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Gestão do trabalho: dimensões institucionais e organizacionais

NOTAS E COMENTÁRIOS

Gestão do trabalho - dimensões institucionais e organizacionais

Rosa Maria Fischer

Consultora de empresas, pesquisadora e docente na área de relações de trabalho, sistemas de gestão de R.H. e de processo de trabalho, impacto de mudanças tecnológicas e técnico-administrativas e intervenção em cultura organizacional

RESUMO

Este texto enfoca o trabalho como fator estratégico para o processo de modernização das organizações complexas. Ressalta a necessidade de integração entre os aspectos institucionais e organizacionais na elaboração das políticas de gestão de recursos humanos.

Palavras-chave: Gestão de recursos humanos, políticas de gestão do trabalho, estratégia versus modernização.

ABSTRACT

This paper focuses the work as strategic factor for the modernization process of the complex organizations. The authors stress the necessit of integrations between the institutional and organizational aspects in the elaboration of the human resources management politics.

Key words: Human resources management, job managements politics, work as strategic factor.

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A universalização das mudanças ocorridas durante a década de 80, nas diferentes esferas da vida organizacional, permite antever que nos anos 90 o Brasil não poderá permanecer alheio às transformações econômicas e políticas e à influência que elas exercem sobre os padrões de gestão administrativa.

Esta busca da modernidade deverá caracterizar-se como um movimento integrado e consistente de mudança e aperfeiçoamento dos sistemas, políticas e práticas de gestão, visto que não será possível modernizar aspectos fragmentados das relações de produção. Erros cometidos no passado indicam que a modernização administrativa e organizacional é resultante de processos dinâmicos e integrativos e não da intervenção segmentada e discriminatória.

Uma breve análise do desenvolvimento histórico dos padrões de relações do trabalho no País1 1 . Apresento esta análise no paper As Políticas de Gestão de Recursos Humanos e a Emergência de Padrões de Relações de Trabalho, com o qual participei do Seminário Internacional "Políticas de Gestão, Relações de Trabalho e Produção Simbólica", BID/USP, agosto/89, em co-autoria com Maria Tereza Leme Fleury. permitiu ressaltar quanto esta discriminação tem sido intensa e freqüente, quando se trata de atender à necessidade de aperfeiçoamento da gestão do fator trabalho.

Alguns exemplos mais recentes são muito conhecidos, entre os quais:

a) A busca de absorção de alta tecnologia, evitando-se investimentos na formação e qualificação da mão-de-obra requerida, o que significa dizer que não se efetiva o desenvolvimento tecnológico e a correspondente capacitação técnica dos profissionais envolvidos.2 2 . As estratégias de desenvolvimento tecnológico e os obstáculos à formação de uma competência tecnológica em organizações brasileiras são analisados no paper de Afonso C. Fleury, Nouvelles Technologies, Compétence Technologique et Processus de Travail, apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRES-CO/CNRS, fevereiro/90.

b) A introdução de metas de aperfeiçoamento da qualidade dos produtos/serviços (muitas vezes visando à compatibilização com as especificações do mercado mundial) mantendo, contraditoriamente, processos de trabalho e políticas de gestão, que resultam na depredação da força de trabalho.

c) A competição por espaços comerciais internacionais mantendo reservas de mercado e setores de produção subsidiados. Estes funcionam como oásis de prosperidade (e, eventualmente, de excelência técnica e administrativa) para os empreendedores aquinhoados e os segmentos de profissionais diferenciados que abrange, enquanto o contexto é um deserto composto por organizações ineficientes que criam empregos sub-remunerados e alocam trabalhadores despreparados.

É importante assinalar as contradições inerentes às situações descritas nesses exemplos, porque um dia eles foram considerados soluções adequadas para resolver alguns dos problemas cruciais do desenvolvimento nacional. Na medida em que essas soluções ignoraram o nexo causal existente entre a valorização do fator trabalho e a proposta de modernização, o desenvolvimento obtido esteve aquém do esperado; circunscreveu-se a pólos, regiões, setores limitados; reforçou os desequilíbrios sociais e econômicos preexistentes.

