas. Este é o espírito, sabe-se se Fulano vem jantar na casa da Sra. Beltrana. Não sei através de quem e de que modo, mas sabe-se (...). R., eu acho, até gosta que em casa a gente não seja XXX demais, mas, por outro lado, ele está preso ao seu trabalho, é obrigado a ser XXX, ora! E ser XXX significa um pouco aceitar qualquer coisa, não importa o quê (...) . Fazem uma imagem da família! Você vê, por exemplo, não fica muito bem que eu não viaje com meu marido, a mulher não deve deixar seu marido (...) . Quando ele entrou para XXX, tinha uma barbicha, agora creio que isso é tolerado, mas, na época, fizeram-no compreender : que se ele quisesse entrar, seria preciso raspar a barba (...) . Então, R. disse: 'E o que seria preciso que eu fizesse, se fosse preto?' E então não sei, houve todo um negócio, acharam muito interessante a resposta que ele deu e isso o ajudou a entrar, e finalmente ele tirou a barbicha t. . .) . Tudo isso, isso o enerva um pouco, mas, enfim, ele está contente assim mesmo, porque, apesar de tudo, há um trabalho que o interessa, e além disso, ele saiu do apuro e foi a companhia que o tirou. O que ele teria feito sem XXX? E duro, hem, achar alguma coisa (...) . Na XXX todo mundo bate ponto, todos estão no mesmo nível, seja o varredor ou o diretor, todo mundo tem direito às mesmas vantagens sociais, olha, afinal há um monte de vantagens, os esportes, os prêmios, as colônias de férias, o monte de organizações, como você vê no jornal da companhia (...) . Olha, por exemplo, um pequeno detalhe, eu não sabia de tudo que existia: R. foi operado no ano passado. Então,ficou parado três meses e, ao fim dos três meses, recebeu uma cesta de uma grande loja, Fauchon ou Hédiard, não lembro mais, com uma caixa de foie gras, uma garrafa de vinho muito bom, enfim, toda uma refeição para duas pessoas, e isso vinha da companhia porque R. tinha sido operado. Olha, tanto o diretor quanto o faxineiro podem recebê-la (, . .) . Quando R. partiu para os EUA, houve uma comemoração num restaurante e houve alguém no clube dos poetas XXX que fez um poema sobre R. Ele também escreve no jornal da companhia (...) . No jornal, há o nome das crianças que nascem, os casamentos, os falecimentos. Para os falecimentos põe-se: 'Sr. Fulano morreu na companhia tal dia, entrou na qualidade de, faleceu como'', você compreende, para mostrar que ele subiu'. 30 O sonho de independência - uma pequena empresa sua - de um engenheiro autodidata (obteve o diploma do CNAM - Conservatório Nacional de Artes e Ofícios - aos 32 anos), antigo operário eletricista, com a idade de 48 anos e atualmente desempregado: "Pelas minhas capacidades, fui bem mal remunerado até o presente. E bem, estou desempregado. Mas não tenho complexos: conscientemente, eu realmente trabalhei para não ser, e se fui demitido foi mais por razões exteriores a mim. Mas, eu não tenho sido suficientemente desconfiado acerca de certos pontos: a luta pela vida, digamos (...) . Tenho desejado muito trabalhar por conta própria e meu grande sonho seria chegar' a isso, justamente para ter essa independência (...) . Quando você é assalariado, sobretudo ao nível de executivo superior, você é obrigado a fingir que pensa o mesmo que o patrão (...) . Não quero que meu filho trabalhe na indústria. Se ele pudesse ser médico, artista, advogado, agente imobiliário, notário, mas não quero que ele trabalhe nesse sistema e se ele não se matar de estudar, bem, prefiro vê-lo como encanador ou garagista, com a condição de que ele seja independente." 31 O processo de integração numa multinacional de ponta, segundo um executivo em dissidência (antigo aluno de uma escola de engenheiros, com a idade de 40 anos): "Poderia começar pela caricatura: a caricatura é a vestimenta (...) , colarinho branco, três peças completo, chamam-nos os pingüins (...) , fazem com que se raspe a barba, mas isto, vou dizer, só pode existir junto com outras coisas. É mais profundo: a nível das escolas de vendas, das escolas de graduação, para tornar-se executivo, te formam um temperamento agressivo, sobretudo a nível comercial (...) , aprende-se o clima, aprende-se o tônus (...) . Mas, o mais importante, a empresa se empenha para que as pessoas lhe sejam devedoras: um engenheiro vai especializar-se, será muito capaz num domínio técnico, mas ele não tem uma verdadeira qualificação (...). Quanto mais ele for especializado num produto, mais ele será devedor para com a empresa e estará à sua mercê (...) . O máximo são os da área comercial de origem, que não têm diplomas, são completamente devedores, como você quer que eles se vendam ao exterior, os coitados? (...) Aqui é o reformismo, te escutam. Tem-se uma reivindicação (...) e se é completamente desmontado na presença de bravos tipos que compreendem o que se pede, que querem bem fazê-lo. Tem-se a impressão de que vão sair os Mocinhos. Eles vão adiando. Três meses mais tarde, sempre, não fizeram nada, sempre (...) . Há muito poucas pessoas que são despedidas. Eles são muito mais suaves, fazem relatórios sobre as pessoas e servem-se deles quando tem necessidade. Tenho umas anotações, de alguns anos atrás, sobre o recrutamento dentro do serviço de pessoal. Explica-se que é preciso um relatório sobre as opiniões políticas, as organizações sindicais, os negócios, as dívidas, a mulher, o que ela gasta etc. (...) . Sabem tudo, há sempre um 'cara' que fala (...) . Fiquei muito espantado no serviço onde estava antes, ao saber quem era o tira (...). Os caras são vigiados por caras que vigiam outros caras etc. (...) . Os chefes de pessoal discutem,comem na cantina, escutam,(...) . reuniões por qualquer coisa (...) . Vi um diretor utilizar uma enquête de opinião, garantidamente secreta, contra pessoas (...) , os pequenos chefes seguem cursos de gerência. Ensinam-lhes a te convidar para a mesa quando há um problema. Conheço um caso, um grupo em que havia problemas, convidaram todos os imbecis para comer (...) . Conheço até uma secretária que tomou a iniciativa de convidar os quatro imbecis que tinha sob suas ordens, às custas dela própria!

Como sugerem essas poucas notas, a interpretação das entrevistas supõe o conhecimento das condições sociais onde são engendrados os instrumentos lingüísticos sem os quais não há palavra possível. Assim como o discurso científico, o discurso do entrevistado não é uma acumulação de fatos brutos e, nesse caso, também, o "dado" é construído. Assim, o discurso de M. pode ser lido como uma parábola na qual os elementos arrancados à experiência vivida são reformulados, reinterpretados e reordenados, de modo a encadear-se numa demonstração. Desde logo, a introspecção, sobretudo quando ela se torna objeto de um discurso público, exerce, como se sabe, um efeito de explicitação e, conseqüentemente, de implicitação: o simples enunciado do que já existia, mas em estado latente, na relativa indecisão da prática comum, já é uma interpretação que reprime na ordem do implícito as significações laterais, que outras formas de introspecção dirigidas (e dirigidas por outros, em outras situações) poderiam fazer surgir. Seria inútil procurar dissimular ou calar o que o discurso apresentado aqui (como o que o acompanha em nota) deve, ao menos em sua forma, às condições nas quais foi recolhido: uma refeição à noite na casa de amigos, em "confiança", alguns "bons tragos" ao alcance da mão. Nem transgressão às regras da objetividade científica, como quereria o ritual metodológico, nem garantia de "autenticidade", como o faria facilmente crer uma concepção naturalista das ciências sociais - esta situação, como toda situação de palavra dotada de propriedades específicas, reativa uma dimensão particular da identidade e suscita um jogo particular de linguagem: precisamente aquele da privacidade, do relaxamento, por vezes um pouco irresponsável, porque a palavra aqui é praticamente sem conseqüências, e é nisso, justamente, que ela se opõe aos usos oficiais da linguagem. Mas não basta, talvez, levar em conta a estrutura da relação na qual se exerce a palavra e as propriedades do locutor, a posição que ele ocupa na distribuição social dos instrumentos lingüísticos (que pode ser grosseiramente medida pelo nível de instrução) e seu sistema de interesse expressivo, porque os materiais que o agente singular utiliza são também o produto de um trabalho coletivo, aquele pelo qual um grupo se esforça para dominar simbolicamente uma conjuntura. Tal patrimônio comum de estereótipos é, ao mesmo tempo, um instrumento de conhecimento - a introspecção reconhece o que o grupo nomeou - e de legitimação - modelada sobre as formas reconhecidas - a experiência prática torna-se coletivamente admissível e, por isso, individualmente tolerável. Assim, é o conjunto das limitações que se impõe ao locutor que é preciso poder recobrar para determinar os limites de validade do discurso recolhido. Além disso, trata-se, talvez, menos de estabelecer o estatuto de verdade dos enunciados, que não são sempre - pelo menos não são somente - afirmativos ou constatativos, do que de guiar o uso que pode ser feito dele legitimamente. Nem recepção passiva de um "dado", tal como ele ocorre, nem sintoma de suspeita (que não conhece outro limite senão o poder de imaginação do analista), a interpretação dos relatos do entrevistado poderia inspirar-se no tratamento ao qual o senso prático submete o testemunho: percepção sincrética do que é dito, da maneira de dizer, das propriedades do locutor, do que ele faz, do que diz em outro lugar e do que disse antes, do que dizem os outros e do que os outros dizem dele.

É aqui que uma análise externa do mundo das empresas encontra seus limites: ela não permite, ou só o faz raramente, reconstituir o sistema das posições e das tomadas de posição concorrentes e por aí capturar aquilo que, no discurso de cada entrevistado, depende da posição que seu autor ocupa no campo da empresa. Esse obstáculo não é '"teórico", mas prático: no mais das vezes é impossível dispor de uma rede de relações tal que se possa interrogar, em condições quase semelhantes, agentes situados em pontos diferentes e concorrentes da empresa. Mas, para fazer justiça a essa imperfeição, é preciso, a despeito de tudo, lembrar o que a "sociologia industrial" ou a "sociologia das organizações" devem às condições materiais nas quais elas são habitualmente elaboradas.

A sociologia das empresas, que tem por objeto os locais onde a dominação de classe e a luta entre as classes tomam as formas mais intensas, menos dissimuladas ou menos dissimuláveis, é, mais do que qualquer outra, tributária também das mediações pelas quais o campo lhe é aproximado. A abordagem interna que, de direito, é a única que permite re-situar o discurso, as reações e tomadas de posição individuais nos processos coletivos que as determinam, reconstruir o sistema das relações práticas entre os agentes em presença e, conseqüentemente, recobrar os efeitos do campo e os mecanismos objetivos de dominação e de controle que aí se exercem, é, em grande número de casos, maculado por um viés que se refere à relação entre o observador e aqueles que tornam seu trabalho possível na empresa. Como compreender a problemática e os interesses - freqüentemente muito distanciados da experiência e da prática dos agentes, - de uma parte não negligenciável dos trabalhos que têm sido publicados na disciplina, se não levarmos em conta as condições que devem preencher os autores desses trabalhos para entrar no campo, e as concessões que devem fazer aos que ocupam nas empresas as posições dominantes para poderem aí se perpetuar? Como interpretar as afirmações dos executivos, relatadas por esses trabalhos, se esquecermos a situação formal na qual elas foram, na maioria das vezes, recolhidas? Geralmente, trata-se de entrevistas realizadas no próprio espaço da empresa (e algumas vezes em grupo) entre os agentes destinados a permanecer no local, uma vez terminada a entrevista, e habituados por experiência a controlar seus propósitos, e agentes externos que, operando com o acordo da direção geral da empresa, nem sempre se distinguem muito nitidamente dos "engenheiros de organização", dos "experts", dos "consultores" de todas as espécies que os "executivos" estão habituados a ver surgir nos períodos de "reorganização" ou de crise. Foi por isso que não nos pareceu absolutamente fútil recolher, pelo menos uma vez, nos "bate-papos", essas afirmações indignas, descarregadas à noite, em particular. 'Todas as pessoas que são 'executivos' sabem - diz um comercial (autodidata como M., mas que deve talvez à sua origem social mais elevada, uma distância maior com relação à moral da empresa) - não se deve tomar as pessoas por idiotas. Todas as pessoas sabem, mas muitas vezes estão bloqueadas, todos sabem, mas não dizem nada. Aqui, eu estou abrindo o jogo. Quando estou na empresa, não falo assim de jeito nenhum. Aqui estou me divertindo, porque é divertido lavar a alma quando se está de 'saco cheio', mas dentro da empresa, tenho bom gênio, um bom espírito 'executivo' (...) . As pessoas não dizem tudo porque a gente não sabe com quem está falando, as pessoas falam por trás, porque isso pode prejudicar, há os dedo-duros, sempre uns 'puxa-sacos', e então a gente passa por ter mau gênio e é melhor ter bom gênio do que trabalhar muito (...) . Quando eles começam a se encher, eles desabafam. A partir do momento em que sente que está de escanteio, o cara pouco está ligando; não há mais a preocupação e o desejo de agradar. Porque acima de tudo é preciso agradar. E preciso sorrir, saber o que deve fazer e o que não deve. Ter colarinhos que não agradam ao diretor-geral, isso quase basta: 'Você viu como se veste aquele lá?' Algum outro aumenta um ponto, a gente se torna o alvo, e é o começo do fim."

