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Trabalho temporário e política econômica

ARTIGO

Trabalho temporário e política econômica* * Comunicação apresentada ao I Encontro Nacional de Trabalho Temporário, realizado no Rio de Janeiro, em 26-27 de outubro de 1983, sob os auspícios da Associação Profissional das Empresas de Prestação de Serviços Temporários (Asterj).

A. Delorenzo Neto

Professor de sociologia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp); Instituto de Artes do Planalto (campus de São Paulo) e ex-diretor da Escola de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade de São Paulo)

I

De que trata a política econômica? O que contribui para a política econômica?

A política econômica pode ser concebida, na visão pragmática de Kirschen e seus colaboradores - afastadas discussões acadêmicas em tomo da economia do bem-estar - como uma ciência voltada antes para uma formulação de objetivos do que preferencialmente para os fins.1 1 Kirschen, E.G., org. Economic policy in our time. Amsterdã, North-Holland, 1964. 3 v. v. 1, p. 5-7. A política econômica intenta atingir um certo número de fins gerais, e estes dão lugar a um conjunto de objetivos econômicos mais precisamente definidos. Os governos, propondo-se alcançar esses objetivos, empregam uma variedade de instrumentos e tomam certas medidas. O quadro de objetivos aqui proposto resulta de uma análise aprofundada da experiência de nove países do Ocidente: os seis da Comunidade Econômica Européia (Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo e Holanda), Noruega, Inglaterra e EUA. São todos países de economia capitalista ou mista. É claro que para os países a caminho do desenvolvimento ou subdesenvolvimento, onde tanto os objetivos quanto os instrumentos tendem a se diferenciar, as classificações deverão apresentar a correção necessária. Anotemos a sua seqüência:

Tornamos o número de objetivos o menor possível, sujeito a duas condições. Primeiro, foi possível abranger todas as medidas de política econômica sob a rubrica de um ou outro dos vários objetivos. Segundo, nos casos em que achamos que grupos muito diferentes de política almejavam alcançar um mesmo objetivo, subdividimos o objetivo. Por exemplo, achamos que a promoção da concorrência deveria ser separada da promoção de coordenação - mesmo que temiam sido ambas agrupadas no objetivo geral da melhoria da alocação dos fatores de produção. Houve necessidade de mantê-los separados, porque precisaríamos conhecer a importância relativa de cada um nas políticas econômicas dos diversos países. Os objetivos estão divididos em dois grupos: predominantemente de curto prazo e de longo prazo. Isto devido ao interesse em examinar separadamente os vários métodos usados nos diferentes países para combater flutuações cíclicas de curto prazo, e os métodos usados para alcançar políticas econômicas de longa duração. Entretanto, todos os objetivos a curto prazo apresentam aspectos a longo prazo. Por exemplo, o objetivo de manutenção do pleno emprego foi considerado mais como um problema cíclico de curto prazo; mas os governos tiveram também objetivos de pleno emprego de longa duração, reduzindo, por exemplo, o desemprego estrutural. Os objetivos de longo prazo são divididos em maiores e menores. Se, nos anos de nossa observação, a maioria dos países tiveram um objetivo e o consideraram importante, então o classificamos como um objetivo maior - e menor em outro caso.

A simples enumeração acompanhada de breve descrição dos diversos objetivos colimados pelos governos dos países cuja política serviu de base para a análise dos autores de Economic policy in our time2 2 Id. ibid. dá-nos uma idéia da complexidade apresentada por alguns objetivos, principalmente os de longa duração. O problema complicar-se-á mais ainda se considerarmos a interdependência dos objetivos, que poderá conduzir a tensões e incompatibilidades.

A função do bem-estar só será realizada se não houver conflitos entre os objetivos que a constituem. Se não for assim, a coordenação se tornará difícil, mesmo impossível.

Desde os economistas clássicos, todos os especialistas de ciências sociais são unânimes em reconhecer o desenvolvimento econômico como objetivo da política econômica. Ou seja, a necessidade de desenvolver os recursos econômicos; a necessidade de distribuí-los adequadamente; e a suma importância de formular uma política a fim de equacionar o desenvolvimento e a distribuição.

Ensina o eminente Prof. José Francisco de Camargo - titular de política econômica na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo que a compreensão desses problemas numa ótica de globalização deve considerar um elenco de variáveis reais dos níveis de desenvolvimento.3 3 Camargo, Jose Francisco de. Política econômica. São Paulo, Atlas, 1967. p. 105 e segs. Será a única capaz de orientar uma política que vise a transformação de uma realidade econômico-social, no sentido da melhoria de seus padrões mais significativos. Essas variáveis poderão ser implicitamente econômicas, como as demográficas, geoeconômicas, culturais ou institucionais. As variáveis econômicas explícitas podem referir-se aos níveis de rendimento das populações, aos níveis de produtividade, ao nível de industrialização, aos níveis de comércio internacional.

Para a condução de nossas reflexões, vamo-nos deter em algumas dessas variáveis, relacionadas ao nosso contexto brasileiro.