A questão do valor do trabalho - ombro a ombro com os impasses do desenvolvimento tecnológico e da distribuição de renda - constitui pedra de toque para repensar a administração de Recursos Humanos no Brasil. Os pesquisadores e profissionais necessitam redimensionar essas questões ao propor sistemas de gestão, não só para evitar os errôneos caminhos já percorridos e suas conseqüências danosas como para, efetivamente, estruturar trajetórias que conduzam as organizações para a modernização.

No âmbito deste paper, a reflexão que desenvolvo sobre essas questões enfoca, preponderantemente, a importância de se compreender o complexo jogo de influências que ocorre entre as dimensões institucionais e as organizações definidoras dos padrões de gestão do trabalho.

Essas influências evidenciam-se quando são analisadas situações nas quais o fator trabalho assume papel estratégico. Os estudos sobre os impactos oriundos da adoção de inovações tecnológicas, assim como aqueles que analisam a introdução de novos modelos de organização do processo de trabalho, são reiterativos comprovantes de que a compreensão do link existente entre as esferas institucionais e organizacionais é fundamental para explicar boa parte das práticas de gestão vigentes.

Em texto recente, no qual analisa a implantação de um "modelo japonês" de sistema automatizado de produção em empresas francesas, Freyssenet3 3 . FREYSSENET, M. Automatisation, Nouvelles Formes d'Organisation et de Relations de Travail. Paris, IRES-CO/CNRS, fev/90. ressalta como a incorporação de algumas práticas de gestão pode ser realizada com a leitura inversa da própria lógica do sistema original.

No caso analisado, o sistema de linhas automatizadas de fabricação e seus respectivos procedimentos técnico-administrativos foram concebidos para maximizar a capacidade de detectar falhas e intensificar a freqüência de aperfeiçoamentos. Transplantado para empresas francesas, o "modelo japonês", embora idêntico quanto à formatação, objetivos e procedimentos, adotou uma lógica antagônica quanto à concepção técnica da relação do homem com a máquina e dos resultados esperados dessa relação.

Assim, a equipe que opera o sistema é diversa daquela que o concebeu e implantou, por sua vez, não é a mesma que se responsabiliza por sua manutenção. Logo, a detecção de falhas deixa de representar uma oportunidade de desenvolvimento técnico do sistema e profissional das equipes envolvidas, para ser o temível eixo central de polêmicas e disputas de poder. Invertendo o próprio sinal de valor do sistema original, o "modelo" francês exerce controle e vigilância para evitar a falha, ao invés de fazê-la emergir para acionar o processo de transformação.

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Noutro texto, Trinth4 4 . TRINTH, S. "L'avenir comme ressource dans l'entreprise japonaise: question de culture et question d'estrategie", Connexions, 54/19 89-2. esclarece as possíveis origens dessas diferenças de conceituação que redundam em práticas e, obviamente, em resultados muito diversos. Analisando as especificidades culturais das empresas japonesas na identificação e processo de seus recursos estratégicos, a autora indica que o procedimento de identidade das pessoas com os objetivos coletivos e a própria visão-de-mundo - no sentido da inserção do indivíduo num grupo de referência e num microcosmo organizacional - são fatores que devem guardar forte consistência em relação às características básicas dos sistemas de gestão. Características tais como coesão, integração e participação, que são inerentes aos "modelos" japoneses são copiadas pelas organizações que enfrentam mudanças tecnológicas e/ou buscam incrementos de produtividade e qualidade no trabalho. Mas elas são coerentes com os contextos organizacionais e sociais em que tais modelos foram gerados e tendem a soar estranhas noutras realidades, nas quais prevalecem traços culturais e relações de poder antagônicos aos princípios de sustentação dessas estruturas e processos.

Os estudos que analisam como e porque algumas empresas brasileiras estão investindo em mudanças organizacionais que alteram de modo significativo as práticas de gestão do trabalho indicam que, na maioria das vezes, técnicas e modelos são adotados de modo tópico, enquanto as organizações permanecem refratárias à proposta de transformar, mais profundamente, sua própria postura de valorização do trabalho.

