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Gestão a nível nacional da ciência e tecnologia: análise comparativa com ênfase nas junções de aconselhamento

II TEMA - GESTÃO TECNOLÓGICA

Gestão a nível nacional da ciência e tecnologia: análise comparativa com ênfase nas junções de aconselhamento

Isak Kruglianskas

FEA/USP

1. INTRODUÇÃO

Os resultados do esforço de pesquisa, especialmente as mais fundamentais e exploratórias, são, em geral, pouco previsíveis pela própria natureza da atividade. Entretanto, os meios necessários para o desenvolvimento das pesquisas devem e podem ser planejados e controlados, constituindo, portanto, objeto de interesse da administração.

Um problema central para a gestão da pesquisa no setor público é identificar quais são as árças prioritárias para á aplicação dos escassos recursos de que dispõe e como estimular os cientistas para motivarem-se pelas prioridades identificadas. Neste processo de avaliação de prioridades, os sistemas de gestão se defrontam com polarizações em tomo de dicotomias do tipo: tudo que é bom para a pesquisa é bom para a economia e a sociedade e, por outro lado, tudo que é bom para a economia e a sociedade deve ser objeto de pesquisa.

Em 1970, o governo inglês decidiu revisar sua política de pesquisa e criou, para isto, um órgão de reflexão estratégia, .denominado Central Policy Review Staff (ou Think Tank), cuja presidência foi confiada a Lord do como o Relatório Rothschild e os princípios gerais recomendados eram os seguintes:

- a organização da gestão de pesquisa deve ser lógica, flexível, humana e descentralizada, para, então, ser eficaz;

- não há uma lógica própria da atividade de pesquisa que possa ser aplicada a nível nacional e que possibilite, por seus próprios critérios, julgar quais as pesquisas que devem ser executadas, qual a fração do orçamento nacional que deverá ser despendida e que proporção deverá ser estabelecida entre pesquisa pura e pesquisa aplicada;

- há uma diferença fundamental entre a pesquisa pura, cujo resultado é um avanço dos conhecimentos, e a pesquisa aplicada, cujos resultados serão um produto, um procedimento ou um novo método de operação. Estas diferenças devem-se traduzir por mecanismos de gestão diferentes;

- como conseqüência, a pesquisa de base deve ser financiada pelo Ministério de Educação e da Ciência e a pesquisa aplicada, por todos os outros ministérios interessados na pesquisa-desenvolvimento;

- a pesquisa aplicada deve ser regida pelo princípio "cliente-fornecedor", segundo o qual toda pesquisa aplicada deve responder à demanda de um cliente ou de um órgão que o represente e ser financiada por esta via;

- estruturas uniformes deverão ser implantadas em cada um dos ministérios envolvidos.

O Relatório Rothschild é uma ilustração da tendência generalizada de mudanças que se observou nos sistemas de gestão de pesquisa nos países industrializados a partir de 1970, aproximadamnete.

O poder público passou a tomar consciência de que os pesquisadores não se inclinam naturalmente para a investigação de problemas específicos, relacionados com aspectos econômicos e sociais que afligem o país no diaa-dia. Em conseqüência, passou-se a dar uma ênfase maior a mecanismos de planejamento e controle da pesquisa e da inovação. Sabe-se, entretanto, que a introdução destes mecanismos em intensidade crescente tem trazido vários inconvenientes. Isto tem levado vários países a procurar um novo equilíbrio entre o centralismo administrativo e a autonomia concedida á comunidade científica.

No Brasil, esta preocupação com a maior eficácia do sistema de gestão da pesquisa pública também tem-se constituído tema de maior relevância, tanto para o governo, como para a comunidade científica. Esforços têm sido desenvolvidos na busca de alternativas que permitam maior eificiência no uso dos escassos recursos disponíveis, através de esquemas articulados e integrados, como sugerem as concepções do Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT) e dos Sistemas Estaduais de Ciências e Tecnologia (SET). Mais recentemente foi criada uma Secretaria Geral Adjunta para Ciência e Tecnologia, a nível federal, orientada à reflexão sobre aperfeiçoamentos nos sistemas de administração da pesquisa. A comunidade científica compartilha destes esforços de aprimoramento, principalmente através da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Acreditamos que um ponto fundamental, a ser levado em consideração, é o de que é quase impossível impor à comunidade científica prioridades que não foram por ela avalizadas. Esta comunidade não pode ser eficazmente mobilizada se ela não reconhecer a importância e o interesse da pesquisa, tanto pelo aspecto científico, como pelo comprometimento decorrente do processo de participação na determinação das prioridades.