* Les cadres autodidactes. In: Actes de la Recherche en Sciences Sociales. (revista do Centro de Sociologia Européia, direção de Pierre Bourdieu), (22): 3-23, juin. 1978. Direitos autorais gentilmente cedidos pelo autor e pela revista. Tradução indicada e selecionada pelo Prof. José Carlos Durand (EAESP/FGV) para material didático do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração, com tradução de Denice Bárbara Catani e revisão de Nilza Vieira M. do Prado. Revisão da tradução para esta publicação de Arakcy Martins Rodrigues (EAESP/ FGV).

ENTREVISTAS

Faz 15 anos que eu trabalho. Tenho uma experiência extraordinária. Houve uma época em que não foi fácil. Foi dramático durante um certo período, eu não demonstrava, não dizia nada, tenho um caráter otimista, mas no fundo de mim mesmo eu me dizia: "Você não serve para nada." O livro que estou escrevendo - vou chamá-lo: Eu, um executivo - começa assim: "De que escola você vem?" A esta questão eu respondo: "Eu saí da escola X. " Meu interlocutor me responde: "Ah, sim, já sei, escola de pequeno-burgueses." Nesse momento da conversa, o "cara" me diz: "Sim, mas antes você fez outra coisa?'" Eu lhe respondo: "Claro, fiz. outra coisa." Mas não ouso lhe dizer que fiz o liceu técnico em Champagnè-sur-Oise, uni pouco como se eu dissesse Perros-Guirrec há 25 anos òu Morlaix (...) . Trabalhei, então, como estagiário na empresa (...) , fazia meu curso de engenharia e trabalhava durante as férias, consegui os diplomas que me permitiram ser desenhista industrial em mecânica geral, um certificado de ajustador (...), há 10 ou 15 anos, os liceus técnicos preparavam para as carreiras de engenheiro, preparavam para todas as carreiras técnicas, era, então, as Artes e Ofícios, a Politécnica e a Central, e ao longo desse percurso podia-se parar (...) . Você precisava passar nos exames, o certificado de desenhista, o diploma de ensino industrial era para o caso de você não poder ser admitido numa dessas escolas, para que você tivesse ao menos um diploma que permitisse entrar como desenhista em algum lugar ou com o certificado você entrava para uma fábrica ou paia a linha de produção, e agora não se fala mais nisso (...) Um belo dia, candidatei-me ao cargo de subengenheiro nesta empresa em que havia leito os estágios. Como subengenheiro, porque as grandes escolas, apenas elas, eram consideradas como tais. Disseram-me: "Não se preocupe, dentro de alguns meses você passará a engenheiro." (...) No serviço, tudo o que os outros não queriam passavam para mim. Era o único subengenheiro, o único que não tinha saído das Artes, da Politécnica ou da Central. Trabalhei, trabalhei muito (...).

Chego na data combinada, o patrão não estava. Sua secretária se encarrega de levar-me a conhecer a empresa: não fiquei decepcionado com o passeio! Eu, que cheguei com meu terninho Ted Lapidus, à noite parti com manchas "desse tamanho", como um maltrapilho! (...) O patrão chega oito dias depois. O "tipo" usa casaco xadrez, um verdadeiro jogador de golfe, muito mundano, pretensioso, o gênero "eu sou o patrão",

E aí é que entrei, através de relações, na XXX. Durmo melhor à noite (...). XXX é uma firma maravilhosa, uma empresa formidável. O ambiente de trabalho é extraordinário (...) . Isso, em razão do nível intelectual das pessoas (...) . Não tenho preocupações, não corro o risco de perder meus clientes, porque os produtos vendidos pela empresa são produtos que resistem, produtos que foram criados por pessoas competentes, por um grupo importante, e eu não tenho surpresas (...) . É constante, sólido, e' sério (...) . Aqui há um espírito superior, não a "trambicagem", como na firma do cara de terno xadrez (...) .

Uma chefia administrativa formidável (...). Se morro, o caixão é pago, coisas incríveis, férias e tudo, pagam o seguro do meu cano, há os clubes, os cineclubes, os clubes de esportes (...). O que é muito interessante é que nós temos estágios. Há um castelo com piscina onde a gente vai para os estágios de formação por dois ou três dias, é realmente muito "jóia" (...).

Eu estava estupefato. "Olhe, os nossos modelos são esses, não fazemos elogios, sente-se e observe." "Sim, mas tenho uma 504." "Mas, certamente, senhor, não há problema." Depois disso, vá espantar-se porque os alemães vendem Mercedes (...) . A maior praga são as empresas nacionalizadas. Chega-se às 8h 30min a uma empresa nacionalizada, as pessoas estão na fila para o café até às 9 horas. Às 9 horas lêem seu jornal. As 9h 30min, dão alguns telefonemas particulares, em seguida fumam seu cigarro até as 10 horas, fazem o primeiro serviço às 12, e às 16 horas, fim, não se trabalha mais. É o caos, e somos eu e você que pagamos (...) . Seria preciso que cada um pudesse atingir o nível correspondente às suas capacidades. O importante é o que há por dentro, até onde se pode chegar. Se o seu "nível de Peter" é atingido ao nível de agente técnico, você está liquidado. Se o seu "nível de Peter" é atingido ao nível de engenheiro, isso pára aí também. Mas, se não se atinge o seu nível, todas as esperanças são permitidas, você pode ser diretor-presidente da empresa (...). É uma questão de capacidades pessoais (...) . Eu, minha vida seria dirigir uma empresa,

Passemos agora ao caso mais comum do executivo que não tem nenhuma antigüidade particular, que não cometeu nenhuma irregularidade especial. Ele tem, por exemplo, 45 anos, está na casa há cinco anos, foi promovido a diretor comercial há dois anos e depois desse "prazo de controle", durante o qual ele se beneficiou de um apoio normal, constata-se nitidamente o seu fracasso.

Conservá-lo em seu lugar atual é impossível: isso significaria comprometer o êxito da empresa durante 20 anos (de 45 a 65 anos), renegando, assim, sua finalidade de criação de riquezas; isso seria admitir uma volta ao poder de tipo feudal, fundado sobre uma mescla de acaso e de direitos adquiridos e não fundado sobre o julgamento dos resultados; seria, enfim, manifestar pouco respeito ao pessoal (especialmente executivos) ao qual seria dada a perspectiva pouco motivante de conservar um chefe ineficaz.

Certamente, na origem dessa situação, acha-se o erro cometido pela direção, dois anos antes, ao decidir-se pela promoção do interessado, mas alguns erros desse gênero são inevitáveis e não devem servir de álibi ao imobilismo. Em nome do interesse geral, o executivo ineficaz deve ser deslocado para uma outra posição ou despedido.

Como ocorre sempre que a posição de um homem está em jogo, o problema deve ser estudado com gravidade c plena consciência das responsabilidades econômicas e humanas da empresa. Aliás, uma demissão sem precaução não deixaria de perturbar os outros executivos que se identificariam com seu colega e sentir-se-iam eles próprios ameaçados. Se a demissão deve ocorrer, convém prepará-la de modo atento, inspirando-se nas seguintes sugestões:

1. Objetivar o problema. A primeira condição é tornar objetivas e fatuais as circunstâncias do fracasso e as razões da dispensa. Essa objetivação é necessária no que diz respeito ao interessado e, mais ainda, em relação a seus colegas, É preciso evitar a todo custo que a decisão desfavorável apareça como um "capricho do príncipe" em relação a um homem que simplesmente "deixou de agradar". Para tomar o fracasso objetivamente verificável, é preciso fazer entrar em jogo os procedimentos normais do julgamento por resultados: estreitar em torno do interessado a rede das politicas, objetivos, programas e orçamentos que ele não soube realizar e, na ocasião da avaliação de seu desempenho, inventariar as circunstâncias concretas dos erros cometidos.

2. Julgar o desempenho, mas não a dignidade do homem. Mesmo assim objetivado, o julgamento pelos resultados deve aplicar-se às realizações do executivo em sua função, mas não ao valor do homem e à sua dignidade, que não devem ser postos em questão. A "regra do jogo" na vida profissional é ser julgado pelos resultados; mas seria absurdo e prejudicial ver nessa exigência funcional uma ocasião de formular um julgamento global (essencialista) sobre o homem como um todo. A direção deve, então, manifestar claramente que o fracasso particular que ela tem o dever de constatar não significa nem que o executivo é incapaz de ser bem-sucedido em outro lugar, nem que seu valor humano está diminuído.

3. Exercer uma pressão psicológica sobre o interessado. Isso pode ser necessário com relação ao executivo que se recusa a tomar consciência de seu fracasso. Esta pressão psicológica só é legítima e eficaz quando se apóia sobre fatos objetivos e se assenta apenas sobre as realizações profissionais. Ela deve permitir que o interessado escape progressivamente aos álibis e falsas excusas de qualquer espécie e que constate os fatos que exprimem seu fracasso. É normal que ele experimente, então, o mal-estar inerente a todo questionamento profundo; o sintoma mais banal é um período de insônia. No caso da maioria dos homens, uma tomada de consciência radical acompanha geralmente esses sintomas de tensão.

Chegado ao estágio da tomada de consciência, o interessado tomará freqüentemente a iniciativa de negociar sua partida. Se ele não o fizer, convém ajudá-lo em sua reorientação. Esse é o papel que pode ter a entrevista final.

Sublime chegar aí! Chegar a esse grau de integração."

