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Acesso à propriedade, família e herança (formação e reprodução da pequena burguesia têxtil em São Paulo)

III TEMA - PEQUENA E MÉDIA EMPRESA

Acesso à propriedade, família e herança (formação e reprodução da pequena burguesia têxtil em São Paulo)

José Carlos Durand

EAESP/FGV

O texto que segue é uma ligeira adaptação de um dos capítulos de pesquisa recém-concluída acerca das relações entre o pequeno e o grande capital em têxteis e confecções.1 1 Esse estudo leva o nome oficial, mas provisório, de Inovação tecnológica e acumulação de capital na pequena e média empresa (EAESP/FGV, junho, 1983, 4 v., mimeogr. ). Foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Grupo de Estudos de Pequena e Média Empresa), e centrou-se no exame de dois ramos bera definidos da produção industrial: o têxtil e o de autopeças. O exame da estrutura interna desses ramos conexos da produção industrial brasileira e das transformações por que vêm passando recentemente foi realizado por meio de reconstituição empírica do percurso de um grupo de empresas, desde suas origens até o presente. Ao lado desse material recolhido em pesquisa de campo, refez-se, a partir da bibliografia disponível de história econômica e de sociologia, o processo de formação da burguesia e, em particular, da pequena burguesia empenhada na produção e comércio de tecidos e roupas.

Tal reconstituição pôs em relevo a antiga e vigorosa substituição de importações que se verificou na fabricação de tecidos de algodão no país no correr da Primeira República. Mostrou também que a formação do mercado interno, do começo do século até os anos 50, traduziu-se em campo favorável de acumulação para imigrantes sem posses ou de pequenos recursos que se empenharam na implantação de uma vasta rede comercial de bens de consumo sancionada pela difusão rápida da economia monetária nas regiões prósperas do café e de modo geral por todo o país.

Por outro lado, recompondo a história da imigração de sírios, libaneses e judeus ao Brasil (e a São Paulo, em particular), pode-se observar acentuada convergência desses efetivos étnicos para o comércio ambulante de tecidos e roupas. Tomando em conta traços relativos à organização familiar nessas comunidades étnicas e as condiçébs concretas em que se estruturava o trajeto migratório, foi possível compreender o sentido da verdadeira "apropriação'' que tais grupos de presença recente no país fizeram do espaço comercial e industrial em formação, cada um dos quais, conforme a nacionalidade, se "especializando" na produção e comércio de determinado gênero de bens.

Em suma, quando o Brasil se tomou auto-suficiente na produção de tecidos de algodão (entre 1940 e 1950), uma vasta pequena burguesia de comerciantes e artesãos de origem européia ou do Oriente Médio já se apresentava em sólida implantação no comércio varejista e atacadista de tecidos e dava continuidade, também com vigor, à produção industrial de roupa e de um bem variado elenco de tecidos especiais e de bens intermediários. Do pós-guerra até os anos 60, a expansão das cidades e o crescimento das classes médias ampliaram e "sofisticaram" continuadamente o mercado interno para tecidos e roupas. A difusão das fibras artificiais e sintéticas, por sua vez, veio autorizar infinitas inovações de produtos passíveis de serem introduzidos sem grandes investimentos de capital.

Muitas das empresas cujo percurso se reconstituiu apresentavam esses traços comuns: empreendimento originário de uma pessoa ou duas, sócios pertencentes ao mesmo grupo étnico, experiência anterior no ramo amealhada como técnico assalariado ou no comércio varejista ambulante e/ou estabelecido, fundação entre 1930 e 1960, com maior incidência entre 1940 e 1950, e negócios que cresceram a partir do aproveitamento de brechas constituídas pela produção de artigos até então inexistentes no mercado interno. Tendo em conta a época mais freqüente de fundação, em muitas das empresas os anos 70 colocaram a questão da transmissão do controle da empresa de seus fundadores- a uma nova geração de pequenos empresários.

O objetivo deste artigo é duplo: em primeiro lugar, associando-se dados relativos às pessoas dos fundadores das empresas observadas com informações sobre as condições em que começaram seus negócios, mostra-se que a origem e os passos iniciais das empresas observadas obedeceram a tendências e circunstâncias antes descritas, com o que ficam elas inseridas em um contexto social real. O segundo objetivo consiste em refletir acerca de processos decisivos para a continuidade e expansão das pequenas empresas (e, a partir daí, para a reprodução da pequena burguesia industrial). Entre esses processos, estão as regras que presidem à divisão do trabalho e da responsabilidade em empresas familiares e no interior das famílias proprietárias; estão também as modalidades de capacitação técnica e ideológica dos herdeiros e as estratégias de sucessão por meio das quais filhos, genros e demais sucessores da rede de parentela assumem o controle das empresas legadas pelos pais ao fim da vida. Não é demais lembrar que esses processos usualmente não são investigados, tamanho é o preconceito e as certezas apriorísticas (na literatura adrninistrativa) de que nos pequenos negócios a gestão familiar é sempre avessa à racionalidade econômica e à inovação técnica e comercial, enfim limitativa da acumulação.

Desde logo, note-se que, para enfocar esses processos, é preciso tomar como objeto de observação antes a família proprietária pequeno-burguesa servindo-se do setor para acumular e reproduzir sua condição social do que a empresa em si sob o jogo das forças econômicas em conjunturas sucessivas, muito embora tenha sido este o foco central das questões indagadas aos industriais consultados. Do ponto de vista de organização da pesquisa, é fácil perceber que a acomodação, em um mesmo formulário, de perguntas aprofundadas acerca da família propríetária e da empresa não é fácil de se conseguir, seja porque a reconstituição do percurso profissional, escolar e empresarial de todos os membros muitas vezes foge à memória do informante, seja porque essas indagações correm o risco de parecer ao respondente impertinentes e desnecessárias.

Apesar dessas limitações, o exame das respostas às questões relativas aos trunfos de titulação escolar, de experiência técnica e/ou comercial dos fundadores e dos herdeiros, às alterações no quadro societário e o desdobramento dos interesses econômicos da família em outras empresas ou investimentos vários autorizou a análise que segue.2 2 Afora algumas evidências nas quais as incidências numéricas aparecem mencionadas, o estilo de análise vem despojado de menções a casos concretos, uma ver que se deu preferência à captação de traços típicos a partir da leitura do conjunto do material.