Considerando-se a complexidade e importância do assunto, o presente trabalho visa apresentar subsídios para a reflexão do tema, através de breves descrições de alguns aspectos centrais dos sistemas de gestão da política e da administração, com ênfase na descrição dos mecanismos de aconselhamento da pesquisa em alguns países industrializados, como, por exemplo, a França, a Alemanha, e o Japão.

Os sistemas de gestão tecnológica a nível nacional, em geral, são bastante dinâmicos, com alterações freqüentes em função da complexidade, das implicações políticas e econômicas e da própria evolução tecnológica. As descrições que serão apresentadas sobre os diferentes sistemas referem-se fundamentalmente ás condições vigentes nos referidos países ao início da década de 80.

2. GESTÃO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA FRANÇA

O sistema francês de ciência e tecnologia, até a ascensão do governo socialista de Mitterrand, no início da década de 80, era coordenado pelo primeiro-ministro, que delegava esta autoridade ao secretário de Estado para a Pesquisa. A descrição que será feita ater-se-á a este sistema, pois o sistema mais recente, ainda em fase de implantação, não está totalmente estabilizado, em face das profundas alterações introduzidas em relação ao sistema anterior.

Criado em 1958, reorganizado em 1970, depois em 1975, e modificado em 1978, o dispositivo interministerial de coordenação e promoção da pesquisa comporta três elementos: no nível político, o Comité Interministerial da Pesquisa Científica e Técnica (CIRST); no plano científico, o Comitê Consultivo da Pesquisa Científica e Técnica (CCRST); como apoio do sistema, a Delegação Geral da Pesquisa Científica e Técnica (DGRST). A política de pesquisa científica e tecnológica na França é coordenada pelo primeiro-ministro, elaborada pela DGRST, apreciada pelo CCRST e deliberada pelo CIRST. Uma visão de conjunto do sistema é mostrada na Figura 1.


O CIRST é presidido pelo primeiro-ministro e conta com a participação dos demais ministros e secretários de Estado envolvidos com as pesquisas e desenvolvimento constantes das agendas das reuniões que, periodicamente, são realizadas.

Anualmente, antes que sejam tomadas as decisões definitivas sobre o orçamento, o CCRST examina o conjunto de recursos que será alocado pelo governo para as atividades de pesquisa no setoi civil.

Até 1975 ( decreto de 29 de outubro de 1975), o CCRST participava como membro do CIRST. Atualmente, o presidente do CCRST é regularmente convidado a participar dos trabalhos do CIRST.

O CCRST é a instância de consulta do governo para todos os problemas gerais da política nacional de pesquisa. Este comité se manifesta sobre as orientações da política de pesquisa e sobre os principais planos do sistema, especialmente aqueles relacionados com as estruturas, aplicação de recursos orçamentários e os programas. Além disso, o CCRST também apresenta estudos sobre problemas que considera de interesse para a política geral de pesquisa, a fim de chamar a atenção do governo.

O CCRST é constituído de 16 membros, nomeados por decreto. São pessoas escolhidas em função de suas competências em pesquisa científica e técnica ou em assuntos econômicos e sociais.

A DGRST é dirigida pelo secretário de Estado da Pesquisa e visa dar apoio permanente, tanto científico como administrativo e financeiro, às atividades de pesquisa. Sua missão é preparar, estimular, coordenar e acompanhar a política nacional de pesquisa e desenvolvimento. Trata-se de um órgão mterministerial com um número reduzido de funcionários, da ordem de 200, sem a preocupação de gerenciar ou tutelar qualquer órgão executante das atividades de pesquisa.

Suas atividades típicas incluem prospecção, planejamento, análise e avaliação do potencial francês de pesquisa, responsabilidade pela confecção do orçamento, participação nas reformulações estruturais das instituições de pesquisa, definição de políticas para recursos humanos no campo científico, problemas de cooperação internacional e gestão financeira dos fundos de pesquisa.