  • ***** Extraído de: Gelinier, O. Fonctions et taches de direction générale. Paris, Editions Hommes et Techniques, 1969. p. 377-8.
  • 5 Cf. Bourdieu. P. & Boltanski, L. Le titre et le poste: rapports entre système de production et système de reproduction, op. cit.; e Bourdieu. P.. Boltanski, L. & Sain-Martin, M. de. Les stratégies de reconversion, les classes sociales et le système d'ensignement. Information sur les Sciences Sociales, 12 (5): 61-113, 1973.
  • 8 Cf. por exemplo, Bourricaud, F. Contre le sociologisme: une critique et des propositions. Revue française de sociologie, 16: 583-604, suplemento 1975; ou Boudon, R. La logique de la frustration relative. Archives Européenes de Sociologie, 18 (1): 3-26,1977.
  • 9 Mauss, M. Divisions et proportions des divisions de la sociologie. Oeuvres. Paris, Editions de Minuit, 1969. T.3, p. 233-7.
  • 18 Apesar de o índice de desemprego, no caso dos executivos, permanecer inferior ao que é para outras categorias, o número dos que procuram emprego, executivos e similares, não cessou de aumentar desde 1968: 7.170 em 1965, 16.900 em 1968, 28.800 em 1972, 41.500 em 1974, 81 mil em 1975, 100 mil em 1976 (Seys, B. & Laulhé, P. Emquéte sur l'emploi de 1976. Coleções do INSEE (Instituto Nacional de Ciências Econômicas e Estatísticas), série D, n? 48, novembro de 1976). Em 1976, 19.511 executivos se inscreveram na Associação para Emprego dos Executivos, dos quais, 11.276 sem emprego, 1.824 em atividade e 6.411 recém-diplomados. (L.'Expansión, 108: 208, jul. 1977).
  • *
    N. do T. A palavra original francesa,
    cadres, apresenta inúmeros problemas para uma tradução. Optamos por "executivos" porque representa a palavra nova, que nomeia um novo campo, dentro do espírito do artigo; entretanto, "executivo" traz uma conotação de cargo de cúpula, o que não é sempre o caso, para "cadres".
  • **
    N. do T. Áreas comerciais incluem pessoal de
    marketing; agentes com preparo específico para as funções externas da empresa: direção comercial, publicidade, promoção de vendas, vendas etc.
  • ***
    N. do T. HEC - Escola de Altos Estudos Comerciais. Inclui-se entre as "grandes escolas", muitas vezes mencionadas neste artigo.
  • ****

