Acessibilidade / Reportar erro

Atributos e papéis dos conselhos de administração das empresas brasileiras

Resumos

O objetivo do artigo é analisar as alterações da governança corporativa a partir de seus atributos e os impactos nos papéis e responsabilidades do conselho de administração das empresas brasileiras, tendo em vista as mudanças provocadas pela globalização, privatização e a nova estrutura global de negócios. Foi realizada uma pesquisa quantitativa nas 300 maiores empresas do Brasil listadas na Bovespa, por meio da percepção dos conselheiros e/ou diretores que se relacionam, influenciam ou condicionam os atributos, papéis e responsabilidades do conselho. Os resultados apurados sugerem que a formação dos atributos dos conselhos das empresas pesquisadas está mais fortemente ligada ao papel de controle, apesar de os números revelarem a importância dada pelos conselheiros ao papel estratégico.

Conselhos de administração; atributos, papéis e responsabilidades


This paper analyses the changes in corporate governance, focusing on its attributed traits and their effects on the roles and responsibilities of the board of directors of Brazilian companies, considering the changes caused by globalization, privatization and the new global business structure. A quantitative research was carried out in the 300 largest Brazilian companies listed in Bovespa (São Paulo Stock Exchange), investigating the corporate officers perceptions of those changes. Findings point out that corporate officers are more concerned with the board controlling role, although some importance is also given to the strategic role.

Boards of directors; attributes, roles and responsibilities


ARTIGOS

Atributos e papéis dos conselhos de administração das empresas brasileiras

Henrique Cordeiro MartinsI; Suzana Braga RodriguesII

IFEAD-Minas e UNI-BH

IIUFMG e Birmingham University

RESUMO

O objetivo do artigo é analisar as alterações da governança corporativa a partir de seus atributos e os impactos nos papéis e responsabilidades do conselho de administração das empresas brasileiras, tendo em vista as mudanças provocadas pela globalização, privatização e a nova estrutura global de negócios. Foi realizada uma pesquisa quantitativa nas 300 maiores empresas do Brasil listadas na Bovespa, por meio da percepção dos conselheiros e/ou diretores que se relacionam, influenciam ou condicionam os atributos, papéis e responsabilidades do conselho. Os resultados apurados sugerem que a formação dos atributos dos conselhos das empresas pesquisadas está mais fortemente ligada ao papel de controle, apesar de os números revelarem a importância dada pelos conselheiros ao papel estratégico.

Palavras-chave: Conselhos de administração; atributos, papéis e responsabilidades.

ABSTRACT

This paper analyses the changes in corporate governance, focusing on its attributed traits and their effects on the roles and responsibilities of the board of directors of Brazilian companies, considering the changes caused by globalization, privatization and the new global business structure. A quantitative research was carried out in the 300 largest Brazilian companies listed in Bovespa (São Paulo Stock Exchange), investigating the corporate officers perceptions of those changes. Findings point out that corporate officers are more concerned with the board controlling role, although some importance is also given to the strategic role.

Key words: Boards of directors; attributes, roles and responsibilities.

INTRODUÇÃO

Com as constantes mudanças no cenário econômico, político, social e tecnológico, os países intensificaram seus relacionamentos. Todas essas modificações de mercados e de cenários de alguma forma têm se potencializado e gerado uma concentração de empresas nas mãos de poucos, reduzindo cada vez mais o número de concorrentes, permitindo ganhos de escala maiores, mas tornando as organizações cada vez mais complexas em suas estruturas e processos (Child, 2000).

Além disso, os recentes escândalos éticos e financeiros das corporações americanas, como a Enron, a Worldcom e a Imclone Systems, colocaram em cheque os papéis dos conselhos de administração, os lançamentos contábeis das empresas e as auditorias externas, motivando discussões sobre governança corporativa nas empresas e sua importância na construção do novo arcabouço financeiro internacional. Por governança corporativa (GC) entende-se um sistema, princípios e processos pelos quais as empresas são controladas e administradas e que colocam o conselho de administração como referência central do sistema. Além do conselho, fazem parte da estrutura de governança os acionistas; os executivos da empresa; a auditoria independente e os stakeholders (associações, sindicatos, fornecedores, funcionários e outros grupos que possuam influência na gestão da empresa) (IBGC, 2001). Segundo Child e Rodrigues (2000), GC é o assunto mais proeminente dos meios acadêmicos, governos e instituições internacionais e diz respeito a quem tem o poder para alocar os recursos corporativos e definir quais serão os mecanismos apropriados para a obtenção dos retornos desejados.

O conselho de administração é o instrumento central de governança. Por meio dele, o acionista, os stakeholders, o controle corporativo do mercado e as regulações nacional e internacional interagem num complexo caminho para afetar as ações das empresas e o monitoramento dos gerentes (Monks e Minow, 2001). Por essas razões, o conselho vem se tornando o foco das reformas de governança corporativa (Forbes e Milliken, 1999). Historicamente, os conselheiros foram considerados muito pouco atuantes nas empresas, apenas referendando as decisões tomadas pelos gerentes e diretores executivos, atendendo apenas as obrigações legalmente estabelecidas. A reconcentração de propriedade nas mãos de relativamente poucas instituições intermediárias e financeiras tem alavancando a influência dos conselhos sobre os diretores e gerentes. A introdução de numerosos códigos de conduta e melhores práticas também trouxe reformas à estrutura dos conselhos e à sua composição. Mas na maioria das vezes esse desenvolvimento tem sido pouco considerado devido à forte percepção popular de que os conselhos têm tido uma atuação ineficiente.

De um lado, pode-se afirmar que os conselhos de administração possuem três papéis-chave. O primeiro relacionado à estratégia, com responsabilidades por monitorá-la e influenciá-la. O segundo relacionado ao controle sobre gerentes, diretores e os recursos da empresa. O terceiro relacionado com serviços ou com o papel institucional exercido, aconselhando os gestores e provendo uma face institucional para a organização em sua comunidade (Zahra e Pearce II, 1989; Demb e Neubauer, 1992; Johnson et al., 1996; Forbes e Milliken, 1999; Stiles e Taylor, 2001). De outro lado, existem na formação e no trabalho dos conselhos quatro atribuições principais que afetam seus papéis e sua atuação e que contribuem indiretamente para o desempenho da firma. Aqui temos a composição dos conselhos de administração, suas características, estrutura e processo de atuação (Zahra e Pearce II, 1989; Pearce II e Zahra, 1992).