1. Variáveis demográficas. Os analistas estão de acordo em considerar o efetivo populacional, o movimento da população e a sua estrutura como os aspectos gerais mais importantes dessas variáveis. O efetivo populacional representa, sem dúvida, a expressão mais concreta da população total. Mas a quantidade absoluta de população só toma sentido econômico e social quando se encontra relacionada com outros elementos do meio em que se acha localizada. Então, o número de habitantes por quilômetro quadrado, o número de habitantes em relação à área cultivada, ou a relação entre o número de habitantes em uma certa área e os seus rendimentos representam, respectivamente, critérios complementares de cálculo daqueles índices. Mais significativo que a consideração do efetivo demográfico, como variável do desenvolvimento econômico, é o ritmo do seu crescimento, ou seja, o seu movimento. Nessa perspectiva, a população pode ser considerada como variável das mais relevantes no desenvolvimento econômico. Isto é, a população em suas relações com o progresso técnico e com o aumento do capital. Além disso, a população se apresenta como canal de investimentos, portanto, fator de importância primordial. O Prof. Burns, analisando as perspectivas de crescimento no Brasil, coloca o crescimento demográfico como o primeiro fator relevante para a realização daquele processo.4 4 Burns, Arthur E. Comentário sobre as perspectivas de crescimento do Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, p.94,set. 1953. Trata-se, evidentemente, de uma opção teórica. Em termos mais modernos, o que importa é considerar as condições que uma grande população possa ter para atuar com eficácia quer no presente, quer no futuro. Aos fatores meramente econômicos ajuntaremos exigências qualitativas, para determinar realidades ou potencialidades. Só assim os efetivos populacionais poderão se organizar para a preparação do desenvolvimento em situações normais ou de crise. Dessa forma, a variável demográfica será um indicador positivo na medida em que for considerada a qualidade de vida dos complexos demográficos, e sua aptidão ao trabalho através de generalizada e adequada profissionalização. Torna-se inquestionável, nos países a caminho do desenvolvimento, a urgência de formação da mão-de-obra altamente qualificada para o aperfeiçoamento da estrutura e desempenho da indústria; segundo documento divulgado durante o I Congresso Brasileiro da Pequena e Média Empresa, realizado sob os auspícios da Associação Comercial de São Paulo, em 1970, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) incluía em seu Plano Trienal a proposta de criação, na Divisão de Assistência às Empresas, de um setor especialmente destinado ao seu atendimento, pois reconhecia que as pequenas e médias empresas se beneficiam pouco da ação formadora do Senai. Aparecem nelas pontos de estrangulamento, tais como a não-modernização de métodos e técnicas de produção, com utilização de equipamento inadequado e falta de organização racional do trabalho, envolvendo problemas de qualificação de recursos humanos e de assistência tecnológica e gerencial. O total das empresas atingia a cifra de 80.726, com 2.474.385 empregados.5 5 Consultar o Digesto Econômico (edição especial), Anais do I Congresso Brasileiro da Pequena e Média Empresa. Associação Comercial de São Paulo, p. 77, nov. 1979. Não devemos ser tão otimistas a ponto de considerar, como Fourastié, que a civilização no auge do desenvolvimento econômico-social terá 80% de "atividades terciárias", assinalando o fim de um período de transição marcado pela incidência crescente do progresso técnico no processo produtivo.6 6 Fourastié, Jean. A Grande esperança do século XX. Trad. de Fernando dos Santos. São Paulo, Perspectiva, 1971. p. 167 e segs. Pois se devemos, por um lado, aumentar continuamente a proporção da população ativa, por outro é necessário correlacionar sua distribuição com o nível de capacitação técnica. Se baixo for o nível técnico, será lenta a passagem do setor primário aos setores secundário e terciário. Portanto, as variáveis demográficas deverão ser associadas a outros fatores estruturais para conduzir a uma explicação dos desequilíbrios no processo de desenvolvimento.

2. Variáveis institucionais. Teremos de reconhecer que sobre cada necessidade humana se desenvolve uma instituição. Nela transparece a capacidade individual e o modo de ser da sociedade. Cada cultura é uma síntese, senão um agregado, de instituições, cada qual com o seu domínio próprio. A função de cada uma é assentar um padrão de comportamento e fixar uma zona de tolerância para uma atividade ou um conjunto de atividades. As variáveis incidem, pois, pela sua relevância, no potencial de desenvolvimento econômico. Podemos nos referir, nesse plano, ao nível educacional da população e à legislação econômico-social, naqueles aspectos atinentes ao recrutamento de capitais e aplicações da legislação do trabalho, ao regime de apropriação de terras e, ainda, às formas de desenvolvimento do trabalho.

Nesta análise, ganha relevo o significado sociológico das instituições, enquanto unidades reais componentes das culturas, com um grau considerável de permanência, universalidade e independência. Constituem sistemas organizados das atividades humanas, que se integram nos hábitos de um grupo ou nos costumes de um povo.

Apontemos a importância do nível educacional da população e da legislação econômico-social.

No primeiro caso, desejamos referir-nos ao conjunto das condições quantitativas e qualitativas do sistema educacional, em todos os seus graus. Ou seja, o nível do ensino de 1º, 2º e 3º graus, e, especialmente, das instituições destinadas a ministrar o adestramento técnico-científico. A educação representa um investimento na pessoa humana que, certamente, produz uma taxa mais alta de rentabilidade do que qualquer outro tipo de investimento, quer para o indivíduo, quer para a sociedade. Uma oferta insuficiente de capital social, particularmente no campo da educação, pode muito bem ser o mais importante fator de inibição do crescimento da economia - especialmente porque as conseqüências nesse domínio não são mensuráveis ou facilmente exteriorizadas e não recebem o reconhecimento necessário por parte da consciência pública. A qualidade da população trabalhadora se converte em condição essencial na determinação do nível de produtividade de uma economia. Ela envolve fatores históricos e culturais, de ambiente, nível de saúde e educação e da qualidade de liderança. O primeiro requisito para a alta produtividade da mão-de-obra nas condições atuais é que a massa da população seja suficientemente alfabetizada, alimentada e motivada para o trabalho. Portanto, o nível educacional constitui variável extraordinariamente significativa na política econômica.

Apresenta-se, a seguir, não menos relevante, a legislação econômico-social: conjunto de leis ou normas que regem as relações decorrentes das atividades econômicas principais, seja quanto às possibilidades oferecidas, aos investimentos, seja na institucionalização das relações de trabalho ou de apropriação de um fator essencial da produção - a terra. Com efeito, institutos como as sociedades anônimas e a garantia jurídica de seu pleno funcionamento, assim como a existência de uma legislação adequada do trabalho - regulando, por exemplo, as relações entre empregadores e empregados, ou direito de propriedade das terras nos diversos setores da atividade econômica -, representam elementos institucionais fundamentais no potencial de desenvolvimento econômico. Portanto, a legislação social, compreendendo o conjunto das medidas legais e regulamentares que visam à proteção dos salariados e de todas as classes desprotegidas da sociedade - constitui, sem dúvida, uma variável de alta relevância na caracterização do nível de desenvolvimento econômico. Esses aspectos legais das atividades econômicas são numerosos, a saber: contrato de trabalho; salário; duração diária, semanal e usual do trabalho; condição do trabalhador; amparo ao trabalhador nacional; exercício das profissões; seguro social; justiça do trabalho; organização sindical; etc. Como o sistema jurídico não deverá ser rígido ou imóvel, deverá admitir revisões periódicas para se adaptar às contingências da mudança social ou das crises. Novas formas de trabalho poderão surgir em decorrência das alterações nesse processo dinâmico. E a emergência da institucionalização do regime de trabalho temporário se situa nesse contexto.