A DGRST dispõe de uma missão científica e técnica, organizada segundo os setores correspondentes da programação nacional de esforços de pesquisa e desenvolvimento. Os responsáveis setoriais realizam consultas sistemáticas aos meios científicos e conduzem trabalhos de reflexão e negociação, a fim de gerar propostas para uso dos fundos de pesquisa gerenciados pelo DGRST.

A operacionalização da política nacional de pesquisa é possibilitada pelo uso, basicamente, de dois instrumentos: o enveloppe-recherche (pacote de pesquisa) e os fundos de pesquisa científica e técnica.

A fim de proteger os recursos para pesquisa das pressões imediatistas no âmbito dos ministérios aos quais os organismos de pesquisa estão vinculados é adotado o procedimento do enveloppe-recherche, que procura assegurar que os recursos sejam utilizados na programação de pesquisa estabelecida.

Os recursos são geridos pelos departamentos ministeriais, ou pelos organismos, no âmbito de cada ministério, mas são reagrupados funcionalmente num único pacote que é repartido segundo um plano interministerial.

A cada ano, as instituições dos diferentes ministérios pleiteiam seus recursos orçamentários para pesquisas à DGRST. Esta última os analisa em função dos objetivos da política nacional de pesquisa e encaminha suas proposições ao CCRST. Em seguida, o secretário de Estado para a Pesquisa transmite ao primeiro-ministro suas proposições orçamentárias, que são deliberadas pelo CIRST. A decisão final é tomada pelo Parlamento, que aprovará o enveloppe-recherche.

O enveloppe-recherche é um instrumento de controle global. Seu objetivo não é o de impor orientações específicas e detalhadas. Para intervir diretamente de forma específica sobre atividades prioritárias da política de pesquisa, é utilizado o Fundo de Pesquisas, que é gerenciado pela DGRST. Através deste fundo são estimulados programas geralmente de prazo mais curto em setores que, em terminado período, são considerados mais prioritários. Este fundo também é usado para criar novos organismos e para promover a integração e cooperação entre as diversas estruturas de pesquisa, inclusive para apoio e programas de cooperação internacional.

A pesquisa fundamental está intimamente ligada ao papel desempenhado pelo Centro Nacional de Pesquisa (CNRS)i vinculado ao Ministério das Universidades. A pesquisa fundamental, dependente do Ministério das Universidades, conta com aproximadamente 14.200 pessoas, entre engenheiros, técnicos e pessoal de apoio ad¬ ministrativo, e 8.900 pesquisadores do CNRS.

O CNRS opera cefca de 1.100 unidades de pesquisa, sendo cerca de 400 laboratórios próprios e 700 unidades associadas, das quais aproximadamente 250 são laboratórios e 450 são equipes associadas, envolvendo o sistema todo um contingente de, aproximadamente, 23.100 pessoas.

Um instrumento importante do CNRS é o seu comitê nacional, que, segundo alguns, constitui uma peça-chave de todo o sistema. O CNRS classifica as diferentes áreas de especialização em 41 seções. Cada seção tem 23 membros, dos quais 16 são eleitos pela comunidade científica e sete são indicados pelo governo. Este comité nacional do CNRS tem um mandato de quatro anos.

O comitê nacional se reúne duas vezes por ano, durante dois ou três dias, na sede do CNRS, para proceder às avaliações dos laboratórios e dos pesquisadores. (Convém notar que ser laboratório associado ao CNRS, além de receber apoio financeiro, representa prestígio pára a instituição.)

Nestas reuniões também são decididos os orçamentos. Os laboratórios preparam um relatório de síntese, demandando os recursos orçamentários para o exercício seguinte, para ser aprovado pela seção correspondente do comitê nacional na reunião de outono. As avaliações de pessoal de pesquisa são feitas nas reuniões da primavera e constituem o elemento detenninante da promoção na carreira do pesquisador.

O comitê não é órgão executivo, mas deliberativo e consultivo, cabendo ao diretor científico do CNRS a decisão final.