A composição se refere especificamente ao tamanho e aos tipos de conselheiros que compõem o conselho de administração da empresa (Pfeffer, 1972; Castaldi e Wortman, 1984). O tamanho diz respeito ao número de membros existentes no conselho. O tipo se refere à reconhecida dicotomia existente entre os conselheiros internos à organização - que possuem algum pa-pel executivo na empresa - e os externos a ela - que não possuem papel executivo, não possuem ações da empresa ou de subsidiárias e não trabalharam diretamente com o executivo principal em outras companhias (Jones e Goldberg, 1982, Chaganti et al., 1985; Cochran et al., 1985). Outra distinção relacionada ao tipo do conselho se refere à participação e representação das minorias étnicas e mulheres como membros. Segundo Zahra e Pearce II (1989), essa configuração representa amplamente os valores de toda a sociedade e não unicamente os dos acionistas.

As características do conselho se referem à experiência e formação dos conselheiros, independência para o trabalho nos conselhos, detentores ou não de ações da empresa e outras variáveis que influenciam os interesses e a desempenho dos conselheiros em suas atividades e tarefas (Kesner et al., 1986). Basicamente, a análise das características do conselho pode ser feita a partir de dois componentes. O primeiro é a formação e a experiência dos conselheiros refletidas na idade, formação acadêmica e valores, que influenciarão diretamente suas escolhas (Zahra e Pearce II, 1989). O segundo é o estilo de trabalho, que refletirá a disposição para foco interno ou externo (Lynch, 1979, citado por Zahra e Pearce II, 1989), a independência para influenciar diretores (Pearce II e Zahra, 1992) e o interesse deles na empresa como representantes dos acionistas ou de outros stakeholders (Dalton e Kesner, 1987; Ker e Bettis, 1987).

O atributo estrutura se refere à organização do conselho, divisão do trabalho, formação de comitês e eficiência de suas operações. Especificamente, esses atributos se materializam no número e tipos de comitês que os conselhos formam nas empresas, no fluxo de informações entre os conselheiros, comitês, diretores executivos, acionistas e o ambiente externo, e, principalmente, no modo como se configura a liderança do conselho (Vance, 1983; Zahra e Pearce II, 1989).

Finalmente, o processo se refere principalmente às atividades de tomada de decisão, a partir de cinco elementos: a freqüência e a duração das reuniões, a interface do conselho com o principal executivo da empresa, o nível de consenso entre os conselheiros, a formalidade dos procedimentos e a preocupação e envolvimento do conselho com sua própria avaliação (Vance, 1983; Zahra e Pearce II, 1989).

Nesse contexto, o objetivo do artigo é analisar as alterações da governança corporativa a partir de seus atributos e os impactos nos papéis e responsabilidades do conselho de administração das empresas brasileiras, tendo em vista as mudanças provocadas pela globalização, pela privatização e pela nova estrutura global de negócios. Para isso, foi realizada uma pesquisa de natureza quantitativa nas 300 maiores empresas brasileiras listadas em bolsas de valores, por meio da percepção dos conselheiros e/ou diretores, que se relacionam, influenciam ou condicionam os atributos, papéis e responsabilidades do conselho.

A pesquisa contribui para os estudos na área na medida em que analisa as variáveis das atribuições dos conselhos que mais influenciam os papéis e responsabilidades dos conselheiros. Esse aspecto torna-se importante para a (re)configuração dos conselhos, por meio da escolha de membros que possuam um perfil satisfatório para que o conselho atue mais estrategicamente e também exerça um controle institucional por delegação dos acionistas.

REFERENCIAL TEÓRICO

Modelos de governança corporativa e de conselhos de administração

Segundo Turnbull (1997), quatro modelos básicos de governança podem ser encontrados nas empresas. O primeiro, denominado modelo stakeholders, considera os interesses de todos os envolvidos com a instituição, não somente os dos acionistas. Nesse modelo, a comunidade, os funcionários, os governos, o meio ambiente, os fornecedores e os clientes são considerados quando das decisões tomadas pela GC. É claramente encontrado nas empresas alemãs. No segundo modelo, da representação (stewardship), o gestor principal da empresa é o representante dos acionistas e aquele que garante o retorno dos investimentos realizados na empresa. Nesse caso, o papel do conselho de administração se limita a referendar as decisões do gestor. Esse modelo é mais freqüentemente praticado pelas empresas japonesas. O terceiro modelo, o político, é definido pela forma como os governos favorecem os vários constituintes das empresas, a partir da legislação vigente. Em outras palavras, a empresa conduz o seu negócio de acordo com o que a lei determina. Pode haver privilégios para algum stakeholder, mas todos eles são determinados por leis, como no caso das firmas francesas. No último modelo, financeiro ou das finanças, amplamente encontrado nos Estados Unidos e na Inglaterra, o problema central da GC é a elaboração de regras e incentivos (contratos) para alinhar efetivamente o comportamento do gestor (agente) com as aspirações do principal (ou mandante, ou seja, os proprietários) e garantir o retorno dos investimentos aos acionistas.

As características dominantes no modelo de governança anglo-saxão (principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra) se traduzem pela orientação dinâmica para o mercado, pela fluência do capital, pela fragmentação da propriedade e pela possibilidade de internacionalização dos negócios (Carlsson, 2001). O conselho de algumas empresas americanas e inglesas se configura como unitário, uma vez que os papéis do chairman e do chief executive officer (CEO) são executados pela mesma pessoa. Existem vários executivos que também são diretores do conselho, melhorando, de um lado, a integração da governança com os assuntos operacionais, mas, de outro, enfraquecendo o papel de controle do conselho (Monks e Minow, 2001).

Segundo Miwa (1998), o modelo japonês é fortemente influenciado pelo governo, por meio do Ministério das Finanças japonês (MOF). Além disso, a propriedade cruzada entre as companhias e um amplo relacionamento entre as empresas e setores do governo propiciam um clima de corrupção latente. A lei japonesa estabelece um conselho unitário, internamente recrutado, que inclui cinco ou mais membros, tendo também na figura do presidente o homem forte da corporação. O conselho serve apenas para cumprir uma determinação legal.

De acordo com Carlsson (2001), o modelo alemão se caracteriza por forte presença do modelo de stakeholder, onde as companhias não são voltadas apenas aos acionistas, pelo limitado papel do mercado de capitais, por uma expressiva liderança coletiva exercida pela participação de empregados e sindicatos nas estruturas de governança. As corporações alemãs têm dois níveis de conselho: de supervisão (Aufsichtsrat) e um de diretores (Vorstand). O papel do conselho de supervisão consiste no cumprimento das determinações legais. As principais decisões da empresa ficam nas mãos do Vorstand. Como metade dos membros do conselho de supervisão é eleita por sindicatos e empregados, ele se torna muito grande para funcionar na solução de problemas e tomada de decisão. Isso leva à transferência das decisões quase que exclusivamente para o conselho de diretores, aumentando o seu poder (Carlsson, 2001).

