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A dinâmica empresarial e tecnológica das empresas do complexo petroquímico de Camaçari

ARTIGO

A dinâmica empresarial e tecnológica das empresas do complexo petroquímico de Camaçari

Francisco Lima C. Teixeira

Coordenador do Núcleo de Política e Administração de Ciência e Tecnologia (Nacit) do ISP/UFBA e professor no Mestrado em Administração Pública da UFBA

1. INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento da indústria petroquímica tem sido considerado por vários autores como de importância capital para o entendimento de todo o processo de industrialização brasileiro. Essa importância deve-se não apenas ao porte econômico dessa indústria - que, potencialmente, pode gerar significativos encadeamentos com outros setores da estrutura industrial - mas também ao singular "modelo institucional" adotado pelos agentes econômicos participantes dos investimentos no setor, denominado "modelo tripartite".

Existe uma ampla literatura1 1 Andrade, CF. Technology transfer and the Brazilian tripartite joint-venture. Dissertação de mestrado. Victoria, University of Manchester, 1981; Evans, P. Dependent development: the alliance of multinationals, state and local capital in Brazil. New Jersey, Princeton University Press, 1979; Candal, A.R. Petroquímica brasileira, problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Funcex, 1979; Teixeira, F.L.C. The political economy of technological learning in the Brazilian petrochemical industry. Tese de doutorado. Sussex, University of Sussex, 1985; Suarez, M.A. Petroquímica etecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1986. que se ocupou da descrição e interpretação do "modelo tripartite". Entre os vários autores que cuidaram do assunto parece existir uma concordância quanto à original solução política que representou esse modelo. Sem dúvida, a junção de sócios nacionais privados, sócios multinacionais e uma empresa pública estatal em foint-ventures petroquímicas, além de resolver o impasse político em torno dos investimentos nesse setor básico, viabilizou a realização de imobilizações financeiras de tão alto vulto.

No entanto, outros aspectos do "modelo tripartite" foram, na época da implantação do Complexo Petroquímico de Camaçari, severamente criticados. Essas críticas eram dirigidas, fundamentalmente, a dois aspectos do modelo:

a) a participação do sócio estrangeiro no controle dos investimentos; e

b) a forma pela qual a transferência de tecnologia foi realizada.

Em relação ao primeiro ponto, a questão que se levantava era o efetivo controle exercido pelo sócio estrangeiro no empreendimento, uma vez que os acordos de acionistas das empresas concedem o poder de veto, a qualquer dos sócios, sobre várias decisões estratégicas, inclusive a estratégia tecnológica.2 2 Martins, L. The state-transnational corporations-local entrepreneurs joint-venture in Brazil: how to relax and enjoy a forced marriage. In: Markler, H.; Martinelli, A. & Smelser, N. org. The new international economy. Beverly Hills London, Sage Publications, 1979.

Em relação à tecnologia, a principal preocupação refere-se às conseqüências da sua forma de transferência na absorção do know-how importado e no desenvolvimento de tecnologia própria pelas empresas. Segundo o "modelo tripartite", coube ao sócio estrangeiro o fornecimento da tecnologia como parcela do capital sob sua responsabilidade. Esse fato, aliado à questão de acordos de acionistas, segundo diversos autores,3 3 Araújo JR., J.T. & Dick, V.M. Governo, empresas multinacionais e empresas nacionais: o caso da indústria petroquímica. Pesquisa e Planejamento Econômico, 4(3) dez. 1971, por exemplo. poderia limitar os esforços das empresas.

Contudo, apesar dessas restrições iniciais, algumas empresas de Camaçari vêm, aparentemente, evoluindo no sentido da nacionalização dos investimentos, com a compra das ações pertencentes aos grupos multinacionais. Além disso, outras empresas conseguiram modificar o acordo de acionistas original, no sentido de limitar o poder do sócio estrangeiro. No aspecto tecnológico as empresas, em geral, conseguiram atingir índices de eficiência e produtividade que indicam a existência de um efetivo processo de absorção de tecnologia.

Este trabalho procura avaliar os aspectos empresarial e tecnológico do Complexo de Camaçari - após mais de 10 anos do início da sua implantação. Verificam-se as mudanças na composição acionária das empresas, nos acordos de acionistas e as suas conseqüências para a trajetória tecnológica destas empresas. Os resultados encontrados são analisados à luz das discussões iniciais sobre o projeto.