Estas reuniões do comitê são muito importantes para a vida da pesquisa fundamental na França, não só pela preparação e decisões que lá são tomadas, como também pela oportunidade de interação criada. Para participar do comitê nacional, qualquer pesquisador pode-se candidatar, pois sua composição é estratificada dentro de cada seção de tal sorte que todos os níveis sejam representados (assistentes de pesquisa, encarregados de pesquisa, mestres de pesquisa e diretores de pesquisa).

3. GESTAO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA ALEMANHA FEDERAL

O sistema de financiamento público na Alemanha Federal segue uma linha liberal de desenvolvimento científico, caracterizada por um grande número de organizações com bastante autonomia administrativa.

As instituições que desenvolvem pesquisa universitária têm grande autonomia administrativa. Entre elas destaca-se a Deutsche Forschungs-Gemeinschaft (DFG), que se preocupa, especialmente, com a pesquisa universitária e tem por membros:

- a maior parte das universidades;

- as academias de ciências;

- as instituições de pesquisa mais importantes;

- as sociedades Max Planck e Fraunhofer;

- outras associações científicas, especialmente a Associação de Doadores para a Ciência Alemã.

Sua estrutura administrativa é típica das organizações com grande autonomia administrativa. Os órgãos da DFG são, essencialmente:

- o Comitê de Direção (Presidium);

- o Senado;

- o Conselho de Administração;

- a Comissão Principal da DFG.

O Comitê de Direção é constituído por um presidente, sete vice-presidentes, escolhidos em função de suas especialidades científicas, um secretário geral e o presidente da Associação de Doadores para a Ciência Alemã.

O Senado é composto de 33 cientistas eleitos pelas instituições associadas à DFG. Cabe ao Senado tomar as decisões sobre política científica e estabelecer prioridades. Dependem deste Senado as comissões encarregadas de aconselhar as instâncias governamentais sobre assuntos científicos, que é uma das atribuições da DFG.

A Comissão Principal da DFG é composta de 15 cientistas designados pelo Senado, seis membros representando os governos das províncias (Länder), seis membros representantes do governo federal e dois membros da Associação de Doadores para a Ciência Alemã. É a instância de decisão quanto às alocações financeiras e de liberação orçamentária.

A Comissão Principal apóia-se nas recomendações de 33 comissões especializadas, cujos membros são pesquisadores de reconhecida competência, eleitos por quatro anos, através de eleições gerais por escrutínio secreto. O colégio eleitoral é constituído por pesquisadores efetivos e são elegíveis .os candidatos apresentados pelas organizações científicas e técnicas, de competência reconhecida em matéria de pesquisa. Estas 33 comissões especializadas estão divididas em 164 áreas científicas especializadas e contam com 410 membros.

O Conselho de Administração é constituído pelos 33 membros do Senado, aos quais são acrescidos 11 representantes das províncias (Länder) e de Berlim-Oeste, seis representantes do governo federal e cinco representantes da Associação de Doadores. O conselho se pronuncia acerca da programação anual das atividades da DFG e sobre os planos orçamentários correspondentes.

A DFG opera como uma "república de sábios", servindo de mediação e diálogo entre os pesquisadores e o governo, cabendo a ela indicar as atividades e ao governo confiar as dotações orçamentárias.

As atividades de pesquisa fora da W1iversidade são desenvolvidas predominantemente pela AGF, envolvendo 12 centros de grandes pesquisas, com apoio, predominantemente, do Ministério da 'Pesquisa e Tecnologia (90% do financiamento), além das associações técnicas, dos centros de pesquisa das empresas e outros órgfos.

Para as pesquisas fora da universidade, o governo tem um controle bem mais apertado. As pesquisas são controladas através de projetos e programas. Uma visão de conjunto do sistema de pesquisa e desenvolvimento da Alemanha Federal é mostrado na figura 2.


4. GESTÃO DO SISTEMA JAPONÊS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

No Japão, cerca de 446 mil pessoas estio alocadas em atividades de P & D. Destas, cerca de 282 mil são pesquísadores propriamente ditos. O governo financia cerca de 30% do esforço de P & D, cabendo o restante às indústrias. Em 1979 cerca de 2,9% do orçamento nacional foram aplicados pelo poder público em P & D.