As características do modelo latino, no qual o Brasil se enquadra, dizem respeito a uma forte concentração da propriedade nas mãos de poucos acionistas e numa alta concentração de poder nas mãos de um líder ou de uma instituição específica. Nesse modelo, o Estado também tem participação direta nas empresas, seja como proprietário ou como regulador das atividades produtivas (Scott, 1997; Carlsson, 2001). No entanto, para Bertero (2000) a análise da GC brasileira passa pelo entendimento de uma sociedade patriarcal, repleta de oligarquias e de distâncias entre as classes sociais econômicas. Sob esse aspecto, a empresa é percebida como sendo um patrimônio da família, levando as questões de governança a serem tratadas nas casas dos donos das empresas.

Conselho de administração: perspectivas teóricas

As pesquisas sobre o papel do conselho de administração e sobre a extensão de seu poder têm sido abordadas a partir de seis perspectivas teóricas, a saber, a teoria da agência e a teoria dos custos de transação, a teoria do stewardship (representante), a teoria da dependência de recursos, a teoria da classe hegemônica, a teoria da hegemonia gerencial e a perspectiva definida por lei - legalista (Zahra e Pearce II, 1989; Stiles e Taylor, 2001). As diferenças entre essas perspectivas estão exatamente no que os conselhos de administração devem fazer e como devem ser constituídos.

Para Jensen e Meckling (1976), a idéia-chave da teoria da agência (TA) é que existe um relacionamento de agência ou contratual em que uma ou mais pessoas (o principal) contrata outra (o agente) para executar algum serviço que envolva delegação de tomada de decisão e autoridade para o agente. Se ambas as partes do relacionamento têm motivações diferentes, então existem boas razões para acreditar que os agentes nem sempre agem de acordo com os interesses do principal. Dessa forma, o principal pode limitar divergências de interesses entre eles, estabelecendo apropriados incentivos para o agente e, por meio de um custo da monitoração, designar os limites das atividades dos agentes. Com isso, o principal e o agente irão incorrer em custos de monitoramento e custos de vínculos, e irão divergir sobre algumas decisões do agente.

A base da teoria dos custos de transação (TCE) lida com a decisão das empresas sobre produzir para atendimento de suas necessidades, ou se elas devem comprar no mercado, de forma a diminuir os custos de transação. A situação mais econômica - se o mercado ou a produção própria - deve prevalecer nas decisões da empresa (Coase, 1937; Williamson, 1975). O objetivo da firma é garantir boas operações utilizando mecanismos de governança. Então, a governança é pensada como uma estrutura institucional em que a integridade da transação é decidida (Williamson, 1996).

Segundo Williamson (1996), tanto a TCE como a TA argúem que o conselho surge internamente como um instrumento de controle. O papel do conselho nas estruturas de governança é proporcionar às empresas um mecanismo de custo relativamente baixo para monitoramento, recolocação e reordenação dos gestores.

A teoria do representante (stewardship) contrapõe diretamente os argumentos de oportunismo dos gestores (agentes) propostos pela teoria da agência. Sob esta ótica, os gestores são motivados por outras razões que não exclusivamente a financeira e, por isso, representam bem os interesses da empresa (Donaldon e Davis, 1991; Fox e Hamilton, 1994; Davis et al., 1997). Donaldson e Davis (1991) afirmam que os gestores são motivados também pela necessidade de alcançar e ganhar satisfação intrínseca com a execução de trabalho desafiador, exercer autoridade e responsabilidade, obtendo o reconhecimento do chefe. Conclui-se então que existem outros fatores motivadores além dos financeiros.

O gestor subjacente a essa proposição está longe de ser oportunista e busca um bom desempenho, realizando um bom trabalho e sendo um bom representante (steward) da empresa. Para a teoria do representante, o problema de motivação do gestor é inerente ao trabalho do executivo, e o desempenho da empresa melhora quando a estrutura de governança facilita suas ações (Donaldson e Davis, 1991; Fox e Hamilton, 1994). Isso porque, quando o gestor da organização também é o principal executivo do conselho de administração, seu desempenho melhora, já que o poder e a autoridade estarão concentrados numa única pessoa. Portanto, a organização se beneficiará das vantagens da unidade de direção, além de forte comando e controle. E isso gera retorno muito maior para o acionista do que ocorreria com a separação entre o principal executivo e o presidente do conselho.

Segundo Pfeffer e Salancik (1978), na abordagem da teoria da dependência de recursos, a questão central da organização é o gerenciamento para sua sobrevivência, sempre visto como problemático. A empresa sobrevive à medida que é efetiva, e a efetividade organizacional depende das habilidades gerenciais ou de grupos de interesses na captação de recursos externos. Dessa forma, o principal caminho para a sobrevivência da organização é a sua capacidade para adquirir e manter recursos. Com mudanças no ambiente, as organizações e seus gestores enfrentam o dilema de não sobreviver ou de mudar as suas atividades para se ajustar a esses novos fatores ambientais. Isso posto, as empresas buscarão soluções para reduzir a incerteza ambiental e a dependência de recursos externos escassos.

O suporte empírico dessa perspectiva emerge das pesquisas realizadas sobre o compartilhamento (interlock) do conselho. Dessa ótica, a contribuição do conselho para a organização é diminuir os impactos ambientais pela criação e aumento dos benefícios mútuos nas relações interorganizacionais (Pfeffer e Salancik, 1978; Zahra e Pearce II, 1989). O compartilhamento ocorre quando um grupo de membros do conselho de administração é partilhado por duas ou mais companhias (Mills, 1956).

O compartilhamento dos conselhos é a uma forma mais ampla e geral para se administrar o ambiente, por meio da designação de representantes externos (outsiders) para importantes posições nas organizações (Pfeffer e Salancik, 1978). Sob essa perspectiva, o papel do conselho é o fortalecimento de amizades, a troca de informações e a identificação de facilidades para se estabelecerem relacionamentos com outras organizações, instituições públicas, governos, clientes e a comunidade, diminuindo as incertezas ambientais e extraindo recursos para as operações da empresa.

