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Sobre alguns modelos de lote econômico de compras com inflação

ARTIGO

Sobre alguns modelos de lote econômico de compras com inflação* * Este estudo faz parte da linha de pesquisa Inflação e Política de Estoques e conta com o apoio financeiro da Finep.

Jaime Evaldo FensterseiferI; Norberto HoppenII

IProfessor adjunto no Departamento de Ciências Administrativas e no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da UFRS; Ph.D em Administração pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (Ucla)

IIProfessor assistente no Departamento de Ciências Administrativas e no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da UFRS; Doutor em Administração pela Universidade de Grenoble, França

1. INTRODUÇÃO

Num levantamento realizado em 1980 junto a 10 grandes empresas brasileiras pela revista Exame,1 1 . Política de estoques, um ponto vital na estratégia das empresas. Exame, São Paulo, 16 jul. 1981.p. 30-6. constatou-se uma falta de consenso quanto à política de estoques a adotar: manutenção de altos níveis de estoque para proteção anti-inflacionária ou redução de seu nível, obtendo um aumento do giro de estoques. Dados obtidos em pesquisa recente2 2 . Fensterseifer, J. E.; Hoppen, N. & Luce, F. B. (1982). revelam que estas dificuldades são agravadas por mudanças na política monetária do governo. Por exemplo, a correção monetária, que em 1980 estava prefixada em valor bem inferior à inflação real, em 1981 acompanhou a inflação de perto, influenciando assim a decisão sobre os níveis de estoques a manter.

Tradicionalmente tem-se atribuído aos estoques as seguintes finalidades (Machline, 1981):

- operação, que visa regular velocidades diferentes entre recebimento e consumo ou fabricação, e realizar economias de compra e transporte;

- precaução ou reserva, que objetiva enfrentar os imprevistos, tais como aumento inesperado da demanda ou atrasos na entrega;

- especulação, que pretende auferir vantagens econômicas em decorrência de futuras oscilações de preço do produto estocado.

Pode-se acrescentar ainda a finalidade estratégica. Esta decorre da possibilidade que os estoques oferecem de atacar, de maneira intensiva, um determinado mercado consumidor (estratégia mercadológica) ou da possibilidade de absorver estoques de materiais escassos no mercado supridor.

As finalidades dos estoques antes apresentadas dentro de um contexto inflacionário tornam-se mais amplas. À finalidade precaução contra imprevistos de demanda e/ou de entrega pode ser acrescentada a proteção financeira. Esta ocorre quando existe certeza no aumento do preço de um produto, anunciado pelo vendedor, por exemplo, o que possibilita à empresa comprar um lote especial ou de exceção antes do aumento.

Em termos especulativos, a inflação traz como conseqüência a compra de lotes de exceção quando existe incerteza na data de aumento e no seu montante.

Considerando este contexto, procuramos estudar as principais dificuldades que a inflação traz para uma gestão racional dos estoques. Um dos modelos fundamentais para esta gestão é o Lote Econômico de Compras (LEC), por ser de fácil utilização e permitir a determinação de intervalos de aprovisionamento e quantidades a comprar. Este modelo otimiza os níveis de estoque através do balanceamento dos custos de obtenção e de manutenção de estoques.

Em regimes inflacionários, a utilização do LEC e de suas variantes, que explicitamente contemplam o aumento dos custos relevantes, pode auxiliar os administradores de materiais na tomada de decisão. Neste sentido, o presente estudo visa apresentar uma discussão mais detalhada dos modelos do LEC que levam em conta a inflação, integrando as diversas abordagens propostas na literatura, com o intuito de facilitar a escolha dos modelos mais adequados às diferentes decisões decorrentes do ambiente inflacionário.