Ao invés disto, preferem a simples transferência de partes - nem sempre consistentes entre si - de um sistema de gestão do qual perderam os códigos de fundamentação e com o qual pretendem obter determinados resultados (perda zero, qualidade total, incremento de produtividade) quando estes, muitas vezes, constituem subprodutos da concepção original que faz parte de um processo amplo e contínuo.

Mais do que as ambigüidades do desenvolvimento das organizações no rumo para a modernização, estas contradições e dificuldades revelam um impasse político. Este se configura na recusa em rever os parâmetros que norteiam a relação capital e trabalho no contexto organizacional e na ausência de percepção de que a alavanca do desenvolvimento das organizações se apoia no aperfeiçoamento dos recursos humanos alocados em sua implementação.

As características de um sistema de gestão apresentam alta correlação com o conteúdo real - explícito ou implícito - das políticas organizacionais adotadas para administrar recursos humanos. Essas políticas não expressam apenas diretrizes que orientam os procedimentos mas são, concomitantemente, os instrumentos que efetivam a mediação entre o capital e o trabalho. Mesmo quando não estão formalmente expressas, ou utilizam uma linguagem escamoteadora dos padrões ideológicos que as sustentam, verifica-se que as intenções das políticas organizacionais emergem através dos procedimentos utilizados e dos resultados obtidos nos diversos processos administrativos.

Para análise de um determinado sistema de gestão, é preciso identificar os resultados esperados de sua atuação, as diretrizes políticas que orientam as ações e decisões no sentido de obtenção desses resultados, a especificidade dos instrumentos e técnicas utilizados em determinado espaço organizacional. Esses elementos devem ainda ser contextualizados no âmbito da conjuntura histórica, social e econômica em que se inserem, de modo que se caracterize o jogo político das relações de poder internas e externas à organização.

Porque se, de um lado, a prática da gestão espelha a política de Recursos Humanos da organização - vale dizer, o grau de valorização do trabalho próprio dessa organização - de outro lado, fatores externos interferem, com diversas ponderações, nessa formulação. Características conjunturais do cenário político-econômico, do perfil e desenvolvimento do mercado de trabalho, do movimento da classe trabalhadora constituem conjuntos de variáveis determinantes das trajetórias de orientação das políticas de gestão.

No Brasil, a administração de Recursos Humanos tem apresentado, ao longo de seu percurso histórico, um caráter eminentemente reativo às configurações apresentadas por essas forças externas. Reage à ação dos movimentos sociais, principalmente dos sindicatos, mas não se estrutura para a manutenção permanente de relações com órgãos de representação coletiva. Suas interações com os diversos mercados que estabelecem interface com a organização (produtos, fornecedores, consumidores, tecnologia etc.) são filtradas pelas áreas específicas da organização, reduzindo a percepção global que a administração de recursos humanos deve ter do negócio em que atua. Até mesmo o mercado de trabalho, que deveria ser objeto de sua atenção preferencial, fica relegado ao papel de estocador e supridor de recursos, sem que desenvolva atividades mais refinadas de contato, comunicação, intercâmbio e influência.

Mas é frente à ação do Estado que esta dependência da administração de recursos humanos se mostra mais evidente. O Estado brasileiro ao regular a ordem social e econômica, tradicionalmente, intervém de forma direta e intensa nas relações entre trabalho e capital; o que parece perpetuar-se, considerando-se os episódios mais recentes, como a discussão dos direitos sociais na Constituinte, ou as confusas orientações sobre índices salariais, propiciada pelos recorrentes "planos econômicos" do governo. Neste cenário, as práticas de gestão tendem a reduzir-se à postura legislativa que define o valor do fator trabalho e o padrão de relações estabelecidas no âmbito organizacional, exclusivamente, em função da obrigatoriedade das normas jurídicas efetivas. Prova dessa postura retrógrada está no fato de que a parte da legislação trabalhista, que não é objeto de regulamentação e fiscalização específica, simplesmente é ignorada, ainda que sua introdução nos procedimentos de gestão de pessoal pudesse incrementar a eficiência administrativa da organização.5 5 . Há vários exemplos empíricos desta situação. Um que pode ser destacado é a resistência das empresas agroindustriais em regularizarem a situação jurídica dos trabalhadores rurais dos quais empregam amplos contingentes, apesar da equiparação destes aos trabalhadores urbanos pela Constituição, e ainda que representem um recurso humano estratégico ao aumento da produtividade e da qualidade na execução das atividades-fim dessas organizações.