Destaquemos, dentre as variáveis econômicas explícitas do desenvolvimento, as que consideramos principais.

3. Níveis de produtividade. Extremamente complexa, essa variável compõe-se dos elementos mais diversos. A produtividade resulta dos efeitos combinados de um grande número de fatores distintos combinados, mas interdependentes, tais como qualidade e quantidade do equipamento empregado, melhoramentos técnicos, circulação das matérias-primas e das peças, utilização relativa das unidades de produção, seu grau de eficiência e, finalmente, capacidade profissional e esforço dos trabalhadores. Em termos gerais, a produtividade significa produtividade do trabalho - definida esta pelo quociente da produção pelo tempo de duração do trabalho. Constituem fatores significativos para a produtividade econômica a densidade da população, a sua mentalidade e o nível do progresso científico. Os domínios científico, técnico, econômico e social interdependem e interagem intimamente. Numa interpretação pragmática, posso afirmar que o progresso social é comandado pelo econômico e este pelo técnico, que por sua vez depende do científico. Aumentar a dotação de capital por trabalhador é condição essencial, mas não a única, para o aumento da produtividade. A capacidade de organizar, dirigir ou administrar, de uma parte, e, de outra, a destreza técnica dos trabalhadores, são fatores igualmente de grande importância. Há dois aspectos intimamente ligados ao problema da produtividade. A inversão da poupança em bens de capital, de uma parte e, de outra, a inversão da poupança na habilitação de homens que saibam aproveitar eficientemente esses bens nas diversas fases do processo produtivo. Um dos pontos que exigem mais atenção no desenvolvimento dos países latino-americanos é a divisão correta entre ambos esses setores, dos escassos fundos disponíveis, a fim de se obter incremento máximo de produtividade. Nível de produtividade e nível de desenvolvimento se relacionam tão intimamente que certos autores chegam a identificar esses dois aspectos do processo de expansão econômica. Celso Furtado, por exemplo, assim afirma: a teoria do desenvolvimento econômico trata de explicar, de um ponto de vista macroeconômico, o processo de expansão da produtividade do fator trabalho.7 7 Furtado, Ce Economia brasileira (contribuição à análise do seu desenvolvimento). Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1954. p. 211. O objetivo da teoria do desenvolvimento econômico - nessa perspectiva - é o de explicar como o fator trabalho vai progressivamente aumentando sua produtividade.

4. Nível de industrialização. A maioria dos economistas contemporâneos, destacando-se entre eles os Profs. Singer, Burns, Barrere e Prebish, entende que o desenvolvimento econômico está ligado ao ritmo da industrialização. Ressaltemos a tese de Prebish, o grande analista das economias latino-americanas. Entende ele que onde é baixo o nível de progresso técnico, é incontestável que, sendo reduzido o grau de produtividade, grande proporção da população economicamente ativa dedica-se à produção de gêneros alimentícios, matérias-primas e à sua elaboração elementar. À medida que se desenvolve a técnica, porém, menor quantidade de mão-de-obra é exigida na maior produção de produtos primários e o excesso da população economicamente ativa e o seu incremento vegetativo normal vão sendo absorvidas pelas atividades industriais, pelos transportes e pelo comércio, sendo este movimento demográfico conseqüência natural da expansão dos mercados e da especialização e diversificação da produção.8 8 Prebish, Raul. Interpretação do processo de desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, mar. 1953. Conclui o Prof. Prebish, através de seus estudos comparativos, que o problema da absorção do excedente da população economicamente ativa exige o desenvolvimento das indústrias e de atividades semelhantes. Acentua o sentido de solidariedade que deve orientar o desenvolvimento da economia, nos seus diversos setores, mas é clara a sua tendência ao determinismo industrialista, ditado pela redistribuição da população economicamente ativa. Todas estas reflexões, é certo, não devem comportar um dogmatismo lógico, sendo desejável articular-se um desenvolvimento equilibrado no plano setorial. E, no caso do Brasil, em que pesem as disparidades entre centro-periferia, a industrialização é premissa verdadeira para a explicação do desenvolvimento econômico. Sem ela, teríamos uma taxa maior de empobrecimento, sem a possibilidade de emprego dos excedentes de mão-de-obra. Mas o alcance desta discussão teórica só poderá ter sentido pragmático através das indispensáveis pesquisas setoriais, com vistas a um planejamento sistemático das atividades econômicas. Essa ampla análise será tanto mais necessária se considerarmos a nossa penosa situação atual, onerada pelos compromissos de dívida externa, pela inflação e pelo crescimento do desemprego em todo o País. Abusamos de recursos de caráter institucional, sem esse embasamento imprescindível de natureza empírica, e sem a indispensável e suficiente discussão política.

II

Nesta exposição já apresentamos os elementos propedêuticos para conduzir à resposta das duas indagações preliminares, quanto ao conceito e objetivos da "política econômica".

Cabe-nos, agora, considerar o tema específico: "O trabalho temporário contribui para a política de emprego?" As exigências para o atendimento das condições de uma política de desenvolvimento se encontram na teorização que utilizamos como suporte para a análise do problema.