A estrutura organizacional do sistema de administração da ciência e tecnologia no Japão é constituída de órgãos razoavelmente estanques, alocados entre os diferentes ministérios, com uma fraca coordenação do sístema como um todo. Entretanto, no âmbito de cada Compartimento ministerial, observa-se uma forte estrutura de coordenação e negociação.

Outra característica interessante é o grande número de comitês permanentes (conselhos e comissões), envolvendo milhares de pessoas nestas funções de assessoramento.

Ao nível do primeiro-ministro, temos diretamente ligado a ele sete comitês dos quais se destacam o Conselho de Ciências e Técnicas e o Conselho de Ciências do Japão. Os outros cinco comitês orientam-se a aspectos específicos como energia atômica, segurança nuclear, irradíaçâo, atividades espaciais e desenvolvimento oceânico. Na figura 3 é apresentado um organograma simplificado ilustrando a estrutura organizacional do sistema de ciência e tecnologia japonês.


O Conselho de Ciências e Técnicas é presidido pelo primeiro-ministro e composto pelos seguintes membros:

- ministro da Educação;

- ministro das Finanças;

- ministro de Planejamento e Economia;

- ministro das Ciências Técnicas;

- presidente do Conselho de Ciências do Japão;

- cinco personalidades científicas nomeadas pelo primeiro-mínístro.

Este conselho é assessorado por sete subcomissões especializadas, compostas por cientistas, técnicos e professores uníversítãríos, totalizando nestas subcomissões cerca de 150 pessoas.

O Conselho de Ciências do Japão é um órgão independente do governo, ao qual cabe propor soluções a problemas apresentados pelo governo e, também, opinar sobre temas e prioridades no âmbito da ciência e tecnologia. Este conselho é composto de 200 cientistas, que são eleitos em escrutínio secreto para um mandato de três anos por um colégio eleitoral constituído por cerca de 190 mil cientistas. Este conselho é apoiado por 75 subcomitês especializados, dos quais participam, aproximadamente, 1.500 pessoas.

Além dos comitês diretamente ligados ao primeiro-ministro, os diferentes departamentos ministeriais são assessorados por cerca de 30 comités alocados nos próprios ministérios para a definiçlo de suas políticas científicas e tecnológicas. Estes comitês ministeriais, por Sua vez, são assessorados por outras subcomissões, de tal sorte que, na verdade, milhares de pessoas.estarlo envolvidas nas definições e decisões sobre a política de ciência e tecnologia no Japão. Se considerarmos, ainda, que estes milhares de indivíduos consultam pessoalmente outras pessoas, ou exprimem a vontade de grupos e associações (como instituições e empresas), torna-se evidente que a base de partícípação e negociação em relação às decisões sobre a política nacional de P & D no Japão é significativamente superior àquelas observadas em outros países industrializados.

A Agência de Ciência e Tecnologia - dirigida por um ministro que se subordina diretamente ao primeiro-ministro - elabora os planos nacionais de P & D, promove a ciência e tecnologia em todas as suas formas, dá apoio administrativo (secretarial) aos seus comitês, ligados ao primeiro-ministro, além de administrar três conselhos sob sua subordinação e manter seis institutos de pesquisa.

O Ministério da Educação controla as pesquisas fundamentais, realizadas nas universidades e nos institutos agregados às mesmas. Seus programas de pesquisa e desenvolvimento não sofrem o mesmo tipo de controle que é exercido pela Agência de Ciência e Tecnologia para os programas de outros ministérios.

O Ministério da Educação é apoiado por um Conselho de Ciências que, por sua vez, é assessorado por quatro comissões permanentes e algumas comissões temporárias, reunindo mais de mil pessoas. O Ministério da Educação conta ainda com o apoio de um Conselho de Geodésia e três outros conselhos orientados ao ensino (Conselho Central de Ensino, Conselho de Educação Científica e Técnica e Conselho de Educação Física e do Ensino de Saúde).

A pesquisa fundamental é desenvolvida, principalmente, nos departamentos das universidades ou nos institutos pertencentes às universidades, ou mesmo em institutos agregados às universidades, mas abertos à participação de pesquisadores externos de outras universidades. A pesquisa fundamental pública é desenvolvida, essencialmente, nas principais universidades nacionais do Mimistério da Educação, ou unidades municipais ou tuteladas por prefeituras provinciais.