Essa dependência é uma questão que convém ressaltar, porque não se trata apenas de reiterar o que já é conhecido - a inquestionável presença excessiva e nunca imparcial do Estado no estabelecimento dos padrões de relações do trabalho - mas de avançar nessa reflexão, no sentido de prospectar acerca de como se configurarão as tendências da influência institucional sobre a modelagem dos sistemas de gestão de recursos humanos, vale dizer, sobre as políticas e práticas através das quais as organizações administrarão o trabalho.

Analisando-se os casos das organizações que se posicionam na chamada vanguarda tecnológica e gerencial, como as "indústrias de ponta", observa-se a tendência, que pode ser considerada inovadora, de elaborar políticas de gestão consistentes com as estratégias de desenvolvimento tecnológico e de agilidade de resposta às mudanças do mercado. Entretanto, esses casos não eliminam e, pelo contrário, ressaltam a influência institucional. Pois as necessidades de modernização dos procedimentos de gestão não advêm de uma postura empresarial e administrativa que revaloriza o fator trabalho no contexto das relações de produção; antes, sua origem correlaciona-se com os determinantes históricos que explicam o surgimento desses empreendimentos, no contexto de planos governamentais de desenvolvimento e de expansão de tais setores econômicos.6 6 . Esta correlação é demonstrada no paper de Maria Tereza Leme Fleury - As Políticas de Gestão de Recursos Humanos em Setores de Tecnologia de Ponta, - apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRESCO/CNRS, fev/90.

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Isto é mais evidente quando se observa que, nessas empresas consideradas avançadas em relação aos padrões vigentes de administração de recursos humanos no Brasil, as políticas e respectivos procedimentos de gestão são diversos para os diferentes segmentos ocupacionais, dotando de tratamento privilegiado a mão-de-obra de qualificação mais específica, que constitui bem escasso no mercado. Essa característica não seria inusitada nem prejudicial, se tal diversidade estivesse inserida numa lógica consistente para o conjunto do sistema de gestão, isto é, se as políticas organizacionais fossem integradas entre si, de modo que o processo administrativo mantivesse equilíbrio entre suas diversas ações. Da forma como é adotada, a diversidade apenas reitera o desequilíbrio social no interior da organização e impede que o desenvolvimento profissional e organizacional sejam movimentos coerentes e abrangentes. Embora avancem na busca de modelos de gestão mais modernos, estas empresas não chegam a transformar a concepção política de recursos humanos como um todo, como pode-se inferir do caso descrito por Dutra7 7 . Vide DUTRA, J.S. "A Utopia da Mudança das Relações de Poder na Gestão de Recursos Humanos". In: FLEURY, M.T.L. & FISCHER, R.M. (orgs.) Cultura e Poder nas Organizações. São Paulo, Atlas, 1989, pp.155-68. , num artigo que analisa a resistência oferecida à implantação de um sistema integrado de gestão numa organização moderna e de "ponta".

Essas contradições ocorrem, mesmo nos setores mais avançados, em virtude da prevalência da relação que se estabelece entre empreendedores e organizações resistentes às inovações e um Estado que assume, em diferentes momentos, o papel de patrocinador e avalista dos processos de mudanças que se fazem necessários, ou que assim são considerados.

Também quando se analisa o extremo oposto, isto é, os casos de organizações que empregam processos de trabalho que poderiam ser chamados de "pré-tayloristas" (como várias atividades de produção nas agroindústrias ou na construção civil, por exemplo), observa-se que as práticas de gestão adotadas, embora explicadas pelas características das dimensões técnicas do processo, efetivamente repousam na compreensão do link existente entre a concepção das políticas e práticas de gestão do trabalho e as influências culturais, econômicas, ideológicas que as instituições vigentes exercem sobre elas.