Este estudo está organizado da seguinte maneira: o item 2, a título de revisão, apresenta os elementos básicos do LEC. Mangiameli, Banks & Schwarzbach (1981) descrevem de maneira bastante completa as tentativas de incorporar a inflação no modelo do LEC, que são retomadas e discutidas no item 3. Os dois itens seguintes apresentam o desenvolvimento de modelos cuja utilização pode ser freqüente na prática: no item 4 discute-se o caso de um aumento por salto no custo de aquisição e no item 5 analisa-se a situação de um aumento linear nos custos.

2. ELEMENTOS BÁSICOS DO MODELO LEC

O modelo do Lote Econômico de Compras, por sua robustez e simplicidade, é um dos mais empregados para auxiliar o administrador na definição de uma política de estoques. Este modelo pode ser representado da seguinte maneira:

onde

D: demanda anual prevista;

S: custo de preparação ou de compra de um lote;

C: custo de uma unidade comprada;

h: custo de manutenção dos estoques, sendo h = k + a;

k: custo de oportunidade do capital;

a: custo de armazenagem.

O LEC minimiza o custo "administrável" de um produto estocado na empresa, através do balanceamento dos custos de obtenção e de manutenção de estoques.

As suposições básicas contidas no modelo são:

- demanda conhecida e considerada constante;

- tempos de reposição e de obtenção dos lotes conhecidos e considerados constantes;

- custos de manutenção de estoques calculados em função dos estoques médios;

- análise de um único item do estoque por vez.

Neste modelo, a evolução dos valores monetários no tempo não é contemplada, isto é, os reflexos da inflação sobre os custos de preparação ou de compra dos lotes, das unidades compradas e de manutenção dos estoques não são considerados. A inflação, ao atingir valores representativos, passa a afetar a política de estoques porque aumenta o custo de aquisição do produto e eleva o custo do capital (a taxa de juros) e o custo de preparação dos lotes.

3. INCORPORAÇÃO DA INFLAÇÃO NO LEC

Como o comportamento da evolução dos custos no tempo é complexo e não-uniforme, diferentes modelos foram desenvolvidos, cada um deles visando abordar aspectos específicos da influência da inflação sobre os elementos de custos do LEC. Em conseqüência, as diversas abordagens apresentam diferentes suposições sobre a evolução dos custos - aumentos discretos versus aumentos contínuos, um só custo aumentando por vez ou vários - e sobre as políticas de estoques que devem ser adotadas.

Neste item utilizando-se como referencial de base Mangiameli, Banks & Schwarzbach (1981) e Alves (1982), são apontados os aspectos mais importantes dos estudos efetuados e é feita uma tentativa de agrupamento dos diferentes modelos segundo os padrões de aumento nos custos adotados pelos autores e de acordo com as principais características dos modelos.

3.1 Modelos com aumentos discretos nos custos

O modelo determinístico desenvolvido por Naddor (1966) objetiva estabelecer a quantidade econômica para compras antecipadas quando é anunciado um aumento no custo de aquisição do material. Como o valor do aumento é conhecido, a empresa, que vinha adotando o LEC, tem a opção de adquirir um lote de exceção antes de o aumento ocorrer.

As suposições básicas contidas no modelo, além das já apresentadas anteriormente, são:

- o momento e o tamanho do aumento de preços são conhecidos antecipadamente;

- o lote de exceção é entregue no ponto em que o estoque disponível atinja o nível zero;

- o custo das unidades compradas é o único que aumenta no período;

- o período de planejamento é infinito;

- ocorre somente um aumento de custo durante o período de planejamento.

A notação empregada é:

p: percentual de aumento do preço;

Qσ: lote econômico antes do aumento;

Q1: lote econômico após o aumento.

No modelo determinístico de Naddor, o qual se fundamenta na maximização da diferença entre os custos totais de não antecipar a compra e a de antecipá-la através de um lote de exceção, Q* pode ser representado da seguinte maneira:

onde Q1 é o LEC calculado ao novo preço C (1 + p).

