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Tecnologia e trabalho industrial: as implicações sociais da automação microeletrônica na indústria automobilística

RESENHAS

Déa Lúcia Pimentel Teixeira

Professora do Instituto de Economia da UNICAMP e doutoranda em Administração de Empresas pela EAESP/FGV

TECNOLOGIA E TRABALHO INDUSTRIAL: as implicações sociais da automação microeletrônica na indústria automobilística

Ruy de Quadros

Carvalho São Pauto, L&PM Editores, 1987, 239 págs.

O autor objetiva com o presente texto tornar mais transparentes as implicações sociais da atual onda de inovações tecnológicas baseadas na microeletrônica, assim corno avaliar as reações dos trabalhadores a essas transformações, com a intenção de contribuir para que o progresso técnico no país se faça de maneira a maximizar seus benefícios sociais.

Assim, a pergunta central que o autor tenta responder é se e como a onda de inovações tecnológicas, que está alterando profundamente processos e produtos, modifica também o uso e o controle da força de trabalho.

Seu interesse primordial é, portanto, desvendar os mecanismos de controle objetivos incorporados no processo de trabalho e nas políticas gerenciais de recursos humanos.

Na sua opinião, um dos grandes dilemas para países como o Brasil é tentar balancear as exigências de manter a competitividade das empresas e, ao mesmo tempo, gerar o maior numero possível de empregos. E, mais que isso, é orientar a utilização dessa tecnologia para a melhoria das condições de vida e trabalho dos assalariados.

O setor econômico escolhido para análise, por ser considerado representativo das mudanças em curso, foi a indústria automobilística, onde mais se têm concentrado os investimentos na automação com controle eletrônico, e no qual atua um movimento sindical bastante forte e organizado que esboça as primeiras reações ã nova onda do automação.

Na Parte I do trabalho, o autor constrói um quadro de referências para sua análise posterior, realizando inicialmente uma discussão teórico-metodológica e, a seguir, apresentando uma descrição da evolução das condições econômicas, políticas, tecnológicas c trabalhistas no país na década dos 70 até os anos 80, com a intenção de demonstrar que as novas práticas de gestão da mão-de-obra, hoje presentes nessa indústria, não são resultado de imposições objetivas da automação, mas decorrem da atuação integrada desses processos que agem sobre o setor industrial em geral.

A perspectiva de análise do autor é o exame das relações capital-trabalho e suas condições de dominação e resistência a partir do plano da fábrica, da produção, onde ocorre a disputa entre as políticas de inovação, de organização do trabalho e de administração da mão-de-obra utilizadas para conseguir a maximização da extração do trabalho, por um lado, e a resistência dos trabalhadores para preservar sua liberdade e autonomia, melhorar suas condições de trabalho e aumentar seus salários, por outro, Assim, as condições econômicas, políticas e trabalhistas do país, determinando diferentes pontos de equilíbrio entre esses polos -, padrões estes que se renovam a cada etapa de desenvolvimento das forças produtivas -, são aspectos extremamente importantes na definição dos rumos da difusão da inovação tecnológica.

Desta forma, na década de 70, a vigência de um padrão de concorrência - cujo desafio se traduzia cm crescer, em aumentar a produção com a rapidez necessária para a ocupação de mercados em contínua expansão - e, no plano político, as condições de repressão ao movimento sindical e operário, a adoção de políticas salariais e trabalhistas espoliadoras e o cerceamento das liberdades democráticas viabilizaram a implantação de um padrão de utilização da força de trabalho caracterizado pela exploração intensiva dos trabalhadores e pela prática da rotatividade como instrumento de controle.

Já nos anos 80, a profunda crise econômica - que modificou as características do mercado e os padrões de concorrência na indústria, exigindo estratégias de aumento da competitividade dos produtos - constituiu um forte desafio para a sobrevivência e um estímulo para a adoção de novas tecnologias e de novos sistemas de organização e intensificação do trabalho, com maior racionalização na utilização da mão-de-obra.

Por outro lado, a retomada do movimento operário, suas conquistas relativas à ampliação de direitos e o surgimento de um novo tipo de sindicalismo permitiram a emergência de um novo padrão de uso do trabalho, resultando em melhor clima nas relações de trabalho dentro das empresas, em maior abertura para as negociações, em maior influência e respeito pelas comissões de fábrica etc.

Na Parte II de seu texto, o autor discute esse novo padrão de uso e controle da força de trabalho na indústria automobilística. Os resultados dessa análise advêm de dois estudos de caso realizados em duas fábricas (as mais importantes) de duas empresas, cujas vendas somadas representam quase 65% do mercado nacional de automóveis e caminhões, sendo as que mais investiram em automação microeletrônica.

Após um rápido histórico do surgimento e evolução do complexo automobilístico no Brasil (cap. 4), o autor ressalta que, na década de 80, os novos lançamentos dessa indústria têm se orientado por padrões internacionais de concepção do produto e de métodos produtivos, com o objetivo básico de produzir carros mais competitivos nos mercados externo e interno, com custos menores e com melhor qualidade. Para tanto, as montadoras têm investido, significativa e principalmente, na modernização de suas linhas de montagem, através da incorporação de diferentes tipos de equipamentos automatizados de base microeletrônica.