Não é por outro motivo que Salerno8 8 . SALERNO, M. Flexibilidade do Trabalho e Modelo Japonês no Brasil.Paper apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRESCO/CNRS, fev.90. , em interessante análise da introdução no Brasil dos chamados "modelos japoneses" de gestão, ironiza com bom-humor, sua transformação num modelo "nissei". Isto é, a incorporação de algumas técnicas, de modo tópico e parcial, adotando a nomenclatura e o "visual", mas relegando a filosofia, os objetivos, a formatação, os valores e os resultados, com os quais e para os quais o sistema foi originalmente concebido. Como já se viu no caso analisado por Freyssenet, altera-se intrinsecamente o modelo original para não se promoverem mudanças mais profundas nos princípios de gestão, apesar de que estas, provavelmente, permitiriam conceber os próprios "modelos brasileiros". Ou - para evitar possíveis interpretações xenófobas - elas propiciariam adotar modelos adequados, proceder às adaptações necessárias com segurança e evitar as deformações atualmente praticadas.

Isto indica que: seja quando se pretende modernizar processos de trabalho retrógrados e ineficientes, ou quando se pretende "importar" modelos que incrementam produtividade, qualidade e demais resultados do trabalho humano; ou, ainda, quando se atua em setores exigentes quanto à formação qualificada e especializada dos recursos humanos requeridos; em quaisquer casos, há que se considerar, como ponto nevrálgico, a compreensão das especificidades da realidade social e dos condicionantes estruturais e institucionais com que ela atua sobre os processos organizacionais.

Compreender, entretanto, não significa simples constatação, a qual perrrdtiria que se continuasse adotando a postura de atribuir, a tais condicionamentos, a maior parte da responsabilidade sobre as dificuldades de se modernizarem as políticas de gestão. Esta não é uma verdade completa, na medida em que a relação entre as dimensões institucionais e organizacionais deve ser encarada como efetivamente é, ou seja, uma relação. Equivale dizer que, condicionantes e condicionados estabelecem entre si vias de mão dupla; logo: se o Estado e as instituições políticas atuam sobre as características e o desempenho organizacional, concomitantemente, as organizações aumentam - com suas demandas, suas pressões e, até mesmo, através dos resultados de seu desempenho - a interação existente e a prevalência de papel em cada situação. Identificar os papéis e as relações estabelecidas entre as duas esferas é essencial para compreender os fundamentos de um sistema de gestão e, eventualmente, intervir no sentido de alterar sua ação. Alguns pontos podem ser destacados para se debaterem sobre as tendências de alterações possíveis no quadro brasileiro:

1. Embora as políticas de flexibilização da gestão do trabalho despontem como alternativas valiosas, empregadas em diferentes realidades sociais, observa-se que elas podem reduzir-se a formas perversas de utilização das instabilidades econômicas e carências sociais que predominam no País. Análises como a de Salerno apontam para a utilização de "formas flexíveis" de emprego, de alocação funcional, de composição salarial que, ao invés, de estabelecerem a complementaridade entre os interesses e as necessidades da organização e de seus trabalhadores, intensificam a emergência de padrões coercitivos de relações do trabalho.

2. O resultado da adoção de modelos de gestão baseados no aperfeiçoamento da organização do processo de trabalho indica que está se inovando pouco em termos técnicos e administrativos mas, comparativamente, obtêm-se soluções, às vezes até inesperadas, no atendimento de necessidades sociais típicas da esmagadora maioria da população. Ficam, deste modo, difusos os motivos e as conseqüências da introdução dessas inovações. Se, em alguns casos, ela é essencial em determinados setores da produção, como os que necessitam aumentar sua competitividade no mercado, ou os que dependem de desenvolver sua tecnologia, noutros, ela se constitui numa forma mascarada de reduzir os níveis de carência sócio-econômicos dos trabalhadores e da conseqüente emergência de insatisfações, reivindicações e conflitos. Estes, por sua vez, não são objeto de atenção das práticas administrativas que, especificamente, deveriam ocupar-se de suas causas, como: as funções de remuneração e carreira, formação e aperfeiçoamento profissional, as quais têm por missão manter e desenvolver os recursos humanos no contexto do sistema de gestão da organização que os emprega.