Este problema também foi analisado por Aggarwal (1981), que, no entanto, não obteve a mesma expressão de Naddor para o lote ótimo. O desenvolvimento de Aggarwal apresenta falhas de abordagem que serão discutidas no item 4.

Brown (1967), Machline (1971), Love (1979) e Lev, Weiss & Soyster (1981) ampliaram os resultados da análise de Naddor relaxando a suposição de que o lote especial será entregue no ponto em que o estoque disponível atinja zero. Sendo qσ o estoque remanescente, a expressão obtida foi a seguinte:

A única diferença entre (1) e (2) é que neste último caso o lote ótimo será qσ unidades a menos. Estes modelos e suas implicações serão detalhados no item 4.

Para o caso em que o aumento p não é conhecido com certeza, mas segue uma distribuição de probabilidade com média , Naddor (1966) mostrou que a expressão (1) permanece válida, com p = qualquer que seja a forma da distribuição de p. Machline (1971) demonstrou para a situação mais geral descrita por (2 ) que ela permanece válida para o caso de incerteza no percentual de aumento, com p substituído por .

Machline (1971) também estudou a possibilidade de existirem dois aumentos de preços, p1 e p2, num horizonte de planejamento finito, admitindo portanto a colocação de dois lotes de exceção.

Quando o aumento do custo de aquisição é conhecido mas não a data precisa deste aumento, diversas formulações do problema são possíveis para determinar a data ótima na qual o lote de exceção deveria ser colocado, variando de acordo com as suposições feitas quanto ao comportamento da distribuição da data de aumento (Machline, 1971).

A situação "aumento em um ou mais dos custos relevantes" foi abordada por Lev, Weiss & Soyster (1981). A data e a magnitude dos aumentos devem ser conhecidas no início do horizonte de planejamento. O modelo supõe que, quando houver aumento em mais de um dos custos, estes aumentos ocorrerão na mesma data. Numa situação real, estes aumentos simultâneos dificilmente tendem a ocorrer.

3.2 Modelos com aumentos contínuos nos custos

Os aumentos pequenos, porém freqüentes, dos custos são característicos de inflações prolongadas e podem ser caracterizados como aumentos contínuos. Segundo Alves (1982), estes modelos podem ser empregados quando não é possível precisar os instantes de ocorrência dos aumentos nem o seu valor exato, ou quando se dimensionam lotes cuja importância faz com que não valha a pena se buscar as informações sobre os aumentos, pois as economias resultantes de compras antecipadas não seriam significativas.

Duas situações de aumento foram estudadas na literatura revisada, quais sejam:

- todos os custos aumentam a uma mesma taxa I de inflação (Buzacott, 1975; Bierman & Thomas, 1977; Aggarwal, 1981);

- os custos aumentam linearmente.

A figura 1 ilustra estas duas situações.


3.2.1 Modelos com taxa de inflação constante

Aggarwal (1981) abordou a situação de aumento do custo de aquisição do produto a uma taxa de inflação I constante, permanecendo inalteradas as restantes suposições básicas do LEC. Sua abordagem, no entanto, apresenta falhas semelhantes ao caso de aumento por salto, mencionado anteriormente.

Bierman & Thomas (1977) examinaram a situação na qual todos os custos aumentam a uma mesma taxa de inflação e o horizonte de planejamento é finito. O lote ótimo é determinado através da minimização dos custos de um ciclo de reaprovisionamento.3 3 . O custo do ciclo é dado pela expressão CQ + a(Q/2).(QD) + S, observando-se que o custo de capital não está incluído. Através da determinação do valor presente do custo do ciclo, descontado a uma taxa r, obtém-se o mínimo.

Segundo estes autores, quando r = I, deve ser utilizado o modelo do LEC sem inflação.

Para a situação de r < I foi desenvolvido um modelo que requer a utilização de métodos iterativos para a obtenção da solução de mínimo custo.