Para a teoria da classe hegemônica, o poder da sociedade é compartilhado por uma elite que dirige as grandes empresas e que possui visões semelhantes da realidade (Mills, 1956). Nesse contexto, o conselho de administração é visto como o agente que busca perpetuar essa elite governante e encorajar seu fortalecimento, compartilhando conselheiros (Glasberg e Schwartz, 1983; Bazerman e Shoorman, 1983; Zahra e Pearce II, 1989; Stiles e Taylor, 2001).

De acordo com Pfeffer e Salancik (1978), enquanto a teoria da dependência de recursos é caracterizada pela ênfase nas ações que servem aos interesses das organizações em lugar das famílias, indivíduos ou uma classe social, a teoria da classe hegemônica adota a visão de que as organizações são os agentes das famílias, dos indivíduos ou de uma classe social específica, em lugar de serem agentes das próprias instituições. Ou seja, adota uma visão individualista dos interesses das empresas.

A estrutura de negócios que emerge dessa dinâmica é uma densa rede de interação entre as companhias interdependentes, que buscam vantagens no ambiente em que estão inseridas e no seu mútuo relacionamento. O resultado disso é que as empresas possuem, temporária ou permanentemente, controle sobre certos recursos e podem influenciar substancialmente fornecedores e clientes (Domhoff, 1969; Glasberg e Schwartz, 1983). Para tanto, o conselho de administração deverá ser enfático na seleção dos diretores executivos de forma a escolher as pessoas certas em termos de status e influência social. O conselho de administração, por sua vez, tem que representar a elite capitalista e promover negócios favoráveis a todas as empresas (Stiles e Taylor, 2001).

A teoria da hegemonia gerencial parte do trabalho de Berle e Means (1932) sob a argumentação de que o aumento acelerado do tamanho das empresas levou à separação da propriedade e ao controle por meio da dispersão do capital. Essa proliferação de acionistas levou também à diluição do poder do controle corporativo, antes exercido pelos donos ou sócios majoritários. A difusão do poder dos proprietários em conjunto com a dependência de capital de instituições externas colocou o poder da tomada de decisão nas mãos do executivo principal da empresa (Glasberg e Schwartz, 1983).

Dessa proposição básica, a teoria da hegemonia gerencial elabora os princípios sobre os funcionamentos internos das corporações e sobre as relações entre as empresas. De um lado, internamente, a expectativa do controle gerencial é a produção eficiente do lucro, e o papel executivo é tratado sob a ótica da busca de resultados suficientes para satisfazer acionistas dispersos e que não são atuantes, sem pressionar por uma maximização de lucros, que envolveria o risco de desastre financeiro. Essa mudança de expectativa teve grandes implicações e alterou os processos internos da companhia. De outro lado, as inter-relações corporativas tornaram-se o maior foco das análises da teoria gerencialista, porque a grande autonomia dada aos executivos e a baixa pressão pelo lucro máximo geraram uma era de laissez-faire entre as empresas, nas quais as relações tornaram-se esporádicas, não coercitivas e altamente igualitárias. A arena de conflitos existe somente nas relações entre os proprietários e os gestores, e esse conflito foi amplamente resolvido em favor dos gestores. A ação concertada entre as empresas se materializou em relacionamentos não financeiros, no compartilhamento de conselheiros, nas conexões entre os fornecedores e clientes, e na coordenação de preços entre os competidores (Glasberg e Schwartz, 1983).

Tradicionalmente, a teoria da hegemonia gerencial produz um retrato da nova classe de líderes corporativos, que têm trabalhado à revelia de pressões externas. Essa liberdade gerou enormes poderes para os gestores, mas produziu conexões frouxas e relativa desorganização das estruturas dos negócios. Nesse contexto, o conselho é percebido como uma "ficção legal" e é dominado pelo gestor, tornando-se ineficaz na redução potencial do problema da agência entre gestores e acionistas (Mace, 1971; Vance, 1983). A responsabilidade pela condução e controle da empresa é assumida integralmente pelo gestor corporativo.

Por fim, a perspectiva legalista abarca um conjunto de leis que define, entre outras coisas, a obrigatoriedade da existência, papéis e responsabilidades do conselho de administração. As funções dos conselhos são descritas pela legislação oriunda de cada país, mas na prática existem variações no modo como esses papéis são interpretados e como o poder tem sido delegado e distribuído entre o conselho e os diretores (Scott, 1997; Stiles e Taylor, 2001).

A abordagem legalista sugere que os conselhos contribuem para o desempenho das empresas quando exercem de fato as responsabilidades que lhes são legalmente atribuídas (Zahra e Pearce II, 1989). De acordo com essa visão, os conselhos são responsáveis pela liderança corporativa, mas sem interferir no dia-a-dia das operações da empresa, que são atividades designadas para o executivo principal. Na maioria das legislações que tratam da questão, os papéis do conselho se relacionam com a seleção e demissão do principal executivo da empresa, representação dos interesses dos acionistas, provimento de aconselhamento para o executivo principal e monitoramento das ações gerenciais e do desempenho da empresa (Vance, 1983; Demb e Neubauer, 1992; Bowen, 1994; Ward, 2000).

Perspectivas teóricas e os atributos, papéis e responsabilidades do conselho de administração

As perspectivas teóricas que abordam os diversos papéis do conselho, ou seja, estratégico, de controle e institucional, relacionam os principais atributos a esses papéis, fortalecendo uns em detrimento de outros. Por vezes cabe destaque a alguns e por vezes todos são tratados igualmente.

Os estudos, segundo a perspectiva legalista, apontam que os quatro atributos do conselho - composição, características, estrutura e processo - afetam o seu desempenho a partir de dois papéis primários, o institucional ou de serviço, e o de controle. No entanto, a atuação do conselho depende, em primeiro lugar, da concentração da propriedade e, em segundo, do tamanho da firma. Nas empresas onde a concentração da propriedade é grande, os conselheiros têm um papel mais ativo de controle e serviço, diferentemente das empresas com grande fragmentação acionária (Zahra e Pearce II, 1989). Nas empresas pequenas, as pesquisas apontam que o conselho é muito mais ativo no papel institucional para legitimar a empresa, enquanto nas grandes firmas a função de controle se torna vital, por estarem associadas a operações mais complexas (Jones e Goldberg, 1982; Castaldi e Wortman, 1984).