Neste passo, teremos de nos referir às tendências atuais da crise brasileira de desenvolvimento, para verificar as contradições do processo. Para situar dentro dele a figura do "trabalho temporário", teremos de refletir sobre as variáveis demográficas, o nível de industrialização e o nível de emprego. Vale dizer que os dados fundamentais para a análise enunciando objetivos nacionais estão contidos no texto do III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980-85).9 9 Edição da Presidência da República. Brasília, set. 1980. Vamos sintetizar suas diretrizes que nos interessam diretamente. Reconhecem os técnicos que elaboram o plano, que prevalecem no Brasil fortes desequilíbrios regionais e intra-regionais de renda, de atividades econômicas e de qualidade de vida em grande parte oriundos do vertiginoso processo de urbanização que acompanhou o desenvolvimento industrial das últimas décadas. Na atualidade, cerca de 60% dos brasileiros residem em cidades. Vivem nas nove regiões metropolitanas oficialmente reconhecidas quase 30% da população. Essas áreas continuam submetidas a uma forte pressão demográfica, que afeta negativamente a qualidade de vida que oferecem. O III PND supõe que são de amplo interesse para a política de desenvolvimento urbano e regional a questão migratória, a desconcentração industrial, a reformulação e intensificação do desenvolvimento agrícola, a política energética, a política dos setores sociais e a descentralização administrativa para fortalecer os órgãos regionais e urbanos e os governos estaduais e municipais. No âmbito do processo urbano-rural brasileiro, cabe reconhecer como fundamentais:

1. O desenvolvimento da agropecuária, para atenuar o processo de hipertrofia urbana e, particularmente, a metropolitana, com redução do chamado êxodo rural.

2. O melhor equilíbrio da disponibilidade de infraestrutura econômica e social entre as regiões.

3. A melhor adequação funcional das cidades de pequeno e médio portes e da periferia das metrópoles.

Sensível ao problema das migrações sem controle, o texto programático, ao examinar as condições das regiões mais prósperas - Sul e Sudeste - recomenda maior ênfase às medidas que possam promover o melhor equilíbrio geoeconômico e geopolítico. Não se subestimará nelas a presença do subdesenvolvimento, mesmo nas áreas que concentram atividades produtivas - como as metropolitanas - que abrigam 29% de sua população. Nesse sentido, o objetivo é disciplinar o rápido crescimento das principais cidades, principalmente mediante políticas de descentralização industrial e de agropecuária e abastecimento, esta última essencial para reduzir o intenso fluxo migratório rural-urbano e pelo apoio ao desenvolvimento das cidades de pequeno e médio portes.

Evidentemente, todos os surtos de desorganização espontânea ou intencional só poderão ser corrigidos mediante a ação preventiva no campo do planejamento urbano e regional e sua efetiva execução, particularmente nas áreas mais densamente habitadas (ou sujeitas a intensa concentração populacional), como as metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.

Acompanhamos, através de dados recentes, alguns aspectos da situação brasileira, com base na interpretação do próprio presidente do IBGE.10 10 Montello, Jessé. A população brasileira. Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, dez. 1981.

A tabela 1 indica que a população brasileira vem crescendo sistematicamente desde 1872. Em pouco mais de um século, evolui de 9.930 mil habitantes para 123 milhões. Nota-se que as taxas médias anuais de crescimento foram decrescentes a partir de 1950, tendo assumido o valor 2,99% no decênio 1950-60, passando a 2,49 no decênio 1970-80.

Segundo os analistas do IBGE, a redução dessas taxas é conseqüência do decréscimo que se vem verificando nas taxas de fecundidade da mulher brasileira. Isto em virtude do uso de métodos anticoncepcionais e sua natural difusão nas populações que se deslocaram do campo para as cidades, tendo em vista que a proporção da população urbana atingiu 67,5% da população total. A mortalidade infantil tem apresentado reduções significativas, acusando 16% em 1940, e em 1977, 9,6%. Apesar de a taxa de crescimento da população ter assumido o valor 2,49% ao ano, no decênio 1970-80, é uma das mais elevadas entre os países mais populosos, conforme a tabela 2.

O importante é verificar que as nove regiões metropolitanas contêm cerca de 29% da população brasileira. Essas regiões tiveram crescimento superior ao das Unidades da Federação a que pertencem. Assim, a taxa de evolução da população brasileira foi de 2,49% ao ano, ao passo que a taxa de crescimento das regiões metropolitanas foi de 3,78%. As regiões que tiveram maior crescimento demográfico foram Curitiba, Belo Horizonte, São Paulo e Salvador, conforme a tabela 3.

Um ponto de capital importância é o do desempenho da população economicamente ativa. Em 1º de setembro de 1980, apresentava um total de 43.782 mil. Em sua distribuição, o setor rural é responsável por 30,7% dessa população e, no setor urbano, a indústria é responsável por 25,3% e o comércio e outros serviços por 44%. A proporção de homens na população economicamente ativa é de 72,5%; e a de mulheres, de 27,5%. Essa proporção varia conforme o setor e ramo de atividade. Assim, a proporção de homens na indústria é de 83,3% e a de mulheres 16,7%, ao passo que no comércio têm-se 71,2% e 28,8% respectivamente. A participação da mulher na população economicamente ativa é pequena, se a compararmos com os países socialistas e os países nórdicos (especialmente a Finlândia). Nestes últimos há legislação especial regulamentando a duração do trabalho para a mulher, das 9 às 16 horas. Convém anotar a sua distribuição por setores de atividade, conforme a tabela 4.

Quanto ao nível de emprego, verifiquemos a sua situação ao longo da crise, em informações divulgadas recentemente, em levantamento realizado pelo Departamento de Estatística da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.11 11 Folha de São Paulo, 11 out. 1983.

O nível de emprego industrial apresentou queda de 0,44% em setembro último, representando a redução da oferta de 7.300 vagas. As quatro semanas de setembro registraram índices negativos, sendo que na última foi verificado (-) 0,13%, o equivalente à dispensa de 2.150 trabalhadores.

A taxa acumulada nos nove primeiros meses do ano foi de queda de 6,92%, representando o desemprego de 115 mil trabalhadores na indústria no período. E ainda: a partir de 31 de dezembro de 1980, quando o setor industrial empregava 2 milhões de trabalhadores, foram dispensados até agora 430.300 trabalhadores, já que a taxa acumulada nestes 33 meses atingiu 21,43%.