Quando se compulsa a listagem de nomes e a indicação de nacionalidade dos fundadores das empresas da amostra, não é de estranhar a grande incidência de nomes sírio-libaneses, israelitas e italianos. Na medida em que um bom número das grandes tecelagens formadas ao longo da Primeira República era de italianos e que prevalecia, segundo observou Dean,3 3 Warren Dean (A industrialização de São Paulo. São Paulo, Difel, 1971) está entre os que apontam as "preferências" ou as atitudes de "proteção" por meio das quais imigrantes de determinada nacionalidade ou etnia encontravam mais facilmente emprego de promoção em fábricas de pessoas de sua nacionalidade ou grupo étnico. As observações de Clark S. Knowlton a esse respeito, relativamente aos sírios e libaneses, são as mesmas (cf. Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo, Anhambi, 1960). uma disposição positiva dos grandes industriais de origem italiana em dar emprego a técnicos e operários chegados da Itália, talvez se possa dizer que o trunfo principal dos italianos que começaram com seus pequenos negócios entre 1930 e 1950 seja de pessoas que trouxeram alguma competência técnica do estrangeiro, trabalharam em tecelagens e a seguir iniciaram seu negócio próprio.

Já os sírio-libaneses e os judeus ingressaram mais freqüentemente a partir de uma experiência comercial amealhada no comércio ambulante e estabelecido. De qualquer modo, para todos eles a oportunidade de uma posição de patrão parece ter sido possível antes mesmo da iniciativa da abertura das empresas que foram objeto de investigação. Para 32 empresas em relação às quais se tem informações acerca do estatuto profissional de seus fundadores, consta que em dois terços dos casos (ou 21 empresas) os seus fundadores já vinham da condição de sócios ou proprietários em outros negócios.4 4 A amostra original da pesquisa, para o setor têxtil, compunhase de 130 casos; destes, apenas 49 foram objeto de entrevistas, posto que, por circunstâncias previsíveis - tais como mudança de cidade, alijamento do mercado ou dissolução por qualquer motivo, ou ainda por "desaparecimento" puro e simples de qualquer registro ou fonte - não se localizaram as demais unidades amostrais. Essas unidades amostrais haviam sido selecionadas para um estudo acerca da pequena e média empresa têxtil pelo grupo de pesquisas do Projeto DELFT, da Faculdade de Economia e Administração da USP. Dentre estes últimos, praticamente todos (20 casos) haviam justamente sido donos ou sócios de empresas têxteis, subdividindo-se entre os que mantiveram essas empresas anteriores no Brasil (13 casos) e os demais, que foram donos ou sócios no ramo, mas em seus países de origem, ou em algum país estrangeiro.

Retomando as experiências anteriores desses fundadores, numa tentativa de ponderar o tipo de trunfos que reuniam para a iniciativa industrial, observa-se que a condição mais freqüente é a de técnico, isto é, que se trata de gente com trunfos mais técnicos que comerciais, trunfos esses que estariam acima daqueles que um operário pudesse apresentar. Segundo a classificação que se adotou, são 11 (entre 36 empresários fundadores), os que foram apontados como reunindo antecedentes de experiência em produção (adquiridos na escola e/ou na prática) que permitissem ser classificados como "técnicos", aí incluídos os que dispunham de títulos de engenheiros. A eles juntam-se cinco outros que começaram como operários têxteis e oito que podem ser definidos como artesãos europeus que se transferiram ao país. Os que ingressaram na produção partindo de posições no comércio foram relativamente poucos, apenas cerca de 20% dos casos; neles, a passagem do comércio à indústria foi feita mais comumente pelos que já haviam acumulado a ponto de transacionar no atacado, o que obviamente supõe capital inicial de maior vulto do que dispõe o comerciante varejista. Os casos de empresas sobre cujos fundadores não se pode assinalar nenhuma inserção anterior no têxtil são apenas cinco.

Por fim, considere-se que a grande maioria (70%) das empresas com percurso reconstituído era bastante antiga (fundação até 1950), uma vez que se conhece o caráter recente da industrialização do país.

Esse dado é trazido em apoio aos anteriores a fim de reforçar o argumento de que o têxtil é um setor que apresenta um empresariado mais enraizado do que outros âmbitos da produção industrial. Em um país no qual a industrialização ainda é relativamente recente e no qual as descontinuidades do desenvolvimento impõem a constituição de ramos industriais em curtos espaços de tempo, essa circunstância particularizante deve ser mencionada e, uma vez associada à questão da transmissão do patrimônio, deve trazer subsídios para o entendimento da continuidade do pequeno empreendimento.