    N. do T. Confederação Geral dos Executivos.
    ***** Extraído de: Gelinier, O.
    Fonctions et taches de direction générale. Paris, Editions Hommes et Techniques, 1969. p. 377-8. Octave Gelinier, engenheiro civil de minas, é diretor-geral da Comissão Geral de Organização Científica (CEGOS), uma das principais assessorias de organização, e membro fundador do movimento Ethic (Enteprise de taille humaine).
  • 1
    Ao querer definir com demasiada precisão o "executivo", o "engenheiro" ou o "agente técnico-comercial", arriscamo-nos a engendrar o artefato que consiste em "tentar encontrar a substância por trás do substantivo" (Wittgenstein, L.
    Le Cahier bleu et le cahier brun. Paris, Gallimard, 1965. p. 25). Destituído de "limites precisos" (id ibid. p. 52), no "uso habitual", como todos os nomes de profissão antes do ato de direito que os institui, o termo "técnico-comercial", do mesmo modo que inúmeras apelações utilizadas nas empresas, não possui definição oficial; constitui objeto de usos diferentes, segundo os diferentes ramos, e mesmo de uma empresa para outra; é ele mesmo objeto de conflitos entre categorias concorrentes (como é feqüentemente o caso, quando a aparição de novas funções, ou ainda, o acesso de novos agentes a funções antigas, introduzem um certo jogo na relação entre o sistema de títulos e o sistema de cargos (cf. Bourdieu, P. & Boltanski, L. Le titreet le poste.
    Actes de la Recherche, 2: 95-107 mars 1975. Assim, acontece que os executivos comerciais legitimados pelas escolas a usar o título de engenheiro definem-se como "e'ngenheiros de negócios" precisamente para se distinguirem dos simples "agentes técnicocomerciáis", que usurpam o título de engenheiro, com a cumplicidade de sua empresa. Igualmente, os múltiplos conflitos (dos quais, muitas vezes, se acham vestígios na imprensa sindical) parecem desenrolar-se nas zonas fronteiriças, ali onde o título de "executivo técnico-comercial" reencontra a denominação mais antiga e menos prestigiosa de VRP.
  • 2
    Segundo a
    enquéte da revista
    L 'Expansión sobre o "preço dos executivos em 1977", a média de idade dos técnico-comerciais nas grandes empresas (com mais de um bilhão de volume de negócios) era de 31 anos, com um salário médio de Fr. 6.700 e uma variação de salários indo de menos de Fr. 5 mil (15%) a mais de Fr. 9 mil (15%) contra 34 anos para os executivos do serviço de pessoal, 35 anos para os executivos de direção geral, 36 anos para os responsáveis pela promoção de vendas e diretores de
    marketing, 37 anos para os executivos de direção comercial (os titulares desses diferentes postos beneficiam-se, do mesmo modo, de salários nitidamente mais elevados do que os dos técnico-comerciais). Enfim, inversamente ao que se pode verificar pela maioria dos cargos analisados, a idade média dos técnico-comerciais aumenta quando se passa das grandes empresas para as pequenas: ela é de 35 anos para as empresas com menos de 100 milhões em volume de negócios (cf. Beaudeux, P. Le prix des cadres en 1977.
    L 'Expansión, 108:125-56 juin 1977.
  • 3
    Na maioria das empresas existe, de fato, uma hierarquia objetiva de funções que coloca em primeiro lugar as funções de direção e de gestão e em último as funções de produção, ocupando o "comercial" uma posição intermediária. Pode-se achar um indício dessa hierarquia no fato de que a parcela dos executivos oriundos das grandes escolas é nitidamente mais forte entre os executivos de gestão e de "direção" do que entre os de produção. Além disso, a passagem do técnico ao comercial (como, num segundo tempo, do comercial à gestão) constitui mais geralmente uma espécie de promoção.
  • 4
    Todas as fontes'disponíveis mostram um aumento muito importante e muito rápido do volume de executivos durante o período (em torno de 6% ao ano). Isso se aplica em particular para os executivos comerciais e técnico-comerciais, cujo número aumentou mais sensivelmente que o do resto da categoria (cf., por exemplo, Thévcnot, L. Les catégories sociales en 1975: l'extension du salariat.
    Economie et Statistique, 91: 3-31, juil.-aout. 1977). A expansão da categoria explica, sem dúvida, porque a parte dos executivos "autodidatas" (em torno de 40% do conjunto) não tenha diminuído, apesar do crescimento igualmente muito rápido do número de diplomados no ensino superior, durante o período (cf. particularmente Cézard, M. Les cadres et leus diplomes.
    Economie et Statistique, 42: 25-40 fév. 1973).
  • 5
    Cf. Bourdieu. P. & Boltanski, L. Le titre et le poste: rapports entre système de production et système de reproduction, op. cit.; e Bourdieu. P.. Boltanski, L. & Sain-Martin, M. de. Les stratégies de reconversion, les classes sociales et le système d'ensignement.
    Information sur les Sciences Sociales, 12 (5): 61-113, 1973. Sobre os aspectos de que se revestiu a deformação do espaço institucional correlativa ao acréscimo do número de agentes, quase na mesma época, na universidade, cf. P. Bourdieu, P., Boltanski, L. & Maldidier, P. La défense du corps.
    Information sur les Sciences Sociales, 10(4): 45-86,1971.
  • 5*
    N. do T. A cidade de Paris é dividida em
    arrondissements (circunscrições, distritos), que tendem a apresentar uma fisionomia própria. O 15º é uma das regiões onde ocorreram projetos de renovação urbana, com a construção de "torres" (conjuntos de edifícios muito altos c modernos, discrepantes da paisagem da cidade). Trata-se de um bairro residencial típico da classe média.
  • 6
    É preciso confiar aqui no saber dos entrevistados e na experiência daqueles que nos sindicatos analisam os mecanismos de defesa que, infalivelmente, todo avanço no domínio da legislação do trabalho suscita. As estatísticas sobre emprego distinguem bem as dispensas das demissões, mas não podem evidentemente dizer nada sobre o processo que conduziu à demissão. Por outro lado, esses mecanismos parecem ter por função tanto extorquir uma demissão quanto, mais simplesmente, preparar uma dispensa e torná-la aceitável. Acham-se igualmente traços dos processos de dispensa na literatura profissional (cf. o texto de Octave Gelinicr transcrito adiante) ou ainda nos relatórios dos serviços de pessoal. Assim, por exemplo, numa nota interna de setembro de 1977 concernente á "gestão de engenheiros e executivos" emitida pela direção de uma grande empresa aeronáutica, acham-se mencionadas as "medidas de incitação â saída de engenheiros e executivos para os quais isso pareça desejável".
  • 7
    A lei de 13 de julho de 1973 subordina o fato de uma dispensa ser lícita ou não á existência de uma "causa real e séria", podendo a empresa ser condenada a pagar ao assalariado as indenizações da demissão quando essa cláusula não for cumprida. Um dos meios de contornar a lei (que não dá uma definição do que seja uma causa real e séria) é invocar a "peida de confiança" (cf.
    Option, 116, avr. 1977).
  • 8
    Cf. por exemplo, Bourricaud, F. Contre le sociologisme: une critique et des propositions.
    Revue française de sociologie, 16: 583-604, suplemento 1975; ou Boudon, R. La logique de la frustration relative.
    Archives Européenes de Sociologie, 18 (1): 3-26,1977.
  • 9
    Mauss, M. Divisions et proportions des divisions de la sociologie.
    Oeuvres. Paris, Editions de Minuit, 1969. T.3, p. 233-7.
  • 10
    Seria preciso, para verificar essas hipóteses, dispor, para uma amostra representativa de executivos, do conjunto de informações pertinentes à carreira. De qualquer modo, os dados disponíveis, particularmente sobre a relação entre o diploma, a idade e o salário, parecem mostrar bem que as diferenças de salários que separam os detentores de diplomas de valor desigual crescem com a idade (cf. Pohl, R. Thélot C. & Jousset, M.F.
    L'Enquête formation-qualification profissionelle de 1970. Coleções do INSEE (Instituto Nacional de Ciências Econômicas e Estatísticas), série D, n? 32, em especial p. 172). Ë igualmente o que parece confirmar o levantamento realizado pela revista
    L'Expansion sobre o "preço dos quadros": com título idêntico, portanto com carreira nominalmente equivalente, as disparidades de salário ligadas ao diploma aumentam nitidamente com a idade, sobretudo, parece, a partir de 35-39 anos (cf. Beaudeux.P. Le prix des cadres.. .op. cit.).
  • 11
    A empresa é um espaço finito no qual o número de posições não é indefinidamente multiplicável. Para que a empresa possa engajar pessoal dotado de uma competência nova e testá-lo, é preciso liberar os cargos. Uma das funções da mobilidade ascendente é, precisamente, engendrar o que Harrisson C. White chama de
    "chains of opportunity " e que ele compara,por vezes, ao movimento das cadeias musicais. A relação entre uma população de agentes e uma população de cargos pode ser analisada como um sistema de união
    (matchmaking system), na qual a liberação de certos cargos está perpetuamente na origem de
    vacancy chains. Uma vez que os modelos de mobilidade supõem sempre nos agentes uma espécie de "desejo" ou "necessidade" de mobilidade, White levanta a hipótese segundo a qual, sob certas condições, a mobilidade poderia ser um componente estrutural do sistema de cargos, no qual os
    job controllers (sem dúvida, os que ocupam no sistema as posições dominantes) devem gerir o investimento das posições vacantes criadas por forças que podem ser estranhas ao próprio processo de mobilidade, (cf. White, H.C.
    Chains of opportunity. Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1970).
  • 12
    Pelas mesmas razões, os executivos autodidatas de mais de 40 anos parecem ter sido as principais vítimas do "processo de reorganização estrutural" dos anos 1960-1970. Vinculados a uma empresa particular, geralmente média ou pequena, a um estabelecimento, e até mesmo a um homem, os executivos autodidatas têm sido liquidados, em numerosos casos, por ocasião da absorção de sua empresa por um grupo mais potente. Assim, ao que parece, eles constituíram o essencial dos executivos desempregados durante o período de pleno emprego relativo que precedeu à crise. A pesquisa realizada em 1971 pela Unedic mostra, com efeito, que 87% dos desempregados que recebiam pensão tinham nessa data mais de 40 anos. Apenas 22% deles eram titulares de um diploma de ensino superior ou de grande escola, 35% não tinham nenhum diploma, ou tinham um diploma inferior
    ao baccalauriat (prova de fim do curso de 2? grau - colegial), 15% possuíam o
    baccalauréat, e 28% um diploma técnico. A maior parte (79%) não tinha iniciado num cargo de executivo, mas num posto de funcionário (45%), de operário (21%) ou de técnico (13%). Esses autodidatas (47% declaram ter completado sua formação ao longo de sua vida profissional) freqüentemente haviam feito toda a sua carreira profissional na mesma empresa (e isso tanto mais fossem menos diplomados e mais idosos), na qual ocupavam freqüentemente uma posição bastante elevada: 65% eram ao menos chefes de seção, e 37% ocupavam uma direção. Pertencendo, sobretudo, a pequenas ou médias empresas, eles parecem, na maior parte, ter perdido seu trabalho em virtude de reorganizações, concentrações e fusões que acarretaram dispensas coletivas, o que explica o número relativamente fraco das demissões espontâneas (11% do conjunto e 17% de executivos com idades entre 40 e 50 anos). Mas, em 40% dos casos, a demissão, segundo os executivos interrogados, foi obtida por coação. A mesma pesquisa mostra que os executivos autodidatas dispensados na segunda metade de sua vida profissional encontraram, desde 1971, grandes dificuldades para achar um emprego, e isso,.certamente, tanto mais quanto fossem mais idosos. Os executivos reclassificados quando da recepção do questionário (155 respostas) estavam em 50% dos casos com um salário inferior a seu salário anterior e, em 38% dos casos, com responsabilidades menores.
  • 13
    Se a seleção na entrada para a companhia e nos primeiros meses de contrato é objetivamente dura, parece que é igualmente objeto de uma espécie de acentuação simbólica ou de dramatização. E esse
    i, sem dúvida, um dos mecanismos pelos quais os admitidos assumem a crença. Sabe-se que um dos efeitos de um recrutamento rigoroso e de uma iniciação severa consiste em aumentar o valor que os eleitos atribuem à instituição e sua lealdade para com ela (cf. Aronson, E. & Mills, J. The effects of severity of initiation on liking for a group.
    Journal of Abnormal and Social Psychohgy, 59: 177-81, 1959. Apud Hirschman, A.O.
    Exit, voice and byalty. Cambridge, Más., Harvard University Press, 1970. p. 94).
  • 14
    Os membros da companhia empregam freqüentemente a expressão "na vida civil" para designar a parte de sua vida que não é regida pela companhia. Por exemplo: "Agente tem pouco tempo para ocupar-se de associações na vida civil."
  • 15
    Sobre a comparação entre o exército e as empresas e sobre a utilização, no exército americano, de métodos de gestão racional
    (identific management) em uso nas grandes companhias, cf. Lang, K. Technology and career management in the military establishment, in: Janowitz M. ed.
    The New Military, New York, The Norton Library, 1969. p. 39-82.
  • 15*
    N. do T. Conjunto de categorias profissionais que inclui assistentes sociais, professores primários ou secundários, religiosos e pessoal auxiliar etc.
  • 16
    Sobre as estratégias desenvolvidas pelas firmas multinacionais americanas na organização de filiais nacionais, o recrutamento e a formação dos quadros locais, a gestão do pessoal, etc., cf. Brooke, M. Z. & Remmers, H. L.
    The Strategy of multinacional enterprise, London, Longman, 1970, particularmente a primeira parte, caps. 2 e 5. A maioria das estratégias descritas visam obter a homogeneização máxima das políticas das formas de organização e mesmo do