Entre os setores que mais desempregaram durante o mês passado estão o de vidros e cristais, malharia e meias, fundição, relojoaria, aparelhos elétricos, máquinas e azeites e óleos. Os setores da indústria que ampliaram seus quadros no período são os de abrasivos, energia elétrica, forjaria, matérias-primas para inseticidas e fertilizantes, de adubos, papel e celulose, pneumáticos, refrigeração e câmaras-de-ar, lâmpadas e de condutores elétricos. Apenas três ficaram estáveis: calçados, material farmacêutico e químico.

Por outro lado, a taxa de desemprego aberto nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE passou de 6,82% em julho para 7% em agosto, como percentagem da população economicamente ativa.12 12 Folha de São Paulo, 28 set. 1983.

O subemprego - pessoas que trabalham por conta própria e receberam remuneração inferior a um salário mínimo - passou de 6,18% para 5,88%.

Já a percentagem dos que trabalharam por conta própria e não receberam remuneração alguma aumentou de 1,05% para 1,19%. Somando-se estas três taxas, o índice de desemprego e subemprego, considerados conjuntamente, passou de 13% em julho para 13,07% em agosto.

Na região metropolitana de São Paulo, houve ligeira queda da taxa de desemprego aberto, de 7% para 6,94%, segundo o IBGE. Na do Rio, a taxa cresceu de 6,16% para 6,55%. Em Porto Alegre, de 7,17% para 7,79%. Em Belo Horizonte, de 7,57% para 7,69%. Em Recife, caiu de 8,59% para 8,43%. Em Salvador, passou de 5,04% para 5,93%.

O Ministro Murilo Macedo, diante do quadro sombrio em dados irrefutáveis, teme ainda maior desemprego. Este o seu depoimento, voltando-se para soluções de política econômica:13 13 Folha de São Paulo, 16 set. 1983.

"Se o Governo adotar uma política de geração de empregos, o sucessor do Presidente Figueiredo assumirá o cargo com a existência, no País, de 6 milhões de desempregados e 7 milhões de subempregados que, juntos, representarão 27% da população economicamente ativa (PEA) brasileira."

A estimativa é do Ministro do Trabalho, Murilo Macedo, lembrando que esse quadro "é fruto de políticas convencionais de estabilização econômica, que podem correr o risco de transformar-se em políticas de desestabilização social", caso não sejam completadas.

Em palestras na Comissão de Legislação Social do Senado, Murilo Macedo voltou a defender a política salarial, por ele criada, afirmando não ser ela a responsável pelo desemprego, nem pela rotatividade de mão-de-obra ou a alta da inflação. "Todas as evidências que possuímos comprovam isso" - frisou. "A rotatividade chegou inclusive a cair depois da política salarial. Ela não poderia ser inflacionária, pois sempre pagou correções abaixo da inflação. Essas interpretações não são só nossas, mas também do Banco Mundial." Mesmo assim, o ministro defendeu a aprovação do Decreto-lei nº 2.045, por considerá-lo importante para a estabilização econômica do País.

A defesa de Macedo, porém, não teve muita ressonância entre os senadores pedessistas presentes (nenhum parlamentar da oposição ouviu a palestra). Roberto Campos posicionou-se contra qualquer mecanismo de correção automática dos salários, por acreditar na livre negociação. Carlos Chiarelli foi favorável à utilização do Decreto-lei nº 2.024, e João Calmon afirmou que "a aprovação do 2.045 poderá fazer eclodir no País uma revolta social sem precedentes, pois a capacidade da população de enfrentar privações chegou ao fim".

Macedo voltou a falar sobre o alto custo do desemprego no País. Considerando que existem mais de 3 milhões de pessoas sem emprego, calculou uma perda mínima de Cr$ 12 trilhões, a preços de abril e maio de 1984. "Isso nos leva à fantástica importância de US$ 27 bilhões. Será que nos podemos dar ao luxo de perder todos esses recursos por ano? Isso é mais do que o total das nossas exportações, é mais do que o serviço de dívida externa, pouco menos do que nossa dívida interna, além de corresponder a um sexto do nosso produto interno bruto (PIB). O mais importante, porém, é que esses recursos nos permitiriam criar, no mínimo, 6 milhões de bons empregos."

Chegamos a 1983 com 3,5 milhões de desempregados admitidos oficialmente, com um custo em tomo de US$ 27 milhões. O parque industrial opera com ociosidade média de 30%, arcando com os tropeços de altos custos financeiros. E esta situação ainda mais se agravou com os problemas da renegociação de nossa dívida externa. Segundo o depoimento do presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, para citar um exemplo, os índices de desempenho da indústria sul-rio-grandense foram todos negativos: menores compras, menores vendas, e menor absorção de mão-de-obra.14 14 Depoimento de Luís Octávio Vieira in Folha de São Paulo, 13 set. 1983. Também a Associação Comercial de São Paulo publicou alguns indicadores que demonstram o declínio da produção industrial e comercial.15 15 Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, p. 94 e segs., agos. 1983.

III

Ora, somente uma política de emprego explícita e coerente poderá evitar que os indicadores de desemprego atinjam níveis críticos, socialmente insuportáveis. De imediato, é possível e necessária a definição de mecanismos institucionais - tais como a política creditícia - que favoreçam o crescimento de setores que tradicionalmente absorvem grandes quantidades de mão-de-obra.

Não há razão para setores como construção civil, têxtil e produtos alimentares - de cujo desempenho depende em grande medida a oferta de empregos - serem penalizados em nome da crise internacional. O declínio da oferta de emprego é flagrante nas regiões metropolitanas, conforme dados de pesquisa recente do Sistema Nacional de Emprego (Sine).16 16 Folha de São Paulo, 20 jul. 1983. A oferta de emprego no primeiro semestre de 1983 caiu em nove das 10 principais metrópoles do País. Curitiba registrou a queda mais acentuada (-3,93%) seguida de Belo Horizonte (-3,8%) e Recife (-3,51%). Na Grande São Paulo a retração foi de 2,84%. Somente Brasília apresentou aumento na oferta de emprego, mas com uma taxa bastante reduzida: + 0,14%.