As pesquisas que sustentam o argumento central da perspectiva da dependência de recursos reconhecem os três papéis do conselho, o estratégico, o institucional e o de controle, e mostram que eles são impactados por dois atributos específicos, sua composição e suas características. A visão da dependência de recursos reconhece que o conselho deve se envolver ativamente na arena estratégica, deliberando e aconselhando o executivo principal da organização, por iniciativa própria ou sugerindo alternativas. Entretanto, os conselheiros não desenvolvem nem executam as estratégias, pois essa é uma atividade do executivo operacional. (Zahra e Pearce II, 1989; Stiles e Taylor, 2001).

A teoria da classe hegemônica argumenta que o papel do conselho é coordenar as ações das firmas de que se servem e, o mais importante, assegurar o controle capitalista das instituições societárias. Disso resulta que, nessa visão, os papéis institucional e de controle são os únicos destacados, sendo por sua vez impactados por três atributos, a composição, as características e o processo (Zahra e Pearce II, 1989). Nessa perspectiva, a consideração do "processo" se torna um paradoxo, uma vez que o papel do conselho é meramente uma ficção. Entretanto, as pesquisas não definem operacionalmente esse domínio. O desempenho do conselho depende da concentração da propriedade e do poder e estilo de trabalho do executivo principal da empresa. Dessa maneira, o executivo pode reduzir ou aumentar o envolvimento do conselho, dependendo da sua forma de atuação e poder na empresa.

As perspectivas econômicas da teoria da agência e da teoria dos custos de transação estabelecem os papéis do conselho a partir da influência dos quatro atributos, composição e características, processos e estrutura, como a abordagem legalista. No entanto, a grande diferença está nas perspectivas econômicas, que destinam mais atenção ao atributo processos - principalmente na tomada de decisão - do que a visão legalista. A ênfase está no interesse com que os conselhos executam seu trabalho, no modo como monitoram as ações do executivo e, principalmente, como essas atitudes levam à redução de custos de agência e de transação (Zahra e Pearce II, 1989). Nessa visão, os papéis de controle, institucional e estratégico são executados pelo conselho, mas o controle se torna o mais importante, seguido do institucional e do estratégico. Para avaliação do desempenho organizacional, essa perspectiva usa preferivelmente medidas baseadas no mercado, como, por exemplo, o valor de mercado da empresa.

A teoria da hegemonia gerencial vê o conselho como um júri e não como uma instância que afeta efetivamente a organização. Disso resulta que os papéis estratégico e de controle do conselho são passivos, sobressaindo-se apenas o institucional. Desse modo, apenas "composição e características" como atributos impactarão suas atividades, já que "processos" e "estrutura" pouco servirão como inputs organizacionais (Stiles e Taylor, 2001).

Finalmente, a unificação dos papéis do executivo principal e do presidente do conselho de administração, segundo a perspectiva do representante, fortalece os papéis estratégico e institucional, mas enfraquece o papel de controle. Como o executivo da empresa é também o presidente do conselho, pouco importam os atributos "composição e características" e "estrutura", mas se torna relevante o atributo "processos", principalmente no aspecto consenso. Segundo Stiles e Taylor (2001), as pesquisas empíricas, a partir dessa visão e da hegemonia gerencial, são limitadas pelo fato de não considerarem o conselho de administração como unidade independente e forte dentro da organização.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O universo da pesquisa foi o conjunto de empresas listadas em bolsa de valores. Foram selecionadas como unidade de análise as 300 maiores empresas listadas na Bovespa. O motivo dessa seleção foi principalmente devido à representatividade, influência e importância dessas empresas para o país. Os sujeitos da pesquisa ou unidade de observação foram os conselheiros e/ou executivos que formam a governança corporativa dessas empresas, sendo que o nível de análise foi o individual, ou seja, qual é a percepção do respondente (conselheiro ou executivo) acerca dos papéis do conselho de administração.

Esse estudo se caracteriza como um levantamento do tipo survey, num desenho interseccional, onde os dados colhidos descrevem alguma população maior num certo momento. Entretanto, o método adotado neste estudo não se limita à natureza descritiva, mas assume funções exploratória, descritiva e explicativa. Foi utilizado um questionário semi-estruturado (perguntas abertas e fechadas), subdividido em três partes. A primeira, denominada "dados do respondente", continha dados de identificação dos respondentes do instrumento, com o objetivo de caracterizar a amostra. A segunda parte, "atributos estrutura e processos dos conselhos", buscou analisar (a) composição e características, (b) estrutura, e (c) processos dos conselheiros das empresas, compondo o que se denominou anteriormente "atributos do conselho". Na terceira parte, "atribuições dos conselhos", discutiram-se os papéis e as responsabilidades dos conselheiros.

Para se estabelecer a influência das variáveis independentes (atributos) sobre as dependentes (papéis e responsabilidades dos conselhos), objeto deste artigo, foi realizado o teste qui-quadrado (Koosis, 1997). O teste qui-quadrado (Hogg e Craig, 1995) é uma ferramenta que tem por objetivo medir a incidência de associação existente entre duas variáveis (perguntas) da escala qualitativa de um questionário. A decisão sobre a força da correlação é medida, na maioria dos casos, pela estatística conhecida como "valor-p" (ou nível descritivo do teste). Enquanto probabilidade de influência entre as variáveis, quanto mais próximo de zero é a significância do teste (valor-p), mais se tornam plausíveis as evidências de associação.

RESULTADOS DA PESQUISA

O levantamento estatístico foi resultado da pesquisa realizada com conselheiros e executivos sêniores de reconhecidas empresas brasileiras, na qual foi utilizado um plano amostral estratégico. Para isso, após contatos verbais e escritos convidando os executivos a participarem do projeto, conseguiu-se a devolução de 71 questionários (respondidos) dos 300 enviados, o que representa um percentual de retorno de 24% da amostra, bastante significativo do ponto de vista estatístico.

O ponto de partida foi buscar a noção dos entrevistados sobre as tarefas dos conselhos. Foram apresentados aos respondentes 13 papéis e responsabilidades, e, em seguida, foi solicitada uma classificação, em ordem crescente de importância, dessas atividades nas empresas, para que se pudesse avaliar que papéis têm sido mais destacados em detrimento de outros. Sob esse aspecto, vale destacar que, dos cinco primeiros papéis em importância para o conselho, três deles pertencem à categoria que diz respeito à dimensão estratégica e dois deles à categoria relativa ao controle.

Os cinco primeiros papéis considerados mais relevantes foram o "envolvimento com a estratégia", destacado como sendo o mais importante pelos respondentes, seguido do "desenvolvimento da visão corporativa" (dimensão estratégica). Em terceiro e quarto, na categoria de controle, ficaram "determinar a posição de risco" e "monitorar a saúde da empresa". E em quinto, novamente o grupo estratégico, "controlar a mudança estratégica da empresa". O grupo do papel institucional só aparece em sexto lugar, com a responsabilidade de "contatos com acionistas e stakeholders".