Uma vez que uma boa parte dessas empresas sobreviventes foi fundada nos anos 40, ou mesmo antes, ocorreu que entre os anos 60 e 70 muitas delas tivessem de receber uma segunda geração de empresários para suceder aos fundadores que se aposentavam ou morriam. Os depoimentos obtidos dos herdeiros desses fundadores salientam que eles foram desde crianças, muito comumente, envolvidos na empresa dê tal modo que dar continuidade a ela lhes aparecia como a mais "natural" decisão. Tudo se passa como se imperasse uma irresistível "vocação" ao ramo, reforçada pelo fato de que esses herdeiros de hábito se casam com filhas do pequeno empresariado, em particular do mesmo setor.5 5 Os dados sobre a ocupação dos sogros dos atuais responsáveis pelas empresas observadas, que permitem inferir acerca das orientações de reprodução dessa fração do pequeno empresariado, indicam que mais freqüentemente os melhor posicionados (empresas melhor implementadas e maiores em tamanho), que são as tecelagens, casaram-se quase sempre dentro de sua classe - o pequeno e médio empresariado - e, na metade das ve2es conhecidas, com filhos de empresários têxteis. No caso dos donos cie malharias, que no grupo são unidades menores, cujos proprietários estão mais próximos do estilo de vida e do padrão de consumo de baixa classe média, a maior incidência de casamentos é com empregados não-manuais. Apesar das lacunas que a censura provoca nas perguntas acerca dos negócios e interesses dos sogros de empresários (conseguiu-se a informação em apenas 50 ou 55% dos casos), as respostas sugerem um intercâmbio razoavelmente intenso de matrimônios dentro da pequena burguesia e no interior do setor. Para dar uma idéia mais concreta da "tranqüilidade" como se deu essa passagem, basta mencionar que em 29 empresas nas quais os fundadores passaram o comando - e o fizeram por força de idade avançada - o acesso de seus filhos aos postos de direção resultou de um percurso profissional exclusivamente na própria empresa da família. Em apenas um caso observou-se um herdeiro que, antes de assumir a empresa dos pais, enfrentou o mercado de trabalho, assalariando-se. Ser "criado na empresa", estar nela "desde sempre" foi a situação mais comum, muito embora os pais fundadores, comportando-se aliás como a totalidade da pequena burguesia urbana, não deixassem de compelir seus filhos à escola, a fim de se munirem de conhecimento administrativo e técnico necessário para responder à expansão e às novas situações de mercado. Em virtude disso, um dos traços que distinguem essa segunda geração da primeira é o nível de escolarização: Entre os pais fundadores, -a metade não foi além da escola elementar, havendo mesmo cerca de 20% de analfabetos, e na outra metade não se registraram mais do que cinco pessoas diplomadas em curso superior. Entre seus filhos, genros e demais agentes que compõem essa segunda geração, a metade declarou ter curso superior e em apenas dois casos se anotou instrução abaixo da secundária.6 6 Knowlton aponta, em fins dos anos 40, uma orientação razoavelmente nítida dos síridos e libaneses em querer para seus filhos uma educação voltada para o comércio. Entre as escolas que, na época, mais recebiam os seus filhos estavam o Liceu do Sagrado Coração de Jesus, próximo à Rua 25 de Março (centro do comércio de tecidos e roupas e de pequenas malharias de sírio-libaneses na cidade de São Paulo), que oferecia cursos diurnos e noturnos de instrução comercial a nível secundário e a preços módicos. Menciona também que no Colégio Mackenzie, onde as matrículas deles aumentaram regularmente a partir de 1906, a especialização mais freqüente era em comércio (op. cit. p. 156-9). Parece haver, a esse respeito, diferença sensível entre os sírios e libaneses, de um lado, e os judeus, de outro, posto que estes com muito mais freqüência encaminham seus filhos para a engenharia, a medicina e outras profissões liberais, e não para a educação comercial stricto sensu. A diferença talvez se explique pelo fato de a comunidade judaica recenseada em 1968 comportar uma fração mais escolarizada que chegou logo após a II Guerra e cujos filhos não tiveram de arcar com a gestão de pequenas empresas tão freqüentemente como o conjunto das novas gerações dos sírios e libaneses.

Sabe-se que a boa orquestração de herdeiros ao comando de empresas familiares depende da correspondência entre a capacidade de geração de receitas - ou melhor, da massa de recursos gerados pela empresa e passível de se converter em remuneração de "diretoria" na época da transmissão - e do número de pretendentes á condição de sucessores, de tal modo que todos eles possam partilhar o comando e auferir remunerações a níveis que não abalem o padrão de consumo pessoal e familiar até então realizado. Ademais, é preciso que funcionalmente, tendo em conta as características e o volume dos equipamentos e as condições gerais de operação da empresa, a subdivisão de postos de comando não comporte superposição entre funções decisórias. Em suma, quando a empresa pode abrigar - em termos de remuneração e em termos de atribuição de funções - a totalidade dos sucessos legais ao patrimônio socialmente definidos como aptos a esse encargo, a tendência será a incorporação de todos os herdeiros. Como a gestão do patrimônio material é socialmente definida, ao nível da burguesia em geral, como encargo masculino, essa tendência se restringe, como regra, aos filhos homens. Mas mesmo em relação a estes, a tendência só se efetiva nos casos em que, ao lado do potencial de absorção da empresa, se verifique a inexistência de alternativas vantajosas, que são tanto mais numerosas quanto maiores as suas possibilidades de titulação escolar e de carreira como gerentes e técnicos profissionais de grandes empresas ou de desgarramento para profissões liberais. Essas possibilidades também se ampliam e compelem os herdeiros para fora da empresa na medida em que à família controle outros negócios ou que, pelo casamento, os herdeiros devam incumbir-se da gestão direta ou indireta de bens e de negócios que passem a possuir por via matrimonial.

A tentativa agora é de sugerir hipóteses, com base nos casos observados, de como vem se dando a transmissão do patrimônio em empresas têxteis, tendo em conta a formulação geral antes apresentada, e de como as características do setor eventualmente particularizam esse processo de sucessão.

Nos casos de empresas que se formam e se desenvolvem como propriedade de um único indivíduo, a transmissão parece não encerrar dificuldades, na medida em que os filhos sâb envolvidos desde muito cedo nas várias tarefas de controle, para não falar nos muitos casos em que operam diretamente as máquinas, junto com seus pais. Quando, ao contrário, a empresa é uma sociedade de dois ou três indivíduos que somaram recursos para sua fundação ou para sua expansão posterior, a proximidade da sucessão oferece a ameaça de conflito entre os sucessores de cada fundador. Nesse caso, aproveitam-se fases negativas de merdado para propor e encaminhar a separação, não sendo raro que o principal dentre os sócios - aquele cujos filhos, por força disso, sustentem ambições mais elevadas quanto ao controle da empresa - vá montando ao longo do tempo reservas para comprar as quotas-partes de seu(s) associado(s), de modo a evitar por antecipação um confronto que fatalmente acontecerá. Aciona-se ainda a alternativa de dissolver a sociedade, dividindo-se o equipamento entre os sócios proprietários, procedimento esse que é favorecido no setor têxtil, em particular na tecelagem, pelo fato de o equipamento ser divisível. Assim, separar uma sociedade que opera uma tecelagem é fácil na medida em que, dividindo-se as máquinas, cada sócio pode sem custos elevados nem preparação adicional demorada, recomeçar a operá-la de imediato, dando nascimento a duas ou mais firmas individuais. Existe ainda a possibilidade (alternativa tanto para firmas individuais como para sociedades) de organizar, sob a forma de empresas autônomas, frentes novas de trabalho que a lógica da concorrência impõe à empresa enfrentar, tais como a corretagem de matéria-prima, a venda de seus produtos, o fornecimento de bens intermediários (como fios, pigmentos etc.) e assim por diante.

