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Para sair do século XX. Edgar Morin

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Sérgio Amad Costa

Professor no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV. Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e autor de livros na área de ciências sociais

Morin Edgar, Para sair do século XX, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. 346p.

Com muita freqüência, escutamos exaltações extremadas ao progresso da humanidade. E um dos aspectos mais salientados é o prodigioso avanço tecnológico, emtermosde acúmulo de conhecimento, ocorrido nos últimos tempos, sempre destacado como algo fenomenal. Entretanto. com todo o "progresso", ninguém pode deixar de verificar, na prática, que o perigo da guerra continua ameaçando a humanidade, a penúria ainda persiste em larga escala e a natureza, cada vez mais, é abalada pela ação predatória do homem na sua transformação. Assim, será que avançamos multo em relação às gerações passadas?

A solução para tal contexto em que vivemos é, inevitavelmente, um grande desafio polltico para a sobrevivência da própria humanidade. A política, da qual tudo depende, depende também de tudo o que depende dela. Ou seja, "o destino do mundo depende do destino polftico, que depende do destinodo mundo". Com essa frase, Edgar Morin inicia seu livro, Para sair doséculo XX, abrindo os olhosdo leitor para a real situação em que se encontra a humanidade.

Trata-se de um trabalho de fôlego, como se diz nos meios acadêmicos,com reflexões sociológicas a respeito de meios de comuniceçilo, sistemas capitalista e socialista, ideologias, doutrinas, etc. Éuma avaliação geral, porém muito bem sistamatizada, da situação política (entendendo-a como produto e produtora das condições econômicas e sociais emtodas as suas instâncias) do mundo contemporâneo.

Uma parte assaz empolgante deste estudo diz respeito à análise dos meios de comunicação. Hoje, o que acontece em uma dada região do mundo pode ser visto no mesmo momento, em outras localidades dela extremamente distantes. Esta instantaneidade da comunicação gera uma maior participação dos homens nos acontecimentossociais de todo o planeta. Mas há pontos negativos nessa comunicação. Isto é, o perigo de, muito em breve, os homens conhecerem o mundo e a vida só pelo vídeo, caso ele não seja bem utilizado pela humanidade, e terem como linguagem apenas a expressão desse condicionamento: homens com uma consciência limitada por esse estar-no-mundo, estando ausentes, bem descritos pelo ficcionista polonês Jerzy Kosinski, em sua parábola moderna O Vidiota, publicada em 1979.

Os lados negativos da comunicação moderna são observados por Edgar Morin ao assinalar que, hoje, sofremos simultaneamente de subinformação e superinformação, de escassez e excesso. Sua critica não se reporta apenas ao condicionamento que, porventura alguns meios de comunicação quando mal utilizados, podem gerar nos indivíduos. O autor procura salientar também as "filtragens" ne própria transmissão das noticias, que destorcem e escondem o real. Tal contexto é verificado principalmente nos países ditatoriais, onde há o monopólio estatal da comunicação. "A informação, num sistema totalitário, não é somente uma informação governamental; é, sobretudo, uma informação governamental totalitária. Sua característica própria não é só estar sujeita à censura do Estado de onde resulta a subinformacão; ela reside na conjunção entre a subinformação e a formação de pseudo-informação, que dão uma imagem ideal/lendária da sociedade."

O ensaísta, para comprovar suas teses, trabalha com uma série de exemplos de comunicação, principalmente das realidades da União Soviética e da Polônia destacando situações desde o período do stalinismo, onde a história da União Soviética foi autenticada por fotografias truncadas, das quais desapareceram para sempre, os rostos de Trotski, Bukharin e outros velhos bolchevistas condenados por Stalin. Aliás, há outros trabalhos sérios que revelam esses dados da União Soviética, como, por exemplo, o livro do cientista social francês Marc Ferro. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação, lançado, já há uns três anos no Brasil, pela Editora lbrasa.

Nas questões sobre ideologias e sistemas, Edgar Morln não faz concessões aos regimes de esquerda nem aos de direita. Suas críticas são contundentes e dirigidas a todos os lados, fundamentadas em fatos que vêm ocorrendo neste século. Uma das passagens também interessantes deste livro é a maneira como o autor interpreta o socialismo real, salientando que o termo socialismo passou, atualmente, a ter uma conotação pejorativa, em virtude das distorções que, ne prática, esse sistema vem sofrendo. Por esse motivo, cumpre lembrar, alguns pensadores europeus, de tradição de esquerda, já há tempo preferem evitaro uso do termo socialismo, pois tal palavra significa, hoje, para a maioria, o regime instaurado na União Soviética e nos países similares, onde o que prevalece é a ditadura, o totalitarismo, privilegiando os elementos pertencentes à burocracia. É o caso, por exemplo, de Cornelius Castoriades, que, desde os fins dos anos 70, em seus escritos (ver Socialismo ou barbárie o conteúdo do socialismo, Editora Brasiliensel), deixou de lado o termo socialismo, substituindo-o pela expressão sociedade autônoma que ele designa como livre a ser ainda construída.

O livro Para Sair do século XX, de Edgar Morín, à primeira vista, pode parecer repleto de teses reacionárias. Entretanto, lido com atenção, percebe-se que se trata de uma série de ponderações sérias, baseadas em fatos concretos, contribuindo, por isso mesmo, para uma visão realmente mais progressita do mundo contemporâneo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1987
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