As informações utilizadas neste trabalho foram, originalmente, obtidas a partir de uma pesquisa realizada para o Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec), empresa estadual responsável pela administração desse distrito industrial. Essa pesquisa envolveu 51 empresas, distribuídas em 12 subsetores, que constituíam o universo de empresas em operação e/ou implantação, no primeiro semestre de 86. Dessas 51 empresas, 21 se encontram em operação desde 1978 e constituem o chamado "complexo básico", onde o "modelo tripartite" foi, prioritariamente, implantado, representando a totalidade das plantas em operação/implantação nos subsetores de petroquímicos básicos, intermediários e finais. Neste trabalho, a análise será voltada, prioritariamente, para essas 21 empresas que constituem o núcleo central do Pólo de Camaçari.

2. DINÂMICA EMPRESARIAL

A estrutura empresarial conhecida como "modelo tripartite" surgiu pela primeira vez no Pólo de São Paulo, como resultado de articulações políticas que culminaram na participação do Estado, da iniciativa privada nacional e de grupos estrangeiros no desenvolvimento da indústria petroquímica no Brasil.

Seguindo este modelo, o planejamento do Complexo Petroquímico de Camaçari comportava a criação de uma empresa piloto (Copene) que seria responsável pela operação de uma central de matérias-primas, uma central de utilidades e outra de manutenção. Essas centrais serviriam a todas as empresas do complexo. A Copene, que inicialmente foi toda integralizada pela Petroquisa, posteriormente teve 49% das suas ações vendidas às empresas down-stream que formavam o chamado "complexo básico". Por sua vez, essas empresas down-stream seriam formadas por joint-ventures entre a Petroquisa, o sócio privado nacional e o sócio estrangeiro, de acordo com três requisitos:

• a maioria das ações não poderia ficar em poder de grupos estrangeiros;

• as ações da Petroquisa deveriam ser em quantidade igual ou maior que a quantidade de ações dos grupos estrangeiros; e

• nenhum sócio poderia, sozinho, deter a maioria do capital.

Um certo nível de flexibilidade foi permitido ao modelo, de forma á adaptá-lo às circunstâncias das negociações. Assim sendo, certos investimentos não seguiram a regra geral, uma vez que alguns grupos privados levaram adiante seus projetos sem associações. Uma outra característica do "modelo" refere-se à integralização da participação do sócio estrangeiro, sob a forma de suprimento de insumos tecnológicos para os projetos.

Conforme observado por Martin,4 4 Martins, L. op. cit. os acordos de acionistas das empresas "tripartires" estabeleciam que certas decisões estratégicas só poderiam ser tomadas por unanimidade da diretoria, garantindo ao sócio estrangeiro um poder de veto sobre as operações das empresas. As decisões afetadas por essas cláusulas dizem respeito a:

a) mudança dos estatutos;

b) dissolução da sociedade;

c) planos de expansão com custos superiores a 10% do capital autorizado;

d) venda, compra, uso ou abandono de marcas, informações técnicas ou informações sigilosas relativas ao processo de produção;

e) participação, associação ou compra de outras empresas.

A análise da estrutura empresarial das empresas do Complexo de Camaçari tem como objetivo apresentar a evolução do controle acionário dos investimentos, bem como as mudanças ocorridas nos acordos de acionistas inicialmente estabelecidos pelos sócios.

A tabela 1 apresenta a evolução do controle empresarial dos investimentos no Complexo, discriminado pela origem dos grupos societários: estatal, nacional privado, privado local (Bahia) e internacional. O controle acionário foi calculado ponderando-se o percentual pertencente a cada sócio pelo valor do investimento realizado em cada empresa, classificada pelos subsetores correspondentes. Esse cálculo foi feito para 1978 e 1985, visando a comparar a situação atual com a época de início do Complexo.

A análise dos três subsetores que compõem o Complexo Básico (petroquímicos básicos, intermediários e finais) indica que o Estado diminuiu sua participação de 42%, em 1978, para 38%, em 85. Da mesma forma, os sócios internacionais reduziram a sua participação de 19% para 15%, aproximadamente. Por outro lado, essas reduções foram compensadas pelo aumento da participação do sócio privado nacional (de 28% para 36%), uma vez que a participação do sócio privado local (Bahia) manteve-se, praticamente, a mesma. Ê importante observar que os investimentos nesses três subsetores representam dois terços dos investimentos totais do Complexo.