Essa lógica certamente responde em alguma parte pelo fato, tão comum nos casos de empresas em que algum sócio haja se desligado, de que ele tenha passado a proprietário de outra empresa do ramo. Nos 10 casos de tecelagens em que houve saída de sócios, os remanescentes informam que eles continuam proprietários no setor têxtil. E talvez isso também explique que a maioria dos irmãos dos empresários de segunda geração estejam envolvidos nas empresas legadas pelos pais, ou, quando não, na situação mais freqüente de sócios proprietários em empresas do setor, não raro prestando serviços para a firma da família.

Como os produtos de vestuário pessoal e de uso doméstico são comprados mais por mulheres do que por homens e a maior parte do esforço mercadológico está dirigido ao público feminino, a participação de mulheres na gestão empresarial, nesse setor, é maior do que nos demais. Essa participação se orienta por alocá-las à tarefas e aos postos ligados à percepção e interferência nas "tendências" da moda e ao contato direto com a consumidora. As afinidades advindas da condição feminina comum também favorecem no trato com tecelãs e costureiras de fábrica e a domicilio e com as vendedoras de porta a porta que muitas confecções ainda utilizam. Em resumo, essas afinidades tornam as esposas, filhas, noras e demais parentas de empresários têxteis, candidatas a estilistas, a gerentes comerciais ou encarregadas de lojas e, não raro, a supervisoras de produção e responsáveis pela modelagem. E uma circunstância que aumenta o potencial de gestão a ser recrutado no interior das famílias proprietárias e que resulta nos inúmeros casos em que maridos e mulheres, pais e filhas, ou sogros e noras trabalham conjuntamente.

Uma conseqüência que parece advir da incorporação mais fácil da mulher à empresa, nesse ramo, é que, com o envolvimento "de pai e mãe", a "propensão" de filhos e filhas a freqüentar a loja e a oficina também aumenta, o que se traduz numa estadia mais cotidiana e na aceitação de incumbências mais absorventes.

Supõe-se, assim, uma diferença do têxtil em relação a outros ramos industriais nos quais as mulheres das famílias proprietárias estão confinadas a um mundo doméstico sem abertura para o controle da propriedade e para a tomada de decisões. Ou, quando decidem gerar um espaço de trabalho próprio, têm de fazê-lo no domínio das profissões liberais. Nos ramos industriais "rnasculinos" a regra vigente de interdição do trabalho ativo da mulher só é rompida em casos extremos de falta de sucessores homens. É uma falta, enfim, que pode ser dada tanto pela ausência, ou pela incapacidade legal de filhos homens, ou ainda por uma condição de celibato ou viuvez da herdeira, segundo uma casuística que se observa nas reportagens que pretendem celebrar as "investidas" femininas no "mundo dos negócios", contando as condições em que elas tiveram de se pôr à frente dos interesses familiares e que no geral são condições de "emergência".7 7 O leitor interessado que consulte, em revistas "de negócios", reportagens que volta e meia se publicam sobre mulheres "executivas" e observe os fatores comuns que foram decisivos para que assumissem poder decisório. Para melhor configurar o caso do têxtil e, em particular, das confecções, deve-se lembrar que não raro é o "negócio" da mulher que atrai c marido, na medida em que é ela quem reúne de início experiência técnica e comercial sobre o ramo via leitura de revistas de moda e comércio de roupas a domicílio. Do comércio de roupas em casa para a abertura de uma butique em rua ou centro comercial e, a partir daí, para o desenho e a fabricação através de empreitadas a costureiras a domicílio, o trajeto é curto, como foi mostrado por Alice Rangel de Paiva Abreu em O trabalho industrial a domicílio na indústria de confecções (tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da FFLCH/USP. São Paulo, 1980, mimeogr. ).

Nas estratégias de sucessão na pequena empresa parece valer um princípio de incorporação precoce dos filhos à empresa, já por ocasião da adolescência. Na medida em que suas mães, mais freqüentemente do que em outros ramos da indústria de transformação, partilham atividades na firma, é de supor-se que enquanto crianças eles estejam mais próximos da oficina, da fábrica e da loja. Nesse convívio progressivo, certamente fortalecido nos casos em que o estabelecimento e a casa coincidem no mesmo prédio ou no mesmo quarteirão, vão os sucessores assumindo tarefas progressivamente. Esse envolvimento, que não chega a perturbar um percurso escolar prolongado,8 8 Lembre-se que no enorme crescimento de matrículas de nível superior em todo o país entre 1960 e 1975, parcela substancial das vagas foi oferecida em cursos noturnos, que não prejudicam a dedicação em tempo integral à empresa, posto que são cursos comumente pouco exigentes de esforço. parece consolidar-se por ocasião da diplomação em um curso de contabilidade ou de economia e administração, que é o momento em que o herdeiro é contemplado com um posto formal de diretor, ou, melhor dito, é investido de poderes mais amplos no comando de alguma "parte" do negócio, seja a direção da produção, a administrativa ou a comercial. Na medida em que esse momento ocorre nas proximidades da aposentadoria do pai, a saída deste é preparada com a transferência de uma parte das ações ao filho que assume. Trata-se de uma quota inicialmente simbólica - 1%, 2%, 5% do capital social - mas que assegura responsabilidade perante terceiros e direito a pronunciar-se como sócio nas questões decisivas. Na medida em que essas quotas do capital social são distribuídas, ainda que em proporções irrelevantes, a cada um dos filhos que o pai conseguiu envolver na gestão da empresa, o ingresso legal passa a reforçar o ingresso de fato. A partir daí pode o pai ir delegando responsabilidades e aferir o desempenho de cada filho ou genro, de modo a manter um clima de competição e assegurar a lealdade de todos à firma. Assim, preserva o pai para si durante a velhice uma posição de decisão em última instância na empresa que construiu e se resguarda de uma margem de liberdade para decidir qual filho deverá ser contemplado com a maior parte das ações e qual outro será compensado com demais haveres nas partilhas igualitárias que a lei civil estabelece. São relativamente comuns as menções afetivas dos herdeiros já á testa do negócio acerca da presença diária do velho pai na empresa, de sua chegada "antes de todo mundo" e de seu "conhecimento sobre tudo o que se passa". Caberia investigar os pontos de compatibilidade entre essas práticas que asseguram lealdade e empenho dos herdeiros com os requisitos do direito comercial que impõem o alargamento do número de sócios como condição para a alteração da forma legal de sociedade e, a partir daí, para a ampliação de sua capacidade financeira e de endividamento. Estendendo-se essa pesquisa, também seria importante averiguar que vantagens tributárias decorrem da transmissão do patrimônio com o titular ainda vivo comparativamente ao que índice na passagem post-mortem. Na falta desse estudo, a hipótese provisória é a de que a incorporação dos herdeiros com sócios e, daí, o alargamento do quadro societário até a transmissão total das quotaspartes paternas aos filhos antes da morte dos "velhos" seja também funcional para a ampliação do raio do negócio (via aporte de capital e aumento da capacidade de endividamento) e econômica em termos de redução de mpostos sobre transmissão de patrimônio.