    habitus dos executivos, "efeito de espelho" que garante o respeito à organização-mãe, o reconhecimento dos valores que a fundamentam e a interiorização da posição subordinada que é a da filial. Mas, para conduzir bem essa politica e torná-la aceitável, é preciso também ter em conta o ponto de honra da nação. Assim, a organização-mãe dá, muitas vezes, como ordem a seus missionários, adotar os costumes do país
    (going native), ao menos nas pequenas coisas da vida: a imposição de formas de organização, de valores e de políticas importadas passa pelo respeito ao folclore local.
  • 17
    Mas, previamente a essas análises, seria sem dúvida necessário que fosse desenvolvida uma sociologia da nação esboçada pelo durkheimnianos e particularmente por Mauss, Marcel.
    Oeuvres. Paris, Editions de Minuit, 1969. v. 3, 573-639) e que fossem superados os tabus ideológicos que, associando com razão a idéia de nação ao militarismo e ao chauvinismo da direita tradicional, tenderam a limitar o uso legítimo do conceito ao estudo dos países que conseguiram sua independência (sem dúvida porque, nesse caso, nação tinha a conotação de revolução). Não se trata, certamente, de retornar às aporias do "caráter nacional", mas de analisar, por exemplo, a relação entre a dependência cultural (que é desigual nos diferentes campos) e as estruturas nacionais de dominação entre as classes. Como a antropologia não tem cessado de mostrar, o empréstimo seletivo de esquemas culturais descontextualizados e importados e sua imposição prática num estilo de vida estão constantemente associados à destruição dos sistemas de defesa interiorizados, produtos de uma tradição local de luta e de solidariedades de grupo que fazem a força dos fracos.
  • 17*
    N. do T. Publicação semanal humorística, tablóide, extremamente crítica.
  • 18
    Apesar de o índice de desemprego, no caso dos executivos, permanecer inferior ao que é para outras categorias, o número dos que procuram emprego, executivos e similares, não cessou de aumentar desde 1968: 7.170 em 1965, 16.900 em 1968, 28.800 em 1972, 41.500 em 1974, 81 mil em 1975, 100 mil em 1976 (Seys, B. & Laulhé, P.
    Emquéte sur l'emploi de 1976. Coleções do INSEE (Instituto Nacional de Ciências Econômicas e Estatísticas), série
    D, n? 48, novembro de 1976). Em 1976, 19.511 executivos se inscreveram na Associação para Emprego dos Executivos, dos quais, 11.276 sem emprego, 1.824 em atividade e 6.411 recém-diplomados.
    (L.'Expansión, 108: 208, jul. 1977).
  • 19
    O tema dos "novos proletários" nem sempre é um tema "proletário". Em algumas de suas variantes, ele parece traduzir a reação de defesa dos executivos muito bem diplomados, contra o rebaixamento do nível escolar e social da corporação, correlativo ao seu crescimento. Assim, numa
    enquéte realizada pelo Centro Nacional dos Jovens Executivos sobre "os jovens executivos e o sindicalismo" e que se valeu de uma amostra composta por 88% de executivos saídos de grandes escolas, "a desaparição progressiva da distinção executivo-funcionário é citada espontaneamente em mais de um terço de respostas". Se deve haver um "nivelamento", dizem os que responderam a essa
    enquête, "é preciso cuidar para que seja um nivelamento por cima, e não por baixo. O nivelamento por baixo é a fragmentação das tarefas e das responsabilidades dos executivos, que os leva a não serem muito mais que os operários intelectuais de uma burocracia", (as aspas são do orfeinal). (Cf. CNJC - Centro Nacional dos Jovens Executivos).
    Les Jeunes cadres et te
    syndicalisme. Paris, 1977. p. 12-13, mimeogr.
  • 19*
    N. do T. A caldeira.
  • 20
    Tudo se passa como se, do mesmo modo que no caso da universidade (Bourdieu, P., Boltanski, L. & Maldidier, P. op cit.) o aparecimento, no interior da corporação, de agentes e de grupos em condições de alcançar a consciência de sua diferença e de sua desvantagem fosse solidário a um crescimento do volume da corporação e, sem dúvida, dentro dela, da parte relativa aos mais desprovidos. Mas a análise morfológica tropeça aqui em numerosos obstáculos: a heterogeneidade do campo das empresas, principalmente conforme o setor, a relação entre a evolução técnica do trabalho e a evolução da divisão do trabalho de nível intermediário, a relação entre o sistema de produção e o sistema de ensino etc.
  • 21
    O interesse crescente concedido aos executivos pelo patronato é um indício, entre outros, das mudanças e tensões das quais a categoria é a sede. Prova disso, por exemplo, é a necessidade de enunciar explicitamente o que num estado anterior da relação entre o patronato e o pessoal intermediário era inquestionável e tacitamente evidente. Perante a empresa - lê-se numa nota de serviço destinada aos gerentes de uma grande empresa de automóveis -o executivo tem um compromisso (...) . Sua filiação à empresa e seu engajamento pessoal (...) excluem todo desacordo fundamental entre as orientações gerais da empresa e suas opções pessoais (...) , ele deve assumir como suas as decisões tomadas (mesmo que sua opinião anterior fosse diferente) e levar seu apoio autêntico à sua execução. Outro indício: os temas dominantes do último Congresso Nacional das Empresas, organizado peio CNPF (Confederação Nacional do Patronato Francês) em outubro de 1977 (comunicação na empresa, informação de executivos, participação, "gestão participativa" etc), que tinha como um de seus objetivos, com toda evidência, a retomada de controle e a mobilização de executivos.
  • 22
    A esses mecanismos seria preciso acrescentar, sem dúvida, o desenvolvimento da formação permanente, da qual começamos a poder compreender os efeitos. Num artigo recente (L'éducation permanente et la promotion des classes moyennes
    Sociobgie du Trovan, 19 (3): 243-65, juil.-sep. 1977), Christian.de Montlibert mostra que os alunos da formação permanente, técnicos em sua maioria, que tentam ascender ao estatuto de executivos (freqüentemente originários das classes médias e dotados de um nível de instrução superior ao da média dos técnicos) são nitidamente menos solidários que os assalariados de mesmo nível hierárquico e nitidamente menos favoráveis à ação coletiva, desvalorizada em proveito da concorrência individual, do que oconjunto dos membros de sua categoria. Assim, 24% declaram já ter acompanhado as ordens de um sindicato contra 43% num grupo de controle; 32% acham que se pode confiar em seus colegas de trabalho, enquanto a proporção é de 43% no grupo de controle; 33% preferem o trabalho em equipe, contra 50% dos indivíduos do grupo de controle.
    2323 Houve uma soma de circunstâncias: uma pessoa que eu conhecia, mas então tudo ocorreu por acaso (...) . Me convocaram e disseram: "Parece que você conhece o Sr. Fulano" (...) então eu, subengenheiro, chamado pelo diretor-presidente geral, veja você no que isso podia dar! E, finalmente, consegui falar com a pessoa (...) e o outro ganhou sua condecoração. Então fui chamado pela direção da empresa: "Quanto você quer?" Eu lhes respondi: "O que me interessa é publicar um artigo numa revista técnica." (...) Então, a coisa não se fez esperar. Alguns dias depois que o artigo apareceu, eis todo um bando de "aves de rapina" que me caem por cima (...) . "É inadmissível" (...) "a gente é teu patrão, a gente é teu chefe"; há toda a máfia dos engenheiros das escolas decidida a me abater. Fui convocado junto ao diretor industrial, um politécnico (...) Depois disso, deixaramme um ano detrás de uma mesa, sem fazer nada, nada, nada, "pesquisa de documentação" (...) . Pedi autorização à minha empresa para fazer um estágio na Inglaterra durante um mês: "Não, não de modo algum, isto não nos interessa." Fui assim mesmo para a Inglaterra durante as férias, com meu próprio dinheiro. E aprendi coisas técnicas interessantes (...) . Quando voltei - como eu nunca tinha nada para fazer - estava sempre atrás de minha mesa, pequeno subengenheiro ignorado por todos - um dos auxiliares do chefe de serviço vem me ver: "Você vai me fazer um relatório confidencial sobre o que viu na Inglaterra." Respondi-lhe: "Senhor, isso que me pede chama-se espionagem industrial." Ele ameaça me botar para fora: "Levando em conta sua personalidade, você estaria melhor numa carreira comercial". (...) Aproveito o momento favorável: "Se o senhor puder me fazer chegar a um posto da direção no departamento comercial, eu farei o relatório confidencial." Toma lá, dá cá, 'em termos claros. O "cara" foi embora batendo a porta. Oito dias depois, fui convocado à direção geral: "Então, parece que você deseja trabalhar na seção comercial, meu jovem amigo; bom, tudo bem, escute aqui, há pequenos componentes para serem vendidos, coisinhas, se isto pode lhe interessar." Daí, me puseram com um "cara", um ex-militar porque só lia disso nesses negócios, porque há sempre transas de relações; são empresas que trabalham para o exército. Assim, lá estou eu com um "cara" para vender uns "trecos" num pequeno escritório. E lá vou eu. (...) Ao fim de três meses, as encomendas começam a chover, a mais não poder (...). Meu patrão foi-se e eu tornei-me chefe de serviço nesse ramo de componentes. Então, ali eu tinha tudo o que queria, eu era o rei e durante cinco anos canalizei as encomendas que vinham do exterior, participei do momento em que os produtos alcançaram confiabilidade, fiz progredir a técnica interna e um volume sempre crescente de negócios (...) . Um belo dia, disseram-me: "Veja, não temos mais tempo de nos ocupar de você, nós vamos te colocar com o Sr. Fulano": um tipo muito inglês, HEC, A manipulação das aspirações, tal como é vista por um comprador de 3 3 anos, sem diploma e relativamente mal pago (em torno de Fr. 6 mil por mês): "O que me agrada é que tenho poder. É extraordinário, isso me diverte. Almoço regularmente com chefes de empresa que têm 60- anos e eles me fazem passar diante deles, me enchem de pequenas atenções, isto me agrada, eu me divirto. Um tipo que tem 60 anos lhe faz mesuras, ele que ganha Fr. 40 mil por mês, é agradável! Tenho o .poder, posso descompor as pessoas, é agradável (...) . Tenho opoder de dar bronca nas pessoas,
    é agradável! Saber que você pode descompor
    é. formidável. É por isso que você só pode se superar, você não pode mais retroceder. Atualmente, entre nós, os patrões, - quando querem puni-los, rebaixam os diretores ao grau de subdiretores, com o mesmo salário; os "caras" ficam loucos O dinheiro não conta; você varreria as ruas, você, com o mesmo salário? Não por muito tempo (...) , Quando não se está mais de vento em popa,
    é o fim. O patrão decide "encher seu saco", ou isto
    é feito pela pessoa intermediária, mas é extremamente calculado, isto faz parte de um certo plano; é preciso saturar o "cara" até que ele vá embora. Por exemplo, te mudam várias vezes, em vários serviços. Ou, então, te obrigam a fazer trabalhos que não são do seu nível; você tem responsabilidades e te obrigam a fazer um trabalho de aprendiz. Se eles têm contas a ajustar com alguém que
    é fraco de caráter, esse acaba se demitindo. Para resistir é preciso ter uma força de caráter enorme. Te "podam" de reuniões, conferências, não te colocam mais a par do que se faz, então você passa por um imbecil (...) . Quanto a mim, isso não me aconteceu ainda. Mas eu sou jovem, os golpes virão aos 40, 45 anos, é em torno dessa idade que isso ocorre, quando você não pode mais ir embora. Tua relação salário/idade faz com que você não possa mais achar o equivalente em outro lugar. Eu tive uma formação na casa, que não é válida noutra empresa, sou como que moldado. Agora, eu ainda poderia partir. Mas digo para mim mesmo: Vou esperar porque tenho a esperança de uma situação mais importante'; e daqui há 10 anos, quando eu não tiver mais, será tarde demais para partir. Nesse momento, me colocarão de escanteio e eu- farei de tudo para ficar."
    23*23* um perfeito administrador, mas um idiota do ponto de vista puramente comercial e que não conhecia nada de técnica (...) e começaram a ocorrer dramas (...) . Eu começava a "rolar". Eles me "enchiam o saco" com as notas de despesas, os detalhes, porcarias. Como a um garoto, corrigiam minha correspondência porque a vírgula estava mal colocada; isso fez com que, algumas vezes, quando escrevia a um cliente para lhe confirmar qualquer coisa, ele só recebesse a resposta um mês depois (...) . Comecei a perder mercados (...) . Um belo dia, um "cara" apresenta-se: "Venho da parte de Fulano, estou desempregado, não tenho trabalho." Digo para mim mesmo: "Ele não tem um ar muito esperto, será o tampão entre mim e o diretor" (...) . Parto p ara os esportes de inverno e, ao retornar, o que vejo: o tipo sentado em minha escrivaninha, telefonando (...) . Esse safado, sem nenhum diploma, nada, conseguira fazer-se contratar como engenheiro (...) . Queixo-me à direção geral: "Antes nós éramos dois a dirigir, agora somos três." "Ah, mas você sabe, nós achamos que ele vai bem." Eu lhes digo: "Bem, fiquem coro ele." Bato a porta. Mudaram-me de serviço e deixaram-me detrás de uma escrivaninha durante um ano, novamente sem fazer nada, nada, nada, nada! Apresentei uma tese às Artes e Ofícios para obter um diploma oficial de engenheiro ; de Estado e consegui. Um belo dia, retiraram minha lâmpada; comecei a espernear. Depois, retiraram-me o telefone N. do T. Diplomado pela Escola de Altos Estudos Comerciais.
    2424 e, depois, numa outra manhã, convocaram-me à direção geral: "Ah, estamos aborrecidos, você sabe, os tempos estão duros e, além disso, não estamos muito satisfeitos com você" ao fim de 13 anos Como se demite um delegado sindical (nesse caso, um "executivo" pertencente à CGT): "De inicio, prometeramme várias coisas para que eu abandonasse a organização sindical. Depois, como isso não ocorresse, retiraram-me toda a responsabilidade. De início, o diretor veio ver-me: 'Você, um diplomado de grande valor, que tem relações (porque meu pai tinha pertencido à direção de uma grande empresa) Você deveria abandonar a CGT, estamos falando entre homens, um engenheiro como você' etc. Não sei por que, continuei. Não porque fosse mais corajoso que qualquer outro (...) . Como não deixasse o sindicato, depois, durante um ano retiraram-me toda responsabilidade. E para tentar me desencorajar, para que eu pedisse minha demissão, deram-me como trabalho fiscalizar os termômetros da empresa. Durante três meses, fiquei girando, supervisionando os termômetros. Quando chegava de manhã, eu dizia: "Olha, gostaria de ter outro trabalho', e eles me diziam: 'Você tem certeza de que aquela sonda funciona? Vá verificar se a tal sonda funcional' Voltava no dia seguinte: 'Sim, ela funciona'." 'Mas, espere, você verificou bem se as sondas da fábrica," etc. (...) . Muitas vezes, os colegas não reagem. Há uma espécie de pressão no meio que os leva a pensar que a direção das empresas tem o direito de esperar que os executivos sejam fiéis servidores; 'ele