Para compreender a política governamental para a pesquisa fundamental, é necessário familiarizar-se com o sistema de koza associado às disciplinas de ensino. Este sistema é adotado nas faculdades de ciências e de tecnologia que possuam o nível de pós-graduação e que foram criadas antes da II Guerra Mundial. Uma koza é uma pirâmide formada por um professor pleno, um professor adjunto, dois assistentes e dois técnicos. É a célula administrativa de base de uma faculdade de uma universidade japonesa. Em princípio, uma koza tem a responsabilidade do ensino de pesquisa no âmbito de uma especialidade disciplinar. O professor adjunto não será promovido a professor pleno, a menos que ocorra a vaga do titular em razão de sua aposentadoria ou criação de uma nova koza.

O Ministério da Educação destina, automaticamente, a cada ano, uma verba fixa para cada koza, o que garante a subsistência e independência de cada koza, apesar de ter o inconveniente de estimular um certo isolamento das mesmas no seio da faculdade.

A rigidez induzida pelo sistema de kozas é atenuada pelo fato de que o governo aloca às faculdades, além da parte fixa anual, uma outra parcela modular de recursos, que reflete a política que o ministério pretende seguir. Estes créditos modulares são as três categorias:

a) créditos atribuídos a indivíduos isolados ou grupos;

b) financiamentos alocados às universidades ou institutos para o desenvolvimento de grandes projetos, como, por exemplo, os de fusão nuclear ou espaço;

c) créditos destinados à aquisição de equipamentos.

Os contatos entre as universidades e as indústrias não são muito grandes. Historicamente, estas relações foram muito estreitas no período de 1868 a 1955, quando a indústria tinha necessidade de absorver e digerir novas tecnologias importadas. De 1955 a 1970, a indústria conseguiu desenvolver competência própria e em seus quadros para este trabalho de análise e digestão da tecnologia e, conseqüentemente, houve uma redução no relacionamento com a universidade. Nesta última década, no entanto, novamente a indústria se reaproximou da universidade para a resolução dos novos problemas econômicos e tecnológicos que se apresentaram.

As reuniões de cientistas, que ocorrem com grande freqüência, e os inúmeros grupos de estudo que são constantemente formados constituem canais importantes, através dos quais a indústria se mantém inteirada daquilo que é feito na universidade.

De acordo com os padrões ocidentais, as estruturas do sistema japonês parecem um pouco redundantes. Seus aparentes defeitos decorrem em grande parte do fato de que, no Japão, as relações humanas e o respeito individual prevalecem sobre os requisitos de uma estrutura idealmente mais eficiente.

5. GESTÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

O atual sistema de gestão da ciência e tecnologia brasileiro iniciou-se na década de 50, com a criação de alguns órgãos para apoiar e coordenar atividades de ciência e tecnologia que eram desenvolvidas de forma dispersa em unidades subordinadas às áreas federal, estadual e municipal. Em 1975 é implantado o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT) e coube à, então recém-criada, Secretaria do Planejamento da Presidência da República (Seplan) a incumbência de dar unidade e coordenação à área de ciência e tecnologia.

Segundo o enfoque sistêmico do SNDCT, todos os ministérios com atividades em ciência e tecnologia devem criar órgãos específicos, preferivelmente secretarias de tecnologia, com a incumbência de supervisionar e coordenar as atividades de ciência e tecnologia desenvolvidas nas unidades vinculadas ao respectivo ministério. A articulação das atividades destes diferentes órgãos é feita através de um plano, o Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), que tem como esquema financeiro um orçamento-programa trienal.

Os principais órgãos envolvidos na gestão das atividades de ciência e tecnologia, a nível federal, são o Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), a Seplan, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Dentre os ministérios, o Ministério da Indústria e Comércio (MIC) tem atuação destacada em ciência e tecnologia, através da atuação de seus diversos órgãos e empresas, especialmente aqueles vinculados às Secretarias de Tecnologia Industrial (STI).

A figura 4 nos dá uma visão de conjunto da organização do sistema de ciência e tecnologia no Brasil.


O CDE é presidido pelo presidente da República e integrado pela maioria dos ministérios e, apesar de não ser normativo, acaba, na prática, pela importância de seus membros, influenciando o processo decisório da política econômica com reflexos na política e gestão da ciência e tecnologia.