Considerando-se apenas os subsetores petroquímicos intermediários e finais - onde o "modelo tripartite" foi amplamente utilizado -, verifica-se a mesma tendência no sentido da diminuição da participação do sócio internacional (de 30% para 24%). Essa redução foi compensada pelo aumento do sócio privado nacional (de 23% para 27%) e do sócio estatal (de 30% para 32%). O sócio privado local teve sua participação praticamente inalterada nesses subsetores.

Em resumo, podem-se observar duas tendências principais em relação ao controle acionário. Por um lado, a nacionalização dos investimentos - em decorrência da saída de sócios estrangeiros, principalmente nos subsetores de petroquímicos intermediários e finais - e, por outro lado, a privatização das empresas, demonstrada pelo aumento da participação do sócio privado nacional. Observa-se, também, o fortalecimento dos sócios privados locais, em função, principalmente, das suas participações em investimentos no subsetor de química fina que se está criando a jusante do "complexo básico".

Várias modificações na composição acionária das empresas foram verificadas, a começar pela Copene. Essa empresa, seguindo uma estratégia que lhe permitisse enfrentar o aumento dos seus custos de investimento - em virtude da inflação mundial pós-choque do petróleo - e, ao mesmo tempo, suprir a necessidade de formação do capital de giro (dificultada pela atuação do CIP, na época), decide lançar uma série de ações ordinárias através do Programa de Capitalização da Empresa Nacional (Procap). A participação da Copene nesse programa resultou na sua privatização. Posteriormente, a Copene lançou ações preferenciais, também através do Procap e outros programas de financiamento e capitalização da empresa privada. Esses lançamentos de ações e debêntures permitiram a captação de cerca de US$ 200 milhões.

Essa estratégia permitiu que a Copene se capitalizasse, sem recorrer a recursos públicos já então fortemente controlados pela Sest e, ao mesmo tempo, manter o seu controle pela Petroquisa. Essa empresa estatal mantinha-se como o grande sócio individual, além de participar na composição acionária das demais empresas down-stream, conforme observado por Suarez.5 5 Suarez, M.A. op. cit.

Nova modificação na composição acionária da Copene ocorreu em 1980 com a criação da Nordeste Química S/A (Norquisa), formada para funcionar como uma holding de 17 empresas de segunda geração do complexo básico. Para isso, essas empresas transferiram suas ações do capital votante da Copene, passando a Norquisa a deter 47,19% do controle acionário da Copene. A estrutura acionária da Norquisa e da Copene é apresentada na figura 1.


A criação da Norquisa veio coroar a nova estratégia da indústria petroquímica, e da sua tecnoburocracia, para fugir ao controle governamental sobre os investimentos das estatais. Ao mesmo tempo em que a Norquisa consolidava a estrutura privada da Copene, ela aglutinava os recursos gerados por todas as empresas do Complexo do Nordeste. Isso permitiria a consecução de planos de desenvolvimento para a indústria, independente de planos e recursos definidos pelo governo. Por sua vez, a Norquisa mantinha o caráter "nacionalista" da indústria, dado que o seu efetivo controle, através do Conselho de Administração e Diretoria, estaria nas mãos da tecnoburocracia estatal e de grupos privados nacionais.

Em relação as empresas down-stream, as principais modificações detectadas até agora, no que se refere à composição acionária, dizem respeito à retirada do sócio multinacional de quatro empresas tripartires. No caso da Isocianatos e da Pronor, a saída do sócio estrangeiro foi aparentemente ocasionada por problemas operacionais no início de operação, que implicaram graves problemas financeiros. Como o sócio privado nacional dessas duas empresas era o mesmo (Petroquímica da Bahia/Grupo Mariani), o processo de mudança levou à incorporação pela Pronor da Isocianatos que, então, já havia se descartado do sócio estrangeiro (Dynamit Nobel). No caso da Nitrocarbono, a saída do sócio estrangeiro também foi, aparentemente, ocasionada por problemas operacionais e financeiros, provocando a entrada da Copene, que saneou financeiramente a empresa e comprou a participação acionária da DSM. A saída da ICI da Polipropileno não parece ter sido ocasionada por problemas operacionais ou financeiros, haja vista o excelente desempenho dessa empresa. Na verdade, a saída da ICI, assim como das outras multinacionais citadas, obedece a uma nova estratégia desses grupos no Brasil: ocupar os segmentos a jusante das commodities, inclusive química fina, a partir dos recursos gerados pela venda das suas participações acionárias nas empresas instaladas em Cam acari.6 6 Id.ibid.

