Acessibilidade / Reportar erro

Megatrends 2000: ten new directions for the 1990's

RESENHAS

Gisela Taschner Goldenstein

Doutora em Sociologia pela FFLCH/USP e professora adjunta da EAESP/FGV

MEGATRENDS 2000 - TEN NEW DIRECTIONS FOR THE 1990'S.

JOHN NAISBITT & PATRICIA ABURDENE

New York, William Morrow and Co., 1990.

Lançado em vários países simultaneamente, inclusive no Brasil (com a respectiva tradução portuguesa), no início de 1990, o Megatrends 2000 dá seqüência a um outro livro de Naisbitt publicado em 1982, o Megatrends. Em ambos, o objetivo, como dizem os títulos, é o estabelecimento de macrotendências sociais.

Não se trata de nenhuma espécie dè futurologia. O método de trabalho de Naisbitt, explicado no primeiro Megatrends, consiste em uma monitoração e análise do conteúdo de inúmeros jornais norte-americanos, ao longo do tempo. Pressupondo que o espaço de um jornal é relativamente inelástico, ele pode ser assimilado a um sistema fechado, no sentido de que se novos assuntos passam a ganhar espaço em suas páginas, outros tantos começam a perdê-lo, até o limite de desaparecerem do noticiário. Monitorando-se o que emerge, o que cresce e o que míngua, pode-se ter uma idéia aproximada das alterações que ocorrem nos temas que preocupam uma sociedade em um determinado período de tempo. Com base nesse estudo, Naisbitt detectou dez macrotendências sociais para os anos 80. E agora faz a mesma coisa, em co-autoria com Patrícia Aburdene, para os anos 90.

Ambos os livros foram escritos tendo a sociedade norte-americana como referencial. Mas interessam ao leitor brasileiro por uma razão muito simples: grande parte dessas tendências ou acaba aportando em nossas paragens ou, mesmo que não o faça, tem reflexos sobre nós.

No primeiro Megatrends, Naisbitt arrolou as seguintes tendências:

1. de uma sociedade industrial para uma sociedade de informação

2. da tecnologia forçada para a alta tecnologia/grande contato humano

3. da economia nacional para a economia mundial

4. do curto prazo para o longo prazo

5. da centralização para a descentralização

6. da ajuda institucional para a auto-ajuda

7. da democracia representativa para a democracia participativa

8. das hierarquias para a comunicação lateral intensiva

9. do norte para o sul

10. do "isto ou aquilo" para a opção múltipla.

Para 1990, as tendências detectadas pelos autores são:

1. o boom econômico internacional dos anos 90

2. o renascimento das artes

3. a emergência de um socialismo de livre mercado

4. estilos de vida internacionais e nacionalismo cultural

5. a privatização do Welfare State

6. a ascensão dos países da costa do Pacífico

7. a liderança feminina

8. a era da biologia

9. o renascimento religioso

10. o triunfo do indivíduo

Cada tendência é descrita com grande detalhamento - às vezes excessivo, tornando o texto um tanto prolixo - e uma infinidade de exemplos, Destinado a um público amplo, esse livro, assim como o anterior, mantém um estilo mais próximo ao jornalístico do que ao acadêmico: não há uma apresentação sistemática das evidências que servem de base à formulação das tendências, nem dos chamados passos metodológicos seguidos na pesquisa. Sob este aspecto, seu conteúdo talvez mereça ser visto mais como sugestivo do que conclusivo. Dentro destes parâmetros, a descrição das tendências parece correta, pelo menos até prova em contrário, E um número enorme de fatos arrolados pelos autores realmente sinaliza na direção de taís tendências.

O sentido a elas atribuído por Maisbitt e Aburdene, no entanto, certamente alimentará polêmicas. Isto fica claro tanto na interpretação de tendências isoladas - como por exemplo, a idéia de que as artes vão renascer através do patrocínio empresarial, a idéia da desmassificação da produção ligada ao triunfo do indivíduo, ou mesmo a da informatização gerando maior exigência de qualificação da força de trabalho - como e, principalmente, na imagem de sociedade para a qual elas apontam, quando tomadas em seu conjunto.

Trata-se de uma sociedade profundamente diferente daquilo que muitos autores chamaram de sociedade de massas, nos seus estudos dos anos cinqüenta e sessenta. Tal sociedade, ao menos em suas abordagem mais críticas, caracterizou-se, nos países do Primeiro Mundo, pela produção em massa de produtos padronizados, dirigidos a um "homem médio"; pela alienação dentro e fora do trabalho; pela indústria cultural; pelo esmagamento do indivíduo e do trabalho criativo; pela centralização do poder etc.

A essa imagem, as macrotendências de 80 e 90 contrapõem uma sociedde cuja estrutura econômica passou de uma base industrial para uma base de informação. Com isto, a produção em massa cede lugar à diversificação, para mercados cada vez mais segmentados. Tudo nesta sociedade, dizia Naisbitt, ainda no primeiro Mega-trends, passa a existir "em diversos sabores", pois as pessoas simplesmente não aceitam mais produtos padronizados. O triunfo do indivíduo emerge como a outra face do principal processo histórico que estaríamos vivendo ao passar da sociedade industrial para a de informação; a desmassificação. No plano internacional, o fim da Guerra Fria com as transformações do socialismo real e a internacionalização da economia dão o contorno de paz para a prosperidade dos sócios deste novo clube feliz.

Esta visão otimista, se aceita em seu conjunto, torna meros pesadelos do passado problemas como a sociedade administrada de Adorno, o homem unidimensional de Marcuse, a alienação, a perplexidade e a impotência do homem comum de Wright Mills, para mencionar apenas alguns.

Para o leitor brasileiro, o livro reserva mais um problema: como é que o Brasil entra nesta história ou como esta história entra no Brasil?

A modernidade sempre chegou aqui vinda de fora e entrando por cima, Convivemos simultaneamente com problemas que, no Primeiro Mundo, foram vivenciados em etapas históricas distintas. Aqui acontece tudo ao mesmo tempo: mal chegamos (chegamos?) a uma sociedade de base industrial e já estamos às voltas com impactos da informatização. E as macrotendências de Naisbitt e Aburdene incluem mais uma série de fenômenos perfeitamente visíveis em nosso país, tais como a profissionalização da mulher, as modificações na estrutura familiar, a preocupação com o meio ambiente e com a saúde - envolvendo desde os movimentos ecológicos, até o recurso a medicinas alternativas, passando pela prática de exercícios físicos, de alimentação natural, pelo antitabagismo -, o crescimento de religiões não tradicionais, entre outros.

É claro que algumas dessas tendências entram aqui com menor ímpeto e abrangência ou até com significado distinto do original. Algumas vezes chegam como modismos e permanecem como "idéias fora do lugar" ou como pobres caricaturas da matriz. Mas podem também ganhar força, ao se articularem com nossa dinâmica interna.

Isto nos traz de volta a um fato conhecido: nossas transições sempre foram mais complexas do que no capitalismo avançado e, ao que indica a visibilidade local de algumas macrotendêncías, continuarão a sê-lo.

Naisbitt e Aburdene quase não falam do Brasil no Megatrends 2000 (no primeiro livro falaram muito mais), Mas sua leitura atenta aponta para as questões acima e para outras tantas que não cabem no espaço de uma simples resenha. Por essas questões e também pelas outras que suscita, o livro Megatrends 2000 (e o anterior também) merece ser lido. Devagar e sem ôba-ôba. É um trabalho para ser levado criticamente a sério.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1990
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br