Outro recurso que o pai pode acionar é o deslocamento de recursos gerados pela empresa para investimentos em imóveis de aluguel, de modo a prover ou completar o seu sustento de aposentado com rendas de outra fonte, que lhe permitam afastar-se por completo da empresa sem precisar fazer retiradas da caixa da firma para seu sustento pessoal. Nesse sentido, o fator de descapitalização do setor têxtil implicado em investimentos imobiliários9 9 Investimentos em imóveis residenciais ou comerciais foram mencionados na questão relativa aos interesses econômicos da família fora da empresa por um quarto dos empresários consultados, mas é possível que estejam subestimados. De todo modo, sabe-se que a conversão de lucros em imóveis é uma expressão mais ou menos generalizada da orientação patrimonialista da pequena burguesia. Eísa orientação é muito compreensível quando se sabe que o património imobiliário pode ser usado como garantia de empréstimos a juros módicos em bancos oficiais de apoio à indústria. não se prenderia exclusivamente a um diferencial de rentabilidade aferido racionalmente pelos agentes, como quer o raciocínio econômico restrito, mas remeteria também de algum modo a certos momentos do ciclo da vida pessoal na classe proprietária e a uma lógica de acomodação de interesses intrafamiliares que somente estudos de caso poderiam explorar em maior profundidade.

Ademais, a difusão extremamente rápida de fundos de poupança com garantia legal de um rendimento mínimo capaz de resguardar o poder aquisitivo do capital inicial empregado - a correção monetária - reforça a predisposição do pequeno empresário nas conjunturas difíceis de mercado a pensar relativamente, ponderando os ricos e os desgastes da pessoa e do capital empregados na condução da empresa com os retornos econômicos e com o lazer propiciados por sua conversão em passivo investidor de fundos controlados por terceiros. Na medida em que a difusão desses fundos coincide no tempo com dificuldades de mercado associadas tanto a distúrbios climáticos que perturbaram a sazonalidade esperada para a renovação de modelos e estoques, com pressões monopolísticas de preço sobre a matéria-prima e/ou com elevações súbitas no preço da força de trabalho derivadas da legislação trabalhista, aguça-se a disposição a não reinvestir na empresa.

O inegável movimento de concentração do capital em têxteis e confecções não deixa margem a dúvidas quanto às dificuldades progressivas de instalação e sobrevivência de pequenas empresas, sobretudo nos últimos 10 anos.10 10 Embora sabidamente menos concentrado que outros ramos industriais como o mecánico-metalúrgico ou o eletro-eletrônico, o têxtil vem passando por forte movimento de concentração, sobretudo na última década, em que se verificou larga importação de equipamentos novos e padronização relativa do tecido para vestuário (os jeans de algodão, em especial). Das 4.901 empresas têxteis existentes no país em 1980, o restrito grupo das grandes (n =514) respondeu por 83,5% da receita; mesmo tomando-se o sub-ramo menos concentrado no interior do têxtil -o de malharia e fios elásticos - o descompasso entre unidades e geração de receita e flagrante: em 1980 as 62 empresas classificadas como grandes (4% do total de empresas) arrecadaram 63% da receita total do seu setor. No ramo de confecções, o número de estabelecimentos vinha crescendo bastante até 1970, mas estancou-se e mesmo declinou no quadriénio seguinte: entre 1970 e 1973 os estabelecimentos de confecção reduziram-se em 24%, enquanto o pessoal neles ocupado aumentou nada menos de 41,7%. Dados recolhidos do estudo citado Inovação tecnológica e acumulação de capital na pequena e média empresa de Alice Rangel de Paiva Abreu. (op. cit. p. 120) - dados relativos às confecções.

Todavia, o impacto dessa força de exclusão sobre a pequena burguesia do setor suscita movimentos contrários de resistência e de acomodação que só são devidamente compreendidos quando se levam em conta as condições de formação desse segmento social e as alternativas que se abrem dentro do próprio espaço da produção têxtil e de confecções em razão do ritmo e das formas de avanço do oligopólio.

A análise aqui desenvolvida indicou que o pequeno empresariado têxtil se particulariza por maior antigüidade (relativamente a outros setores industriais) e por um perfil de divisão do trabalho no qual a mulher tem participação ativa na gestão dos negócios mais freqüentemente do que em outros setores, e os filhos, um envolvimento muito precoce com a operação da firma da família. O exame das alianças matrimoniais mostrou, por sua vez, que os casamentos no interior do setor - isto é, entre empresários do ramo - também são freqüentes, fato que exprime indiretamente a circunstância de algumas minorias de imigrantes terem-se implantado significativamente na produção de tecidos e roupas, de tal modo que as "preferências" matrimoniais dentro do setor e dentro da comunidade étnica tendiam (e ainda tendem) a sobrepor-se em muitos casos. Em conseqüência, o pequeno empresariado aí não pode ser concebido como um aglomerado de famílias sem relação entre si, dispostas a abandonar o setor quando as vendas e a rentabilidade periclitam; ao contrário, é lícito caracterizá-lo como uma complicada rede de famílias que comumente compartilham interesses em empresas situadas em pontos diversos do processo de produção e de comercialização. A hipótese que tais evidências sugere é de que essas redes de parentesco (ampliadas pelas de lealdade étnica) operam no sentido de fazer convergir ou facilitar a continuidade no ramo de empresários que tenham sofrido algum revés. E isso mediante o tráfico de informações entre parentes, amigos, ex-sócios etc, acerca de que gêneros de atividades ou produtos podem apresentar melhores oportunidades de lucro, para não falar de outras modalidades de ajuda que no fim das contas levam ao mesmo efeito.