Nas demais metrópoles, o quadro registrado pelo Sine foi o seguinte: Fortaleza(-2,42%), Belém (-1,77%), Salvador (-1,69%), Rio de Janeiro (-1,58%) e Porto Alegre (-1,35%). Os setores que mais contribuíram para essa retração do nível de emprego foram os de construção civil e indústria de transformação. Na Grande São Paulo, a construção civil emprega atualmente o equivalente a 50,29% do total de trabalhadores que empregava em fevereiro de 1977, data em que começou a pesquisa do Ministério do Trabalho. O mesmo fenômeno pode ser sentido no setor industrial, que hoje contrata apenas 78% do que contratava àquela época.

Em Brasília, a oferta de emprego pôde expandir-se graças ao setor de serviços (bancos, locadoras de mão-de-obra, empresas públicas, entre outras), que aumentou o seu total de empregados em cerca de 2,5%, compensando as retrações dos demais setores.

Comparando-se maio de 1984 com o mesmo mês de 1982 verifica-se que oito das 10 metrópoles continuam apresentando queda na oferta de emprego.

Em relação aos poderes públicos, é necessária a adoção de um estilo administrativo que busque realmente, continuamente, a abertura de novas oportunidades de trabalho. A carente infra-estrutura básica e de saneamento, que prevalece em quase todos os centros urbanos, é, neste sentido, exemplo que referenda a urgência de medidas que minimizem o problema do desemprego. É fundamental que os investimentos em processos de produção, que absorvam grande quantidade de trabalhadores, sejam merecedores dos maiores incentivos.

Convenhamos que o problema do desemprego, nas circunstâncias brasileiras, é estrutural. Sem prejuízo de medidas de emergência, que tentem a curto prazo minimizar a insuficiente disponibilidade de empregos, é obrigatório, paralelamente, o encaminhamento de soluções que requerem precondições mais elaboradas. Nesse contexto é também relevante a reorientação da política tecnológica que, a médio ou longo prazos, poderá contribuir para a superação do problema do desemprego.

O Prof. Roberto Campos, ao estrear na tribuna do Senado, em discurso famoso, estabelece alguns pontos metodológicos em sua visão realista da crise brasileira.17 17 Ler o texto completo do discurso de Roberto Campos e comentários no número especial do Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, ago. 1983. Assim, a seu ver, a solução de nossa crise exige mudanças atitudinais, estruturais e institucionais. No primeiro caso, o combate à inflação é prioridade existencial. Sem o combate ao processo inflacionário, os objetivos sociais tornam-se inatingíveis. Entre seus males, provoca o desemprego pela paralisia dos investimentos, piorando a distribuição da renda em detrimento dos assalariados. Quanto ao segundo caso, as reformas de mecanismos bancários e orçamentários culminariam com a reforma tributária. A solução estruturalista consistiria em deslocar para investimentos rurais criadores de empregos os recursos ora alocados no orçamento monetário ao subvencionamento da produção e da exportação.18 18 Ibid. p. 31. O campo institucional se referiria mais explicitamente à reforma da legislação no domínio econômico.

Além dessas distorções, os nossos analistas silenciaram quanto aos graves problemas de patologia burocrática e deterioração administrativa. O crescimento desmesurado do pessoal e dos gastos de representação e das assessorias responde por uma irresponsabilidade incompatível com o regime de austeridade e poupança que o estado de crise nos impõe.

Por outro lado, parece-nos que a tendência para a recuperação da agricultura, a fim de colaborar na geração de empregos no setor terciário - como vimos no correr desta exposição - é largamente aceita pela teoria econômica. Admitindo-se certa autonomia entre os setores, será cabível considerá-los solitários em determinadas circunstâncias de um determinado país.

IV

A nossa reflexão metodológica apoiada na pesquisa empírica leva a uma resposta positiva ao problema inicialmente colocado, ou seja, que o trabalho temporário contribui realmente para a política econômica, em especial para a política de emprego.

Verifiquemos alguns aspectos de sua evolução.

Desde sua regulamentação, em 1974, até hoje, a utilização do trabalho temporário no Brasil apresentou crescimento de aproximadamente 700%. O objetivo das empresas de trabalho temporário, no entanto, é o de atingir, até 1985, crescimento da ordem de 2.000%, ou seja, empregar cerca de 1 milhão de pessoas. Em seu depoimento sobre a expansão do emprego de mão-de-obra temporária (nos anos de maior desenvolvimento econômico do Brasil, o trabalho temporário evoluiu a taxas médias de 30% ao ano), Jan Wiegerinck estabeleceu comparação com dados do Ministério do Trabalho da França, segundo os quais em 1978 aquele país empregou cerca de 1 milhão de pessoas, ou seja, três vezes mais do que o Brasil, em 1980.19 19 Jan Wiegerinck é presidente da Associação Profissional das Empresas de Trabalho Temporário do Estado de São Paulo (Assertem). O seu depoimento foi publicado em O Estado de São Paulo de 15 de julho de 1982, por ocasião da fundação da associação congênere do Rio de Janeiro (Asterj). Nesse depoimento se destaca o papel social exercido pelo trabalho temporário, ao contribuir para a elevação da renda familiar e, ainda, ao atender o setor administrativo (a nível técnico-executivo), o que más emprega serviços temporários, abrangendo 60 a 70% do contingente dessa mão-de-obra.

Os fatores que mais contribuíram para o desenvolvimento desse tipo de prestação de serviços foram a acentuada especialização profissional, provocada pelo avanço tecnológico, e a necessidade de as empresas industriais e comerciais se readaptarem às contingências do mercado.