A Seplan é o órgão ao qual estão subordinados os principais órgãos responsáveis pela elaboração, coordenação e acompanhamento das atividades de ciência e tecnologia, especialmente o CNPq e a Finep.

É atribuição do CNPq auxiliar a Seplan na formulação da política para a ciência e tecnologia, na coordenação, elaboração e acompanhamento do PBDCT, bem como na articulação com os níveis estaduais e municipais e na análise dos planos e programas setoriais de ciência e tecnologia.

O órgão máximo de aconselhamento do CNPq é o Conselho Científico e Tecnológico (CCT), composto de 32 membros, sendo 15 deles escolhidos principalmente no âmbito da comunidade científica e designados pelo presidente da República para um mandato de dois anos, enquanto os outros 17 são membros natos, assim constituídos:

- presidente do CNPq;

- vice-presidente do CNPq;

- presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC);

- superintendente do Instituto de Planejamento (Iplan);

- 10 representantes de diversos ministérios;

- presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

- representante do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa);

- presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

O CCT tem, entre outras, as seguintes atribuições:

- opinar sobre questões relevantes, pertinentes ao desenvolvimento tecnológico do país;

- assessorar o presidente do CNPq na preparação do PBDCT e nas linhas gerais da instituição, através de apoio i promoção e aprimoramento de atos e programas, tanto a nível interno, como internacionais.

A nível mais operacional, o CNPq conta com uma consultoria científica - CCI - integrada por 12 membros entre cientistas, técnicos e empresários, nomeados pelo presidente do CNPq com a finalidade de assessorá-lo na proposição, formulação, análise, acompanhamento e avaliação de programas de fomento e apoio da instituição à atividade científica e tecnológica.

O CNPq é ainda assessorado por um conjunto de pesquisadores de diferentes especialidades na formulação de políticas, em assuntos de suas respectivas áreas de competência, e na apreciação das solicitações de apoio à pesquisa e formação de recursos humanos, especialmente bolsas de estudo. Estes pesquisadores, em número de 98 aproximadamente, estío distribuidos segundo diferantes Comitês Assessores, que, em número de 16, cobrem um amplo espectro de diferentes especialidades disciplinares. O mandato dos membros dos Comitês Assessores é de dois anos, com possibilidade de recondução, e, para sua admissão, os currículos dos membros indicados são previamente apreciados pela CCI. A escolha destes pesquisadores é feita, principalmente, com base na competência técnica, sendo que, em alguns casos, são ouvidas indicações de sociedades da comunidade científica como a SBPC e a ABC, por exemplo.

A Finep é urna empresa pública orientada, básica mente, às seguintes missões:

- capacitação técnica e financeira de consultoria nacional;

- desenvolvimento tecnológico de empresa nacional;

- apoio às pesquisas dos institutos e universidades.

A Finep também exerce as funções, de Secretaria Executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é o principal fundo de apoio ao SNDCT, e de Secretaria Executiva da Comissão Coordenadora dos Núcleos de Articulação com a Indústria, para a promoção da substituição dos bens importados nas empresas estatais.

A nível estadual operam os diversos bancos de desenvolvimento locais e as respectivas secretarias esta duais com atuação no campo da ciência e tecnologia. A Seplan, através, principalmente, do CNPq e da Finep, vem envidando esforços com vistas a promover o desenvolvimento dos Sistemas Estaduais de Tecnologias (SET), visando com isto criar mecanismos mais consistentes de articulação das atividades estaduais de ciência e tecnologia com o SNDCT. A concepção e a operacionalização, entretanto, destes SET ainda não estão claramente delineadas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma análise, mesmo que superficial, das abordagens adotadas pelos diversos países industrializados para a administração das atividades de pesquisa sugere-nos, claramente, que não existem modelos preestabelecidos. Cada situação comporta diferentes alternativas.

Na Inglaterra, coerentemente com as diretrizes propostas pelo Relatório Rotschild, observa-se uma forte descentralização. As pesquisas aplicadas, em seus respectivos campos, são controladas por cada um dos diversos ministérios aos quais estão vinculadas e o princípio de orientação ao mercado constitui a diretriz básica para as priorizações. A pesquisa científica é administrada pela comunidade científica. Os órgãos de coordenação e controle são muito pouco enfatizados.