Foram mencionadas algumas particularidades do setor que facilitam esse trânsito de iniciativas, de pessoas e de capitais, ou seja, que alimentam intermitentemente a esperança de consolidar uma empresa própria. São elas a alta divisibilidade da maquinaria têxtil (ou seja, o fato de não se tratar de uma produção integrada), a existência de um amplo mercado local e regional de máquinas usadas e a possibilidade de movimentar uma pequena empresa mobilizando trabalhadores a domicílio ou subempreitando parte da produção em épocas de aquecimento do mercado. As costureiras a domicílio, para as confecções, os tecelões autônomos (façonistas) para as tecelagens, são repositórios de força de trabalho e de instrumentos de trabalho que deprimem as exigências de capital inicial para abrir uma firma.11 11 As costureiras industriais a domicílio predominam fartamente sobre as empregadas diretamente nas unidades fabris do setor (quase na base de cinco para uma). Fagonistas em definição sumária são ex-operários tecelões que conseguiram adquirir teares usados e os operam em galpões próprios ou alugados, prestando serviços de tecelagem para outras empresas que dispõem de fios, ganhando por metro tecido e empregando comumente mulher, filhos e uns poucos assalariados. Eles concentram-se na cidade de Americana, no estado de São Paulo. Mais recentemente, a costura industrial a domicílio vem sendo atividade básica de boa parcela dos imigrantes coreanos em situação de clandestinidade na cidade de São Paulo. São famílias inteiras que, alojadas em porões, costuram para confeccionistas de zonas mais populares, comumente também coreanos, mas com situação pessoal legalizada e capazes, por isso, de abrir loja. Segundo estimativas da crônica jornalística, seriam umas 5 ou 6 mil pessoas envolvidas nessa atividade diuturna de costura, por volta de 1980/81. Caberia completar mencionando o declínio histórico do comércio atacadista em benefício do varejista (especialmente entre 1950 e 1970), que gerou um enorme espaço para a abertura de lojas e butiques12 12 Entre 1950 e 1970, os estabelecimentos comerciais varejistas de tecidos e roupas no Brasil saltaram de 30 para 75 mil e o valor neles negociado aumentou de Cr$ 1,3 bilhão para Cr$ 4 bilhões; no atacado, ao contrário, a situação estagnou-se: 2.369 estabelecimentos em 1950 e 2.448 estabelecimentos em 1970, com queda no valor negociado de CrJ 1,4 bilhão para Cr$ 1,1 bilhão. São dados extraídos dos censos comerciais e apresentados por: Merege, L.C. & Hamburger, P.L. Investimento externo e tendência oligopolistica no comércio interno brasileiro (um diagnóstico preliminar). São Paulo, EAESP/FGC, 1982, 2 v. mimeogr. Esse desenvolvimento do varejo tem por suporte a urbanização, a melhoria dos transportes, a "sofisticação" do consumo e a própria reação dos pequenos industriais em. contornar o poder econômico das grandes cadeias varejistas, e serve para que um grande número de pessoas adquira domínio das "preferências" do consumidor e se abalance a abrir sua própria confecção.

Por força desses fatores, surgem alternativas várias ao pequeno capitalista têxtil nos momentos de contração dó mercado, que implicam reduzir ou desativar sua atividade como industrial estabelecido e patrão direto de toda a força de trabalho que consome, sem contudo deixar de "manter um pé" no setor. Entre essas alternativas podem arrolar-se: o aluguel ou a venda de suas máquinas e, a partir daí, sua conversão a corretor de máquinas usadas; a corretagem de estoques ociosos de fios, peças e demais insumos; o retomo ao trabalho de mascateação em cidades do interior ou em bairros populares; a corretagem de força de trabalho entre proprietários de tecelagens e tecelões façonistas; o mesmo entre confecções e costureiras a domicílio-, a invenção ou a pirataria de uma marca não-registrada no mercado, com a passagem a uma produção clandestina em pequena escala; a exploração de algum serviço comercial rentável na imprensa têxtil e de moda, na organização de vitrines, na montagem de redes invisíveis de varejo, tais como as mulheres que vendem em suas próprias casas,13 13 São elas conhecidas no ramo por "sacoleiras". A crônica do meio sugere que são mulheres de extração social muito variada que vendem junto à sua rede de amizade e vizinhança, constituindo canal de concorrência "desleal" em relação ao comerciante estabelecido, mas proporcionando com sua atividade clandestina ou semiclandestina ponderável economia de custos de venda ao pequeno ou médio confeccionista. e tantas outras modalidades que só a vivência diária no ramo permitira arrolar exaustivamente.

Talvez sejam esses vínculos familiares, próximos ou distantes, e as inúmeras oportunidades de lucro que se abrem com a diversificação interna do setor, com seus "bicos", corretagens, passagens da população ao comércio e vice-versa, e fatores afins que expliquem uma referência mágica observável na crônica de industriais, comerciantes e estilistas: a de que o têxtil possuiria um enorme poder de enredamento, uma espécie de "vírus" que inocularia todo aquele que alguma vez houvesse trabalhado no setor, jamais o- deixando totalmente.