Os últimos estudos publicados por Wiegerinck revelam seguro critério comparativo e competência. Colhamos neles argumentos úteis para esclarecer a relação "trabalho temporário-política econômica".20 20 Destaquemos especialmente: "Perspectivas de emprego nos próximos anos." Suplemento Trabalhista. São Paulo, Editora LJr., nº 24, 1983; e "OIT e trabalho temporário". Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, dez. 1982. Concordamos com seus pontos de vista, amparados em respeitável experiência profissional. O trabalho temporário tem sido realmente uma solução natural para aqueles que, por motivos pessoais ou de conjuntura, estão temporariamente marginalizados pelo mercado de trabalho. Esta solução, além de natural, ganha sentido ético, porque estas pessoas, trabalhando como "temporárias", tornam-se úteis para si e para outros e não necessitam recorrer ao auxílio-desemprego onde exista, ou a outros mecanismos de assistência social. Para justificar o trabalho temporário, apresenta estas razões irrefutáveis:21 21 Wiegerinck, Jan. OIT trabalho ... op. cit. p. 143.

"Para as empresas existem outros mecanismos. E tudo indica que elas usam vários deles. E, às vezes, simultaneamente. Os principais são: horas-extras de pessoal permanente, subempreitada e os contratos diretos por tempo determinado. A viabilidade de cada técnica administrativa depende das circunstâncias. Conhecemos os inconvenientes das horas-extras, tanto para as empresas, por seu altíssimo custo, quanto para o trabalhador, pelos seus efeitos sobre sua saúde, vida familiar etc. A subempreitada, em alguns casos a melhor solução para a empresa é, em outros casos, desaconselhada, porque a empresa perde o controle direto sobre o dia-a-dia da execução do trabalho. Os contratos diretos por determinado tempo são os que mais se aproximam do trabalho temporário. Mas têm dois graves inconvenientes. Em primeiro lugar, fazem perder muito tempo, tanto à empresa utilizadora quanto ao trabalhador, até a solução e acerto das condições. Em segundo lugar, impõem à empresa a necessidade de organizar uma administração paralela para atender o trabalhador por tempo determinado, administração esta que a empresa de trabalho temporário pode realizar por um custo mais baixo, porque já está organizada para ela, por ser da natureza de sua atividade. Vale a pena mencionar aqui também o 'mercado negro' do trabalho, onde o trabalhador não tem segurança social e o produto do seu trabalho não está sujeito ao sistema tributário."

Dessa forma, conclui que para o trabalhador disponível não há dúvida que normalmente o mais viável - numa emergência - é o trabalho temporário. Neste ele usa melhor o seu tempo, tem mais segurança e pode contar com assistência para encontrar outros trabalhos, uma vez a tarefa terminada.

Acreditamos que, nas circunstâncias atuais, os elementos empíricos que oferecemos à discussão são suficientes para justificar a legitimidade do trabalho temporário como categoria social e categoria jurídica. O trabalho temporário está a caminho de mais apurada elaboração doutrinária e legislativa a fim de que consiga o maior grau de ajustamento possível às necessidades sociais. E para condicioná-la é inestimável a contribuição de ciências tais como a sociologia, a psicologia social, a economia e o direito. E certos princípios de política econômica devem, indubitavelmente, orientar também esta elaboração legislativa a que nos referimos. Deixa o trabalho temporário de ser um fim em si mesmo, para constituir um meio de reabilitação ou complementação de recursos profissionais. Ele se insere no difícil contexto da instrumentalização da dignidade do homem. Atende às exigências de uma disposição de princípio, conforme o ensinamento filosófico do Prof. Krause:22 22 Krause, Luis R. Fenómenos sociológicos en el trabajo. Buenos Aires, Edicciones Arayu, 1954. p. 62.

"En la idea moderna el trabajo no aparece como un fin en si mismo sino como un medio para lograr conquistas de un orden superior. Si las asociaciones profesionales luchan por mejores condiciones de trabajo y si la legislación contemporânea acoge y legaliza estas aspiraciones es precisamente porque ellas conducen a la expansion de las fuerzas espirituales. Asi el trabajo, como valor social, es primero un 'valor moral' y después un valor econômico." Portanto, parece-nos que o "trabalho temporário" como categoria jurídica e como técnica de relações de trabalho - observadas as tendências da legislação comparada deverá ter uma correção em seu prazo contratual estendido para 120 dias, conforme propusemos em nossa pesquisa de 1976.23 23 Consultar o texto completo editado pela Assertem, O Trabalho temporário em São Paulo, no ABC e no Rio de Janeiro. São Paulo, 1977. Nestes sete anos decorridos é significativa a alteração da legislação francesa que, em tarefas altamente especializadas, mas tipicamente especializadas, permite uma duração de mais de três e menos de seis meses.

Tendo em vista a caótica situação do nosso mercado de trabalho, com o assustador aumento do nível de desemprego, é necessária a adoção de mecanismos de motivação para o crescimento da demanda do trabalho temporário. Aparentemente, sua significação é menos econômica, pela sua participação relativamente reduzida na força de trabalho de uma nação. Mas sua importância social é inquestionável, porquanto permite o trabalho a categorias marginalizadas pela estrutura do mercado de emprego. Sem ele as lacunas econômicas seriam desastrosas e irrecuperáveis.

Para concluir, reconheçamos que o "trabalho temporário" ocupa legitimamente um espaço no extenso quadro das relações de trabalho. Por isso, retomo minhas afirmações por ocasião do II Congresso Brasileiro de Trabalho Temporário, realizado em São Paulo em 1982, ao declarar:24 24 O trabalho temporário e a evolução social. Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, set./out. 1982. "O trabalho temporário apresenta uma função propria supletiva de necessidades - em qualquer tempo e em qualquer tipo de economia - dependendo de fatores eventuais que não se inscrevem nas equações de planejamento. Ele se situa, portanto, à margem das formas clássicas de trabalho: ocupa o seu lugar próprio em certos fluxos de demanda, algo imprevisíveis no contexto da oferta e da procura. Assim, n fatores interferem no curso do mercado contemporâneo, enfraquecendo a capacidade de previsão dos empresários."

Os vínculos de continuidade que institucionalizavam o trabalho até a década de 50 foram substituídos por vínculos de temporariedade, como um reflexo das situações de mudança social provocadas pela II Guerra Mundial.