    é sindicalista, é bem feito para ele, ele não tinha nada que se descaracterizar.' E depois há o medo, o medo vulgar, todo mundo se sente ameaçado (...) . Há tipos que não vêm mais te cumprimentar. A única que pode fazer qualquer coisa é a organização sindical enquanto tal. Normalmente, há sempre meios de se mostrar que houve vontade de prejudicar, mas como é o executivo que tem que apresentar as provas, isso não é fácil.
    2525 - achamos que você dará um excelente diretor comercial numa pequena empresa." "Falando claro, vocês estão me pondo para fora?" "Não, não, mas pense, talvez você possa encontrar qualquer coisa." Nessa época, saí de férias, mas começava a perder a tranqüilidade. Ao retornar, tinham mudado minha mesa de lugar e meteramme num canto qualquer com um tipo completamente débil. Depois, interpelaram-me: "Então, você encontrou alguma coisa?" "Não, absolutamente nada." "É aborrecido, porque não temos nenhum motivo para despedi-lo." E eu respondi. "E eu não tenho nenhum motivo para ir embora." Isso continuou assim durante algum tempo, depois, já farto, aborrecido, acabei saindo, apesar de tudo com uma pequena indenização (...) . Eis aí o que são os "executivos" (...) . Não somos nós que ganhamos o dinheiro mas, veja bem, há "executivos" e "executivos"; um dirigente de empresa é"executivo" também (...) . Procurei (...) . O "executivo" á o peão, o pobre coitado na escala social, nos dias de hoje (...) a feira dos "executivos" (...) . Você pega os anúncios, as empresas não se identificam. Não se sabe se você foi empregado pela SNCF ou pela FATP, para fazer preservativos ou não importa o quê. Procura-se um engenheiro com 15 anos de experiência, que fale inglês, que fale russo, que fale alemão, não se sabe para fazer o que. e você é recebido por pessoas que não conhecem nada da profissão, não sabem o que significa tal ou qual ramo técnico, você é contratado segundo critérios que não correspondem a grande coisa. Isso é dramático. Escrevi cartas aos montes, agências de emprego vi dezenas (...) . Num desses lugares, éramos 25 candidatos e a coisa durou o dia todo. Às 18 horas não havia mais que dois. O sujeito me disse: "Eu te contrato, mas esqueci de dizer uma coisa: meu filho está atualmente no Exército, retorna dentro de dois anos e tomará o teu lugar" (...) . Anúncio: apresente-se em tal lugar. A gente se vê com 75 ou 80 pessoas numa grande sala. Um coitado que estava ali apresentava um quadrado: "Em que você pensa?" "Bem, agora eu coloco um círculo dentro do quadrado e o que isso te lembra?" Levantei-me e disse: "Escute, eu agradeço, tenho 34 anos, não brinco mais, vou-me embora." Completamente débeis os testes! (...) Uma empresa média me fez uma proposta completamente delirante, com o título estrondoso de diretor comercial, um salário extraordinário, vida de príncipe. A demissão numa empresa de eletrônica: "Conheci um tipo na empresa onde estive antes; queriam que ele pedisse demissão. E ele ficava. Mas acabou afinal pedindo sua demissão. Era,aliás, bastante repugnante. Ele já tinha 40 anos; então, veja você o problema. Não era mau, trabalhava bem, mas era um tipo que falava sem papas na língua, e terminaram por lhe dizer: 'Quando é que você vai se mandar; não estamos ligando para você', etc. Enchiam o tempo todo. E ele agarrava-se dizendo: 'Não é possível, não devo ceder a essa espécie de ameaças, é preciso que eu não faça isso.' E depois, houve um ' novo 'caia' que chegou ao serviço de pessoal e que se ocupou desse caso, um antigo militar, aliás, um refinado porcalhão também. Ele teve ganho de causa e da seguinte maneira, foi o 'cara' em questão que me contou a história e que me disse: 'Bem, olha, fui vê-lo, ele me ofereceu um cigarro, discutiu comigo e me disse: - Vooê sabe, isso como está não pode durar mais, todo mundo está sofrendo, é preciso que você faça qualquer coisa, seria preciso que você fizesse um esforço,' etc. O 'cara' tinha sido completamente saturado, e eis um tipo que lhe oferece um cigarro, que fala gentilmente. . . ele assinou sua demissão."
    2626 aliás, eram todos chefes naquela espelunca. "Ah, sim, caro amigo, esqueci de dizer, o máximo que posso te pagar por mês são Fr. 5.200, e não Fr. 7.500. O sujo (...) . Nessa fábrica, era tenebroso! Encontrei meu carro arrebentado, riscado. Os caras me pegavam nos cantos-para me insultar: "Você vem tirar nosso pão." Caras que tinham títulos de engenheiros, muitos eram autodidatas. Tipos que não eram capazes de fazer outra coisa, isso é que é dramático (...) . Esses caras colocam "engenheiro" em seus cartões de visita; eu os acompanhei uma ou duas vezes até o cliente, e disse a mim mesmo: "Ou volto com eles ou nunca mais." Eles assinalaram "engenheiro ", mas não eram: o engenheiro ténico-comercial é um executivo desdenhado, que ainda está para ser definido (...) . Uma atmosfera terrível Coisas de baixo nível, uns roubavam os clientes dos outros. Ah, eu sofri nesse lugar, era horrível! (...) Quando se diz pessoal de rua, isso também não quer dizer vendedores (...) . A empresa oferecia TVs coloridas aos maiores compradores (...) . Um ofício de prostituta (...) . Conheço uma porção de compradores que fecham negócios com você porque você os suborna. É um rolo dos diabos (...). Um pequeno presente é normal, mas há "trecos" que são mais graves (...) . Um pequeno comprador, nenhuma formação, 27 anos, paga Fr. 700 mil por uma casa de campo e ele ganha Fr. 5 mil por mês, ele recebe 50% sobre todos os contratos, ao que se diz (...). Há ainda as viagens! (...) Um fim de semana em Veneza com Madame, ou então Madame é arranjada no próprio local (...) . Há os que gostam de presentes, os que gostam de uma boa comilança e, além disso, bem que eu sei, tem a questão das mulheres. Há para todos os gostos. Um funcionário de uma empresa francesa fala do patrão: "Um presidente é pior que o Deus-pai. Aqui, o presidente não vê ninguém. É o poder invisível. Eu me dou por feliz porque um dia lhe apertei a mão! As pessoas importantes são os diretores gerais, porque eles estão ao lado do presidente. Para vê-lo,
    é preciso marcar uma audiência, é como se fosse o presidente da Republica (...) . Não se pede nada ao presidente: é ele que te sustenta, então não é para ninguém perturbar a paz dele. Mas, penso que o desejo secreto de 90% das pessoas seria passar um dia frente a frente com ele. Eu sou o primeiro. Gostaria muito de lhe dizei um dia: "Bom dia, senhor, o que acha da situação?' Porque ele não nos ignora, mas transmite tudo por pessoas intermediárias. A gente ouve que o presidente disse isso, que pensa aquilo, que, portanto, convém que se pense da mesma maneira. Por exemplo, houve uma época em que o patrão emitiu o desejo de que alguns executivos se sindicalizassem, à CGC certamente, se não seria a catástrofe, a queda certa! Então, imediatamente, houve muitas adesões à CGC (...) . De tempos em tempos assiste-se a uma reunião na qual o presidente faz um discurso, todo mundo está lá, é como a missa. £ assim que eles conseguem fazer com que o patronato seja algo de seres excepcionais, e elite (...) . Não sou socialista, na medida que não nego o que é deles. Mas sou pela idéia de que a direção das empresas não esteja a cargo de proprietários. Que eles tenham o lucro é suficiente, mas não o poder, porque o poder, este se merece. Que o cara que tem o poder seja o filho do patrão, mas não forçosamente ele. Podem ser pessoas formadas na área. Posso ser eu, afinal de contas."
    2727 (...) . As pessoas, nessa empresa, eram formadas dentro do espírito de jogadores de golfe, um espírito completamente podre, paternalista (...) . Um dia, me dizem: "Ei, imagina só, o Sr. Fulano dança com as operárias." Era o espírito da empresa. Ainda por cima o mercado, eu estava de pés e mãos atados à empresa, eu nunca tinha o direito de fazer alguma coisa diferente do que o patrão queria. Era verdadeiramente o Patrão com P maiúsculo. Era realmente asqueroso. Eu era o vassalo da empresa. Isso é a média empresa, porque a pequena empresa é pior ainda (...) . Eu não tinha clientes. Onde quer que eu me apresentasse me diziam: "Mas não, meu velho, qual é a tua, o que é que você está fazendo nessa espelunca, venha ver os relatórios," Definitivamente o que eu vendia não era bom (...) . E depois chegaram as férias. Eu não tinha praticamente feito nenhum negócio, embora me considerassem como o Sr. Milagre, que ia lhes arranjar 800 milhões em negócios, de um dia para outro. Gostaria de ver o jogador de golfe para lhe dizer: "Você me contratou e há qualquer coisa que não anda bem em sua empresa." Jamais pude lhe falar. Vi-o duas vezes, quando ele me contratou e quando me botou para fora (...). Chegou o dia 20 de outubro. Ele me diz: "Bom, o problema é o seguinte: eu não posso te julgar porque estávamos em período de férias; antes de te contratar definitivamente vou estender teu período de experiência." Isso não era legal porque o período de experiência de três meses já havia passado. Mas ele me apresentou um contrato pré-datado de 20 de setembro: "Se você não assinar, ponho-o para fora." Em pleno mês de outubro, eu não achei graça. Olho em cheio no branco de seus olhos e digo: "Confio no senhor, assino, mas antes vamos ter uma conversa sobre os produtos que o senhor me faz vender." Explico isto e aquilo, e que as pessoas a quem eu me dirijo querem algo de sério e que não estávamos lá só para fazer um grande número de negócios etc. "Perfeito", é o que ele me diz. Três dias depois me chama, estava despedido. Eu tinha cedido, tinha assinado (...) . Novo emprego, já que, de fato, não tinha outro jeito; um amigo meu tem uma pequena empresa, às vezes com 15 pessoas e às vezes com até 60. Fiquei com ele durante um ano por que lhe devia favores. Ele me pagava bem, mas pagava em três ou quatro vezes, o que fez com que no mês de julho eu tivesse recebido Fr. 800 de salário e Fr. 450 no mês de setembro (...) . Havia as mulheres que trabalhavam com botas de borracha e não sei em que estado ficavam os pés delas no fim do dia. De qualquer forma, elas tinham as mãos completamente roídas pelo ácido e trabalhavam lá dentro, na poeira, no vapor, e recebiam seu salário em duas vezes e não diziam nada, quando eram elas que tinham mais necessidade (...) . O patrão e sua mulher faziam Fr. 30 mil por mês e compravam de tudo, até o bidê para a casa de campo, nas contas da empresa. Ele comprou um iate de 10 milhões. Enfim, é excepcional, porque há os inconscientes, mas quando vi que a brincadeira continuava, disse para ele: "Você não pode mais me pagar, sua empresa tem um rombo de Fr. 1.200 mil, sinto muito, vou embora." Comentários de um comprador sobre a moral e o dinheiro: "Sou permanentemente solicitado. Poderia passar o dinheiro da mão deles para a minha todos os dias, já que tenho o poder de fazer trabalhos ou não. Recebo algumas vezes envelopes cheios de notas de Fr. 500, me faz mal ao coração devolvê-los. Há os que aceitam, até a hora em que se descobre e eles têm que se virar de um dia para o outro. Os patrões comentam entre si, e eles não arranjam mais trabalho. É inadmissível, porque teoricamente é desonesto mas, de qualquer modo, que fosse eu que pegasse esse dinheiro ou meu patrão pessoalmente, eu prefiriria que fosse eu. Se é uma questão de moral, meu patrão recebe as propinas, talvez não sob a forma de propinas, mas é a mesma coisa. Quando eu o faço ganhar dinheiro, é uma forma de propina, é o dinheiro que entra em caixa e que ele não me devolve, mas não há ninguém acima dele para reprová-lo. No entanto, do ponto de vista moral, é extremamente discutível (...) . Todo o tempo, se desperdiça dinheiro. Quando se convida alguém em nome da empresa é melhor comer codorna do que comer cachorro-quente. Se a gente convida um 'cara' para que me disse: 'Bem, olha, fui comer
    foie gras' ele fica contente e lisonjeado. E, além disso, ele tem sua justificativa, nada a pagar e ele vai ficar contente. A empresa para ele fica muito contente porque vai poder deduzir isso de seus impostos, o restaurante fica radiante, todo mundo fica feliz, portanto, é preciso gastar dinheiro (...) . Um cara que pensa que pode fazer um negócio importante, o que-custa para ele paga ruma moça? Vai lhe custai uns Fr 200 ou Fr 300 e o cara está garantido de que na manhã seguinte vai fechar o negócio. O que é preciso é conhecer a fraqueza das pessoas, seus desejos. Que o cara te convide três vezes para um restaurante fino, isso não quer dizer nada, idem quanto às despesas. O que vai contar
    é o resultado. Para alguns,
    é preciso levar ao restaurante o que é que isso importa?"
    2828 Eu não tenho preocupações, recebo minhas instruções, me dizem: "Você parte no dia tal." A companhia tem um castelo lá. Durante três dias há conferências sobre a companhia, o que ela faz, o que fabrica, é fantástico. Recebo minhas instruções no último momento: "Você parte a tal hora e em tal trem", não me deixam escolha (...) . Eu poderia ser enviado a uma fábrica no exterior, ao Japão, aos EUA, não importa onde (...) . Centenas de milhares de empregados no mundo, é gigantesco (...) . A companhia mantém permanentemente um "Mystère 20" A companhia vista por um engenheiro técnico-comercial de 34 anos, diplomado em direito e ciências econômicas e originário de frações tradicionais das classes superiores, e que pertence a uma . sociedade rival: "Conheço as pessoas de XXX , não entrei para XXX um pouco por isso, aliás. Antes era o terno azul e o colarinho duro, durante muito tempo, agora isso não