Feita a classificação dos papéis e responsabilidades do conselho, buscou-se avaliar os impactos ou influências das variáveis ou fatores constantes nos atributos dos conselhos, envolvendo composição e características, estrutura e processos nas organizações, por meio dos níveis de significância (teste qui-quadrado).

O primeiro elemento dos atributos "composição e características", que apresentou forte influência sobre os papéis do conselho, foi o cargo ocupado. O cargo de conselheiro mostrou associação mais forte com o papel de controle (39%), seguido do estratégico (37%) e, por último, do institucional (24%). Para os ocupantes do cargo de executivo, o principal papel do conselho está relacionado com o estratégico (42%), seguido do de controle (34%) e do institucional (24%). Em síntese, os dados sugerem que os conselheiros tendem a considerar mais o papel de controle, enquanto para os executivos o conselho deve se preocupar mais com o papel estratégico.

O segundo ponto se refere ao sexo. Sob esse aspecto, vale considerar que, mesmo com uma diferença pequena, foi encontrada a incidência de associação do sexo feminino com o papel estratégico (40%) e do masculino com de controle, com 39%. Quanto à formação acadêmica, apesar de ter sido encontrada influência entre o grau de escolaridade e os papéis do conselho, os dados não apresentaram diferenças significativas nos números para um papel específico em detrimento de outro. Tanto para pós-graduados quanto para graduados a interdependência mais significativa foi para o papel de controle (38% para ambos), seguido do estratégico (35% e 26%) e do institucional (27% e 26%). Entretanto, destaca-se que ambas as formações tendem a priorizar o papel de controle do conselho de administração. A experiência profissional também apresentou forte indício de relacionamento com os papéis do conselho. Mas, independentemente do tempo de experiência como conselheiro ou executivo, o papel de controle se mostrou mais relevante para esse elemento, seguido do estratégico e do institucional.

O número de membros do conselho exerce grande influência sobre o papel estratégico, independentemente do número ideal apontado pelos respondentes. Em todas as alternativas, o papel estratégico (64%) se mostrou muito mais significante que o segundo, institucional (24%), e o terceiro, de controle (12%).

A presença de conselheiros externos fortalece o papel de controle do conselho, sendo que uma maior quantidade de conselheiros externos, cinco ou mais, apresentaram-se mais significativamente associados também com o papel do controle (40%). Em seguida, aparece o papel estratégico, com destaque para um número ideal de quatro membros (36%). Já o papel institucional apresenta-se em terceiro lugar, praticamente com o mesmo número, independentemente da quantidade ideal de membros externos.

O último elemento dos atributos "composição e características" que apresentou incidência de associação com os papéis do conselho foi o tempo de mandato ideal dos conselheiros. Independentemente do tempo ideal, dois, três ou quatro anos, os papéis institucional e estratégico apresentaram relacionamento mais contundente com esses atributos que o de controle. Para um mandato de até dois anos aparece, primeiramente, o papel estratégico, com 46%; seguido do institucional, com 44%. No caso de três anos, os dois papéis mais importantes aparecem na mesma proporção (45%). E de quatro anos em diante, estratégico com 46% e institucional com 44%. O papel de controle, apesar da ocorrência de associação, apresentou-se muito pouco freqüente nesse tópico. Na Tabela 1 são apresentados resumidamente os elementos dos atributos "composição e características" do conselho com maior freqüência nas respostas e como os mais relevantes para a formação do perfil dos papéis e as responsabilidades dessa instância nas organizações.

Para o atributo "estrutura", o primeiro elemento - estrutura hierárquica - mostrou relacionamento estatístico com os papéis do conselho. A ausência de estrutura formal influencia mais o papel de controle (38,67%), tanto quanto a presença dela (37,63%), seja formada por comitês ou por força tarefa (task forces). Em segundo aparece a associação do papel estratégico, com 35,48%, e em terceiro a do institucional, com 26,88%.

Independentemente da forma, o fluxo de informações entre os conselheiros é mais significante para o papel de controle, seguido do estratégico e do institucional. O mesmo se dá quanto ao fluxo de informações entre os conselheiros e a diretoria. Nesse caso, destaca-se a comunicação do tipo "comunicados da diretoria e do conselho", que se apresentou mais relevante, com 39,02%, mas favorecendo ainda assim o papel de controle. A existência ou não de conselheiros que polarizam as discussões nas reuniões também mostrou forte indício de associação com os papéis dos conselhos, sendo que, em ambos os casos (sim e não), favorecendo o papel de controle, seguido do estratégico e do institucional.

A Tabela 2 mostra resumidamente os elementos da estrutura com maior freqüência nas respostas e que se apresentaram como os mais relevantes para os papéis e as responsabilidades dessa instância na organização, tendendo sempre a se associarem de forma mais significativa com o papel de controle em detrimento do estratégico e do institucional.

Por fim, o atributo "processos" apresentou relacionamento forte com alto grau de confiabilidade aos papéis do conselho, a partir dos seguintes elementos. Em primeiro lugar, a periodicidade das reuniões, com influência maior no papel de controle. As reuniões trimestrais foram mais representativas, com 40%; seguidas das mensais, com 38,18% e das bimestrais, com 37,87%. Em segundo lugar, a duração das reuniões, em que a informação mais freqüente foi que duram, em média, 3 horas, privilegiando também o papel de controle. Em terceiro, as tomadas de decisão do conselho, nas quais, quando feitas por meio do voto, os papéis de controle e estratégico se tornam relativamente mais relevantes, enquanto as decisões tomadas por consenso fortalecem significativamente mais o papel de controle. Em relação ao quarto elemento, independentemente de quem toma a decisão nas reuniões, o conselho todo, o diretor presidente ou um grupo dominante de conselheiros, o papel de controle é claramente mais significante, seguido do estratégico e do institucional. Destaca-se ainda que, quando o diretor presidente é quem decide, o fortalecimento do papel de controle é ainda maior que nas tomadas de decisão por outros elementos da organização. Havendo ou não avaliação dos trabalhos dos diretores das empresas, quinto elemento, esse aspecto influencia mais fortemente o papel de controle. Finalmente, destaca-se que os assuntos com os quais o conselho nunca concorda, sexto elemento, também impactam os papéis e responsabilidades. Os temas de natureza estratégica, estrutural e política correlacionamse paradoxalmente com o papel de controle. Os temas relacionados às políticas internas e aos recursos humanos são mais significantes para o papel estratégico nas organizações pesquisadas.