Por último, vale mencionar a mudança na estrutura acionária da EDN, que substituiu o sócio estrangeiro original (Hoeschst) por um outro grupo já instalado no Brasil (DOW). A entrada da DOW permitiu que a EDN modificasse o acordo de acionistas, eliminando as cláusulas de unanimidade. Além disso, a própria EDN comprou a planta de poliestireno da DOW em São Paulo, aumentando a sua participação no mercado.

As empresas cujo sócio estrangeiro é de origem japonesa mantêm, até hoje, a estrutura tripartite (havendo algumas alterações na parcela privada nacional). Entretanto, essas empresas vêm sofrendo um processo de mudança organizacional cujo objetivo é viabilizar suas estratégias de crescimento. O principal entrave continua sendo o acordo de acionistas que, em alguns casos, já sofreu alterações formais, reduzindo efetivamente a abrangência do poder de veto do sócio estrangeiro.

3. DINÂMICA TECNOLÓGICA

A análise da dinâmica tecnológica tem como objetivo avaliar o grau de envolvimento das empresas do Complexo Petroquímico de Camaçari em atividades que visam a absorver a tecnologia inicialmente importada e, a partir daí, a desenvolver alternativas tecnológicas próprias. A análise será apresentada em quatro partes. A primeira refere-se aos níveis de eficiência e produtividade alcançados pelas empresas. A segunda diz respeito à organização interna das atividades de pesquisa nas empresas e ao nível de capacitação tecnológica alcançado. A terceira parte analisa as pesquisas desenvolvidas pelas empresas, tanto internamente como através de terceiros. A quarta e última parte refere-se às estratégias tecnológicas adotadas pelas empresas. As condições iniciais de transferência de tecnologia não serão aqui analisadas, uma vez que esse assunto já foi exaustivamente abordado pela literatura.7 7 Vide especialmente Andrade, CF. op. cit.

Em relação aos níveis de eficiência e produtividade, um dos principais indicadores utilizados na indústria petroquímica é a relação entre a capacidade nominal da planta (ou capacidade de projeto) e a capacidade realmente alcançada após um curto tempo de operação.

A tabela 2 apresenta as informações comparativas entre a capacidade nominal e a capacidade real (volume produzido em 1985), e entre a capacidade real e a capacidade prevista (após operações de "desengarguelamento"8 8 O termo "desengarguelamento" é usado no texto no sentido de "balanceamento" da capacidade de produção. A manutenção do termo original deve-se ao fato de que ele é usado no jargão corriqueiro do pessoal técnico que trabalha no setor, em uma tradução literal do inglês ( debottlenecking). e/ou pequenas mudanças técnicas) para o principal produto (maior tonelagem) das empresas dos subsetores petroquímicos básicos, intermediários e finais, química básica e fertilizantes.

A comparação entre a capacidade real e a capacidade nominal indica que todas as empresas desses subsetores - excluindo as que iniciaram operação recentemente ou as que foram ampliadas - realizaram operações de "desengarguelamento" e/ou pequenas mudanças técnicas, que resultaram num aumento da capacidade real dos seus processos produtivos. O aumento da capacidade real das 18 empresas consideradas varia de 12% a 65% em relação à capacidade nominal, sendo que a média é de 25%. Enquanto isso, apenas oito empresas têm previsão de aumento de capacidade, a partir das operações similares (não se considerando ampliações que demandem grandes investimentos). Quando realizadas essas operações, o aumento de capacidade dessas oito empresas será, em média, de 16% em relação à capacidade real de 1985.