Para r > I, a solução só pode ser obtida para um número limitado de ciclos, e o modelo é idêntico ao empregado para a situação r < I

Os resultados significativos obtidos por Bierman & Thomas (1977) foram:

- o crescimento da relação custo de armazenagem e custo de oportunidade do capital - a/k - implica uma diminuição do efeito da inflação sobre o tamanho do lote;

- as quantidades da solução ótima calculada são constantes durante o horizonte de planejamento.

O trabalho de Buzacott (1975) é baseado na maximização dos lucros na revenda de produtos, quando o preço de venda é determinado em função do custo de aquisição. Todos os custos aumentam à mesma taxa de inflação I durante um horizonte de planejamento finito. Várias políticas de preço são consideradas na análise de Buzacott: preços aumentados à mesma taxa de inflação que os custos; preços fixados a um valor monetário acima do custo; preços fixados a um percentual dos custos (fixed mark-up); e preços fixados como custo de aquisição mais todos os custos internos alocados aos itens.

Buzacott desenvolveu analiticamente cada um dos casos citados e chegou a expressões na forma implícita que permitem obter o intervalo ótimo de reaprovisionamento através de métodos iterativos. Os resultados obtidos mostram que o custo de manutenção de estoque deve ser modificado de acordo com a política de preços adotada pela empresa.

A principal limitação do trabalho de Buzacott reside na utilização da taxa de inflação I, uma medida geral de inflação, como a taxa de inflação do item, quando o correto seria usar a taxa de inflação específica do item.

3.2.2 Modelos com aumentos de custo lineares

A situação em que é admitida a linearidade dos aumentos de custo e horizonte de planejamento finito foi analisada por Machline (1971, 1981).

Quando existe regularidade nos aumentos de todos os custos, como ocorre em inflações prolongadas e crônicas, podem ser introduzidos vários aumentos de custo (taxas diferenciadas de inflação), quais sejam:

a) I1: taxa anual de inflação do item em estoque;

b) I2: taxa anual de aumento do custo de preparação de um pedido;

c) I3: taxa anual de inflação sobre o custo de oportunidade do capital.

O modelo resultante para esta situação é:

O desenvolvimento detalhado do modelo de Machline e suas implicações está apresentado no item 5.

3.3 Síntese

No quadro 1 está apresentada uma síntese dos modelos de LEC que leva em conta a inflação, enfocados pelos autores consultados nesta revisão da literatura. A classificação destes modelos foi efetuada segundo:


- os padrões de aumento nos custos: aumento por salto, mais de um aumento por salto, aumentos lineares e aumento a uma taxa constante;

- os custos afetados pela inflação: custos das unidades compradas, de preparação do lote e de manutenção dos estoques;

- características dos modelos: horizonte finito, modelos determinísticos e probabilísticos;

- abordagens utilizadas: balanceamento de custos, valor presente, retorno sobre o investimento e maximização do lucro.

Constata-se que os modelos com aumento discreto (por salto) no custo de aquisição do item são os mais difundidos na literatura, O caso de vários aumentos discretos praticamente não foi estudado, limitando-se os autores às situações aproximadas - aumentos lineares e taxa de aumento constante.

4. DESENVOLVIMENTO DO MODELO PARA UM AUMENTO POR SALTO NO CUSTO DE AQUISIÇÃO

Consideramos o caso de um gerente de compras confrontado com a seguinte situação: é anunciado que o preço (custo de aquisição) de um item aumentará em p% numa determinada data, mas que um pedido feito agora será entregue ao preço atual, podendo a entrega ser programada para a data em que o estoque disponível atinja zero.