Com uma postura que privilegia mais o papel de controle em detrimento do estratégico e institucional, os elementos do atributo "processos", apresentados sinteticamente na Tabela 3 com maior freqüência nas respostas, mostraram-se os mais relevantes para os papéis e as responsabilidades dessa instância na organização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do objetivo deste artigo de analisar as alterações dos atributos da governança corporativa e seus impactos nos papéis e responsabilidades do conselho de administração das empresas brasileiras, constata-se, ao se avaliarem as atividades dos conselheiros, que em 79% dos casos o conselho acredita que as tarefas que lhes foram designadas são adequadas. Em se tratando de papéis e responsabilidades, o ranking apurado revela que, dos cinco mais importantes, o primeiro é o envolvimento na estratégia, seguido do desenvolvimento da visão corporativa, determinação da posição de risco, monitoramento da saúde da empresa e controle da mudança estratégica. Desses, três deles dizem respeito ao papel estratégico e dois ao de controle. O institucional só aparece em sexto lugar, em contatos com acionistas e stakeholders.

Mas quando se analisa a incidência de associação entre os atributos e os papéis dos conselheiros, observa-se uma nítida influência entre alguns atributos dos elementos composição e características com as responsabilidades do conselho. De uma forma geral, o cargo ocupado pelos executivos, o número de componentes no conselho, entre 9 e 11 membros, e o tempo do mandato ideal dos conselheiros, de quatro anos ou mais, apresentaram-se fortemente associados ao papel estratégico, enquanto os demais, sexo masculino, formação acadêmica com pós-graduação, experiência profissional de mais de 6 anos e número ideal de conselheiros externos até dois, apresentaram-se com associação mais forte ao papel de controle, mas se sobrepondo ao estratégico. Para este atributo, o papel institucional foi muito pouco significativo, em relação aos outros dois.

O atributo estrutura mostrou significância forte com os papéis do conselho a partir dos elementos estrutura hierárquica existente ou não, formação de estrutura hierárquica formal ou a partir de comitês, fluxo de informação entre os conselheiros e com os diretores da empresa, e a existência ou não de conselheiros polarizadores nas discussões que permeiam as reuniões do conselho. Entretanto, todos esses elementos apresentaram incidência de associação mais forte ao papel de controle.

O último atributo, processos, se refere às atividades de tomada de decisão, a partir de cinco elementos básicos, a saber: a freqüência e a duração das reuniões, a interface do conselho com o principal executivo da empresa, o nível de consenso entre os conselheiros, as formalidades dos procedimentos e a extensão na qual o conselho está envolvido na sua auto-avaliação. Entretanto, os elementos que apresentaram influência forte sobre os papéis e responsabilidades desta instância nas organizações foram a periodicidade das reuniões, as duração das reuniões, a forma das decisões tomadas pelo conselho, quem realmente toma as decisões nas reuniões, se o trabalho do conselho é avaliado ou não, por quem o conselho é avaliado e a natureza dos assuntos com os quais o conselho nunca concorda. Todos eles, de uma forma geral, também influenciaram mais o papel de controle em detrimento dos papéis estratégico e institucional.

A partir dessas observações, pode-se sugerir que o conselho de administração das empresas brasileiras tem se tornado mais ativo em alguns momentos, mas inativo em outros, principalmente quando a concentração de capital é maior em algumas empresas do que em outras. Fica clara a tendência do conselho em privilegiar o papel de controle em detrimento do estratégico e do institucional, apesar de o estratégico ter sido considerado o mais importante para o trabalho dos conselheiros.

Ao se analisarem os dados desta pesquisa, pode-se dizer dos papéis do conselho de administração das empresas brasileiras, com relação às perspectivas teóricas legalista e econômica, que fortalecem principalmente o papel de controle, devido à grande concentração de capital, e que têm o propósito maior de monitorar as ações do executivo em favor do acionista controlador. Observa-se também uma forte influência da teoria da dependência de recursos, na medida em que os conselhos são ativos nas deliberações e aconselhamentos ao executivo principal, por iniciativa própria ou do próprio acionista controlador, algumas vezes até sugerindo alternativas. Sob outro aspecto, o conselho está extremamente ligado à teoria da hegemonia gerencial e do representante, na medida em que o conselho se torna uma ficção legal e o executivo da empresa possui sobre ele grande influência, que lhe foi dada pelo acionista controlador, enfraquecendo relativamente o papel de controle.

Resumidamente, conclui-se que o poder relativo dos conselhos nas organizações brasileiras e sua inclinação ao papel de controle derivam dos seguintes fatores: (1) influência pessoal dos conselheiros, de quem os escolheu e de que maneira. Quanto mais ligado for ao acionista controlador ou a um membro da família controladora, maior influência e controle exercerá sobre os negócios da empresa; (2) habilidade para modelar a estratégia, a partir principalmente de sua formação acadêmica, especialização ou conhecimento e experiências vividas no próprio setor de atuação das empresas trabalhadas, ou seja, menor conhecimento do negócio, menor envolvimento na estratégia e vice-e-versa; e (3) efetiva participação na seleção do principal administrador e, a partir disso, de sua capacidade de monitorar os progressos conseguidos pelos gestores mediante os objetivos propostos.

Artigo recebido em 23.08.2004.

Aprovado em 18.07.2005.

Henrique Cordeiro Martins

Professor do mestrado profissional da FEAD-Minas e do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Doutor em Administração pela UFMG. Interesses de pesquisa nas áreas de governança corporativa, estratégias e finanças corporativas.

E-mail: hcmartin@ig.com.br

Endereço: Rua Professor Antônio Aleixo, 52/201, Bairro Lourdes , Belo Horizonte - MG, 30180-150.

Suzana Braga Rodrigues

Professora titular da UFMG-CEPEAD e coordenadora do mestrado em negócios internacionais da Birmingham University - Inglaterra. PhD pela University of Bradford. Interesses de pesquisa nas áreas de cultura, governança corporativa e gestão internacional.

E-mail: ggi@face.ufmg.br

Endereço: Rua Engenheiro Sena Freire, 578, Bairro São Bento, Belo Horizonte - MG, 30350-400.