Essas informações indicam que as possibilidades de aumento de capacidade através de "desengarguelamentos" e/ou pequenas mudanças estão, praticamente, esgotadas. Conseqüentemente, para atender o crescimento da demanda nos próximos anos, será necessária a ampliação (ou possível duplicação) das empresas do Complexo Básico, como já foi decidido pelo governo.

Em relação à organização da atividade tecnológica, a pesquisa procurou detectar o grau de envolvimento das empresas com atividades de controle de qualidade e pesquisa e desenvolvimento. A tabela 3 permite analisar os dados disponíveis. Em primeiro lugar, a quase totalidade das empresas (85%) do Pólo de Camaçari, exceto os subsetores metalurgia e outros, possui controle de qualidade do processo produtivo, sendo que a totalidade das empresas nos subsetores de petroquímicos (básicos, finais e intermediários), química básica, fertilizantes e química fina - exatamente os subsetores pertencentes à indústria química - exerce esse tipo de atividade. O controle de qualidade do processo envolve 590 empregados, sendo 63 de nível superior.

Por outro lado, 51% das empresas consideradas declararam possuir um setor especificamente voltado para atividade de pesquisa e desenvolvimento. Contudo, detendo-se nos subsetores pertencentes à indústria química, esse percentual se eleva a 68,5% sendo que a quase totalidade dos subsetores de petroquímicos (básicos, intermediários e finais) desenvolve essas atividades. De um total de 213 empregados trabalhando em P&D, cerca de dois terços possuem nível superior.

Esses números indicam que a maioria das empresas do Complexo Básico está atualmente envolvida em atividades de P&D, apesar das restrições iniciais - tanto relativas à presença do sócio estrangeiro, como aos contratos de transferência de tecnologia.

É importante assinalar que, como observado por Suarez,9 9 Suarez, M.A. op. cit. a iniciativa de realização de atividades de P&D, tanto visando a "desengarguelamentos" quanto a pequenas mudanças técnicas, partiu dos próprios quadros técnicos das empresas, muitas vezes em oposição ao diretor da área industrial. Essas iniciativas foram, na maioria das vezes, posteriormente incorporadas pelas empresas.

Quanto à área de produtos, 54% das empresas declararam desempenhar atividades de desenvolvimento e/ou controle de qualidade. Vale ressaltar que essa atividade não se aplica a todos os subsetores, sendo mais pertinente nos subsetores petroquímicos finais, de fertilizantes e de química fina. Considerando-se apenas esses três subsetores, o percentual de empresas envolvidas eleva-se para 72%. De um total de 132 pessoas envolvidas nessa atividade, 62 possuem nível superior.

A tabela 4 resume as informações quanto ao nível de capacitação tecnológica. Assim, 82% das empresas declararam-se capazes de realizar modificações nos processos; 76%, de reproduzir os processos com pequenas alterações; 60%, de projetar os processos; e 45%, de desenvolver novos processos a partir dos atuais. Considerando apenas os subsetores pertencentes à indústria química, esses percentuais elevam-se, respectivamente, para 90%, 88%, 78% e 50%. Apesar de esses números indicarem que as empresas atingiram um razoável nível de capacitação tecnológica, eles devem ser vistos com uma certa cautela, uma vez que os informantes tendem a superestimar a capacidade de suas empresas para desempenhar atividades tecnológicas.

Os dados relativos à realização de projetos de pesquisa internamente (tabela 5), em geral, confirmam os dados anteriores. As empresas estão envolvidas, preferencialmente, em pesquisas nas áreas de produtos e de energia (53% das empresas consideradas), sendo que o número de projetos na área de produtos (53) supera os da área de energia (33). Por sua vez, 14 empresas (41%) estão desenvolvendo projetos objetivando o tratamento e/ou aproveitamento dos seus clientes e 12 empresas (35%) desenvolvem projetos na área de produtos. Uma análise qualitativa dos projetos, contudo, indica que os mesmos objetivam, em geral, a melhoria do processo/produto, e não o desenvolvimento de novos processos ou produtos. Isso indica que as empresas ainda não atingiram a etapa mais avançada de capacitação tecnológica, quando altos recursos são destinados à inovação.