    é mais assim, mas (...). Na companhia onde estou, há esse lado um pouco puritano, do respeito às regras, tradições, a certas tradições, mas creio que a contestação, ainda que não admitida, existe um pouquinho. Mas, na XXX , é outra coisa, há exemplos de pessoas que entram para XXX e que são completamente modificadas, que se tornam, mas realmente, pessoas de XXX , pessoas especiais. Aconteceu com um de meus amigos. São muito seguros de si, aliás, isso é uma de suas forças. Dizem-lhes todo o tempo que eles são os mais belos os mais fortes, XXX joga muito com isso. Os caras ficam convencidos que eles não podem deixar de vendei e isso conta muito a seu favor (...) . Seria interessante conhecer a escola de vendas deles. Têm uma escola de vendas que elimina as pessoas, principalmente do ponto de vista do caráter; aqueles com os quais eles imaginam que vão ter dificuldades, porque não são suficientemente dóceis (...) . Recrutam facilmente; pagam bem e são mais bem organizados do ponto de vista da progressão da carreira dentro da empresa. O cara da área comercial, se não passa pelo funil da hierarquia, ao fim de algum tempo está acabado,
    é posto para fora, não
    é mais nada, nada de nada. Tanto que na XX X eles encontraram uma saída para isso; para conservar os da área comercial; para manter a atração desse cargo lá, ao fim de um certo número de anos, eles lhes propõem evoluir em outros serviços e digamos que eles não perdem tanto a sua imagem quanto ás vantagens da posição hierárquica,"
    28*28* em Roissy, N. do T. Avião a jato de pequeno porte.
    28**28** outro em Zurique, em Berlim, em Londres (...) . Quando parto em viagem pela companhia (...), os palácios (...), eles não regateiam. No castelo, há uma conferência sobre os estágios de venda, talvez nos enviema Casa-blanca, durante dois dias, há um hotel lá". N. do T. Subúrbio de Paris, onde se localiza o maior aeroporto da cidade.
    2929O amor ao trabalho perdeu-se na França. Os caras estão pouco ligando porque eles pensam: "Por que é que vou me esfolar por Fr. 2 mil?" Aquele que está num nível acima não liga para nada porque a toda hora há feriados e ele está pensando em fazer esqui ou ir para sua casa de campo. Quanto ao que está no estágio superior, esse também não se incomoda com nada porque sabe que, de qualquer maneira, receberá seus 10 ou 20 mil francos por mês. Não há, como no Japão, esse amor pelo trabalho, onde a empresa é uma parte de si mesmo (...) . Na França, somos maus comerciantes. Vou te contar uma anedota. Na época eu tinha uma charanga 504 e queria comprar uma D. S. Cheguei na Citroen, abri a porta e quase escorreguei numa "bituca" de cigarro que que estava no chão; havia um linóleo esverdeado horroroso e atrás de uma escrivaninha infecta, de madeira, estava uma moça batendo a máquina. Então a boneca pára: "O que o senhor deseja?." "Desejo ver um engenheiro de vendas paia comprar um carro." "Muito bem, espere!" Depois de um momento, veio um cara, era talvez uma e meia ou duas horas, ajeitando o casaco: "O que quer?" Então, digo: "Olha, eu queria trocar meu carro." "Um momentinho. Eh Polo, venha cá, tem um cara que quer trocar sua 'máquina'." Era a recepção na Citroen. Então, chega o Polo: estava com uma camisa branca que não era muito branca. "Bom, escuta aqui, a documentação é essa." Passa-me uns papéis nojentos, ensebados. "Então parece que você tem um carrinho?" O cara pega meu carro e arranca cantando os pneus pela avenida Itália perturbando todo mundo e volta 15 minutos depois, o carro fumegando (...) enfim, foi atroz. Disse para mim mesmo: "No fundo eles não são sérios, o que vou fazer?" E fui para a Mercedes. Carpete espesso, música doce, um tipo bem trajado, impecável: "Bom dia, senhor, deseja um aperitivo?" Uma esposa "mal vista", casada com um executivo semelhante a M., no que diz respeito às propriedades sociais, escolares e profissionais, comenta a vida privada de uma grande companhia: "R. (seu marido) está perdido, tudo aquilo está perdido, meu caro. Se ele não se submete docilmente, aí é como num internato, não tem saída, a pessoa fica visada e está ferrada. Forçosamente isto se sabe. Não sei até onde essas coisas chegam, talvez vão à direção, não sei, jamais pus os pés em XXX, mas sei que sou mal vista. Não sou absolutamente mulher XXX. Porque XXX é uma família, então normalmente eu deveria fazer parte da família: Há coquetéis, nos convidam; a gente deveria convidar mais as pessoas. Este é o espírito, sabe-se se Fulano vem jantar na casa da Sra. Beltrana. Não sei através de quem e de que modo, mas sabe-se (...). R., eu acho, até gosta que em casa a gente não seja XXX demais, mas, por outro lado, ele está preso ao seu trabalho, é obrigado a ser XXX, ora! E ser XXX significa um pouco aceitar qualquer coisa, não importa o quê (...) . Fazem uma imagem da família! Você vê, por exemplo, não fica muito bem que eu não viaje com meu marido, a mulher não deve deixar seu marido (...) . Quando ele entrou para XXX, tinha uma barbicha, agora creio que isso é tolerado, mas, na época, fizeram-no compreender : que se ele quisesse entrar, seria preciso raspar a barba (...) . Então, R. disse: 'E o que seria preciso que eu fizesse, se fosse preto?' E então não sei, houve todo um negócio, acharam muito interessante a resposta que ele deu e isso o ajudou a entrar, e finalmente ele tirou a barbicha t. . .) . Tudo isso, isso o enerva um pouco, mas, enfim, ele está contente assim mesmo, porque, apesar de tudo, há um trabalho que o interessa, e além disso, ele saiu do apuro e foi a companhia que o tirou. O que ele teria feito sem XXX? E duro, hem, achar alguma coisa (...) . Na XXX todo mundo bate ponto, todos estão no mesmo nível, seja o varredor ou o diretor, todo mundo tem direito às mesmas vantagens sociais, olha, afinal há um monte de vantagens, os esportes, os prêmios, as colônias de férias, o monte de organizações, como você vê no jornal da companhia (...) . Olha, por exemplo, um pequeno detalhe, eu não sabia de tudo que existia: R. foi operado no ano passado. Então,ficou parado três meses e, ao fim dos três meses, recebeu uma cesta de uma grande loja, Fauchon ou Hédiard, não lembro mais, com uma caixa de
    foie gras, uma garrafa de vinho muito bom, enfim, toda uma refeição para duas pessoas, e isso vinha da companhia porque R. tinha sido operado. Olha, tanto o diretor quanto o faxineiro podem recebê-la (, . .) . Quando R. partiu para os EUA, houve uma comemoração num restaurante e houve alguém no clube dos poetas XXX que fez um poema sobre R. Ele também escreve no jornal da companhia (...) . No jornal, há o nome das crianças que nascem, os casamentos, os falecimentos. Para os falecimentos põe-se: 'Sr. Fulano morreu na companhia tal dia, entrou na qualidade de, faleceu como'', você compreende, para mostrar que ele subiu'.
    3030 é preciso que você saiba o que se passa do alto da pirâmide até lá embaixo: o cara que é varredor tem seus problemas, é preciso não neglicenciá-lo em sua empresa. Mas é preciso que você conheça também os problemas financeiros. Eu me sinto capaz de ser diretor comercial de um pequeno negócio, mas isso não quer dizer que eu seja capaz de ser diretor comercial de uma empresa com 20 mil pessoas (...) . Penso que poderei tornar-me diretor comercial. Sim, certamente, quer dizer que me sinto capaz. Se você tem QI para tanto e toma o trem no momento certo, por que não? (...) . Aqui há oportunidades de promoção (...) . Um imbecil como eu, que entra depois de 13 anos de indústria, e que é neófito no que concerne aos costumes da companhia, tem oportunidades, nos próximos cinco anos, de ter um cargo com responsabilidades importantes (...) , pelo trabalho se é notado, te dão um objetivo, cabe a você segui-lo (...). O sonho de independência - uma pequena empresa sua - de um engenheiro autodidata (obteve o diploma do CNAM - Conservatório Nacional de Artes e Ofícios - aos 32 anos), antigo operário eletricista, com a idade de 48 anos e atualmente desempregado: "Pelas minhas capacidades, fui bem mal remunerado até o presente. E bem, estou desempregado. Mas não tenho complexos: conscientemente, eu realmente trabalhei para não ser, e se fui demitido foi mais por razões exteriores a mim. Mas, eu não tenho sido suficientemente desconfiado acerca de certos pontos: a luta pela vida, digamos (...) . Tenho desejado muito trabalhar por conta própria e meu grande sonho seria chegar' a isso, justamente para ter essa independência (...) . Quando você é assalariado, sobretudo ao nível de executivo superior, você é obrigado a fingir que pensa o mesmo que o patrão (...) . Não quero que meu filho trabalhe na indústria. Se ele pudesse ser médico, artista, advogado, agente imobiliário, notário, mas não quero que ele trabalhe nesse sistema e se ele não se matar de estudar, bem, prefiro vê-lo como encanador ou garagista, com a condição de que ele seja independente."
    3131A "ARTE SOCIAL" DE OCTAVE GELINIER** O processo de integração numa multinacional de ponta, segundo um executivo em dissidência (antigo aluno de uma escola de engenheiros, com a idade de 40 anos): "Poderia começar pela caricatura: a caricatura é a vestimenta (...) , colarinho branco, três peças completo, chamam-nos os pingüins (...) , fazem com que se raspe a barba, mas isto, vou dizer, só pode existir junto com outras coisas. É mais profundo: a nível das escolas de vendas, das escolas de graduação, para tornar-se executivo, te formam um temperamento agressivo, sobretudo a nível comercial (...) , aprende-se o clima, aprende-se o tônus (...) . Mas, o mais importante, a empresa se empenha para que as pessoas lhe sejam devedoras: um engenheiro vai especializar-se, será muito capaz num domínio técnico, mas ele não tem uma verdadeira qualificação (...). Quanto mais ele for especializado num produto, mais ele será devedor para com a empresa e estará à sua mercê (...) . O máximo são os da área comercial de origem, que não têm diplomas, são completamente devedores, como você quer que eles se vendam ao exterior, os coitados? (...) Aqui é o reformismo, te escutam. Tem-se uma reivindicação (...) e se é completamente desmontado na presença de bravos tipos que compreendem o que se pede, que querem bem fazê-lo. Tem-se a impressão de que vão sair os Mocinhos. Eles vão adiando. Três meses mais tarde, sempre, não fizeram nada, sempre (...) . Há muito poucas pessoas que são despedidas. Eles são muito mais suaves, fazem relatórios sobre as pessoas e servem-se deles quando tem necessidade. Tenho umas anotações, de alguns anos atrás, sobre o recrutamento dentro do serviço de pessoal. Explica-se que é preciso um relatório sobre as opiniões políticas, as organizações sindicais, os negócios, as dívidas, a mulher, o que ela gasta etc. (...) . Sabem tudo, há sempre um 'cara' que fala (...) . Fiquei muito espantado no serviço onde estava antes, ao saber quem era o tira (...). Os caras são vigiados por caras que vigiam outros caras etc. (...) . Os chefes de pessoal discutem,comem na cantina, escutam,(...) . reuniões por qualquer coisa (...) . Vi um diretor utilizar uma
    enquête de opinião, garantidamente secreta, contra pessoas (...) , os pequenos chefes seguem cursos de gerência. Ensinam-lhes a te convidar para a mesa quando há um problema. Conheço um caso, um grupo em que havia problemas, convidaram todos os imbecis para comer (...) . Conheço até uma secretária que tomou a iniciativa de convidar os quatro imbecis que tinha sob suas ordens, às custas dela própria!
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    Houve uma soma de circunstâncias: uma pessoa que eu conhecia, mas então tudo ocorreu por acaso (...) . Me convocaram e disseram: "Parece que você conhece o Sr. Fulano" (...) então eu, subengenheiro, chamado pelo diretor-presidente geral, veja você no que isso podia dar! E, finalmente, consegui falar com a pessoa (...) e o outro ganhou sua condecoração. Então fui chamado pela direção da empresa: "Quanto você quer?" Eu lhes respondi: "O que me interessa é publicar um artigo numa revista técnica." (...) Então, a coisa não se fez esperar. Alguns dias depois que o artigo apareceu, eis todo um bando de "aves de rapina" que me caem por cima (...) . "É inadmissível" (...) "a gente é teu patrão, a gente é teu chefe"; há toda a máfia dos engenheiros das escolas decidida a me abater. Fui convocado junto ao diretor industrial, um politécnico (...) Depois disso, deixaramme um ano detrás de uma mesa, sem fazer nada, nada, nada, "pesquisa de documentação" (...) . Pedi autorização à minha empresa para fazer um estágio na Inglaterra durante um mês: "Não, não de modo algum, isto não nos interessa." Fui assim mesmo para a Inglaterra durante as férias, com meu próprio dinheiro. E aprendi coisas técnicas interessantes (...) . Quando voltei - como eu nunca tinha nada para fazer - estava sempre atrás de minha mesa, pequeno subengenheiro ignorado por todos - um dos auxiliares do chefe de serviço vem me ver: "Você vai me fazer um relatório confidencial sobre o que viu na Inglaterra." Respondi-lhe: "Senhor, isso que me pede chama-se espionagem industrial." Ele ameaça me botar para fora: "Levando em conta sua personalidade, você estaria melhor numa carreira comercial". (...) Aproveito o momento favorável: "Se o senhor puder me fazer chegar a um posto da direção no departamento comercial, eu farei o relatório confidencial." Toma lá, dá cá, 'em termos claros. O "cara" foi embora batendo a porta. Oito dias depois, fui convocado à direção geral: "Então, parece que você deseja trabalhar na seção comercial, meu jovem amigo; bom, tudo bem, escute aqui, há pequenos componentes para serem vendidos, coisinhas, se isto pode lhe interessar." Daí, me puseram com um "cara", um ex-militar porque só lia disso nesses negócios, porque há sempre transas de relações; são empresas que trabalham para o exército. Assim, lá estou eu com um "cara" para vender uns "trecos" num pequeno escritório. E lá vou eu. (...) Ao fim de três meses, as encomendas começam a chover, a mais não poder (...). Meu patrão foi-se e eu tornei-me chefe de serviço nesse ramo de componentes. Então, ali eu tinha tudo o que queria, eu era o rei e durante cinco anos canalizei as encomendas que vinham do exterior, participei do momento em que os produtos alcançaram confiabilidade, fiz progredir a técnica interna e um volume sempre crescente de negócios (...) . Um belo dia, disseram-me: "Veja, não temos mais tempo de nos ocupar de você, nós vamos te colocar com o Sr. Fulano": um tipo muito inglês, HEC,