A argumentação aqui desenvolvida acerca da divsão familiar do trabalho no interior de famílias proprietárias de pequenas empresas têxteis como tecelagens e confecções e das condições concretas de organização da transmissão do patrimônio e da gestão empresarial tem a ver, entre outras inspirações, com preocupações de captar o social no discurso naturalizador da génese das "vocações". Nessa linha, servem de fonte os inúmeros trabalhos desenvolvidos por Pierre Bourdieu e sua equipe nos domínios da antropologia cultural e da sociologia da educação e da cultura, e que o levaram a cunhar o conceito de habitus como construção que se situa na interseção entre as práticas dos agentes e as determinações da estrutura. Muito embora o acesso às implicações mais profundas do habitus de um grupo de agentes dependa de uma mtimidade bastante acentuada com o cotidiano dos agentes ou de reconstituições de carreiras muito pormenorizadas, pareceu ao autor que pensar conjugadamente as propriedades sociais dos industriais "pioneiros", os influxos de conjuntura da economia e do ramo têxtil, as particularidades técnicas da produção e os arranjos institucionais relativos à transmissão do patrimônio seria um meio para evitar dois erros muito comuns na análise da pequena burguesia industrial, de seu presente e de seu futuro na sociedade de classes: o viés "schumpeteriano", cujo repertório ideológico se esgota na celebração do êxito do estrangeiro "ambicioso" e "trabalhador", e o viés do marxismo vulgar, que atribui um efeito por demais avassalador sobre a pequena propriedade e sobre o estatuto social da pequena burguesia e de seus descendentes ao processo de concentração do capital e de oligopolização da produção na indústria:

  • 1 Esse estudo leva o nome oficial, mas provisório, de Inovação tecnológica e acumulação de capital na pequena e média empresa (EAESP/FGV, junho, 1983, 4 v., mimeogr.
  • 3 Warren Dean (A industrialização de São Paulo. São Paulo, Difel, 1971) está
  • 7 O leitor interessado que consulte, em revistas "de negócios", reportagens que volta e meia se publicam sobre mulheres "executivas" e observe os fatores comuns que foram decisivos para que assumissem poder decisório. Para melhor configurar o caso do têxtil e, em particular, das confecções, deve-se lembrar que não raro é o "negócio" da mulher que atrai c marido, na medida em que é ela quem reúne de início experiência técnica e comercial sobre o ramo via leitura de revistas de moda e comércio de roupas a domicílio. Do comércio de roupas em casa para a abertura de uma butique em rua ou centro comercial e, a partir daí, para o desenho e a fabricação através de empreitadas a costureiras a domicílio, o trajeto é curto, como foi mostrado por Alice Rangel de Paiva Abreu em O trabalho industrial a domicílio na indústria de confecções (tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da FFLCH/USP. São Paulo, 1980, mimeogr.
  • 12 Entre 1950 e 1970, os estabelecimentos comerciais varejistas de tecidos e roupas no Brasil saltaram de 30 para 75 mil e o valor neles negociado aumentou de Cr$ 1,3 bilhão para Cr$ 4 bilhões; no atacado, ao contrário, a situação estagnou-se: 2.369 estabelecimentos em 1950 e 2.448 estabelecimentos em 1970, com queda no valor negociado de CrJ 1,4 bilhão para Cr$ 1,1 bilhão. São dados extraídos dos censos comerciais e apresentados por: Merege, L.C. & Hamburger, P.L. Investimento externo e tendência oligopolistica no comércio interno brasileiro (um diagnóstico preliminar). São Paulo, EAESP/FGC, 1982, 2 v. mimeogr.
  • 1
    Esse estudo leva o nome oficial, mas provisório, de
    Inovação tecnológica e acumulação de capital na pequena e média empresa (EAESP/FGV, junho, 1983, 4 v., mimeogr. ). Foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Grupo de Estudos de Pequena e Média Empresa), e centrou-se no exame de dois ramos bera definidos da produção industrial: o têxtil e o de autopeças.
  • 2
    Afora algumas evidências nas quais as incidências numéricas aparecem mencionadas, o estilo de análise vem despojado de menções a casos concretos, uma ver que se deu preferência à captação de traços típicos a partir da leitura do conjunto do material.
  • 3
    Warren Dean
    (A industrialização de São Paulo. São Paulo, Difel, 1971) está entre os que apontam as "preferências" ou as atitudes de "proteção" por meio das quais imigrantes de determinada nacionalidade ou etnia encontravam mais facilmente emprego de promoção em fábricas de pessoas de sua nacionalidade ou grupo étnico. As observações de Clark S. Knowlton a esse respeito, relativamente aos sírios e libaneses, são as mesmas (cf.
    Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo, Anhambi, 1960).
  • 4
    A amostra original da pesquisa, para o setor têxtil, compunhase de 130 casos; destes, apenas 49 foram objeto de entrevistas, posto que, por circunstâncias previsíveis - tais como mudança de cidade, alijamento do mercado ou dissolução por qualquer motivo, ou ainda por "desaparecimento" puro e simples de qualquer registro ou fonte - não se localizaram as demais unidades amostrais. Essas unidades amostrais haviam sido selecionadas para um estudo acerca da pequena e média empresa têxtil pelo grupo de pesquisas do Projeto DELFT, da Faculdade de Economia e Administração da USP.
  • 5
    Os dados sobre a ocupação dos sogros dos atuais responsáveis pelas empresas observadas, que permitem inferir acerca das orientações de reprodução dessa fração do pequeno empresariado, indicam que mais freqüentemente os melhor posicionados (empresas melhor implementadas e maiores em tamanho), que são as tecelagens, casaram-se quase sempre dentro de sua classe - o pequeno e médio empresariado - e,
    na metade das ve2es conhecidas, com filhos de empresários têxteis. No caso dos donos cie malharias, que no grupo são unidades menores, cujos proprietários estão mais próximos do estilo de vida e do padrão de consumo de baixa classe média, a maior incidência de casamentos é com empregados não-manuais. Apesar das lacunas que a censura provoca nas perguntas acerca dos negócios e interesses dos sogros de empresários (conseguiu-se a informação em apenas 50 ou 55% dos casos), as respostas sugerem
    um intercâmbio razoavelmente intenso de matrimônios dentro da pequena burguesia e no interior do setor.
  • 6
    Knowlton aponta, em fins dos anos 40, uma orientação razoavelmente nítida dos síridos e libaneses
    em querer para seus filhos uma educação voltada para o comércio. Entre as escolas que, na época, mais recebiam os seus filhos estavam o Liceu do Sagrado Coração de Jesus, próximo à Rua 25 de Março (centro do comércio de tecidos e roupas e de pequenas malharias de sírio-libaneses na cidade de São Paulo), que oferecia cursos diurnos e noturnos de instrução comercial a nível secundário e a preços módicos. Menciona também que no Colégio Mackenzie, onde as matrículas deles aumentaram regularmente a partir de 1906, a especialização mais freqüente era em comércio (op. cit. p. 156-9). Parece haver, a esse respeito, diferença sensível entre os sírios e libaneses, de um lado, e os judeus, de outro, posto que estes com muito mais freqüência encaminham seus filhos para a engenharia, a medicina e outras profissões liberais, e não para a educação comercial
    stricto sensu. A diferença talvez se explique pelo fato de a comunidade judaica recenseada em 1968 comportar uma fração mais escolarizada que chegou logo após a II Guerra e cujos filhos não tiveram de arcar com a gestão de pequenas empresas tão freqüentemente como o conjunto das novas gerações dos sírios e libaneses.
  • 7
    O leitor interessado que consulte, em revistas "de negócios", reportagens que volta e meia se publicam sobre mulheres "executivas" e observe os fatores comuns que foram decisivos para que assumissem poder decisório. Para melhor configurar o caso do têxtil e, em particular, das confecções, deve-se lembrar que não raro é o "negócio" da mulher que atrai c marido, na medida em que é ela quem reúne de início experiência técnica e comercial sobre o ramo via leitura de revistas de moda e comércio de roupas a domicílio. Do comércio de roupas em casa para a abertura de uma butique em rua ou centro comercial e, a partir daí, para o desenho e a fabricação através de empreitadas a costureiras a domicílio, o trajeto é curto, como foi mostrado por Alice Rangel de Paiva Abreu em
    O trabalho industrial a domicílio na indústria de confecções (tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da FFLCH/USP. São Paulo, 1980, mimeogr. ).
  • 8
    Lembre-se que no enorme crescimento de matrículas de nível superior em todo o país entre 1960 e 1975, parcela substancial das vagas foi oferecida em cursos noturnos, que não prejudicam a dedicação em tempo integral à empresa, posto que são cursos comumente pouco exigentes de esforço.
  • 9
    Investimentos em imóveis residenciais ou comerciais foram mencionados na questão relativa aos interesses econômicos da família fora da empresa por um quarto dos empresários consultados, mas é possível que estejam subestimados. De todo modo, sabe-se que a conversão de lucros em imóveis é uma expressão mais ou menos generalizada da orientação patrimonialista da pequena burguesia. Eísa orientação é muito compreensível quando se sabe que o património imobiliário pode ser usado como garantia de empréstimos a juros módicos em bancos oficiais de apoio à indústria.
  • 10
    Embora sabidamente menos concentrado que outros ramos industriais como o mecánico-metalúrgico ou o eletro-eletrônico, o têxtil vem passando por forte movimento de concentração, sobretudo na última década, em que se verificou larga importação de equipamentos novos e padronização relativa do tecido para vestuário (os
    jeans de algodão, em especial). Das 4.901 empresas têxteis existentes no país em 1980, o restrito grupo das grandes
    (n =514) respondeu por 83,5% da receita; mesmo tomando-se o sub-ramo menos concentrado no interior do têxtil -o de malharia e fios elásticos - o descompasso entre unidades e geração de receita e flagrante: em 1980 as 62 empresas classificadas como grandes (4% do total de empresas) arrecadaram 63% da receita total do seu setor. No ramo de confecções, o número de estabelecimentos vinha crescendo bastante até 1970, mas estancou-se e mesmo declinou no quadriénio seguinte: entre 1970 e 1973 os estabelecimentos de confecção reduziram-se em 24%, enquanto o pessoal neles ocupado aumentou nada menos de 41,7%. Dados recolhidos do estudo citado
    Inovação tecnológica e acumulação de capital na pequena e média empresa de Alice Rangel de Paiva Abreu. (op. cit. p. 120) - dados relativos às confecções.
  • 11
    As costureiras industriais a domicílio predominam fartamente sobre as empregadas diretamente nas unidades fabris do setor (quase na base de cinco para uma). Fagonistas em definição sumária são ex-operários tecelões que conseguiram adquirir teares usados e os operam em galpões próprios ou alugados, prestando serviços de tecelagem para outras empresas que dispõem de fios, ganhando por metro tecido e empregando comumente mulher, filhos e uns poucos assalariados. Eles concentram-se na cidade de Americana, no estado de São Paulo. Mais recentemente, a costura industrial a domicílio vem sendo atividade básica de boa parcela dos imigrantes coreanos em situação de clandestinidade na cidade de São Paulo. São famílias inteiras que, alojadas em porões, costuram para confeccionistas de zonas mais populares, comumente também coreanos, mas com situação pessoal legalizada e capazes, por isso, de abrir loja. Segundo estimativas da crônica jornalística, seriam umas 5 ou 6 mil pessoas envolvidas nessa atividade diuturna de costura, por volta de 1980/81.
  • 12
    Entre 1950 e 1970, os estabelecimentos comerciais varejistas de tecidos e roupas no Brasil saltaram de 30 para 75 mil e o valor neles negociado aumentou de Cr$ 1,3 bilhão para Cr$ 4 bilhões; no atacado, ao contrário, a situação estagnou-se: 2.369 estabelecimentos em 1950 e 2.448 estabelecimentos em 1970, com queda no valor negociado de CrJ 1,4 bilhão para Cr$ 1,1 bilhão. São dados extraídos dos censos comerciais e apresentados por: Merege, L.C. & Hamburger, P.L.
    Investimento externo e tendência oligopolistica no comércio interno brasileiro (um diagnóstico preliminar). São Paulo, EAESP/FGC, 1982, 2 v. mimeogr.
  • 13
    São elas conhecidas no ramo por "sacoleiras". A crônica do meio sugere que são mulheres de extração social muito variada que vendem junto à sua rede de amizade e vizinhança, constituindo canal de concorrência "desleal" em relação ao comerciante estabelecido, mas proporcionando com sua atividade clandestina ou semiclandestina ponderável economia de custos de venda ao pequeno ou médio confeccionista.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1984
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