Os dados relativos à contratação de pesquisa com terceiros (tabela 6) indicam, primeiro, que, relativamente, poucas empresas (43%) contratam pesquisas externas. Esses contratos possuem um baixo valor médio (US $ 145 mil) em comparação com os investimentos realizados por empresas estrangeiras nessa área. A totalidade dos contratos foi firmada com instituições nacionais de pesquisa, sendo que apenas um terço, com instituições localizadas na Bahia (UFBA e Ceped). Apenas oito empresas responderam que obtiveram empréstimos governamentais, sendo que quatro foram concedidos através da Finep e quatro, por outras agências (BNDES, STI/ MIC, BNB e Desenbanco). Isso demonstra que as empresas ainda não utilizam extensivamente as fontes governamentais de fomento à atividade de pesquisa. Um dos prováveis motivos é que, até recentemente, a Finep - principal agência de fomento à ciência e tecnologia - não concedia empréstimos a empresas que possuíssem participação estrangeira, a exemplo das "tripartites" de Camaçari. Entretanto, segundo informações da própria Finep, na sua atual carteira de pedidos, referentes à área da indústria química, as empresas de Camaçari participam com grande parte da demanda.

Na tentativa de superar os problemas de escala nas atividades de P&D, algumas empresas, através do Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (Cofie), estabeleceram um programa de pesquisas em conjunto, visando a utilizar a capacidade instalada do Ceped. O acordo tem como objetivo realizar pesquisas identificadas com os interesses comuns das empresas participantes, com o propósito essencial de absorver e dominar tecnologia e de gerar capacitação e excelência tecnológica. Em virtude de esse acordo ter sido estabelecido recentemente, ainda não foi possível fazer uma avaliação dos seus resultados.

A maioria das empresas pertencentes a subsetores que fazem parte da indústria química considera a variável tecnológica como parte do planejamento de longo prazo. Nesse sentido, a estratégia tecnológica dessas empresas inclui uma fase de absorção e domínio da tecnologia, fase já ultrapassada em várias delas, e posterior desenvolvimento de alternativas próprias.

Contudo, poucas empresas responderam que sistematicamente destinam algum percentual do seu faturamento para gastos em P& D. Mesmo aquelas que indicaram algum percentual não foram capazes de estabelecer uma série histórica de gastos com P&D (a questão incluía gastos desde 1981). Dentre estas empresas, os gastos com P&D, geralmente, não ultrapassam 1,5% do faturamento.

Em resumo, as respostas relativas ao aprendizado e desenvolvimento tecnológico revelam que só recentemente (a partir de 1984) é que as empresas do Copec iniciaram o processo de formalização da atividade de pesquisa. A atividade tecnológica, até então, resumia-se à absorção de tecnologia, visando à execução de operações de "desengarguelamento" e à introdução de pequenas mudanças técnicas nos processos existentes. Essas operações são, em geral, resultado do acompanhamento do processo que se realiza em paralelo à operação das plantas. Essa característica fica também revelada pela falta de critério na subordinação do órgão de P&D: as respostas a essa questão revelam que cada empresa utilizou uma forma de organização do setor de P&D, o que leva aos mais diversos tipos de subordinações hierárquicas do órgão.

4. CONCLUSÕES

Os aspectos críticos em relação à utilização do "modelo tripartite" no Complexo Petroquímico de Camaçari mencionados na introdução deste trabalho - podem agora ser revistos, à luz dos dados e da análise desenvolvida.

Esses aspectos tornam-se de crucial importância no momento em que o Pólo de Camaçari - a petroquímica como um todo - prepara-se para ampliar a sua capacidade produtiva, em resposta ao crescimento do mercado interno. Será que o "modelo tripartite" está superado, como apregoam alguns empresários? Será que a empresa nacional terá capacidade empresarial, financeira e técnica para suportar os novos investimentos? Qual a extensão da capacidade tecnológica de cada empresa que poderá ser utilizada nos novos investimentos?

Em primeiro lugar, as mudanças observadas no controle acionário das empresas revelam uma implicação fundamental do modelo empresarial adotado. Pelo visto, existe um impasse entre as estratégias de crescimento das empresas - orquestradas pelas definições emanadas do centro do sistema Petrobrás/Petroquisa e da Norquisa - e as estratégias individuais dos grupos estrangeiros que, com a aparente exceção dos japoneses, não comportam um crescimento associado no segmento de commodities.