Supomos que a empresa vinha adotando o LEC Qσ para repor o estoque do referido item. O gerente de materiais tem agora a opção de adquirir um lote maior antes de o aumento de preço se efetivar. A partir daí computará um novo LEC, Q1, para o novo custo de aquisição C (1 + p) . A questão é, portanto, determinar o tamanho do lote especial ou de exceção Q a ser adquirido agora, de modo a minimizar o custo total de obter e manter estoque. A figura 2 ilustra a situação. Consideramos que a alternativa à aquisição do lote especial é adquirir Qσ (o LEC ao preço atual C) seguido de lotes Q1 - o LEC ao preço inflacionário C(1 + p). Cabe observar que Naddor (1966) considera lotes Q1 e Aggarwal (1981) lotes Qσ como sendo a alternativa à aquisição do lote especial Q. O desenvolvimento aqui apresentado chega ao mesmo resultado de Naddor, mas difere do de Aggarwal, que, além de usar a alternativa errada, apresenta ainda uma abordagem incorreta na determinação do lote especial.4 4 . Para uma comparação dos três modelos, ver Fensterseifer (1983), onde é demonstrado que o modelo de Aggarwal não leva à solução ótima.


O lote especial Q acarretará um custo adicional (CA) de manutenção de estoque durante o período T de

Ou, após simplificações e substituindo T = Q/D e Tσ = Qσ/D,

O lote especial implicará, por outro lado, um menor custo de aquisição, dado por:

bem como um menor custo de obtenção

O benefício adicional (BA), em termos de custos poupados durante o período T, será, portanto, de

O tamanho do lote especial a ser adquirido será determinado pela quantidade que toma igual o custo e o benefício marginal, CM e BM, respectivamente, onde

e

Temos, portanto, fazendo CM = BM,

Após simplificações, obtém-se a seguinte expressão que dá a quantidade ótima a ser adquirida:

Ou, em termos de Qσ , uma vez que

É interessante observar que a fórmula bastante conhecida por parte de empresários5 5 . Machline (1981, p. 13). para determinar o nível de investimento a ser feito em estoque (além do necessário para a operação da empresa) em face de um aumento iminente no preço do item, dada por pD/h, representa uma boa aproximação do valor ótimo a ser adquirido.6 6 . Ou simplesmente p/h quando h é o custo mensal de manutenção de estoque; neste caso, a quantidade é dada em meses de consumo do item. Supondo que no caso em que não se desejasse tomar vantagem do aumento de preço o lote a ser adquirido seria Qσ o investimento adicional feito seria portanto de Q*- Qσ. Examinando a expressão (5), pode-se observar que

5. DESENVOLVIMENTO DO MODELO PARA AUMENTOS LINEARES NOS CUSTOS

Várias são as abordagens propostas na literatura para o caso em que um ou mais dos custos relevantes para a determinação do Lote Econômico de Compras variam de forma contínua. Como se pode constatar pela revisão bibliográfica do item 3, os resultados obtidos são os mais variados possíveis e até mesmo inconsistentes, devido às diferentes suposições simplificadoras feitas pelos vários autores. Alguns resultados obtidos são por demais complexos para se tornarem atraentes na prática, enquanto outros são baseados em suposições por demais simplistas e não se adequam à realidade. O problema, portanto, ainda carece de uma solução satisfatória.

O trabalho desenvolvido por Machline (1971, 1981), apesar das suposições simplificadoras feitas, é analisado detalhadamente a seguir por ser aplicável a um grande número de situações.

Machline considera a situação em que os custos aumentam linearmente, o que representa uma suposição razoável para horizontes curtos de planejamento (um ano ou menos). Representa também uma boa aproximação para o caso bastante comum em que os preços aumentam em pequenos e freqüentes saltos, embora a exata magnitude e freqüência sejam imprevisíveis. A aproximação linear representa, portanto, a expectativa de evolução dos preços durante o horizonte de planejamento. As taxas anuais, I1, I2, I3 aplicam-se, respectivamente, ao custo de aquisição do item, ao custo de preparação do pedido e ao custo de capital.

