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Lyotard, Jean-Françoís. O pós-moderno

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Denice Barbara Catani

Professora no Departamento de Metodologia do Ensino da Faculdade de Educação da USP

Lyotard, Jean-François. O pós-moderno. Rio de Janeiro, José Olympio, 1986. 123. Trad. Ricardo Corrêa Barosa.

Que posição ocupa atualmente o saber nas sociedades mais desenvolvidas? Esta é a questão central do livro de Jean-François Lyotard. De acordo com ele, trata-se de um esforço de situar o conhecimento cientifico na chamada condição "pós-moderna". Esta designação é empregada para referir-se ao "estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX" (Introdução, p. XV). O autor interessa-se especificamente pelo Jogo que produz a ciência hoje e pelo seu espaço nas sociedades informatizadas.

Uma das marcas registradas da pós-modernidade, enquanto condição da cultura, está na rejeição aos metadiscursos ou aos "grandes relatos", empregados para justificar o conhecimento cientifico em momentos anteriores, A contribuição da ciência para o avanço da humanidade deixa de ser uma justificativa, A fim de mostrar o significado e o alcance dessa recusa às justificativas que apelam para as "potencialidades emancipadoras ou revolucionárias" do saber, Lyotard examina o que considera alterações de perspectiva quanto à questão do processo de legitimação da ciência.

Em capítulos dedicados ao ensino e à pesquisa, o autor cuida do exame da forma pela qual circula socialmente, e em especial entre os cientistas, a noção de "desempenho". Ao analisar o funcionamento do ensino superior e suas peculiaridades, demonstra-se que, quando o grande critério de pertinência é o "desempenho ", o ensino passa a "fornecerão sistema social as competências correspondentes às suas exigências próprias, que são as de manter sua coesão interna. Anteriormente, esta tarefa comportava a formação e a difusão de um modelo geral de vida, que legitimava ordinariamente o discurso da emancipação. No contexto da deslegitimação, as universidades e as instituições de ensino superior são de agora em diante solicitadas a formar competências e não mais ideais (...)" (p. 89).

No prefácio è edição brasileira, intitulado "Tempos pós modernos", Wilmar do Valle Barbosa lembra que, contemporaneamente* a "universidade enquanto produtora da ciência toma-se uma instituição sempre mais importante no cálculo estratégico-polítlco dos Estados atuais. Se a revolução industrial nos mostrou que sem riqueza não se tem tecnologia ou mesmo ciência, a condição pós-moderna nos vem mostrando que sem saber científico e técnico não se tem riqueza." (p.XI). E partindo daí é que são examinadas as relações entre a ciência e a técnica, e entre estas e o poder, bem como a transformação dessas relações em decorrência da informatização. Entre as idéias vinculadas a este tema, discutem-se a alteração das relações políticas e a posição do Estado como eventual conseqüência do processo de desenvolvimento dos bancos de i informações que podem se tornar "o instrumento sonhado de controle e de regulamentação".

Problemas importantes como o de financiamento da pesquisa e os mecanismos de reconhecimento da validade e aceitação dos enunciados científicos aparecem analisados pelo autor, ao mostrar que a ciência pós-moderna deve caminhar pelos meandros do dissenso e da busca do contra-exemplo. Ao explicitar desse modo a questão, Lyotard não perde de vista, entretanto, que o caminho trilhado na construção do conhecimento na pós-modernidade tem tido como uma de suas marcas a noção de "desempenho", redimensionando suas relações com a técnica (e com o poder). Sobre essas marcas, diz o autor:"(...) sendo a 'realidade', que fornece as provas para argumentação científica e os resultados para as prescrições e as promessas de ordem jurídica, ética e política, pode-se vir a ser senhor de ambas tornando-se senhor da 'realidade', o que as técnicas permitem. Reforçando-as, 'reforça-se' a realidade, conseqüentemente as oportunidade de ser justo e deter razão. E, reciprocamente. reformam-se as técnicas de que se pode dispor do saber científico e da autoridade decisória" (p. 84).

Nesse sentido, segundo Lyotard, toma forma a legitimação pelo poder - "este não é somente o bom desempenho, mas também a boa verificação e o bom veredicto. O poder legitima a ciência e o diretor por sua eficiência, e esta por aquelas. Ele se autolegitima como parece fazê-lo um sistema regulado sobre a otimização de suas performances" (p. 84).

Para além das discussões técnicas sobre a produção científica, tal como Lyotard as apresenta, importa ressaltar que o livro fornece uma perspectiva original sobre os rumos que podem ser entrevistos na organização do poder e do Estado a partir do novo jogo da ciência e da técnica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1987
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