No capítulo 5, o autor examina uma das conseqüências da inovação tecnológica, no atual estágio de transição: a maior subordinação dos trabalhadores de produção ao capital.

No Brasil, na atual fase de transição para um padrão mais integrado de automação com base em equipamentos microeletrônicos, o processo em implantação resulta em maior controle gerencial sobre ritmo, conteúdo, padronização e intensificação do trabalho, uma vez que (ao contrário do que ocorre nos países mais industrializados) esses sistemas estão sendo desenhados de maneira a aproveitar-se o baixo custo da mão-de-obra, havendo, portanto, um baixo grau de substituição direta de homens por máquinas. O que vem ocorrendo é uma implantação seletiva objetivando as operações mais importantes do ponto de vista da padronização e qualidade dos produtos, mas, simultaneamente, uma integração dos demais postos de trabalho ao sistema de circulação mecanizado, o que implica em aumento da limitação da autonomia dos operários e da sua submissão ao ritmo da linha de automação microeletrônica, além da desqualificação advinda da manutenção de postos caracterizados por tarefas simples e padronizadas e supressão dos que exigem maior habilidade. Face às conquistas obtidas nesta década pelas classes operárias, tal organização do processo de trabalho representa uma perda de poder, ou um avanço das gerências, na disputa pelo controle do tempo na fábrica.

No capítulo 6, contudo, o autor demonstra que, paralelamente a esse processo, pode-se perceber a ocorrência da ampliação da dependência do processo produtivo em relação aos trabalhadores, pois as características de processamento e manutenção nas linhas de automação microeletrônica passam a demandar operários mais qualificados e com atributos especiais do que os exigidos nas linhas convencionais: entre outros, conhecimento prático e teórico, requisitos de formação e experiência profissional e escolaridade, além de requisitos de confiabilidade que condicionem um bom desempenho (interesse, responsabilidade, atenção, capacidade para antever problemas).

Essas exigências implicam no aumento do investimento em treinamento e, conseqüentemente, na alteração das políticas salariais e de rotatividade da mão-de-obra, influenciadas inclusive pelo fortalecimento do poder de barganha sindical, conforme focaliza o capítulo 7.

Complementarmente, as mesmas forças que determinaram as mudanças no padrão de uso do trabalho têm atuado no sentido de influir na estratégia de relações industriais adotada pelas gerências, favorecendo a difusão de uma nova filosofia de administração de pessoal no Brasil: o trabalho participativo.

Pesquisando a reação dos trabalhadores e órgãos de representação sindical frente aos efeitos produzidos pela automação, o autor esclarece (no capítulo 8) a ocorrência de uma divisão entre posturas contraditórias: de um lado, a valorização e aceitação de um novo tipo de trabalho em virtude da sua maior leveza e facilidade de operação dos equipamentos que reduziram, inclusive, sua periculosidade; e, de outro, a reclamação veemente frente à intensificação do trabalho. Neste sentido, a estratégia das comissões de fábrica tem sido a de procurar assegurar que os trabalhadores venham a ter algum grau de controle sobre as conseqüências das novas tecnologias no processo de produção, reivindicando, para tanto, o conhecimento dos planos futuros de automação para poderem negociar as condições de sua implantação.

A questão da organização do trabalho, no entanto, permanece longe da influência das comissões e a comparação entre uma dessas fábricas pesquisadas (uma filial brasileira) e uma filial estrangeira da mesma empresa mostrou que no Brasil a intensidade do trabalho é bem maior do que na sua co-irmã.

Finalmente, o autor, no último capítulo, faz um excelente sumário dos pontos fundamentais para o estabelecimento do elo entre a abordagem dos aspectos teóricos e dos históricos e os estudos de caso realizados. Conclui que o padrão de uso e controle do trabalho encontrado no setor automobilístico brasileiro é um padrão de transição que combina algumas das características herdadas da fase pré-inovação tecnológica com outras que são inteiramente novas: ameaça ao desemprego bastante reduzida; organização do processo de trabalho regida pelo critério de rentabilidade, baseado na intensificação do trabalho e controle da mão-de-obra pela integração de postos de trabalho à cadeia automatizada; necessidade ampliada de mão-de-obra qualificada e exigências de critério seletivo de escolaridade e confiabilidade; política de recursos humanos com o objetivo de estabilizar a força de trabalho e conquistar sua cooperação.

E encerra sua exposição colocando três fatores que considera importantes para que os resultados desse processo no futuro se tornem fruto de uma opção consciente, negociada e socialmente mais equilibrada: assegurar o ritmo de difusão da nova tecnologia pela capacitação interna de produção de bens de capital com controle eletrônico; manter um período de crescimento sustentado ria economia brasileira; e considerar as implicações sociais da automação uma questão a ser tratada ria mesa de negociações de empresários e trabalhadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1989
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