  • BAZERMAN, M. H.; SCHOORMAN, F. D. A limited rationality model of interlocking directorates. Academy of Management Review, v. 8, n. 2, p. 206-217, 1983.
  • BERLE, A.; MEANS, G. The Modern Corporation and Private Property New York: Harcourt, Brace & World, 1932.
  • BERTERO, C. O. Questões de governança empresarial. In: RODRIGUES, S. B.; CUNHA, M. P. (Eds.). Estudos organizacionais: novas perspectivas na administração de empresas São Paulo: Iglu, 2000. p. 429-444.
  • BOWEN, W. G. Inside the Boardroom: Governance by Directors and Trustees New York: John Wiley & Sons, 1994.
  • CASTALDI, R.; WORTMAN, M. S. JR. Boards of directors in small corporations: an untapped resource. American Journal of Small Business, v. 9, n. 2, p. 1-10, 1984.
  • CARLSSON, R. H. Ownership and Value Creation: Strategic Corporate Governance in the New Economy Chichester: John Wiley & Sons, 2001.
  • CHAGANTI, R. S.; MAHAJAN, V.; SHARMA, S. Corporate board size, composition and corporate failures in retailing industry. Journal of Management Studies, v. 22, n. 4, p. 400-417, 1985.
  • CHILD, J. Theorizing about organizational cross-nationality. Forthcoming in Advances in International Comparative Management, v. 13, 2000.
  • CHILD, J.; RODRIGUES, S. B. Corporate Governance and International Joint Ventures: Insights from Brazil and China Birmingham Business School, 2000. (working paper).
  • COASE, R. The Nature of The Firm [1937]. In: PUTTERMAN, L.; KROSZNER, R. (Orgs). The Economic Nature of the Firm Cambridge, MA: Cambridge University Press, 1996. p. 89-124.
  • COCHRAN, P. L.; WOOD, R. A.; JONES, T. B. The composition of boards of directors and incidence of golden parachutes. Academy of Management Journal, v. 28, n. 3, p. 664-671, 1985.
  • DALTON, D. R.; KESNER, I. F. Composition and CEO duality in boards of directors: an international perspective. Journal of International Business Studies, v. 18, n. 3, p. 33-42, 1987.
  • DAVIS, J. H.; SCHOORMAN, F. D.; DONALDSON, L. Toward a stewardship theory of management. Academy of Management Review, v. 22, n. 1, p. 20-47, 1997.
  • DEMB, A.; NEUBAUER, F. F. The Corporate Board: Confronting the Parodoxes Oxford: Oxford University Press, 1992.
  • DOMHOFF, W. G. Who Rules America? Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1969.
  • DONALDSON, L.; DAVIS, J. H. Stewardship theory or agency theory: CEO governance and shareholder returns. Australian Journal of Management, v. 16, n. 1, p. 49-64, 1991.
  • FOX, M. A.; HAMILTON, R. T. Ownership and diversification: agency theory and stewardship theory. Journal of Management Study, v. 31, n. 1, p. 69-81, 1994.
  • FORBES, D. P.; MILLIKEN, F. J. Cognition and corporate governance: understanding boards of directors as strategic decision-making groups. Academy of Management Review, v. 24, p. 489-505, 1999.
  • GLASBERG, D. S.; SCHWARTZ, M. Ownership and control of corporations. Annual Review of Sociology, v. 9, p. 311-332, 1983.
  • HOGG, R. V.; CRAIG, A. T. Introduction to Mathematical Statistics New York: Prentice Hall, 1995.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Disponível em <http://www.ibgc.org.br>. Acesso em 10 dez. 2001.
    » link
  • JENSEN, M.; MECKLING, W. Theory of the firm: managerial behavior, and agency cost and capital structure. Journal of Financial Economics v. 3, p. 305-60, 1976.
  • JOHNSON, J.; DAILY, C. M.; ELLSTRAND, A. E. Journal of Management, v. 22, n. 3, p. 409-438, 1996. Special issue.
  • JONES, T. M.; GOLDBERG, L. D. Governing the large corporation: more arguments for public directors. Academy Management Review, v. 7, n. 4, p. 603-611, 1982.
  • KERR, J.; BETTIS, R. A. Boards of directors, top management compensation and shareholder returns. Academy of Management Journal, v. 30, n. 4, p. 645-664, 1987.
  • KESNER, I. F; VICTOR, B.; LAMONT, B. T. Board composition and the commission of illegal acts: an investigation of Fortune 500 Companies. Academy of Management Journal, v. 29, n. 4, p.789-799, 1986.
  • KOOSIS, D. J. Statistics: A Self-Teaching Guide New York: John Wiley & Sons, 1997.
  • MACE, M. L. Directors: Myth and Reality Boston: Harvard University, 1971.
  • MILLS, C.Wright. The Power Elite London: Oxford University Press, 1956.
  • MIWA, Y. The economics of corporate governance in Japan. In: HOPT, K. J.; KANDA, H.; ROE, M. J.; WYMEERSCH, E.; PRIGGE, S. (Eds.). Comparative Corporate Governance: The State of the Art and Emerging Research Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 877-890
  • MONKS, R. A. G.; MINOW, N. Corporate Governance 2nd edition. Cambridge, MA: Blackwell Business, 2001.
  • PEARCE II, J. A.; ZAHRA, S. A. Board composition from a strategic contingency perspective. Journal of Management Studies, v. 29, n. 4, p. 411-438, 1992.
  • PFEFFER, J. Size and composition of corporate boards of directors: the organization and its environment. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 2, p. 218-228, 1972.
  • PFEFFER, J.; SALANCIK, G. R. The External Control of Organizations: A Resource Dependence Perspective New York: Harper & Row, 1978.
  • SCOTT, J. Corporate Business and Capitalist Classes Oxford: Oxford University Press, 1997.
  • STILES, P.; TAYLOR, B. Boards at Work: How Directors View Their Roles and Responsibilities New York: Oxford University Press, 2001.
  • TURNBULL, S. Corporate governance: its scope, concerns and theories. Scholarly Reserch and Theory Papers, v. 5, n. 4, 1997.
  • VANCE, S. C. Corporate Leadership: Boards, Directors, and Strategy New York: McGraw-Hill, 1983.
  • WARD, R. D. Improving Corporate Boards: The Boardroom Insider Guidebook New York: John Wiley & Sons, 2000.
  • WILLIAMSON, O. E. Markets and Hierarchies New York: Free Press, 1975.
  • WILLIAMSON, O. E. The Mechanisms of Governance New York: Oxford University Press, 1996.
  • ZAHRA, S.; PEARCE II, J. A. Boards of directors and corporate financial performance: a review and integrative model. Journal of Management, v. 15, n. 2, p. 291-334, 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    18 Jul 2005
  • Recebido
    23 Ago 2004
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br