A abordagem de Machline consiste em determinar um fator de influência δi(Q) de um aumento contínuo de Ii sobre os custos de aquisição (i = 1) e de preparação de pedidos de compra (i = 2), em função do lote de compra Q.

Para o custo anual de aquisição (CA), por exemplo, para pedidos feitos durante o ano, teríamos:

Os termos de (6) são os membros de uma progressão aritmética de razão QCIi/n, podendo portanto a expressão (6) ser reescrita da seguinte forma:

Substituindo em (7) n = D/Q, obtém-se, após simplificações,

Temos então que o fator de aumento δi (Q) para o custo relevante i é dado por

O custo total (CT) de gestão de estoques para um ano torna-se, portanto,

onde os três termos representam, respectivamente, o custo de aquisição, de obtenção e de manutenção do estoque.

O último termo de (8) pode ser aproximado com pequeno erro por QC(h +I3)/2. Obtém-se então

resultando na seguinte fórmula para o lote econômico de compra:

ou, sendo Q0 = (2DS/Ch)1/2 o lote econômico de compra sem inflação,

Observa-se que para I1 = I2 = I3 = 0, ou seja, ausência de inflação, obtém-se Q*=Q0. Para o caso de inflação generalizada, porém igual em todos os componentes de custo com I1 = I2 = I3 = I, a expressão (10) transforma-se em

Nesta situação, Q* é maior que o LEC Q0, embora a diferença seja insignificante para pequenos valores de I. É interessante observar que (11) seria também a fórmula obtida para o lote econômico nas seguintes situações:

a) I1 = I3 = 0 e I2 = I, ou seja, inflação apenas nos custos administrativos de preparação de uma ordem de compra;

b) I1 = I3 > 0 e I2 = I, ou seja, inflação igual nos custos de manutenção e aquisição bem como uma taxa de inflação nos custos administrativos.

Examinando a expressão (10), constata-se que a diferença entre I3 e I1 é que determinará se os lotes econômicos serão maiores ou menores que Q0. O lote econômico será menor que Q0 quandoI3 - I1 > , o que só poderá ocorrer quando I3 > I1, isto é, quando a inflação no custo de capital for maior do que a inflação no custo do item a ser estocado. Quando I3 < I1 o lote ótimo será sempre maior que Q0, independentemente do valor de I2. O ano de 1980 oferece um exemplo para esta segunda situação, quando a correção monetária foi fixada num valor bastante abaixo da inflação nos custos dos materiais. Cabe observar, no entanto, que é a inflação setorial (do item específico) o dado importante para a determinação do lote econômico. Mesmo numa situação como a de 1980, pode haver setores em que os aumentos nos custos de um item estejam bastante abaixo da inflação nos demais setores, resultando assim um lote econômico menor que Q0. No entanto, tais situações são bastante raras, numa economia quase totalmente indexada como é o caso da brasileira, o que gera uma tendência à equalização da inflação em todos os setores.

O modelo de Machline descrito até aqui ignora a inflação no preço de venda do item (no caso da empresa comercial) ou do produto no qual o item entrará como componente (caso de uma empresa industrial). Segundo Machline, implicitamente está sendo suposto que, ou os preços de venda não são reajustados, ou se está adotando a posição do gerente de operações que leva em consideração apenas os aumentos de custos nos fatores de produção, ignorando o que acontece com os preços de venda. Conseqüentemente, o custo do dinheiro aplicado em estoque deve ser ditado pelo custo aparente k + I3. Para a situação mais realista em que a empresa pode reajustar seus preços de venda, Machline (1971) argumenta que o custo de oportunidade do dinheiro aplicado em estoque deve ser o custo real k, e chega à seguinte fórmula para o lote econômico nesta situação:

que é a expressão com I3 = 0.