Além disso, devemos atentar para o aspecto tecnológico. Apesar dos problemas decorrentes da forma pela qual a tecnologia foi incorporada pelas empresas, os resultados conseguidos pela maioria deles demonstram que um certo nível de capacitação interna foi atingido. Entretanto, é também importante observar que a trajetória do aprendizado tecnológico obedece a uma dinâmica própria em cada empresa. Isto implica que a acumulação de capacidades tecnológicas não se dá de forma homogênea, gerando descontinuidades e desequilíbrios em todo o setor.

A questão tecnológica está intimamente ligada à estratégia de crescimento de cada empresa e do complexo como um todo. Os investimentos em capacitação tecnológica só apresentam sinais de retorno quando existe a perspectiva de crescimento a médio prazo. Além disso, em Camaçari, a fase de "desengarguelamentos" e pequenas mudanças está, em geral, superada. A dinâmica dos empreendimentos está exigindo investimentos em pesquisa e desenvolvimento experimental (P& D) essenciais ao processo de inovação. Contudo, o volume de recursos necessários a atividades de P&D não pode ser bancado pelas empresas (em geral monoprodutoras) isoladamente. Nesse caso, torna-se imperativo um comportamento cooperativo e comunitário, principalmente no que se refere aos investimentos fixos, que permita evitar duplicação de esforços, dividir os custos e, conseqüentemente, reduzir o ônus financeiro de cada empresa. A questlo é saber se os grupos empresariais envolvidos estio politicamente interessados em uma estratégia tecnológica mais avançada, e qual é o entrave que o sócio estrangeiro ainda representa na adoção de tal estratégia e, conseqüentemente, no crescimento do Pólo de Camaçari. É importante, também, avaliar até que ponto a infra-estrutura local permite que as empresas se lancem em uma nova fase do seu processo de crescimento.

  • 1 Andrade, CF. Technology transfer and the Brazilian tripartite joint-venture. Dissertação de mestrado. Victoria, University of Manchester, 1981;
  • Evans, P. Dependent development: the alliance of multinationals, state and local capital in Brazil. New Jersey, Princeton University Press, 1979;
  • Candal, A.R. Petroquímica brasileira, problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Funcex, 1979;
  • Teixeira, F.L.C. The political economy of technological learning in the Brazilian petrochemical industry. Tese de doutorado. Sussex, University of Sussex, 1985;
  • Suarez, M.A. Petroquímica etecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1986.
  • 3 Araújo JR., J.T. & Dick, V.M. Governo, empresas multinacionais e empresas nacionais: o caso da indústria petroquímica. Pesquisa e Planejamento Econômico, 4(3) dez. 1971,
  • 1
    Andrade, CF.
    Technology transfer and the Brazilian tripartite joint-venture. Dissertação de mestrado. Victoria, University of Manchester, 1981; Evans, P.
    Dependent development: the alliance of multinationals, state and local capital in Brazil. New Jersey, Princeton University Press, 1979; Candal, A.R.
    Petroquímica brasileira, problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Funcex, 1979; Teixeira, F.L.C.
    The political economy of technological learning in the Brazilian petrochemical industry. Tese de doutorado. Sussex, University of Sussex, 1985; Suarez, M.A.
    Petroquímica etecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1986.
  • 2
    Martins, L. The state-transnational corporations-local entrepreneurs joint-venture in Brazil: how to relax and enjoy a forced marriage. In: Markler, H.; Martinelli, A. & Smelser, N. org.
    The new international economy. Beverly Hills London, Sage Publications, 1979.
  • 3
    Araújo JR., J.T. & Dick, V.M. Governo, empresas multinacionais e empresas nacionais: o caso da indústria petroquímica.
    Pesquisa e Planejamento Econômico, 4(3) dez. 1971, por exemplo.
  • 4
    Martins, L. op. cit.
  • 5
    Suarez, M.A. op. cit.
  • 6
    Id.ibid.
  • 7
    Vide especialmente Andrade, CF. op. cit.
  • 8
    O termo "desengarguelamento"
    é usado no texto no sentido de "balanceamento" da capacidade de produção. A manutenção do termo original deve-se ao fato de que ele é usado no jargão corriqueiro do pessoal técnico que trabalha no setor, em uma tradução literal do inglês (
    debottlenecking).
  • 9
    Suarez, M.A. op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1988
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