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    um perfeito administrador, mas um idiota do ponto de vista puramente comercial e que não conhecia nada de técnica (...) e começaram a ocorrer dramas (...) . Eu começava a "rolar". Eles me "enchiam o saco" com as notas de despesas, os detalhes, porcarias. Como a um garoto, corrigiam minha correspondência porque a vírgula estava mal colocada; isso fez com que, algumas vezes, quando escrevia a um cliente para lhe confirmar qualquer coisa, ele só recebesse a resposta um mês depois (...) . Comecei a perder mercados (...) . Um belo dia, um "cara" apresenta-se: "Venho da parte de Fulano, estou desempregado, não tenho trabalho." Digo para mim mesmo: "Ele não tem um ar muito esperto, será o tampão entre mim e o diretor" (...) . Parto p ara os esportes de inverno e, ao retornar, o que vejo: o tipo sentado em minha escrivaninha, telefonando (...) . Esse safado, sem nenhum diploma, nada, conseguira fazer-se contratar como engenheiro (...) . Queixo-me à direção geral: "Antes nós éramos dois a dirigir, agora somos três." "Ah, mas você sabe, nós achamos que ele vai bem." Eu lhes digo: "Bem, fiquem coro ele." Bato a porta. Mudaram-me de serviço e deixaram-me detrás de uma escrivaninha durante um ano, novamente sem fazer nada, nada, nada, nada! Apresentei uma tese às Artes e Ofícios para obter um diploma oficial de engenheiro ; de Estado e consegui. Um belo dia, retiraram minha lâmpada; comecei a espernear. Depois, retiraram-me o telefone
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    e, depois, numa outra manhã, convocaram-me à direção geral: "Ah, estamos aborrecidos, você sabe, os tempos estão duros e, além disso, não estamos muito satisfeitos com você" ao fim de 13 anos
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    - achamos que você dará um excelente diretor comercial numa pequena empresa." "Falando claro, vocês estão me pondo para fora?" "Não, não, mas pense, talvez você possa encontrar qualquer coisa." Nessa época, saí de férias, mas começava a perder a tranqüilidade. Ao retornar, tinham mudado minha mesa de lugar e meteramme num canto qualquer com um tipo completamente débil. Depois, interpelaram-me: "Então, você encontrou alguma coisa?" "Não, absolutamente nada." "É aborrecido, porque não temos nenhum motivo para despedi-lo." E eu respondi. "E eu não tenho nenhum motivo para ir embora." Isso continuou assim durante algum tempo, depois, já farto, aborrecido, acabei saindo, apesar de tudo com uma pequena indenização (...) . Eis aí o que são os "executivos" (...) . Não somos nós que ganhamos o dinheiro mas, veja bem, há "executivos" e "executivos"; um dirigente de empresa é"executivo" também (...) . Procurei (...) . O "executivo" á o peão, o pobre coitado na escala social, nos dias de hoje (...) a feira dos "executivos" (...) . Você pega os anúncios, as empresas não se identificam. Não se sabe se você foi empregado pela SNCF ou pela FATP, para fazer preservativos ou não importa o quê. Procura-se um engenheiro com 15 anos de experiência, que fale inglês, que fale russo, que fale alemão, não se sabe para fazer o que. e você é recebido por pessoas que não conhecem nada da profissão, não sabem o que significa tal ou qual ramo técnico, você é contratado segundo critérios que não correspondem a grande coisa. Isso é dramático. Escrevi cartas aos montes, agências de emprego vi dezenas (...) . Num desses lugares, éramos 25 candidatos e a coisa durou o dia todo. Às 18 horas não havia mais que dois. O sujeito me disse: "Eu te contrato, mas esqueci de dizer uma coisa: meu filho está atualmente no Exército, retorna dentro de dois anos e tomará o teu lugar" (...) . Anúncio: apresente-se em tal lugar. A gente se vê com 75 ou 80 pessoas numa grande sala. Um coitado que estava ali apresentava um quadrado: "Em que você pensa?" "Bem, agora eu coloco um círculo dentro do quadrado e o que isso te lembra?" Levantei-me e disse: "Escute, eu agradeço, tenho 34 anos, não brinco mais, vou-me embora." Completamente débeis os testes! (...) Uma empresa média me fez uma proposta completamente delirante, com o título estrondoso de diretor comercial, um salário extraordinário, vida de príncipe.
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    aliás, eram todos chefes naquela espelunca. "Ah, sim, caro amigo, esqueci de dizer, o máximo que posso te pagar por mês são Fr. 5.200, e não Fr. 7.500. O sujo (...) . Nessa fábrica, era tenebroso! Encontrei meu carro arrebentado, riscado. Os caras me pegavam nos cantos-para me insultar: "Você vem tirar nosso pão." Caras que tinham títulos de engenheiros, muitos eram autodidatas. Tipos que não eram capazes de fazer outra coisa, isso é que é dramático (...) . Esses caras colocam "engenheiro" em seus cartões de visita; eu os acompanhei uma ou duas vezes até o cliente, e disse a mim mesmo: "Ou volto com eles ou nunca mais." Eles assinalaram "engenheiro ", mas não eram: o engenheiro ténico-comercial é um executivo desdenhado, que ainda está para ser definido (...) . Uma atmosfera terrível Coisas de baixo nível, uns roubavam os clientes dos outros. Ah, eu sofri nesse lugar, era horrível! (...) Quando se diz pessoal de rua, isso também não quer dizer vendedores (...) . A empresa oferecia TVs coloridas aos maiores compradores (...) . Um ofício de prostituta (...) . Conheço uma porção de compradores que fecham negócios com você porque você os suborna. É um rolo dos diabos (...). Um pequeno presente é normal, mas há "trecos" que são mais graves (...) . Um pequeno comprador, nenhuma formação, 27 anos, paga Fr. 700 mil por uma casa de campo e ele ganha Fr. 5 mil por mês, ele recebe 50% sobre todos os contratos, ao que se diz (...). Há ainda as viagens! (...) Um fim de semana em Veneza com Madame, ou então Madame é arranjada no próprio local (...) . Há os que gostam de presentes, os que gostam de uma boa comilança e, além disso, bem que eu sei, tem a questão das mulheres. Há para todos os gostos.
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    (...) . As pessoas, nessa empresa, eram formadas dentro do espírito de jogadores de golfe, um espírito completamente podre, paternalista (...) . Um dia, me dizem: "Ei, imagina só, o Sr. Fulano dança com as operárias." Era o espírito da empresa. Ainda por cima o mercado, eu estava de pés e mãos atados à empresa, eu nunca tinha o direito de fazer alguma coisa diferente do que o patrão queria. Era verdadeiramente o Patrão com
    P maiúsculo. Era realmente asqueroso. Eu era o vassalo da empresa. Isso é a média empresa, porque a pequena empresa é pior ainda (...) . Eu não tinha clientes. Onde quer que eu me apresentasse me diziam: "Mas não, meu velho, qual é a tua, o que é que você está fazendo nessa espelunca, venha ver os relatórios," Definitivamente o que eu vendia não era bom (...) . E depois chegaram as férias. Eu não tinha praticamente feito nenhum negócio, embora me considerassem como o Sr. Milagre, que ia lhes arranjar 800 milhões em negócios, de um dia para outro. Gostaria de ver o jogador de golfe para lhe dizer: "Você me contratou e há qualquer coisa que não anda bem em sua empresa." Jamais pude lhe falar. Vi-o duas vezes, quando ele me contratou e quando me botou para fora (...). Chegou o dia 20 de outubro. Ele me diz: "Bom, o problema
    é o seguinte: eu não posso te julgar porque estávamos em período de férias; antes de te contratar definitivamente vou estender teu período de experiência." Isso não era legal porque o período de experiência de três meses já havia passado. Mas ele me apresentou um contrato pré-datado de 20 de setembro: "Se você não assinar, ponho-o para fora." Em pleno mês de outubro, eu não achei graça. Olho em cheio no branco de seus olhos e digo: "Confio no senhor, assino, mas antes vamos ter uma conversa sobre os produtos que o senhor me faz vender." Explico isto e aquilo, e que as pessoas a quem eu me dirijo querem algo de sério e que não estávamos lá só para fazer um grande número de negócios etc. "Perfeito", é o que ele me diz. Três dias depois me chama, estava despedido. Eu tinha cedido, tinha assinado (...) . Novo emprego, já que, de fato, não tinha outro jeito; um amigo meu tem uma pequena empresa, às vezes com 15 pessoas e às vezes com até 60. Fiquei com ele durante um ano por que lhe devia favores. Ele me pagava bem, mas pagava em três ou quatro vezes, o que fez com que no mês de julho eu tivesse recebido Fr. 800 de salário e Fr. 450 no mês de setembro (...) . Havia as mulheres que trabalhavam com botas de borracha e não sei em que estado ficavam os pés delas no fim do dia. De qualquer forma, elas tinham as mãos completamente roídas pelo ácido e trabalhavam lá dentro, na poeira, no vapor, e recebiam seu salário em duas vezes e não diziam nada, quando eram elas que tinham mais necessidade (...) . O patrão e sua mulher faziam Fr. 30 mil por mês e compravam de tudo, até o bidê para a casa de campo, nas contas da empresa. Ele comprou um iate de 10 milhões. Enfim, é excepcional, porque há os inconscientes, mas quando vi que a brincadeira continuava, disse para ele: "Você não pode mais me pagar, sua empresa tem um rombo de Fr. 1.200 mil, sinto muito, vou embora."
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    Eu não tenho preocupações, recebo minhas instruções, me dizem: "Você parte no dia tal." A companhia tem um castelo lá. Durante três dias há conferências sobre a companhia, o que ela faz, o que fabrica, é fantástico. Recebo minhas instruções no último momento: "Você parte a tal hora e em tal trem", não me deixam escolha (...) . Eu poderia ser enviado a uma fábrica no exterior, ao Japão, aos EUA, não importa onde (...) . Centenas de milhares de empregados no mundo, é gigantesco (...) . A companhia mantém permanentemente um "Mystère 20"
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    em Roissy,
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    outro em Zurique, em Berlim, em Londres (...) . Quando parto em viagem pela companhia (...), os palácios (...), eles não regateiam. No castelo, há uma conferência sobre os estágios de venda, talvez nos enviema Casa-blanca, durante dois dias, há um hotel lá".
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    O amor ao trabalho perdeu-se na França. Os caras estão pouco ligando porque eles pensam: "Por que é que vou me esfolar por Fr. 2 mil?" Aquele que está num nível acima não liga para nada porque a toda hora há feriados e ele está pensando em fazer esqui ou ir para sua casa de campo. Quanto ao que está no estágio superior, esse também não se incomoda com nada porque sabe que, de qualquer maneira, receberá seus 10 ou 20 mil francos por mês. Não há, como no Japão, esse amor pelo trabalho, onde a empresa é uma parte de si mesmo (...) . Na França, somos maus comerciantes. Vou te contar uma anedota. Na época eu tinha uma charanga 504 e queria comprar uma D. S. Cheguei na Citroen, abri a porta e quase escorreguei numa "bituca" de cigarro que que estava no chão; havia um linóleo esverdeado horroroso e atrás de uma escrivaninha infecta, de madeira, estava uma moça batendo a máquina. Então a boneca pára: "O que o senhor deseja?." "Desejo ver um engenheiro de vendas paia comprar um carro." "Muito bem, espere!" Depois de um momento, veio um cara, era talvez uma e meia ou duas horas, ajeitando o casaco: "O que quer?" Então, digo: "Olha, eu queria trocar meu carro." "Um momentinho. Eh Polo, venha cá, tem um cara que quer trocar sua 'máquina'." Era a recepção na Citroen. Então, chega o Polo: estava com uma camisa branca que não era muito branca. "Bom, escuta aqui, a documentação é essa." Passa-me uns papéis nojentos, ensebados. "Então parece que você tem um carrinho?" O cara pega meu carro e arranca cantando os pneus pela avenida Itália perturbando todo mundo e volta 15 minutos depois, o carro fumegando (...) enfim, foi atroz. Disse para mim mesmo: "No fundo eles não são sérios, o que vou fazer?" E fui para a Mercedes. Carpete espesso, música doce, um tipo bem trajado, impecável: "Bom dia, senhor, deseja um aperitivo?"
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    é preciso que você saiba o que se passa do alto da pirâmide até lá embaixo: o cara que é varredor tem seus problemas, é preciso não neglicenciá-lo em sua empresa. Mas é preciso que você conheça também os problemas financeiros. Eu me sinto capaz de ser diretor comercial de um pequeno negócio, mas isso não quer dizer que eu seja capaz de ser diretor comercial de uma empresa com 20 mil pessoas (...) . Penso que poderei tornar-me diretor comercial. Sim, certamente, quer dizer que me sinto capaz. Se você tem QI para tanto e toma o trem no momento certo, por que não? (...) . Aqui há oportunidades de promoção (...) . Um imbecil como eu, que entra depois de 13 anos de indústria, e que é neófito no que concerne aos costumes da companhia, tem oportunidades, nos próximos cinco anos, de ter um cargo com responsabilidades importantes (...) , pelo trabalho se é notado, te dão um objetivo, cabe a você segui-lo (...).
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    A "ARTE SOCIAL" DE OCTAVE GELINIER**
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1984
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