Para a situação em que as taxas I1, I2 e I3 dos aumentos anuais de custos não forem determinísticas mas se comportem de acordo com distribuições de probabilidade δ1(I1), δ2(I2) e δ3(I3), supostas independentes, Machline mostrou que se chega ao mesmo resultado da fórmula (9), com 7,, 72 e 73 substituídos pelos valores esperados 1, 2 e 3. Para o caso em que as distribuições de probabilidade não sejam independentes, não se chega a uma fórmula simples. Nesta situação, é necessário calcular o custo total para vários valores de Q e selecionar aquele que resultar no menor custo.

Os resultados apresentados neste item, embora aplicáveis em um grande número de situações, não são otimizantes devido à suposição de aumentos lineares nos custos e da forma aproximada de custo total utilizada. Apresentam, no entanto, a vantagem de chegar a fórmulas simples e de fácil aplicação para empresas que já utilizam a fórmula do LEC tradicional para dimensionar seus estoques. Ademais, como o custo total CT varia pouco em torno do valor ótimo Q*, o erro ocorrido devido às aproximações feitas deverá ser insignificante.

Uma limitação séria, no entanto, à utilização da expressão (9) ocorre quando

Neste caso, o termo abaixo do radical torna-se infinito (resultando Q* = ∞) ou negativo (impossibilitando a determinação de Q*). O valor Q* é altamente sensível ao valor de (h + I3 - I1) e para valores próximos de zero (mas positivos) resultará em lotes excessivamente grandes, tomando o uso da fórmula impraticável. Este problema torna mais impraticável ainda o uso da expressão (12), pois na situação brasileira atual (h - I1) é menor que zero para praticamente a totalidade dos produtos estocáveis. Nestas situações, faz-se necessária uma abordagem de retorno no investimento em estoque, e não a de minimização de custos descrita neste item.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os modelos de estoques apresentados revelam uma diversidade difícil de integrar, tanto nas abordagens utilizadas como nos resultados obtidos.

Diante desta diversidade, o gerente de materiais (o prático) terá grande dificuldade em selecionar o modelo adequado para decisões de níveis de estoques. A falta de consenso constatada na prática, mencionada no início deste trabalho, é corroborada por uma falta de consenso na literatura especializada.

A única característica em comum dos modelos é que todos apresentam uma abordagem parcial da integração do fator inflação.

Excetuando o caso específico de um aumento por salto no custo de aquisição de um material, uma situação satisfatoriamente resolvida, os resultados apresentados mostram a necessidade de desenvolvimento de modelos normativos mais adequados ao caso de aumentos diferenciados nos custos relevantes de estoques bem como nos preços de venda dos produtos.

Os resultados aqui apresentados indicam que os estoques devem ser geridos como um investimento e não do ponto de vista de minimização de custos, sob pena de a empresa incorrer em altos custos de oportunidade. Uma abordagem de retorno sobre o investimento em estoques parece ser a mais indicada para uma situação inflacionária em que custos relevantes e preços de venda variam a taxas diferenciadas.

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  • Política de estoques, um ponto vital na estratégia das empresas. Exame, São Paulo, 15 jul./1981. p. 30-6.
  • *
    Este estudo faz parte da linha de pesquisa Inflação e Política de Estoques e conta com o apoio financeiro da Finep.
  • 1
    . Política de estoques, um ponto vital na estratégia das empresas.
    Exame, São Paulo, 16 jul. 1981.p. 30-6.
  • 2
    . Fensterseifer, J. E.; Hoppen, N. & Luce, F. B. (1982).
  • 3
    . O custo do ciclo é dado pela expressão
    CQ + a(Q/2).(QD) + S, observando-se que o custo de capital não está incluído.
  • 4
    . Para uma comparação dos três modelos, ver Fensterseifer (1983), onde é demonstrado que o modelo de Aggarwal não leva à solução ótima.
  • 5
    . Machline (1981, p. 13).
  • 6
    . Ou simplesmente
    p/h quando
    h é
    o custo mensal de manutenção de estoque; neste caso, a quantidade é dada em meses de consumo do item.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1985
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