Com o esforço perseverante dos especialistas e dos profissionais, e a obra dos congressos científicos, está-se elaborando uma teoria do trabalho temporário, e somente assim - aperfeiçoada a sua estrutura, aumentada a sua participação na força de trabalho - teremos estimulado a conquista do progresso técnico, a fim de preparar a civilização do futuro em nosso País.25 25 Convém ler a monografia de Lengellé, Maurice. La Révolution terciaire. Paris, Editions Génin, 1966.

  • 1 Kirschen, E.G., org. Economic policy in our time. Amsterdã, North-Holland, 1964. 3 v. v. 1, p. 5-7.
  • 3 Camargo, Jose Francisco de. Política econômica. São Paulo, Atlas, 1967. p. 105 e segs.
  • 4 Burns, Arthur E. Comentário sobre as perspectivas de crescimento do Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, p.94,set. 1953.
  • 5 Consultar o Digesto Econômico (edição especial), Anais do I Congresso Brasileiro da Pequena e Média Empresa. Associação Comercial de São Paulo, p. 77, nov. 1979.
  • 6 Fourastié, Jean. A Grande esperança do século XX. Trad. de Fernando dos Santos. São Paulo, Perspectiva, 1971. p. 167 e segs.
  • 7 Furtado, Ce Economia brasileira (contribuição à análise do seu desenvolvimento). Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1954. p. 211.
  • 8 Prebish, Raul. Interpretação do processo de desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, mar. 1953.
  • 9 Edição da Presidência da República. Brasília, set. 1980.
  • 10 Montello, Jessé. A população brasileira. Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, dez. 1981.
  • 11 Folha de São Paulo, 11 out. 1983.
  • 12 Folha de São Paulo, 28 set. 1983.
  • 13 Folha de São Paulo, 16 set. 1983.
  • 15 Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, p. 94 e segs., agos. 1983.
  • 16 Folha de São Paulo, 20 jul. 1983.
  • 17 Ler o texto completo do discurso de Roberto Campos e comentários no número especial do Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, ago. 1983.
  • 20 Destaquemos especialmente: "Perspectivas de emprego nos próximos anos." Suplemento Trabalhista. São Paulo, Editora LJr., nş 24, 1983;
  • e "OIT e trabalho temporário". Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, dez. 1982.
  • 22 Krause, Luis R. Fenómenos sociológicos en el trabajo. Buenos Aires, Edicciones Arayu, 1954. p. 62.
  • 23 Consultar o texto completo editado pela Assertem, O Trabalho temporário em São Paulo, no ABC e no Rio de Janeiro. São Paulo, 1977.
  • 24 O trabalho temporário e a evolução social. Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, set./out. 1982.
  • 25 Convém ler a monografia de Lengellé, Maurice. La Révolution terciaire. Paris, Editions Génin, 1966.
  • *
    Comunicação apresentada ao I Encontro Nacional de Trabalho Temporário, realizado no Rio de Janeiro, em 26-27 de outubro de 1983, sob os auspícios da Associação Profissional das Empresas de Prestação de Serviços Temporários (Asterj).
  • 1
    Kirschen, E.G., org.
    Economic policy in our time. Amsterdã, North-Holland, 1964. 3 v. v. 1, p. 5-7.
  • 2
    Id. ibid.
  • 3
    Camargo, Jose Francisco de.
    Política econômica. São Paulo, Atlas, 1967. p. 105 e segs.
  • 4
    Burns, Arthur E. Comentário sobre as perspectivas de crescimento do Brasil.
    Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, p.94,set. 1953.
  • 5
    Consultar o
    Digesto Econômico (edição especial), Anais do I Congresso Brasileiro da Pequena e Média Empresa. Associação Comercial de São Paulo, p. 77, nov. 1979.
  • 6
    Fourastié, Jean.
    A Grande esperança do século XX. Trad. de Fernando dos Santos. São Paulo, Perspectiva, 1971. p. 167 e segs.
  • 7
    Furtado, Ce
    Economia brasileira (contribuição à análise do seu desenvolvimento). Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1954. p. 211.
  • 8
    Prebish, Raul. Interpretação do processo de desenvolvimento econômico.
    Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, mar. 1953.
  • 9
    Edição da Presidência da República. Brasília, set. 1980.
  • 10
    Montello, Jessé. A população brasileira.
    Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, dez. 1981.
  • 11
    Folha de São Paulo, 11 out. 1983.
  • 12
    Folha de São Paulo, 28 set. 1983.
  • 13
    Folha de São Paulo, 16 set. 1983.
  • 14
    Depoimento de Luís Octávio Vieira in
    Folha de São Paulo, 13 set. 1983.
  • 15
    Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, p. 94 e segs., agos. 1983.
  • 16
    Folha de São Paulo, 20 jul. 1983.
  • 17
    Ler o texto completo do discurso de Roberto Campos e comentários no número especial do
    Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, ago. 1983.
  • 18
    Ibid. p. 31.
  • 19
    Jan Wiegerinck é presidente da Associação Profissional das Empresas de Trabalho Temporário do Estado de São Paulo (Assertem). O seu depoimento foi publicado em
    O Estado de São Paulo de 15 de julho de 1982, por ocasião da fundação da associação congênere do Rio de Janeiro (Asterj).
  • 20
    Destaquemos especialmente: "Perspectivas de emprego nos próximos anos."
    Suplemento Trabalhista. São Paulo, Editora LJr., nº 24, 1983; e "OIT e trabalho temporário".
    Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, dez. 1982.
  • 21
    Wiegerinck, Jan. OIT trabalho ... op. cit. p. 143.
  • 22
    Krause, Luis R.
    Fenómenos sociológicos en el trabajo. Buenos Aires, Edicciones Arayu, 1954. p. 62.
  • 23
    Consultar o texto completo editado pela Assertem,
    O Trabalho temporário em São Paulo, no ABC e no Rio de Janeiro. São Paulo, 1977.
  • 24
    O trabalho temporário e a evolução social.
    Digesto Econômico. Associação Comercial de São Paulo, set./out. 1982.
  • 25
    Convém ler a monografia de Lengellé, Maurice.
    La Révolution terciaire. Paris, Editions Génin, 1966.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1985
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