3. E evidente que a necessidade propugnada neste paper, de que haja aperfeiçoamento político da gestão de recursos humanos, refere-se tanto ao nível institucional quanto ao organizacional, para evitar que um se apoie sobre outro, visto que o nexo causal entre as políticas públicas e as organizacionais é ineludível, principalmente, quando se alinhavam alguns fatores que são estruturais para o desenvolvimento econômico e social do País, entre os quais:

- a formação e qualificação da mão-de-obra, que constitui um desafio que extrapola os limites das funções de treinamento próprias da organização e atinge o sistema educacional e a concepção de mercado de trabalho como um todo;

- as dissonâncias das estruturas salariais vigentes, que repousam na postura inadequada de empresários e administradores, mas têm raízes profundas na distribuição de renda desequilibrada e na concepção iníqua que se faz do trabalho na sociedade brasileira;

- os baixos índices de produtividade e qualidade do trabalho, explicados pela formação profissional inadequada e falta de identidade dos trabalhadores com os objetivos organizacionais, mas que mantêm forte relação causal com as práticas de rotatividade, redução de custos e rebaixamento dos investimentos em desenvolvimento, que são rotineiras na administração de recursos humanos das organizações brasileiras.

  • 3. FREYSSENET, M. Automatisation, Nouvelles Formes d'Organisation et de Relations de Travail. Paris, IRES-CO/CNRS, fev/90.
  • 4. TRINTH, S. "L'avenir comme ressource dans l'entreprise japonaise: question de culture et question d'estrategie", Connexions, 54/19 89-2.
  • 8. SALERNO, M. Flexibilidade do Trabalho e Modelo Japonês no Brasil.Paper apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRESCO/CNRS, fev.90.
  • 1
    . Apresento esta análise no
    paper As Políticas de Gestão de Recursos Humanos e a Emergência de Padrões de Relações de Trabalho, com o qual participei do Seminário Internacional "Políticas de Gestão, Relações de Trabalho e Produção Simbólica", BID/USP, agosto/89, em co-autoria com Maria Tereza Leme Fleury.
  • 2
    . As estratégias de desenvolvimento tecnológico e os obstáculos à formação de uma competência tecnológica em organizações brasileiras são analisados no
    paper de Afonso C. Fleury,
    Nouvelles Technologies, Compétence Technologique et Processus de Travail, apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRES-CO/CNRS, fevereiro/90.
  • 3
    . FREYSSENET, M.
    Automatisation, Nouvelles Formes d'Organisation et de Relations de Travail. Paris, IRES-CO/CNRS, fev/90.
  • 4
    . TRINTH, S. "L'avenir comme ressource dans l'entreprise japonaise: question de culture et question d'estrategie",
    Connexions, 54/19 89-2.
  • 5
    . Há vários exemplos empíricos desta situação. Um que pode ser destacado é a resistência das empresas agroindustriais em regularizarem a situação jurídica dos trabalhadores rurais dos quais empregam amplos contingentes, apesar da equiparação destes aos trabalhadores urbanos pela Constituição, e ainda que representem um recurso humano estratégico ao aumento da produtividade e da qualidade na execução das atividades-fim dessas organizações.
  • 6
    . Esta correlação é demonstrada no
    paper de Maria Tereza Leme Fleury -
    As Políticas de Gestão de Recursos Humanos em Setores de Tecnologia de Ponta, - apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRESCO/CNRS, fev/90.
  • 7
    . Vide DUTRA, J.S. "A Utopia da Mudança das Relações de Poder na Gestão de Recursos Humanos". In: FLEURY, M.T.L. & FISCHER, R.M. (orgs.)
    Cultura e Poder nas Organizações. São Paulo, Atlas, 1989, pp.155-68.
  • 8
    . SALERNO, M.
    Flexibilidade do Trabalho e Modelo Japonês no Brasil.Paper apresentado no "Séminaire Autour du Modèle Japonais", Paris, IRESCO/CNRS, fev.90.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1991
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