Na Alemanha, a pesquisa fundamental goza de bastante autonomia e tem estruturas próprias bastante desenvolvidas, constituindo-se em verdadeiras repúblicas de cientistas. Para as atividades de pesquisa aplicada, a intervenção do Estado é bem acentuada e direta, através do Ministério da Pesquisa e Tecnologia ou, de forma indireta, através de incentivos com maior envolvimento do Ministério Federal de Economia.

Na França, observa-se um modelo de organização do sistema de gestão de pesquisa intermediário entre os sistemas alemão e inglês. Não há tanta autonomia como no sistema inglês, havendo órgãos de coordenação e procedimentos para o estabelecimento de políticas para a pesquisa, sendo, entretanto, o controle da pesquisa aplicada (setor produtivo) exercido mais diretamente pelos ministérios, embora subordinando-se a um pacote global de pesquisa (enveloppe-recherche).

No Japão, observa-se um complexo sistema de planejamento das políticas e prioridades para a pesquisa, com alta participação em todos os níveis, cabendo ao Conselho de Ciências e Técnicas a deliberação final. Entretanto, para exercer as funções de controle e coordenação sobre os resultados dos programas e utilização dos fundos, virtualmente, não existem órgãos fortemente estruturados.

Um aspecto que chama a atenção, quando são estudados os sistemas em países industrializados, são os mecanismos de participação de cientistas na gestão governamental da ciência e. tecnologia. É enfatizado o uso de comissões integradas por representantes eleitos pela comunidade científica. Estas comissões têm, por um lado, funções estratégicas no processo decisório sobre políticas para a pesquisa nacional e, por outro lado, em decorrência do fato de representarem diversos segmentos da comunidade científica, eles recorrem para obter subsídios e, adequadamente, encaminhar suas aspirações, o que acaba resultando num certo equilíbrio entre as diversas orientações e tendências e num certo comprometimento, por parte dos pesquisadores, com as decisões governamentais.

0 Brasil, pela própria extensão territorial e extrema diversificação regional, requer uma gestão razoavelmente descentralizada de seu sistema de ciência e tecnologia e uma adequada representatividade a nível das entidades federais.

Conviria uma reflexão acerca de aprimoramentos em nosso sistema, como, por exemplo, o estimulo e apoio à formação de sociedades regionais e nacionais representativas dos diversos segmentos da comunidade científica, seja por afinidades de especialidade institucional ou outros critérios, mas que permitam criar colégios eleitorais para a indicação de representantes, legitimamente aceitos pela comunidade científica, para comporem comissões e subcomissões com funções estratégicas, para que assessorem o governo na gestão da ciência e tecnologia, indicando prioridades e meios para a solução de problemas nos diferentes campos do desenvolvimento científico e tecnológico.

Um outro aspecto que deve merecer atenção é a diferenciação quanto às formas de gestão das pesquisas de caráter científico e das de natureza aplicada e tecnológica. Esta diferenciação, no Brasil, já é observada, porém nos parece que talvez coubesse um maior aprofundamento quanto a este aspecto, visando ao desenvolvimento de mecanismos de controle mais claramente diferenciados e, eventualmente, até realocações de atribuições entre os diferentes órgãos responsáveis pela gestão da ciência e tecnologia, com o fito de maior especialização na condução destes diferentes tipos de pesquisa.

O conhecimento das formas de atuação dos sistemas de gestão de ciência e tecnologia constitui subsídio de maior relevância para o aprimoramento do sistema brasileiro. Este trabalho, embora abrangente e superficial, nos sugere que o entendimento das experiências de países mais industrializados pode ajudar a queimar etapas e sugerir alternativas que podem ser adaptadas à nossa realidade.

Portanto, como comentário final, sugerimos que sejam incentivados estudos em maior profundidade sobre os sucessos e fracassos, pontos fortes e fracos, dos sistemas de gestão em outros países industrializados, visando subsidiar, desta forma, os responsáveis pela formulação e aprimoramento de nosso sistema de gestão de ciência e tecnologia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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